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Formação acadêmica do fisioterapeuta: a utilização das atividades lúdicas nos atendimentos de crianças

Professional training in physiotherapy: the use of play activities in the treatment of children

Resumos

as atividades lúdicas ocorrem, com freqüência, nos atendimentos de crianças. A utilização das atividades lúdicas no atendimento de crianças, durante a formação acadêmica, deve ter assegurada a finalidade terapêutica, visto que essa experiência influenciará na atuação do fisioterapeuta. Portanto, este estudo tem como objetivo descrever a utilização das atividades lúdicas na fisioterapia com crianças, realizado pelos estagiários durante a formação acadêmica. Em vista do objetivo proposto, foi realizado um estudo descritivo, denominado de estudo de caso. Participaram 6 (seis) acadêmicas, do quarto ano do curso de graduação em fisioterapia. A coleta de informações foi realizada por meio de observação sistemática, registrada pela filmagem. Os dados foram analisados por meio de três categorias: a manifestação das atividades lúdicas na fisioterapia; a atividade lúdica na fisioterapia e; comportamento da estagiária na atividade lúdica. Foram observados 186 e 158 atividades lúdicas, respectivamente, na primeira e na penúltima semana de estágio e, freqüentemente, eram adequadas à criança atendida. Vários tipos de jogos e brincadeiras foram observados nos atendimentos, que resultaram em determinados comportamentos da criança: obtenção da resposta desejada; obtenção parcial da resposta desejada; não-alcance da resposta desejada e; impossibilidade de avaliar se a resposta obtida era desejada ou não. Os comportamentos das participantes eram de preparação, orientação, incentivo, acompanhamento, facilitação e demonstração da atividade lúdica. Verificou-se que as atividades lúdicas são utilizadas pelas participantes como recurso terapêutico. Porém, há necessidade de inclusão do tema jogos e brincadeiras nas disciplinas teóricas e discussão e orientação sistemática no estágio supervisionado.

fisioterapia; atividades lúdicas; observação; educação especial


play activities frequently occur in child care. When using play in child care during physiotherapy intern training, it is important to assure the therapeutic purpose of such activities, since this experience will influence the physiotherapist's professional development. The aim of this study is, therefore, to describe the use of play activities in child physiotherapy sessions carried out by trainees during their academic internship. In view of the established aim, a descriptive study (case study) was carried out. Six senior year students in the fourth year of the physiotherapy university undergraduate course took part in this study. Information was collected through systematic observation recorded on camcorder. Data was analyzed according to three categories: the emergence of play activities in physiotherapy sessions; actual playing in physiotherapy; and the intern's behavior during play. In the first and next to last week of sessions, 187 and 158 play activities were observed respectively, often appropriate to the level of the child being treated. Several kinds of games and play activities were observed during the sessions, resulting in specific behaviors from the child: gaining the desired response; gaining partially desired response; lack of desired response and; inability to evaluate if the response obtained was desirable or not. The participants' behavior showed preparation, orientation, incentive, supervision, facilitation and demonstration of the play activity. The study showed that the participants did use play as a therapeutic resource. It is clear, however, that including the theme of games and playing in the theoretical academic disciplines as well as discussion and systematic orientation on play during supervised training will help enhance trainee repertoire.

physiotherapy; play activities; observation; special education


RELATO DE PESQUISA

Formação acadêmica do fisioterapeuta: a utilização das atividades lúdicas nos atendimentos de crianças

Professional training in physiotherapy: the use of play activities in the treatment of children

Dirce Shizuko FujisawaI; Eduardo José ManziniII

IUniversidade Estadual de Londrina, Docente do Departamento de Fisioterapia, Doutorado em Educação – UNESP/Campus de Marília - dirce07@sercomtel.com.br

IIDocente do Departamento de Educação Especial e do Programa de Pós-graduação em Educação da Unesp, Marília. Líder do grupo de pesquisa Deficiências Físicas e Sensoriais – CNPq/97 - manzini@marilia.unesp.br

RESUMO

as atividades lúdicas ocorrem, com freqüência, nos atendimentos de crianças. A utilização das atividades lúdicas no atendimento de crianças, durante a formação acadêmica, deve ter assegurada a finalidade terapêutica, visto que essa experiência influenciará na atuação do fisioterapeuta. Portanto, este estudo tem como objetivo descrever a utilização das atividades lúdicas na fisioterapia com crianças, realizado pelos estagiários durante a formação acadêmica. Em vista do objetivo proposto, foi realizado um estudo descritivo, denominado de estudo de caso. Participaram 6 (seis) acadêmicas, do quarto ano do curso de graduação em fisioterapia. A coleta de informações foi realizada por meio de observação sistemática, registrada pela filmagem. Os dados foram analisados por meio de três categorias: a manifestação das atividades lúdicas na fisioterapia; a atividade lúdica na fisioterapia e; comportamento da estagiária na atividade lúdica. Foram observados 186 e 158 atividades lúdicas, respectivamente, na primeira e na penúltima semana de estágio e, freqüentemente, eram adequadas à criança atendida. Vários tipos de jogos e brincadeiras foram observados nos atendimentos, que resultaram em determinados comportamentos da criança: obtenção da resposta desejada; obtenção parcial da resposta desejada; não-alcance da resposta desejada e; impossibilidade de avaliar se a resposta obtida era desejada ou não. Os comportamentos das participantes eram de preparação, orientação, incentivo, acompanhamento, facilitação e demonstração da atividade lúdica. Verificou-se que as atividades lúdicas são utilizadas pelas participantes como recurso terapêutico. Porém, há necessidade de inclusão do tema jogos e brincadeiras nas disciplinas teóricas e discussão e orientação sistemática no estágio supervisionado.

