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Aplicação de técnicas de desenvolvimento urbano de baixo impacto no controle da poluição das águas do Riacho das Piabas, Campina Grande, Brasil

Application of low impact development techniques to control water pollution in Riacho das Piabas, Campina Grande, Brazil

RESUMO

O lançamento irregular de esgoto doméstico e resíduos sólidos no sistema de drenagem, resultando na poluição dos corpos hídricos urbanos, é uma realidade comumente encontrada em todo o Brasil. Este estudo analisa a aplicação de medidas de desenvolvimento de baixo impacto na área de drenagem do Riacho das Piabas, localizado em Campina Grande – Paraíba, por meio da modelagem hidrológica dos indicadores de poluição das águas, utilizando o programa Storm Water Management Model. Monitorou-se indicadores físico-químicos de qualidade de água, em períodos seco e chuvoso, e mediu-se vazões ao longo do canal e contribuições do esgoto. Na etapa de modelagem, simulou-se três cenários: a) atual em período seco; b) atual em período chuvoso; c) cenário prevendo a aplicação de medidas estruturais e não estruturais de desenvolvimento de baixo impacto. No cenário atual em período seco, verificou-se que o processo de propagação de fluxo do escoamento eleva as concentrações dos indicadores ao longo do canal. Na simulação do período chuvoso, ocorreu diluição das concentrações dos indicadores em eventos com grande volume precipitado. Por fim, a simulação do último cenário mostrou que a adoção das medidas de desenvolvimento de baixo impacto resulta na redução das cargas poluentes do escoamento superficial e na melhoria da qualidade das águas do canal.

Palavras-chave:
drenagem urbana; qualidade de águas pluviais; modelagem hidrológica

ABSTRACT

The irregular release of domestic sewage and solid waste into the drainage system, resulting in the pollution of urban water bodies, is a reality commonly found throughout Brazil. This study analyzes the application of Low Impact Development measures in the drainage area of Riacho das Piabas, in the city of Campina Grande, state of Paraíba, through the qualitative hydrological modeling of water pollution indicators, using the Storm Water Management Model program. Physicochemical indicators of water quality were monitored, in both dry and rainy periods, and flow measurements along the channel and sewage contributions were made. In the modeling stage, three scenarios were simulated: a) current in the dry period; b) current in the rainy season; c) a scenario foreseeing the application of structural and non-structural Low Impact Development measures. In the current dry season scenario, it was found that the flow propagation process increases the concentrations of the indicators along the channel. In the simulation of the rainy season, it was observed that there is a dilution of concentrations of the indicators in events with large, precipitated volume. Lastly, the simulation of the third scenario showed that the adoption of Low Impact Development measures leads to the reduction of polluting loads from surface runoff and to the improvement of quality of channel water.

Keywords:
urban drainage; rainwater quality; hydrological modeling

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o processo de urbanização no Brasil ocorreu de forma desordenada e com grandes impactos nas bacias hidrográficas.

A remoção indiscriminada da cobertura vegetal da bacia, a impermeabilização de áreas e a geração de resíduos sólidos e esgoto sanitário que, muitas vezes, não são coletados e tratados adequadamente, causam impactos nos sistemas de drenagem (MIGUEZ et al., 2016MIGUEZ, M.G.; VERÓL, A.P.; REZENDE, O.M. Drenagem urbana: do projeto tradicional à sustentabilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016, 384 p.).

Na ocorrência de chuvas, as cargas poluidoras não pontuais são incorporadas ao escoamento superficial e transportadas pelas redes de drenagem até o lançamento final nos corpos d’água receptores (CAMPANA; BERNARDES, 2010CAMPANA, N.A.; BERNARDES, R.S. Qualidade do escoamento na rede de drenagem pluvial urbana: a situação de Brasília-DF. REGA, v. 7, n. 2, 2010, p. 53–65. http://doi.org/10.21168/rega.v7n2.p53-65
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). Ademais, as deficiências nos serviços de saneamento básico favorecem a poluição dos corpos hídricos urbanos, pois promovem o lançamento irregular de efluentes domésticos e resíduos sólidos nas redes de drenagem. A elevada quantidade de matéria orgânica, nutrientes e organismos patogênicos descarregados nos corpos d’água resultam em riscos para a saúde humana e ambiental.

A demanda por um desenvolvimento urbano sustentável modificou a concepção dos sistemas tradicionais de drenagem nos últimos anos. O Low Impact Development (LID), denominado no Brasil Desenvolvimento Urbano de Baixo Impacto, é uma abordagem para manejo sustentável das águas pluviais que objetiva amortecer os efeitos negativos da urbanização nas bacias hidrográficas. Para Souza et al. (2012SOUZA, F.S.; CRUZ, M.A.S.; TUCCI, C.E. Desenvolvimento urbano de baixo impacto: planejamento e tecnologias verdes para a sustentabilidade das águas urbanas. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 11, 2012, p. 1 – 10. http://doi.org/10.21168/rbrh.v17n2.p9-18
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), as técnicas LID dão ênfase à utilização de ecossistemas naturais como infraestrutura para manejo das águas pluviais, por meio da conservação e do aproveitamento de características de solo e vegetação.

A abordagem LID é aplicada na drenagem pluvial através de medidas estruturais, como valas de infiltração, pavimentos permeáveis, dispositivos de biorretenção, entre outros, e de medidas não estruturais, como a redução de fontes de contaminantes e programas de educação ambiental para conscientização da população. Segundo Ahiablame et al. (2012AHIABLAME, L.M; ENGEL, B.A.; CHAUBEY, I. Effectiveness of low impact development practices: literature review and suggestions for future research. Water, Air & Soil Pollution. v. 223. n. 7, 2012. p. 4253–4273. https://doi.org/10.1007/s11270-012-1189-2
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), desde o surgimento das medidas LID, foram obtidos resultados positivos na gestão do escoamento das águas pluviais, na qualidade dessas águas e na proteção do meio ambiente.