Palavras-chave: fisioterapia; atividades lúdicas; observação; educação especial.

ABSTRACT

play activities frequently occur in child care. When using play in child care during physiotherapy intern training, it is important to assure the therapeutic purpose of such activities, since this experience will influence the physiotherapist's professional development. The aim of this study is, therefore, to describe the use of play activities in child physiotherapy sessions carried out by trainees during their academic internship. In view of the established aim, a descriptive study (case study) was carried out. Six senior year students in the fourth year of the physiotherapy university undergraduate course took part in this study. Information was collected through systematic observation recorded on camcorder. Data was analyzed according to three categories: the emergence of play activities in physiotherapy sessions; actual playing in physiotherapy; and the intern's behavior during play. In the first and next to last week of sessions, 187 and 158 play activities were observed respectively, often appropriate to the level of the child being treated. Several kinds of games and play activities were observed during the sessions, resulting in specific behaviors from the child: gaining the desired response; gaining partially desired response; lack of desired response and; inability to evaluate if the response obtained was desirable or not. The participants' behavior showed preparation, orientation, incentive, supervision, facilitation and demonstration of the play activity. The study showed that the participants did use play as a therapeutic resource. It is clear, however, that including the theme of games and playing in the theoretical academic disciplines as well as discussion and systematic orientation on play during supervised training will help enhance trainee repertoire.

Keywords: physiotherapy, play activities, observation, special education.

1 INTRODUÇÃO

A fisioterapia na área de pediatria tem como base a avaliação, o planejamento e a execução do programa, as orientações e as reavaliações periódicas. O início da fisioterapia, geralmente, ocorre por meio da avaliação, buscando identificar as limitações, as dificuldades, as alterações, as capacidades, os interesses e as necessidades de cada criança. Gusman e Torre (1998) recomendam que na avaliação devem ser observados e analisados todos os aspectos, motor, sensorial, cognitivo e comportamental, já que estes funcionam de maneira integrada. A partir da avaliação, deve ser elaborado o programa terapêutico, de acordo com as necessidades da criança, em conjunto com os pais. Yagüe Sebastian e Yagüe Sebastian (2002) reforçam que a avaliação e o trabalho sistematizado levam à intervenção mais eficaz, o que promove a correta valorização da fisioterapia pelos profissionais envolvidos no âmbito educativo.

Diversos materiais e equipamentos (bolas, rolos, bancos, esteiras, planos inclinados, espelhos, andadores, prancha de equilíbrio, carrinhos, faixas elásticas e outros) e brinquedos, podem ser utilizados na fisioterapia à criança. Nesse sentido, as salas de atendimento devem dispor de brinquedos, e os fisioterapeutas devem, sempre que possível, utilizar as atividades lúdicas durante o atendimento à criança. Ratliffe (2000) ressalta que os brinquedos e os jogos são componentes essenciais no atendimento de crianças, e que a sua utilização de maneira correta torna a fisioterapia eficaz.

Segundo Burns e Macdonald (1999), o brincar deve ser utilizado ao máximo, em todos os procedimentos, como uma estratégia útil para incentivar a participação da criança na realização das atividades desejadas na fisioterapia. Dessa forma, os jogos e as brincadeiras podem estar presentes tanto na avaliação, quanto nos atendimentos de fisioterapia. Vale destacar que, quando as atividades lúdicas são dirigidas pelo adulto com o objetivo de promover e potencializar a aprendizagem, surge a dimensão educativa (KISHIMOTO, 1995).

A presença das atividades lúdicas deve ocorrer de maneira intencional e planejada pelo fisioterapeuta, durante os atendimentos. Fujisawa (2000) refere que a presença do lúdico na fisioterapia caracteriza-se como uma atividade-meio, ou seja, um recurso que tem como finalidade facilitar ou conduzir aos objetivos estabelecidos. Embora para a criança a atividade lúdica possa ser considerada como brincar, busca-se o alcance dos objetivos estabelecidos.

As atividades lúdicas ocorrem, com freqüência, nos atendimentos de crianças, seja realizado por fisioterapeutas, seja realizado por estagiários. Porém, deve ser assegurado que a utilização dos jogos e das brincadeiras durante a formação acadêmica tenha finalidade terapêutica, visto que o estágio supervisionado tem papel fundamental na promoção de vivências e experiências relativas à sua futura atuação como profissional. Strohschein, Hagler e May (2002) relatam que o estágio supervisionado é o melhor momento para ensinar e refinar as habilidades e atitudes necessárias no acadêmico de Fisioterapia. Portanto, este estudo tem como objetivo descrever a utilização das atividades lúdicas na fisioterapia com crianças realizadas pelos estagiários durante a formação acadêmica.

2 MÉTODO

Em vista do objetivo proposto, foi realizado um estudo descritivo, uma vez que, segundo Triviños (1987), este tipo de estudo tem como propósito a descrição "exata" dos fatos e fenômenos de determinada realidade. Especificamente, os estudos descritivos denominados estudos de casos têm como objetivo a descrição aprofundada de determinada realidade (ANDRÉ, 1995).