Os modelos hidrológicos computacionais são considerados ferramentas eficientes na avaliação dos impactos das práticas LID nas bacias urbanas. Entre os modelos mais utilizados está o Storm Water Management Model (SWMM), software aplicado na análise dos sistemas de drenagem urbana e desenvolvido pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (U.S. EPA) para simular o comportamento quali-quantitativo dos escoamentos superficiais.

Gülbaz e Kazezyılmaz-Alhan (2018GÜLBAZ, S.; KAZEZYILMAZ-ALHAN, C.M. Impact of LID implementation on water quality in Alibeyköy Watershed in Istanbul, Turkey. Environmental Processes, v. 5, 2018. https://doi.org/10.1007/s40710-018-0318-3
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) utilizaram o modelo SWMM para avaliar o impacto da implantação de técnicas LID (biorretenção, valas vegetativas, trincheiras de infiltração e pavimentos permeáveis) na qualidade das águas pluviais da bacia hidrográfica Alibeyköy, em Istanbul, Turquia. Os resultados mostraram que os dispositivos LID apresentaram maior eficiência na redução da concentração dos sólidos totais suspensos (STS) durante eventos de precipitação de maior intensidade. Palla e Gnecco (2015PALLA, A.; GNECCO, I. Hydrologic modeling of low impact development systems at the urban catchment scale. Journal of Hydrology, v. 528, 2015, p. 361 – 368. https://doi.org/10.1016/j.jhydrol.2015.06.050
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) utilizaram o modelo SWMM para analisar a resposta hidrológica de uma bacia urbana em Gênova, na Itália, em diferentes cenários de uso do solo e implementação das técnicas LID, incluindo telhados verdes e pavimentos permeáveis. Os resultados da modelagem confirmaram a eficiência da redução da impermeabilização promovida pelas medidas LID. Os autores concluíram que o SWMM é adequado para avaliar o desempenho dos dispositivos LID em escala urbana.

A adoção das práticas LID para melhoria da qualidade das águas de drenagem ainda é pouco explorada no Brasil. No município de Campina Grande, situado no interior da Paraíba, existem impactos no sistema de drenagem pluvial devido às ações antrópicas no processo de uso e ocupação do solo das bacias urbanas, que contribuíram para a alteração do volume do escoamento e degradação da qualidade das águas pluviais (CAMELO, 2020CAMELO, S.M. Modelagem da qualidade da água em sistemas de macrodrenagem de bacias urbanas. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 25, n. 6, p. 873 – 885. https://doi.org/10.1590/S1413-415220202019033.
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; RAMALHO, 2017RAMALHO, P.B. et al. Proposição de medidas compensatórias para o sistema atual de drenagem de Campina Grande – PB. In: XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos. Anais… XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, Brasília, DF: ABRH, 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/309493182_PROPOSICAO_DE_MEDIDAS_COMPENSATORIAS_PARA_O_SISTEMA_ATUAL_DE_DRENAGEM_URBANA_DE_CAMPINA_GRANDE-PB. Acesso em: 28 mai. 2022.
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). Assim, o presente estudo analisou os impactos da implantação das medidas LID, como a biorretenção e os pavimentos permeáveis, na área de drenagem do Riacho das Piabas. Para isso, foi utilizado o programa SWMM para modelagem hidrológica dos indicadores de poluição das águas, metodologia pouco aplicada na análise da qualidade das águas pluviais.

METODOLOGIA

O estudo foi desenvolvido na área de drenagem do Riacho das Piabas, inserida na Bacia Hidrográfica Riacho das Piabas, em Campina Grande, Paraíba. O município está localizado no interior do estado, entre as regiões do Baixo e Médio cursos do Rio Paraíba. O clima é Aw, conforme classificação de Köppen-Geiger, com temperatura média de 22,9 °C e pluviosidade anual média de 765 mm. A área de estudo tem aproximadamente 24 km2 e está dividida em 10 sub-bacias (Figura 1). A canalização do riacho tem um comprimento de aproximadamente 3,5 km e foi projetada com três tipos de seção transversal: trapezoidal, retangular e parabólica.

Figura 1
Representação da Bacia Hidrográfica Riacho das Piabas.

Monitoramento da qualidade da água

Após visitas técnicas à área de estudo, selecionou-se seis pontos para coleta de amostras de água, de forma a se obter a maior cobertura possível do Riacho das Piabas. Foram escolhidos um ponto no início e um no término do revestimento artificial (P1 e P5), três pontos ao longo do canal (P2 a P4) e um ponto na calha natural do riacho (P6) (Figuras 2).

Figura 2
Localização dos pontos de monitoramento da qualidade da água e das vazões.

As amostras de água foram coletadas com frequência semanal para realização das análises laboratoriais, no período de março a novembro de 2019. Os indicadores físico-químicos adotados no trabalho foram demanda bioquímica de oxigênio (DBO), demanda química de oxigênio (DQO), fósforo total (FT) e nitrogênio amoniacal (NA). As análises laboratoriais foram realizadas no Laboratório de Saneamento da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e seguiram as recomendações descritas no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, AWWA, WEF, 2012AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Standard methods for the examination of water and wastewater. 21. ed. Washington, D.C: APHA/ AWWA/ WPCF, 2012.).