Participantes

Participaram dessa pesquisa 6 (seis) acadêmicas, do gênero feminino, do quarto ano do curso de graduação em fisioterapia da Universidade Estadual de Londrina. As atividades acadêmicas previstas para o quarto ano do curso de graduação em fisioterapia eram os estágios, conforme a grade curricular proposta no catálogo dos cursos de graduação da Universidade Estadual de Londrina (1999), portanto as participantes eram estagiárias. Além disso, participaram somente as estagiárias que estavam desenvolvendo atividades, no momento da observação, no ambulatório de fisioterapia em pediatria e concordaram voluntariamente com a observação de seus atendimentos.

Local

A observação sistemática ocorreu no ambulatório de fisioterapia em pediatria do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná da Universidade Estadual de Londrina. Preferencialmente, utilizou-se a sala II para a observação do atendimento realizado pela participante, devido às condições de iluminação (ambiente mais claro), menos circulação de outras pessoas, menor incidência de ruídos e apenas uma criança era atendida.

Período

A observação sistemática, registrada por meio da filmagem, foi realizada na primeira e penúltima semana de estágio. A observação no final do estágio foi realizada na penúltima semana, pois caso ocorresse alguma falta das crianças atendidas ou mesmo da participante, ainda assim seria possível filmá-la na última semana, o que não inviabilizaria ou reduziria a coleta de informações.

O dia de observação, na primeira semana de estágio, foi definido pelas próprias participantes e mantidos na penúltima semana, visto que o agendamento de crianças é fixo durante a semana. Na penúltima semana, foram mantidos os dias estabelecidos para cada participante. Somente os atendimentos das crianças que tinham vindo na primeira semana foram observados e registrados. Ou seja, foram consideradas somente as observações dos atendimentos das crianças que vieram na primeira e penúltima semana e realizados pelas mesmas participantes.

Coleta de Informações

A coleta de informações foi realizada por meio de observação sistemática, registrada pela filmagem. A opção de utilizar um recurso técnico para o registro da observação, por meio da filmagem, ocorreu em razão da possibilidade de assistir o fenômeno observado repetidas vezes. A observação sistemática permitiu a descrição do fenômeno em foco, que correspondia à utilização dos jogos e das brincadeiras pelos estagiários de fisioterapia nos atendimentos de crianças. Cunha (1976) e Fagundes (1999) referem que as circunstâncias e os contextos envolvidos também devem ser descritos, com a finalidade de verificar a relação causal com o fenômeno em questão.

Outro procedimento utilizado na coleta de informações, com o objetivo de complementar a observação sistemática, foi a anotação das evoluções no prontuário das crianças atendidas pelas participantes. Tal anotação teve o intuito de possibilitar a identificação dos objetivos estabelecidos e da conduta realizada, pela participante observada, no atendimento da criança.

O estudo piloto foi determinante na definição das questões técnicas, como por exemplo, posicionamento da filmadora e uso de microfone próximo a participante. A observação sistemática foi realizada com o auxílio do técnico da Divisão de Documentação Científica, por meio de uma filmadora (M-9000 Super VHS) fixada sobre um tripé. O técnico da Divisão de Documentação Científica instalava os equipamentos, antes de iniciar o atendimento. O foco da filmadora era o tablado com a participante e a criança. O técnico da Divisão de Documentação Científica ligava a filmadora e se retirava do ambiente no momento em que a participante entrava na sala com a criança a ser atendida.

O total de atendimentos filmados foi de vinte e seis, treze eram da primeira semana e os demais da penúltima semana, tendo sido utilizadas onze fitas de vídeo VHS, de duas horas de duração.

Baseado no trabalho de Dessen e Borges (1998) e no objetivo da pesquisa, optou-se pelo método de amostragem de evento, como estratégia observacional. O recorte teria seu início quando fosse introduzido algum tipo de jogo ou brincadeira e seu término, quando essa atividade se encerrava. Para o registro e a descrição do comportamento recortado foi elaborado um protocolo de observação.

O protocolo de observação continha duas partes: uma de apresentação e a outra de registro. O comportamento-alvo com seus critérios de ocorrência e nova ocorrência também estavam definidos no protocolo de observação. A folha de registro apresentava: o tipo de registro adotado, o nome do observador, a identificação da participante e da criança atendida, a data da observação, a duração do atendimento observado, a descrição do ambiente físico e social, e um quadro referente à ocorrência do fenômeno em foco.

Utilizando-se o protocolo de observação foi iniciada a transcrição das fitas de vídeo, sendo descritas somente as atividades que envolviam o jogo ou brincadeira, podendo ou não estar vinculadas aos procedimentos fisioterapêuticos.

A realização do índice de concordância demonstrou que os recortes realizados pela pesquisadora não foram arbitrários, ao contrário, assemelhavam-se aos dos juízes. A concordância intra observador referiu-se à comparação dos dados obtidos pela pesquisadora, em dois momentos diferentes. A concordância entre observadores referiu-se à comparação dos dados obtidos pela pesquisadora com os dos juízes A e B. A concordância intra e entre observadores obtidas foram satisfatórias, uma vez que foram superior a 70%.

Análise dos Dados

Ao final, foram elaboradas três categorias: a manifestação das atividades lúdicas na fisioterapia; a atividade lúdica na fisioterapia; e o comportamento da estagiária na atividade lúdica.

Carvalho (1996) recomenda que tanto o material coletado por meio de instrumento nas pesquisas qualitativas, quanto a sua categorização, devem ser submetidos à análise de juízes. Assim, as categorias de análise foram submetidas a apreciação de juízes, tendo sido os índices de concordância obtidos 92% e 100%, respectivamente com o juiz A e B. Dessa forma, as categorias elaboradas foram consideradas como adequadas para a análise dos dados.