Medição das vazões do canal

Foram selecionados cinco pontos para a medição de vazão das águas do canal (Q1 a Q5), localizados em trechos acessíveis, longos e retilíneos (Figura 2). As medições foram executadas por meio do método do flutuador, recomendado para situações de condutos livres e indicado por Azevedo Netto et al. (1998AZEVEDO NETO, J.M.; FERNANDEZ, M.F.; ARAUJO, M.; ITO, A.E. Manual de Hidráulica. 8. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1998, 680 p.). O monitoramento das vazões ocorreu nos dias 11/7/2019 e 30/8/2019, referentes ao período chuvoso, e nos dias 17/9/2019 e 22/10/2019, referentes ao período seco. Foram realizadas três medições em cada seção do canal, com o objetivo de obter um valor médio.

Medição das vazões das contribuições de esgoto

A identificação dos quatro pontos de contribuição de esgoto no Riacho das Piabas ocorreu a partir de visitas em campo e antes do processo de monitoramento (Figura 2). A medição de vazão foi realizada nos pontos de entrada de esgoto em que foi constatada contribuição significativa nos dias de monitoramento da qualidade da água, mesmo que por tubulações que deveriam funcionar apenas para transporte das águas pluviais.

A contribuição de esgoto do ponto E1 era intermitente e sua vazão foi estimada com base no número de residências próximas, número de habitantes e consumo per capita de água. Os pontos E2 e E4 eram de difícil acesso e suas vazões foram determinadas a partir da diferença entre as vazões do canal, antes e depois das entradas de esgoto, obtidas com o método do flutuador. Para a contribuição do ponto E3, utilizou-se o método volumétrico, determinando-se o tempo necessário para encher um recipiente de volume conhecido.

Modelagem

No modelo SWMM, cada sub-bacia foi representada pelos parâmetros físicos da Tabela 1. O perímetro P (m), a área A (ha), o coeficiente de compacidade Kc, a largura W (m), a declividade média S (%) e as áreas impermeáveis AI (%) foram estimados com suporte do software QGIS, utilizando-se arquivos digitais cedidos por Tsuyuguchi (2015TSUYUGUCHI, B.B. Macrodrenagem e ocupação do solo no município de Campina Grande: caracterização, simulação e análises sistêmicas. 102 p. Dissertação (Mestrado em Eng.Civil e Ambiental) – Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2015. Disponível em: http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/10677. Acesso em: 28 mai. 2022.
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). O coeficiente de rugosidade de Manning, para superfícies impermeáveis (NI) e permeáveis (NP), foi determinado pelo tipo das superfícies observadas em campo, sendo as mais comuns o asfalto liso nas áreas impermeáveis, e, nas áreas permeáveis, o solo com vegetação natural. Os valores de NI e NP estão de acordo com o recomendado por Rossman (2015ROSSMAN, L.A. Storm water management model: user’s manual version 5.1. 2015. USEPA. 353 p.).

Tabela 1
Parâmetros físicos utilizados na representação das sub-bacias no Storm Water Management Model.

Foram inseridos no modelo valores médios das áreas impermeáveis não conectadas (AINC) (%) e capacidades de armazenamento em depressões para superfícies impermeáveis (DI) (mm) e permeáveis (DP) (mm), sugeridos por Rossman (2015ROSSMAN, L.A. Storm water management model: user’s manual version 5.1. 2015. USEPA. 353 p.), e, posteriormente, calibrados através de eventos de precipitação ocorridos na bacia de estudo. Os valores encontrados para os parâmetros e utilizados nas sub-bacias foram DP = 5,08 mm, DI = 2,54 mm e AINC = 5%.

Nesta pesquisa, as perdas por infiltração foram estimadas pela equação de Horton, bastante utilizada na literatura, com uso do SWMM (ZANANDREA; SILVEIRA, 2019ZANANDREA, F.; SILVEIRA, A.L.L. Uso de técnicas de low impact development no controle de impactos hidrológicos. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 24, n. 6, 2019. : http://doi.org/10.1590/S1413-41522019188729
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). Os valores inseridos na equação foram obtidos por Paixão et al. (2009PAIXÃO, F.J.R.; ANDRADE, A.R.S.; AZEVEDO, C.A.V.; COSTA, T.L.; GUERRA, H.O.C. Ajuste da curva de infiltração por meio de diferentes modelos empíricos. Pesquisa aplicada & Agrotecnologia. v. 2, n. 1, 2009, p. 108 – 112. Disponível em: https://revistas.unicentro.br/index.php/repaa/article/download/439/596. Acesso em: 28 mai. 2022.
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), que estimaram a velocidade de infiltração da água no solo em Lagoa Seca, Paraíba, município vizinho a Campina Grande e com solo predominantemente arenoso, sendo assim semelhante à bacia estudada. Logo, na modelagem, utilizou-se os seguintes valores: capacidade de infiltração inicial = 396,1 mm.h−1; capacidade de infiltração final = 7,1 mm.h−1; e constante de decaimento = 2,677 mm.h−1.

Os parâmetros para caracterização dos condutos que representam o canal no modelo são o comprimento (m), o coeficiente de rugosidade de Manning e o tipo de seção transversal. O comprimento das galerias foi considerado como a distância entre dois nós e medido com as ferramentas do SWMM. As características e condições das seções transversais dos condutos foram observadas nas visitas em campo. Os valores médios do coeficiente de rugosidade de Manning adotados nos condutos são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Valores médios do coeficiente de rugosidade de Manning.

Os nós foram considerados como encontros entre condutos, locais de mudança de seção, início e fim da canalização e pontos de monitoramento. As cotas de fundo (m), as profundidades (m) e coordenadas geográficas foram obtidas no levantamento de campo.

No que diz respeito à modelagem da qualidade das águas de drenagem, foram inseridas no SWMM a concentração dos poluentes (mg.L-1), em período seco e chuvoso, obtidas nas análises laboratoriais e para cada ponto de coleta.

Chuva real e de projeto

A seleção dos eventos utilizados nas simulações dos cenários ocorreu a partir de uma análise detalhada do banco de dados da Estação Meteorológica Principal, da Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Campina Grande. Para isso, foram considerados os dias das coletas das amostras de água e das medições de vazão.

Foram escolhidos dois eventos para simulação e calibração do modelo deste estudo, selecionados de acordo com a disponibilidade dos dados de vazão e a qualidade da água do riacho: o evento real do dia 11/7/2019 para período chuvoso, em que ocorreu uma precipitação com total acumulado de 3,4 mm; e o dia 22/10/2019 para período seco, pois não apresentou volume precipitado.

Nas simulações hidrológicas dos cenários propostos também foi utilizada chuva de projeto com tempo de retorno de 25 anos, valor usualmente adotado na análise das estruturas de macrodrenagem (PMPA, 2005PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Plano diretor de drenagem urbana. manual de drenagem urbana. Departamento de Esgotos Pluviais, v. 6, 2005, 167 p.). As intensidades desses eventos foram calculadas com a equação geral da curva de Intensidade-Duração-Frequência (IDF) obtida por Aragão et al. (2000ARAGÃO, R.; FIGUEIREDO, E.E.; SRINIVASAN, V.S.; GOIS, R.S.S. Chuvas intensas no estado da Paraíba. In: Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste V, Anais… Natal: Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 2000, p. 74-85.), apresentada na Equação 1.

(1) i = 334 T 0 , 227 ( t + 5 ) 0 , 596

Em que:

i = intensidade da chuva (mm/h);

T = tempo de retorno (anos);

t = duração da chuva (minut os).

Os tempos de concentração estipulados por meio da equação de Kirpich para as sub-bacias de estudo variaram entre 39 minutos (sub-bacia C7) e 1 hora e 20 minutos (sub-bacia C10). Após a escolha da equação da curva IDF, foi determinada a precipitação com duração igual ou maior que o tempo de concentração da bacia; em seguida, a precipitação foi distribuída em intervalos de tempo menores ou iguais a 1/5 do tempo de concentração encontrado (PMPA, 2005PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Plano diretor de drenagem urbana. manual de drenagem urbana. Departamento de Esgotos Pluviais, v. 6, 2005, 167 p.). Assim, para a modelagem, foi adotada uma chuva de projeto com duração de 2 horas e subdividida em intervalos de 5 minutos.

Acumulação e lixiviação dos poluentes

A poluição de águas da drenagem pluvial caracteriza-se pela ocorrência de dois processos, denominados buildup e wash-off. O processo de buildup corresponde ao acúmulo de poluentes em dias antecedentes ao período chuvoso. Quando ocorre uma precipitação, parte desses poluentes é lavada da superfície no processo denominado wash-off, e, assim, são conduzidos para o sistema de drenagem pluvial.

A acumulação de agentes poluentes é representada em massa por unidade de área, sendo a quantidade de poluente acumulada uma função do número de dias sem precipitação antes da chuva. Para este estudo, optou-se por utilizar a função saturação, representada pela Equação 2, para calcular a acumulação do poluente (B), a qual inicia-se de forma linear, e, progressivamente, decresce com o tempo até alcançar um determinado valor de saturação (ROSSMAN, 2015ROSSMAN, L.A. Storm water management model: user’s manual version 5.1. 2015. USEPA. 353 p.)

(2) B = c 1 t c 2 + t

Em que:

c1 = acumulação máxima possível do poluente (massa/unidade de área);

c2 = constante de semissaturação (número de dias necessários para alcançar a metade da máxima acumulação possível);

t = intervalo de tempo de tempo de acúmulo, em dias.

A lixiviação de agentes poluentes ocorre durante os períodos chuvosos e pode ser representada pela função concentração média do evento (CME), bastante utilizada para indicar a carga poluidora total que será lançada no corpo receptor através do escoamento superficial. A concentração média do evento é definida pela relação linear entre a carga lixiviada (W) e a vazão do escoamento (Q), como mostra a Equação 3 (ROSSMAN, 2015ROSSMAN, L.A. Storm water management model: user’s manual version 5.1. 2015. USEPA. 353 p.).

(3) W = c 1 . Q

Em que:

c1 = concentração do poluente lixiviado em unidades de massa por litro;

W = carga lixiviada;

Q = vazão do escoamento.

Representação dos dispositivos Low Impact Development

Os pavimentos permeáveis geralmente são constituídos por uma camada superficial de concreto ou asfalto permeável, uma camada de solo e uma camada de armazenamento de cascalho na parte inferior. A estrutura ainda pode conter um dreno profundo opcional, para o transporte da água que provém da camada de armazenamento. Os valores dos parâmetros utilizados na simulação dos pavimentos permeáveis foram escolhidos seguindo as recomendações de Rossman (2015ROSSMAN, L.A. Storm water management model: user’s manual version 5.1. 2015. USEPA. 353 p.) e baseados na pesquisa de Alves (2017ALVES, P.B.R. Simulações de medidas compensatórias sustentáveis de drenagem: propostas em duas microbacias urbanas. 133 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2017.), que realizou o dimensionamento desse tipo de dispositivo para o tipo de solo de Campina Grande.