Considerações éticas

Atendendo aos pressupostos da Resolução CNS 196/96 de Pesquisas em Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa e o termo de consentimento esclarecido foram encaminhados ao Comitê de Bioética do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná. Ambos foram aprovados sem restrições, conforme Ofício 007/02. Apesar de não constar no termo de consentimento esclarecido, todas as crianças envolvidas, que tinham compreensão e possibilidade de comunicação, foram questionadas e permitiram a observação do seu atendimento.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 A MANIFESTAÇÃO DAS ATIVIDADES LÚDICAS NA FISIOTERAPIA

Nos 26 atendimentos foram observados 186 e 158 ocorrências de atividades lúdicas, respectivamente na primeira e na penúltima semana. Dessa forma, foi possível identificar que os estagiários de fisioterapia utilizam os jogos e as brincadeiras durante os atendimentos prestados às crianças.

As atividades lúdicas estiveram presentes em quase todos os atendimentos observados, com exceção das sessões realizadas pela participante P6 à criança C9, tanto na primeira, quanto na penúltima semana. Ao contrário, os atendimentos de P1 à C1 e P5 à C3, tanto na primeira, quanto na penúltima semana, apresentaram o maior número de ocorrências de atividades lúdicas. A criança C9 era extremamente colaborativa às solicitações de P6, inclusive permanecia em posturas estáticas por tempo prolongado. As crianças C1 e C3 dificultavam a realização dos procedimentos indicados, já que C1 era um bebê com 11 meses de idade e C3 era dispersa durante o atendimento. Portanto, o número de ocorrências dos jogos e das brincadeiras parece estar relacionado com as características da criança atendida. Porém, é importante destacar que, mesmo quando o atendimento é possível de ser realizado sem dificuldade, a atividade lúdica é um recurso de grande potencial para o desenvolvimento global da criança.

Apesar de não ter ocorrido jogos e brincadeiras no atendimento de P6 à C9, é possível afirmar que, com freqüência, ocorre a presença das atividades lúdicas na fisioterapia. A manifestação do lúdico na fisioterapia denota a concepção do brincar, das participantes envolvidas, como uma atividade significativa e vinculada à criança, portanto atrativa e facilitadora da interação. A concepção do brincar como atividade essencial ou ocupação principal da criança é corroborada por diversos autores, tais como Chateau (1987), Kielhofner (1990), Santos (1997), Amaral (1998), Cunha (1998).

3.2 A ATIVIDADE LÚDICA NA FISIOTERAPIA

Nesta categoria são abordados os tipos de jogos e brincadeiras, as respostas obtidas com as atividades lúdicas e a relação dos jogos e das brincadeiras com as características da criança atendida.

TIPOS DE JOGOS E BRINCADEIRAS

Foram identificados vários tipos de jogos e brincadeiras, seja com o brinquedo, seja com algum material, ou até mesmo, sem nenhum recurso (Quadro 1).


Nos atendimentos realizados na primeira semana foram observadas as atividades lúdicas de ficar imóvel ou "estátua" (2 ocorrências), identificar as letras do brinquedo (1 ocorrência) e adivinhar os sons do brinquedo (1 ocorrência). Nos atendimentos realizados na penúltima semana foram observadas as atividades lúdicas de saltar na cama-elástica (3 ocorrências), repicar tambor (8 ocorrências), ler gibi (1 ocorrência) e fazer a "ponte" (2 ocorrências).

Somente no atendimento de P6 à C10 foi realizada a "ponte" com caráter lúdico, um exercício clássico e bastante utilizado em fisioterapia, em que o paciente em decúbito dorsal, com quadril e joelhos fletidos e pés apoiados, realiza a extensão do quadril, elevando a pelve do apoio. Durante a realização da "ponte", P6 solicitava à C10 que elevasse a pelve do apoio para que passassem "baratinhas" e um "cachorro". As atividades lúdicas que se realizaram somente em atendimentos específicos podem estar relacionadas à variedade dos quadros motores apresentados pelas crianças, portanto, os objetivos da fisioterapia são diversos. Outro fator que leva a realização de atividades lúdicas somente em um atendimento decorre do grau de interação entre a criança e a participante.

Nas atividades lúdicas observadas, a bola foi utilizada de forma variada, inclusive a bola Bobath, como, por exemplo, para jogar e pegar, alcançar com as mãos, buscar e apertar. Foram desenvolvidos jogos e brincadeiras com a bola imitando-se práticas esportivas, como o futebol e o basquetebol. Em algumas atividades desenvolvidas com a bola, às vezes, o objetivo era simplesmente empurrar a bola ou fornecer estímulo tátil.

Os diversos tipos de jogos e brincadeiras desenvolvidos com a bola também foram relatados pelos participantes no estudo de Fujisawa (2000), demonstrando a sua versatilidade de utilização como recurso terapêutico no trabalho com crianças. Segundo Kishimoto (1997), a possibilidade de variação na utilização da bola é decorrente de sua forma, cor, tamanho e constituição, assim, provocam o desejo de exercer força e mudança.

Atividades de encaixar e montar objetos, animais e formas foram desenvolvidas, com freqüência, nos atendimentos observados, utilizando-se brinquedos como o Lego, palhaços, tartarugas e cachorros montáveis, peças de encaixe, ou brinquedos educativos de madeira.

Buscar ou alcançar brinquedos foi uma atividade desenvolvida em vários atendimentos, exigindo a colaboração e a participação ativa da criança. Ao contrário, durante os procedimentos passivos realizados pela participante, foram observadas a simples manipulação dos brinquedos pela criança.