O sistema de biorretenção é composto por uma camada superficial com vegetação, uma camada de solo e uma camada de armazenamento com ou sem um dreno profundo. Nas simulações desses sistemas, os valores dos parâmetros e a equação do dimensionamento da área superficial, representada pela Equação 4, foram retirados dos manuais de Rossman (2015ROSSMAN, L.A. Storm water management model: user’s manual version 5.1. 2015. USEPA. 353 p.) e de Woods-Ballard et al. (2015WOODS-BALLARD, B.; WILSON, S.; UDALE-CLARKE, H.; ILLMAN, S; SCOTT, T.; ASHLEY, R.; KELLAGHER, R. The SuDS manual. Londres: CIRIA, 2015.).

(4) A f = V t L k ( h + L ) t p

Em que:

Af = área superficial do meio filtrante (m2);

Vt = volume de água a ser tratada (m3);

L = profundidade do meio filtrante (m);

k = condutividade hidráulica do meio filtrante (m/s);

h = altura média da água acima do meio filtrante (m);

tp = tempo requerido para o volume de água percolar pelo meio filtrante (s).

Foi adotado como valor de Vt o volume máximo escoado em cada sub-bacia, obtido nas simulações do SWMM. A profundidade do meio filtrante (L) foi 0,8 m, valor recomendado pela Minessota Pollution Control Agency (2019). O coeficiente do meio filtrante (k) foi estimado como o mesmo do solo adjacente, de 5,4 mm.h−1 (1,5 x 10-6 m.s−1). O valor adotado de h foi 1,75 m e do parâmetro tp48h, ambos estimados como recomendado por Woods-Ballard et al. (2015WOODS-BALLARD, B.; WILSON, S.; UDALE-CLARKE, H.; ILLMAN, S; SCOTT, T.; ASHLEY, R.; KELLAGHER, R. The SuDS manual. Londres: CIRIA, 2015.).

A Tabela 3 apresenta os parâmetros utilizados na simulação dos dispositivos LID no modelo SWMM.

Tabela 3
Parâmetros utilizados na simulação dos dispositivos Low Impact Development.

Calibração e validação

Neste trabalho, foram inseridas as características físicas de cada sub-bacia, e a calibração do modelo ocorreu para períodos seco e chuvoso, a fim de se obter uma maior confiabilidade dos dados disponíveis para vazão e concentração dos poluentes no canal. O método utilizado foi por tentativa e erro, de forma a possibilitar a aproximação dos resultados obtidos aos observados em campo, com uma faixa de erro aceitável. Quando uma simulação é concluída, os erros de continuidade para o balanço hídrico e propagação do escoamento e dos poluentes são exibidos no relatório de estado gerado pelo SWMM. Esses erros representam a diferença percentual entre o armazenamento inicial + vazão total e o armazenamento final + vazão total, para todo o sistema de drenagem. Se eles excederem um valor razoável de 10%, a validade dos resultados da análise deve ser questionada (ROSSMAN, 2015ROSSMAN, L.A. Storm water management model: user’s manual version 5.1. 2015. USEPA. 353 p.).

Cenários Simulados

Foram propostos três cenários distintos para modelagem, escolhidos com base nas observações das visitas in loco, no comportamento do sistema durante o monitoramento, nas características da bacia e nos objetivos apresentados nesta pesquisa.

O cenário 1 é referente ao período seco da cidade de Campina Grande, considerando apenas as vazões das contribuições de esgoto no canal. A simulação desse cenário propõe a avaliação do comportamento das concentrações dos poluentes durante a propagação de fluxo no canal de macrodrenagem. O cenário 2 consiste na simulação dos períodos hidrológicos, a partir do comportamento dos poluentes em diferentes intensidades de chuvas: precipitação (dia 11/7/2019) e evento com tempo de retorno de 25 anos. No cenário 3, usou-se a análise da aplicação das medidas LID (biorretenção e pavimentos permeáveis) na interceptação das contribuições de esgoto e os seus efeitos na concentração dos poluentes na área de estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Acúmulo e lavagem dos poluentes

A função de acúmulo dos poluentes foi determinada através dos valores médios das concentrações dos indicadores analisados (DBO, DQO, FT e NA), obtidos nos dias secos em cada ponto de coleta e associados às sub-bacias. A partir desses valores, dos volumes precipitados e das áreas de contribuição, foram obtidas as concentrações por unidade de área C1 (kg.ha−1) dos poluentes analisados. A constante de semissaturação c2 foi estimada como a metade da média do número de dias antecedentes sem chuva durante o período seco.

Em um evento de precipitação, parte dos poluentes é lavada da superfície no processo de lixiviação. Para determinação do coeficiente c1 da função de lixiviação, foram considerados os valores médios das concentrações dos poluentes durante o período chuvoso analisado. Na Tabela 4, encontram-se os valores de c1 e c2 obtidos para as funções de acúmulo e lixiviação de poluentes na área de estudo. Nas sub-bacias de C4 a C8, os valores dos coeficientes de acumulação foram elevados, mas reduzidos significativamente em C9, que possui menores níveis de urbanização e impermeabilização do solo. Quanto ao coeficiente de lixiviação, a variável DQO apresentou altos valores para toda a área de estudo.

Tabela 4
Valores de acumulação máxima possível do poluente e constante de semissaturação para as funções de acúmulo e lixiviação de poluentes.

Cenário 1 – Período seco

Para melhor discussão dos resultados, optou-se por dividir o Riacho das Piabas em 10 trechos. Os resultados foram analisados a partir dos mapas gerados pelo SWMM, que indicam os valores simulados por meio de uma escala de cores. Essa representação gráfica permitiu identificar as áreas com maiores concentrações de poluentes, indicadas pela cor vermelha, e as regiões com as menores concentrações, indicadas pela cor azul escura.

Para o cenário do período seco, foram consideradas apenas as vazões contínuas dos esgotos que adentram o canal de drenagem. Nos mapas, é possível observar que as maiores concentrações de DBO, após 50 minutos da simulação, ocorrem em T2 e T3 (Figura 3A). Esses trechos se situam após a entrada de esgoto E2, que apresentou o maior potencial poluidor dentre todos os pontos de lançamentos simulados. Após as 12 horas de simulação (Figura 3B), ocorre um aumento na concentração de DBO em T5 e T6, devido à propagação dos fluxos e à mistura de efluentes ao longo do canal.

Figura 3
Comportamento da demanda bioquímica de oxigênio (a) após 50 minutos de simulação e (b) no fim da simulação.

O trecho T1, localizado nas imediações do bairro Rosa Mística, apresentou concentrações de DBO com valores de 41 a 51 mg.L−1 durante toda a simulação. Esses valores são superiores aos valores padrões de DBO exigidos pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) 357/2005: 3 a 10 mg.L−1, para as classes de águas doces e salobras. As elevadas concentrações de DBO nesse local, possivelmente, são resultantes dos lançamentos de esgotos domésticos e resíduos sólidos, gerados pelas residências que se encontram próximas ao leito natural do riacho. Nesse local, em períodos de estiagem, segundo observações de Sousa (2010SOUSA, V.G. Diagnóstico e prognóstico socioeconômico e ambiental das nascentes do Riacho das Piabas (PB). 2010. 125 f. Dissertação (Mestrado em Recursos Naturais) – Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2010. Disponível em: http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/17021. Acesso em: 28 mai. 2022.
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), a água do riacho se reduz a um “fio”. Nessa época, os esgotos domésticos chegam a representar a quase totalidade da vazão desse corpo hídrico.

Na simulação, os trechos de T7 a T10 apresentaram baixas concentrações de DBO. Isso porque as afluências advindas dos trechos T11, T12 e T13 apresentam concentrações reduzidas de DBO e uma vazão que resulta na diluição desse poluente antes de T10.

Durante toda a simulação, as concentrações de DQO, FT e NA tiveram comportamento similar às de DBO, com valores crescentes nas primeiras horas de simulação. Isso ocorre devido à propagação do fluxo do escoamento no canal, resultando na mistura e aumento na concentração dos poluentes nesses trechos.

De acordo com critérios de Jordão e Pessoa (2017JORDÃO, E.P.; PESSÔA, C.A. Tratamento de esgotos domésticos. 8. ed. Rio de Janeiro, 2017. 916 p.), a qualidade da água do riacho oscilou entre esgoto sanitário fraco e médio durante a simulação do período seco. O mesmo foi observado em estudos anteriores realizados por Freire (2014FREIRE, J.R.P. Análise do sistema separador absoluto no âmbito da drenagem pluvial da cidade de Campina Grande - Estudo de Caso do Canal das Piabas. 2014. 91f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2014. https://doi.org/10.5902/2236130815178
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), que analisou a qualidade das mesmas águas.

Camelo (2020)CAMELO, S.M. Modelagem da qualidade da água em sistemas de macrodrenagem de bacias urbanas. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 25, n. 6, p. 873 – 885. https://doi.org/10.1590/S1413-415220202019033.
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constatou que as águas do Canal do Prado, situado na mesma cidade, também apresentaram qualidade semelhante a esgoto sanitário durante o período seco. Assim, é possível afirmar que, na ausência ou baixa ocorrência de precipitações no município, a pequena lâmina d’água encontrada nos canais é proveniente apenas das ligações clandestinas de esgoto predominantemente doméstico existentes na rede de drenagem.

É importante destacar que o Decreto nº 7.217/2010, que regulamenta a Lei nº 11.445/2007, prevê penalidades para o lançamento de águas pluviais ou de esgotos não compatíveis com a rede de esgotamento sanitário. Assim, o sistema adotado no território brasileiro deve ser o separador absoluto.

Cenário 2 – Período chuvoso

Neste cenário, foram simulados eventos de precipitação com diferentes intensidades e número de dias antecedentes sem chuva. O evento real ocorrido no dia 11/7/2019 apresentou um total precipitado de 3,4 mm, e a precipitação com tempo de retorno de 25 anos, um total precipitado de 78 mm.

O comportamento da DBO, no escoamento gerado em cada sub-bacia, na simulação do evento de 3,4 mm, ao final de 12 horas de simulação, mostrou que as áreas mais urbanizadas (sub-bacias C4, C5, C6, C7 e C8) permaneceram com elevadas concentrações (Figura 4).

Figura 4
Comportamento da demanda bioquímica de oxigênio no evento de 3,4 mm (a) com 9h de simulação e (b) com 12h de simulação.

No evento de 78 mm (Figura 5), após 12 horas de simulação, as concentrações dos indicadores na sub-bacia C3 apresentaram-se elevadas devido ao recebimento de altas quantidades de poluentes escoados de outras sub-bacias (C1 e C2) e contribuições de esgoto doméstico (E1). Na C7, essa elevada concentração é consequência da alta porcentagem de impermeabilização do solo (98%), baixa declividade e baixa velocidade de escoamento.

Figura 5
Comportamento da demanda bioquímica de oxigênio no evento de 78 mm (a) com 1h20min de simulação (início) e (b) com 12h de simulação (fim).

Nas simulações dos eventos de 3,4 mm e 78 mm, os indicadores DQO, FT e NA apresentaram comportamentos similares ao do DBO no escoamento superficial.