Com bebês (C1 de 11 meses) ou crianças com quadriplegia espástica grave (C4 e C5) foram utilizados brinquedos com a finalidade de fornecer estímulos visuais, auditivos e táteis. Os brinquedos utilizados para o estímulo visual, auditivo e tátil foram bola de pano com guizo, piano musical, brinquedos sonoros de borracha flexível e vários tipos de chocalhos.

Já com crianças de mais idade e boa compreensão, como C6 (7 anos), C7 (4 anos) e C10 (8 anos), foram realizadas brincadeiras de "faz-de-conta". Os temas eram referentes às situações do cotidiano, tais como, "casinha", preparar lanche e fazer compras no supermercado.

Em alguns jogos e brincadeiras não foram utilizados brinquedos. Nesses casos, o rolo e a bola Bobath eram o suporte da atividade lúdica. Os tipos de jogos e brincadeiras com a utilização da bola Bobath, como recurso lúdico, foram descritos nas atividades desenvolvidas com a bola. As atividades desenvolvidas com o rolo, como suporte do jogo e da brincadeira, foram de dois tipos: um cavalo para saltar e uma resistência a ser vencida. O rolo foi utilizado como se fosse um cavalo para a criança em vários atendimentos; como uma resistência a ser vencida realizou-se apenas em um atendimento.

Várias canções infantis acompanharam os atendimentos, tais como serra-serra, ciranda cirandinha, atirei o pau no gato, balança caixão, escravo de Jó, pirulito que bate e um, dois, feijão com arroz. O serra-serra era acompanhado do movimento de passar de deitada para sentado e vice-versa, exigindo a participação ativa da criança, já as demais canções serviam para impor o ritmo ao balanceio e manuseio realizado pela participante na criança.

Os diversos tipos de jogos e brincadeiras, citados anteriormente, apresentaram caráter terapêutico explícito, outros não. Fujisawa (2000) refere que os participantes ao descreverem, por meio dos relatos verbais, as formas de utilização dos jogos e das brincadeiras relacionavam-nos, na maioria das vezes, aos objetivos terapêuticos. A relação entre os tipos de atividade lúdica e os seus objetivos pode ser diferente, visto que os dados desse estudo são provenientes da observação, ao passo que o de Fujisawa (2000) eram da entrevista semi-estruturada. Provavelmente, nos relatos verbais, a própria descrição da atividade levava aos objetivos da atividade, já, nos dados observacionais, o jogo e a brincadeira são descritos conforme ocorrem, os objetivos ficam implícitos, com exceção de apenas algumas situações em que o processo em si já é terapêutico. O fato dos objetivos da fisioterapia não estarem claros na descrição da atividade observada implica em ser realizada análise mais aprofundada e específica dos procedimentos envolvidos, para que seja possível identificar as metas a serem alcançadas por meio dos jogos e das brincadeiras.

A necessidade de programas de reabilitação por tempo prolongado, incluindo a fisioterapia, tornam a criança cansada e desmotivada (BRACCIALLI E RAVAZZI, 1998). O tempo prolongado da acompanhamento torna necessária a variação nas atividades desenvolvidas. Por isso, a diversidade nos tipos de jogos e brincadeiras utilizados nos atendimentos. Maluf (2003) destaca que o educador deve inovar e criar oportunidade para que o brincar favoreça a aprendizagem, no intuito de evitar que a prática de ensino seja cansativa para a criança e caia na mesmice. Além disso, os diferentes tipos de jogos e brincadeiras estimulam e contextualizam os comportamentos motores desejados. Os diferentes contextos levam a diferentes oportunidades de realização motora, implicando em seleção, adaptação e execução de ações cada vez mais variadas (MANOEL, 2000).

A diversidade de jogos e brincadeiras é justificada, tanto pela necessidade de manter a criança motivada, quanto pela contextualização diferenciada dos comportamentos motores, fundamentais à aprendizagem motora. Portanto, foi possível observar que as participantes eram capazes de desenvolver jogos e brincadeiras variados, proporcionando, assim, atendimento mais agradável à criança e vinculado aos objetivos estabelecidos.

Respostas obtidas com as atividades lúdicas

As atividades lúdicas desenvolvidas pelas participantes nos atendimentos resultaram em determinados comportamentos da criança, que podem ser considerados como: 1) obtenção da resposta desejada; 2) obtenção parcial da resposta desejada; 3) não-alcance da resposta desejada (28 na primeira e 21 na penúltima semana), e; 4) impossibilidade de avaliar se a resposta obtida era desejada ou não em algumas situações (29 na primeira e 2 na penúltima semana). Verificou-se a obtenção de resposta desejada (completa e parcial) em 157 e 156 ocorrências de atividades lúdicas, respectivamente na primeira e penúltima semana.

A obtenção da resposta desejada ocorreu em várias atividades lúdicas desenvolvidas durante os atendimentos. Tal fato parece depender do interesse da criança pelo objeto ou pela atividade em si. Assim, a resposta desejada é alcançada com maior freqüência, quando o jogo ou a brincadeira proposto, teve como base o interesse da criança, como pode ser demonstrado em uma atividade lúdica ocorrida no atendimento de P1 à C1 (Exemplo 1).

A obtenção parcial da resposta desejada significa que o comportamento ocorria, inicialmente, mas foi interrompido ao longo da atividade lúdica (Exemplo 2).

A não-obtenção da resposta desejada ocorreu nas situações em que o brinquedo ou jogo ou brincadeira proposto não despertou o interesse da criança, ou sua atenção está voltada para outro objeto ou atividade (Exemplos 3 e 4).