A partir das simulações, foi possível observar que, mesmo na época de chuvas, a água do riacho apresentou características típicas de esgoto sanitário. O mesmo foi observado por Freire (2014FREIRE, J.R.P. Análise do sistema separador absoluto no âmbito da drenagem pluvial da cidade de Campina Grande - Estudo de Caso do Canal das Piabas. 2014. 91f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2014. https://doi.org/10.5902/2236130815178
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) em outras condições meteorológicas.

A concentração de poluentes no escoamento superficial da área de estudo foi superior aos valores encontrados nas águas pluviais das cidades de Brasília – Distrito Federal (CAMPANA; BERNARES, 2010CAMPANA, N.A.; BERNARDES, R.S. Qualidade do escoamento na rede de drenagem pluvial urbana: a situação de Brasília-DF. REGA, v. 7, n. 2, 2010, p. 53–65. http://doi.org/10.21168/rega.v7n2.p53-65
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) e Natal – Rio Grande do Norte (RIGUETTO et al., 2017RIGHETTO, A.M.; GOMES, K.M.; FREITAS, F.R.S. Poluição difusa nas águas pluviais de uma bacia de drenagem urbana. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 22. n. 6, 2017, p. 1109 – 1120. https://doi.org/10.1590/S1413-41522017162357
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).

Cenário 3 – Aplicação das medidas Low Impact Development

No terceiro cenário, foi simulada e analisada a aplicação das medidas de desenvolvimento de baixo impacto (LID) na área de drenagem do Riacho das Piabas. As simulações foram realizadas utilizando os eventos de 3,4 mm e 78 mm, com as opções de tratamento de 50% e 100% da área impermeabilizada sem LID de cada sub-bacia, cujo escoamento é tratado pelos dispositivos sustentáveis. Esses percentuais foram escolhidos porque as alterações significativas na quantidade e qualidade dos escoamentos ocorreram apenas com o tratamento de mais de 50% da área impermeabilizada sem LID das sub-bacias de estudo.

Os pavimentos permeáveis foram alocados nas sub-bacias de C4 a C8, que são mais impermeabilizadas e apresentaram as maiores concentrações de poluentes no início do segundo cenário. Os pavimentos permeáveis foram aplicados em 30% da área total de cada uma das sub-bacias, pois, segundo ABCP (2013)ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND. Projeto técnico: pavimento permeável. Fábrica de Ideias Brasileiras, São Paulo, 2013., esse percentual equivale às superfícies destinadas ao sistema viário e estacionamentos em áreas urbanas densamente ocupadas.

Os dispositivos de biorretenção foram inseridos nas sub-bacias C3 e C9, pois estas apresentaram menor área impermeabilizada, são adjacentes às sub-bacias mais urbanizadas e possuem vegetação adequada ao tratamento das águas poluídas do canal. A área superficial das estruturas de biorretenção foi estimada de acordo com a Equação 4.

Durante a simulação do evento de 3,4 mm com tratamento de 50% da área impermeabilizada, oito sub-bacias tiveram concentrações de DBO entre 10 e 40 mg.L−1, após 9h50min de simulação (Figura 6a). No fim da simulação, apenas quatro sub-bacias continuaram com elevadas concentrações de DBO (Figura 6b).

Figura 6
Concentrações de demanda bioquímica de oxigênio durante a simulação do evento de 3,4 mm com tratamento de 50% da área impermeabilizada (a) com 9h50min de simulação e (b) ao fim da simulação.

No que diz respeito ao comportamento das concentrações de DBO na simulação do evento de 3,4 mm com tratamento de 100% da área impermeabilizada, foi possível observar que apenas a sub-bacia C2, que não possuía nenhum dispositivo LID, apresentou concentração de 31 mg.L−1 após 9h50min de simulação (Figura 7a). No fim da simulação, todas as sub-bacias tiveram suas concentrações reduzidas (Figura 7b).

Figura 7
Comportamento da DBO na simulação do evento de 3,4 mm com tratamento de 100% da área impermeabilizada (a) 9h50min de simulação e (b) fim da simulação.

Na simulação do evento de 78 mm com tratamento de 50% da área impermeabilizada, observa-se que, após 1h30min de simulação, nove sub-bacias apresentaram concentrações de DBO acima de 10 mg.L−1 (Figura 8ᵃ). No entanto, após 8h50min de simulação, todas as sub-bacias tiveram as concentrações reduzidas (Figura 8b).

Figura 8
Concentrações da demanda bioquímica de oxigênio nas sub-bacias durante a simulação do evento de 78 mm com 50% da área impermeabilizada tratada (a) com 1h30min de simulação e (b) com 8h50min de simulação.

Na simulação do evento de 78 mm com 100% da área impermeabilizada (Figura 9a), as sub-bacias onde foram implantados os pavimentos permeáveis (C4 a C8) tiveram as menores concentrações de DBO após 1h30min de simulação. As concentrações de todas as sub-bacias reduziram-se após 4h de simulação (Figura 9b). Nas simulações dos demais indicadores, DQO, FT e NA, obtiveram-se comportamentos similares ao da DBO no escoamento superficial.

Figura 9
Lavagem superficial da demanda bioquímica de oxigênio durante a simulação do evento de 78 mm com 100% da área impermeabilizada tratada (a) com 1h30min de simulação e (b) com 4h de simulação.

Validação das simulações

Após cada simulação realizada no SWMM, os erros de continuidade gerados foram verificados para as vazões e variáveis simuladas (DBO, DQO, FT e NA). Em todas as simulações, o erro percentual da propagação de vazão variou de 0,10 a 0,37%. Em relação às variáveis de qualidade da água, o erro percentual da DBO variou de 0,008 a 3,361%, da DQO de 0,012 a 2,968%, do FT de 0,015 a 2,907% e do NA de 0,004 a 1,461%.