Nos dois exemplos citados anteriormente, P1 demonstrou dificuldade em modificar o comportamento de C1 por meio da atividade lúdica. Verificou-se que P1 tinha dificuldade em: selecionar brinquedo adequado ao estado emocional da criança; indicar se, nesse momento, o jogo e a brincadeira eram as únicas estratégias possíveis ou se um outro estímulo poderia modificar o comportamento da criança; e desenvolver atividade lúdica significativa baseada no interesse da criança por um brinquedo.

Além disso, é preciso considerar que no "brincar" existe a interação entre as pessoas envolvidas, e a criança pode ou não se interessar pelo brinquedo ou pela atividade proposta. Nas relações humanas há uma dinâmica social típica, que está sempre em movimento, sempre repensando as significações (OLIVEIRA et al., 1998). Então, mesmo que a atividade tenha sido planejada pela participante, pode ocorrer mudanças na sua realização, ou seja, ocorrer de forma diferente do previsto ou, até mesmo, não ter continuidade.

Outro fator que pode ter levado à não-obtenção da resposta desejada está relacionado com o grau de comprometimento motor e cognitivo da criança, ou seja, as habilidades funcionais e de compreensão dificultam, ou até mesmo impedem, a ocorrência do comportamento esperado. A criança C4 tem o diagnóstico de paralisia cerebral do tipo quadriplegia espástica grave, apresentando pobre interação com o meio ambiente. Tal fato dificultou a obtenção da resposta desejada por meio da atividade lúdica, uma vez que a rotação da cabeça para a esquerda ou até a linha média é limitada devido à condição motora da criança (Exemplo 5).

Vários fatores interferem na resposta obtida por meio da atividade lúdica. Assim, ao propor o jogo, ou a brincadeira, o estagiário de Fisioterapia deve considerá-los, principalmente, aqueles que irão dificultar o alcance dos objetivos estabelecidos ou impedirão a realização dos procedimentos necessários. Os principais fatores são as características da criança, tais como idade, interesses, habilidades, dificuldades, fase do desenvolvimento e estado emocional, e a função desejada com o recurso lúdico.

Para que os jogos e as brincadeiras se tornem recurso, o estagiário de Fisioterapia deve escolher brinquedos interessantes e adequados à criança e propor atividades significativas, condizentes com os objetivos estabelecidos. A utilização da atividade lúdica como recurso exige habilidades cognitivas e não-cognitivas do estagiário de Fisioterapia, que devem ser desenvolvidas durante a sua formação acadêmica.

Finalmente, mesmo com todos os cuidados para que os jogos e as brincadeiras se tornem recurso no atendimento, é preciso considerar que a situação lúdica é interativa. Portanto, as respostas ou os comportamentos podem ser diferentes dos previstos.

Relação dos jogos e das brincadeiras com as características da criança atendida

Os jogos e as brincadeiras observados foram analisados, inclusive o brinquedo utilizado, quanto a sua adequação aos objetivos e às características da criança atendida nos seguintes aspectos: grau de comprometimento motor, idade e/ou fase do desenvolvimento, habilidades, dificuldades e interesses. Os jogos, as brincadeiras e os brinquedos utilizados eram adequados (148 na primeira e 152 na penúltima semana) às características da criança atendida. Nos jogos e nas brincadeiras que foram realizados sem a presença do brinquedo também foi verificado que as atividades estavam adequadas à criança.

No atendimento de P2 à C4 utilizou-se um piano sonoro para proporcionar estímulo visual e auditivo, a fim de que C4 trouxesse a cabeça para a linha média em flexão, ou seja, a atividade estava adequada ao objetivo fisioterapêutico, uma vez que a criança apresentava extensão da cabeça e assimetria. Além disso, estava adequada às características da criança atendida, visto que C4 apresentava paralisia cerebral do tipo quadriplegia espástica grave, ou seja, comprometimento motor grave, e com problemas na alimentação, ausência de comunicação verbal e retardo mental (Exemplo 6).

No atendimento de P4 à C7, a atividade lúdica era feita sem a presença do brinquedo, mas estava adequada aos objetivos e à criança atendida, já que C7 apresentava diagnóstico de mielomeningocele, necessitando do trabalho dos músculos abdominais, além do mais, a criança era bastante colaborativa e comunicativa (Exemplo 7).

Já no atendimento realizado por P3 à C6, o brinquedo utilizado estava adequado à C6, porém a atividade lúdica proposta não estava adequada ao quadro motor da criança. A atividade lúdica proposta por P3 exigia independência nas passagens de postura e força muscular. Devido ao diagnóstico de distrofia muscular progressiva do tipo fáscio-escápulo-umeral, C6 não era capaz de pôr-se de pé sozinha e pegar a bola no alto, em virtude do déficit de força muscular apresentado (Exemplo 8).

A situação inversa também ocorreu, ou seja, a atividade lúdica proposta era adequada, mas o brinquedo inadequado à criança. No atendimento de P1 à C2 verifica-se que os brinquedos que estavam disponíveis sobre o tablado, no início da sessão, eram os que haviam sido utilizados por P1 com C1. As idades de C1 e C2, 11 meses e 11 anos respectivamente, eram bastante diferentes, portanto os brinquedos disponíveis não eram compatíveis com as características de C2. Assim, no atendimento de P1 à C2 foi observado que os brinquedos utilizados nos jogos e nas brincadeiras, em algumas situações, não eram compatíveis com as características de C2, porém as atividades lúdicas desenvolvidas podiam ou não estar adequadas. Nos exemplos a seguir, os brinquedos utilizados eram inadequados à criança. A primeira atividade foi inadequada, e na segunda, a participante fez tentativa de adequação da atividade (Exemplos 9 e 10).

Araújo e Lorenzini (1995) recomendam que, ao propor uma atividade lúdica a crianças com deficiência física, é preciso definir previamente os materiais a serem utilizados e analisar as atividades, o processo do atendimento, o produto da intervenção e a organização do ambiente físico. No atendimento de P1 à C2, quando foram utilizados os brinquedos na atividade com C1, verificou-se que não houve esse planejamento e organização, tornando-a inadequada à criança.

No atendimento de P4 à C7 observou-se que, em uma atividade lúdica desenvolvida, a exigência de P4 ia além das possibilidades de C7. A participante P4 solicitava que C7 ajoelhada fizesse a extensão do quadril, mas o segmento neurológico afetado na criança era torácico, o que comprometia a ação do músculo glúteo máximo, impedindo a realização do movimento exigido (Exemplo 11).

Por não terem feito escolha adequada do brinquedo e não terem atentado para a fase de desenvolvimento motor ou do seu comprometimento, as participantes não realizaram atividades lúdicas condizentes com as características das crianças atendidas. Mais importante que a finalidade do brinquedo selecionado é a adequação da atividade às características da criança atendida. Para Kishimoto (1997, p. 18), o brinquedo "supõe uma indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua utilização". Dessa forma, é a atividade lúdica desenvolvida que irá determinar a adequação, porém o brinquedo utilizado deve despertar o interesse da criança e ser apropriado para o jogo e a brincadeira.

Neste estudo, as participantes tiveram dificuldades em desenvolver atividades lúdicas adequadas quando os brinquedos eram inadequados à criança atendida. Garon (1998) relata que o brinquedo não deve ser um fim em si mesmo, deve ser um objeto que ajude, facilite e aja favoravelmente sobre certas etapas do desenvolvimento da criança.

A atividade lúdica desenvolvida na fisioterapia deve, segundo Fujisawa (2000), estar baseada na fase de desenvolvimento, no grau de comprometimento da criança, na possibilidade de alcance dos objetivos estabelecidos e na facilitação da realização da sessão. Porém, neste estudo verificou-se que as participantes, em alguns casos, não tinham o devido conhecimento da fase de desenvolvimento da criança e do seu comprometimento, fato que salientou a dificuldade no estabelecimento dos objetivos fisioterapêuticos, o que aliado à falta de planejamento, tornou a atividade lúdica proposta inadequada.

3.3 O COMPORTAMENTO DA ESTAGIÁRIA NA ATIVIDADE LÚDICA

As participantes apresentaram comportamento ativo (170 na primeira e 156 na penúltima semana) durante a maioria das atividades lúdicas que foram realizadas nos atendimentos observados. Somente em algumas situações, as participantes mantiveram-se passivas (16 na primeira e 2 na penúltima semana) durante a atividade lúdica. Entendeu-se por comportamento ativo a participação da estagiária no jogo e na brincadeira, ou seja, ela esteva envolvida na atividade.

Os comportamentos das participantes nos jogos e nas brincadeiras, inicialmente, eram de preparação, orientação e demonstração da atividade lúdica a ser desenvolvida (Exemplos 12 e 13).

As participantes prepararam as atividades e estavam atentas ao desempenho da criança e, quando era necessário, forneciam orientações, ou seja, as atuações ativas permitiram o desenvolvimento do jogo ou da brincadeira. Kishimoto (1995) esclarece que as situações lúdicas criadas intencionalmente pelo adulto, com o objetivo de estimular a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, refletem a dimensão educativa. A preparação e a atuação da participante acompanhando a atividade lúdica denotam o caráter educativo do jogo e da brincadeira.

No exemplo descrito anteriormente, observou-se que P1, além de mostrar a C2 como proceder, orientou a execução da atividade e forneceu informações sobre as tentativas realizadas. Além das orientações para o melhor desempenho da criança, a participante elogiou e incentivou-a, em algumas situações. O incentivo à criança foi dado de forma verbal (Muito bem! Isso! Parabéns! Você é muito inteligente!) ou gestual (bate palmas) nos atendimentos de P1 à C2, de P3 à C6 e de P4 à C7. A orientação e o modo como acompanhou a execução da atividade, bem como a estimulação por meio de reforço foram eficientes, porque as participantes tinham clareza sobre o que devia ser feito e o como e o porquê do jogo e da brincadeira no atendimento. Oliveira et al. (1998) acrescenta que o planejamento é fundamental para que haja um direcionamento da atividade, e para que o educador possa propor, conseguir e avaliar o que de fato se fez.

Além de demonstrar o jogo ou a brincadeira à criança, quando a atividade era de difícil execução ou compreensão, as participantes auxiliavam e acompanhavam o seu desenvolvimento. O auxílio do adulto se faz necessário, devido à dificuldade que a criança tem para realizar a atividade sozinha. Nesse sentido, Vigotskii (1988) explica que o bom ensino é aquele que faz a criança avançar, desafiando-a a vencer as etapas, a tentar aquilo que ainda não sabe, ou, ainda, a fazer aquilo de que não é capaz de fazer sem o auxílio de outros.

As participantes continuavam a orientar as crianças durante a realização da atividade lúdica proposta, corrigindo quando necessário a sua execução. Nesse sentido, é assim que P3 orientava e corrigia a realização das atividades lúdicas (Exemplo 14).