Todos os erros apresentaram valores inferiores ao valor limite de 10%, aceitáveis para a simulação. Sendo assim, as vazões e variáveis de qualidade da água foram validadas em todos os cenários simulados.

Análise comparativa dos cenários com e sem aplicação de Low Impact Development

As simulações do terceiro cenário mostraram que a adoção das medidas LID estruturais e não estruturais foram capazes de minimizar a poluição das águas do riacho durante o período chuvoso. A Tabela 5 apresenta os valores das concentrações dos indicadores nos trechos de T1 a T10 depois de finalizadas as simulações dos eventos de 3,4 mm e 78 mm, com e sem a aplicação das medidas sustentáveis.

Tabela 5
Concentrações dos indicadores no final das simulações dos eventos de 3,4 mm e 78 mm, com e sem a aplicação das medidas sustentáveis.

Para ambos os eventos simulados com tratamento de 100% da área impermeabilizada sem LID, as concentrações finais de DBO e FT foram inferiores aos valores padrões desses indicadores, exigidos pela Resolução CONAMA 357/2005 nas classes das águas doces e salobras. É possível afirmar que ocorreu a redução das concentrações de DQO, que apresentou grande quantidade lixiviada nas simulações sem as medidas LID.

Nos trechos de T7 a T10, as concentrações de NA se mantiveram elevadas nos cenários com e sem a aplicação das medidas LID. Esse comportamento ocorreu, provavelmente, devido à presença desse indicador em fertilizantes utilizados na agricultura, que são carreados para o riacho durante o escoamento das águas pluviais na sub-bacia C9.

No geral, os pavimentos permeáveis e a biorretenção apresentaram maior eficiência em eventos de precipitação de maior intensidade, e, consequentemente, com maior diluição das cargas poluidoras, resultado similar ao obtido por Gülbaz e Kazezyılmaz-Alhan (2018GÜLBAZ, S.; KAZEZYILMAZ-ALHAN, C.M. Impact of LID implementation on water quality in Alibeyköy Watershed in Istanbul, Turkey. Environmental Processes, v. 5, 2018. https://doi.org/10.1007/s40710-018-0318-3
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). Becker e Pinheiro (2019)BECKER, N.; PINHEIRO, I.G. Potencialidade dos pavimentos permeáveis na melhoria da qualidade da água do escoamento superficial: uma revisão. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, p. 1–11. https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.002.AO07
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comprovaram que os pavimentos permeáveis possuem grande potencial na melhoria da qualidade da água do escoamento superficial, e sua contribuição ocorre tanto na redução de enchentes urbanas como na atenuação da concentração de poluentes presentes no escoamento superficial.

Os trechos do riacho inseridos na sub-bacia C13 apresentaram baixas concentrações dos indicadores, no fim das simulações dos cenários com e sem a adoção das medidas sustentáveis. Essa capacidade de autodepuração provavelmente se deve à existência de um desnível de aproximadamente 57 m entre os pontos P5 e P6, que possibilita a oxigenação das águas nos trechos subsequentes, melhorando consideravelmente a sua qualidade.

A partir da aplicação das técnicas LID, foi possível reduzir o arraste de sedimentos que adentram o canal durante os eventos de precipitação, e, consequentemente, reduziu-se a poluição das águas do Riacho das Piabas. Vale ressaltar que a interceptação das contribuições pontuais de esgoto também apresentou grande influência na melhoria da qualidade dessas águas. Camelo (2020)CAMELO, S.M. Modelagem da qualidade da água em sistemas de macrodrenagem de bacias urbanas. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 25, n. 6, p. 873 – 885. https://doi.org/10.1590/S1413-415220202019033.
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destaca a importância de investimentos na melhoria do sistema de drenagem urbana das cidades, com foco no controle da poluição pontual por meio do correto funcionamento do sistema separador absoluto e do tratamento de esgotos coletados.

CONCLUSÕES

O software SWMM mostrou-se adequado aos objetivos propostos no trabalho, apresentando resultados compatíveis com as análises laboratoriais e outros estudos de modelagem da qualidade da água e aplicações de técnicas LID. Assim, pode ser uma ferramenta útil no planejamento de sistemas de gestão sustentável de águas pluviais urbanas.

A modelagem demonstrou que a propagação de fluxo do escoamento resulta no aumento das concentrações dos poluentes ao longo do canal e que os esgotos domésticos chegam a representar a quase totalidade da vazão do riacho no período seco. Nesse cenário, os resultados obtidos demonstram que não ocorreu avanço na gestão pública do município, pois, nos últimos 5 anos, a problemática do lançamento contínuo de esgoto sanitário no canal de drenagem é persistente.

A precipitação de maior volume promoveu a diluição das concentrações dos poluentes nas águas de drenagem no cenário do período chuvoso, mas não ocorreu uma redução significativa nas áreas com maior impermeabilização do solo. Foi constatada a melhoria da qualidade dessas águas apenas nas simulações do cenário com a adoção de medidas sustentáveis e de baixo impacto na área de drenagem.

Entende-se que, para alcançar a sustentabilidade na gestão das águas pluviais urbanas do município, é necessária a aplicação de forma combinada das medidas LID, com a interceptação das contribuições de esgoto, a redução no lançamento de resíduos sólidos em locais inadequados, a melhoria dos hábitos da população e a instalação de dispositivos que promovam a redução nas concentrações de poluentes nas águas escoadas.

  • Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Processo n. 88882.455169/2019-01.
  • Reg. Abes: 20200212

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2020
  • Aceito
    01 Set 2020
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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