A ação de orientar e corrigir o que estava sendo realizado pela criança é fundamental para o processo de aprendizagem. Tani (2000) relata que o feedback negativo ou mecanismo de redução do erro leva ao desenvolvimento gradativo de padrões de movimentos precisos, refinados e consistentes, antes, inconsistentes. Leontiev (1988) afirma que os jogos são importantes para o desenvolvimento infantil, visto que promovem o despertar da auto-avaliação das próprias habilidades e possibilidades. Portanto, o desenvolvimento do jogo e da brincadeira, associados à orientação adequada do adulto, pode levar à aprendizagem e ao desenvolvimento infantil, mas é importante que as atividades sejam planejadas de acordo com cada criança para que não ocorra frustração.

Outro modo de proceder considerado como comportamento ativo era a realização, por parte da participante, de algum procedimento, enquanto a criança estava envolvida na atividade lúdica. Nesse caso, o jogo e a brincadeira tinham a função, geralmente, de entreter a criança ou de conseguir a realização dos procedimentos (Exemplo 15).

Como comportamento passivo consideram-se as situações em que a participante realizava uma atividade lúdica e a criança brincava com outro brinquedo ou jogo ou fazia outra brincadeira, ou as situações em que a estagiária apenas observava a criança brincar ou conversava com ela. As participantes apresentaram um comportamento passivo em apenas algumas situações lúdicas. A participante P3, no atendimento de C6, em vários momentos, realizou várias atividades lúdicas independentes do brincar de C6, e apenas observou os jogos e as brincadeiras realizados pela criança (Exemplo 16).

A participação ativa do fisioterapeuta ou do estagiário, preparando, orientando, mediando, corrigindo, durante as atividades lúdicas desenvolvidas nos atendimentos denotam a presença de um processo educativo. Ao contrário, a passividade do fisioterapeuta ou do estagiário denota o distanciamento do processo educativo e a aproximação com o ato de brincar ou com o passatempo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se nesse estudo que os jogos e as brincadeiras são utilizados pelas estagiárias, tanto na avaliação, quanto no atendimento propriamente dito, durante a fisioterapia.

Vários tipos de jogos e brincadeiras foram observados. As atividades que mais ocorreram envolviam a bola como recurso e a manipulação do brinquedo. A diversidade de atividades lúdicas é fundamental no atendimento à criança, visto que existem vários objetivos a serem alcançados e para que a sessão não se torne monótona. Novamente, a simples manipulação do brinquedo demonstra que o potencial do lúdico no desenvolvimento global da criança não é explorado. Isso decorre, provavelmente, do escasso conhecimento sobre o tema. Por outro lado, a diversidade de atividades com a bola denota a tentativa de estimular o comportamento motor da criança, uma vez que esse brinquedo estimula a movimentação.

Com referência à utilização do jogo e da brincadeira como estratégia para alcançar os objetivos estabelecidos nos atendimentos observados, foi constatado que as respostas desejadas foram em maior número que as não desejadas. Os jogos e as brincadeiras que não levaram à resposta desejada foram decorrentes, provavelmente, da dificuldade em lidar com o imprevisto, em desenvolver algo significativo e interessante e em selecionar brinquedos e/ou atividade lúdica adequada e compatível com as características da criança. Além disso, a falta de planejamento da sessão levou à proposição de atividades lúdicas inadequadas, que estavam além ou aquém do potencial da criança, fato que interferiu na obtenção de respostas desejadas. Dessa forma, a formação acadêmica do fisioterapeuta deve contemplar a aquisição de habilidades, tais como, o conhecimento sobre o desenvolvimento global da criança e o lúdico na infância, sobre a criatividade, adaptação, improvisação, comunicação verbal e não-verbal, organização, planejamento e outras. Porém é preciso lembrar que a interação existente na situação lúdica pode levar à não-obtenção de respostas desejadas.

As estagiárias apresentaram comportamento ativo, em sua grande maioria, durante os jogos e as brincadeiras. A sua participação não era restrita à atividade lúdica, mas dizia respeito a tudo que ocorria no atendimento. Nos atendimentos, as estagiárias preparavam a atividade, orientavam a realização, estimulavam e forneciam feedback à criança. Tais fatos demonstram que as estagiárias desempenharam o papel de mediador durante o processo de ensino e aprendizagem motora, função essencial ao fisioterapeuta que trabalha com a aquisição e o desenvolvimento de funções e habilidades. Assim, a utilização de jogos e brincadeiras, além de favorecer o alcance dos objetivos estabelecidos, auxilia o desenvolvimento do papel de mediador na formação do profissional fisioterapeuta.

O tema o jogo e a brincadeira no desenvolvimento infantil e como recurso pedagógico deve ser incluído em disciplinas teóricas e teórico-práticas, durante a formação acadêmica do fisioterapeuta. Além disso, faz-se necessária a discussão e a orientação sistemática na utilização da atividade lúdica e quanto ao papel do fisioterapeuta como mediador do desenvolvimento infantil, durante o estágio supervisionado. Tais propostas, a inclusão de tema, a discussão e a orientação na prática da utilização de jogos e brincadeiras, podem contribuir para o uso efetivo de estratégias educativas e/ou terapêuticas.

Recebido em 15/04/2006

Reformulado em 30/04/2006

Aceito em 30/04/2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2006

Histórico

  • Aceito
    30 Abr 2006
  • Revisado
    30 Abr 2006
  • Recebido
    15 Abr 2006
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