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A manifestação da afetividade em sujeitos jovens e adultos com deficiência mental: perspectivas de Wallon e Bakhtin

The affective level of young people with intellectual disability and adults: Wallon's and Bakhtin's perspectives

Resumos

No presente texto discute-se a objetivação das emoções na trama discursiva desenvolvida por jovens e adultos com deficiência mental participantes de um programa de atendimento pedagógico alternativo. Como recurso metodológico utiliza-se na construção dos dados a análise microgenética de episódios de curta duração, episódios recortados da dinâmica interativa da qual participavam os sujeitos. Os resultados obtidos evidenciam formas diferenciadas de inter-relações se concretizando, a exteriorização das emoções sendo mediada por linguagens simbólicas, tais como aparecem referenciadas em Wallon (como função adaptativa e comunicativa) e em Bakhtin (como função mediadora e ato de significação), autores fundamentados na matriz epistemológica do materialismo histórico dialético.

afetividade; linguagens simbólicas; dialógica; deficiência mental; educação especial


The purpose of emotions within discourse developed by young people with intellectual disabilities and adults who participate in an alternative pedagogical program for people with special needs is discussed. Micro-genetic analyses of short duration episodes are employed in data construction as a methodological resource. Episodes are cross-sections of interactive dynamics in which the subjects participate. Results show a variety of inter-relationships being established, as well as the overt manifestation of affect mediated by symbolic language, as referred to by authors based on the historical and dialectical materialism epistemology, such as Wallon (as an adaptive and communicative function) and by Bakhtin (as a mediating function and significant action).

intellectual disability; affectivity; symbolic languages; dialogics; special education


RELATO DE PESQUISA

A manifestação da afetividade em sujeitos jovens e adultos com deficiência mental: perspectivas de Wallon e Bakhtin

The affective level of young people with intellectual disability and adults: Wallon's and Bakhtin's perspectives

Maria de Lourdes Perioto Guhur

Docente do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá-Pr. jvasterix@wnet.com.br

RESUMO

No presente texto discute-se a objetivação das emoções na trama discursiva desenvolvida por jovens e adultos com deficiência mental participantes de um programa de atendimento pedagógico alternativo. Como recurso metodológico utiliza-se na construção dos dados a análise microgenética de episódios de curta duração, episódios recortados da dinâmica interativa da qual participavam os sujeitos. Os resultados obtidos evidenciam formas diferenciadas de inter-relações se concretizando, a exteriorização das emoções sendo mediada por linguagens simbólicas, tais como aparecem referenciadas em Wallon (como função adaptativa e comunicativa) e em Bakhtin (como função mediadora e ato de significação), autores fundamentados na matriz epistemológica do materialismo histórico dialético.

Palavras-chave: afetividade; linguagens simbólicas; dialógica; deficiência mental; educação especial.

ABSTRACT

The purpose of emotions within discourse developed by young people with intellectual disabilities and adults who participate in an alternative pedagogical program for people with special needs is discussed. Micro-genetic analyses of short duration episodes are employed in data construction as a methodological resource. Episodes are cross-sections of interactive dynamics in which the subjects participate. Results show a variety of inter-relationships being established, as well as the overt manifestation of affect mediated by symbolic language, as referred to by authors based on the historical and dialectical materialism epistemology, such as Wallon (as an adaptive and communicative function) and by Bakhtin (as a mediating function and significant action).

Keywords: intellectual disability; affectivity; symbolic languages; dialogics; special education.

1 INTRODUÇÃO

Quando se trata de pontuar, num quadro geral de desenvolvimento, as características mais comumente atribuídas a pessoas com deficiência mental, as que mais se sobressaem são aquelas que explicitam aspectos da dimensão afetiva das condutas, sendo comum extrair tais características de estudos e análises a partir de modelos diversos1 1 Como exemplo destacam-se os desenvolvidos por Ajuriaguerra (1976); Cruikshank e Johnson (1979); Telford e Sawrey (1984); Fierro (1995); Kirk e Gallagher (1996); Pacheco e Valência (1997). . Nestes estudos e análises o próprio déficit cognitivo é apontado como o fator que mais contribui para a ocorrência de fenômenos que podem se expressar de forma negativa nos relacionamentos interpessoais. Ele é visto como incidindo sobre a apreensão do sentido das experiências cotidianas e distinguidos não só como moduladores de uma forma especial de constituição e desenvolvimento da personalidade, como também pela maioria dos limites ou dificuldades que reverberam no âmbito dos relacionamentos interpessoais, em especial nas formas de exteriorização das emoções, componente fundamental das condutas afetivas.

Como conseqüência, estaria a pessoa com deficiência mental exposta a um número maior de situações emocionais conflituosas, o que a levaria a evidenciar, além de sentimentos de frustração e de inadequação pessoal, devido à ausência de habilidades assertivas alternativas, dificuldades em controlar reações impulsivas e lidar com fontes de tensão de origem diversa. Inconscientemente incorporadas a outros traços da personalidade, tais reações acabariam repercutindo, ao longo das várias idades, em desempenhos emocionais e sociais negativos, a maioria marcada pela inadequação dos relacionamentos e por um certo mimetismo afetivo nos comportamentos e condutas observadas.

Quando se pensa, entretanto, em adensar essa caracterização apenas delineada, faz-se necessário considerar, além das razões históricas dos próprios modelos teóricos que explicam dessa maneira as condutas afetivas de pessoas com deficiência mental, o fato que entre estas pessoas (tanto quanto entre as que apresentam outras necessidades especiais ou entre as pessoas normais) existem inúmeras diferenças de condutas e comportamentos. Tais diferenças podem ser derivadas quer da própria dimensão biológica individual, quer do contexto psicológico e social; mas sem dúvida, em suas diferentes manifestações, elas expressam marcas culturais, tenham sido constituídas como capacidades, dificuldades, possibilidades, limitações2 2 A ressalva que se faz é em relação a pessoas que utilizam farmacodinâmicos, na medida em que estes, devido a composições e efeitos interativos específicos, podem alterar a forma de sentir e expressar emoções. Nesse caso, a avaliação da dimensão abrangida por esta interferência fica prejudicada, sendo necessários outros dados para complementá-la (familiares, educacionais, médicos, de reabilitação). .

Olhando, portanto, numa outra direção, constata-se que existem estudos e trabalhos que buscam orientar suas análises de um ponto de vista mais totalizante, os relacionamentos interpessoais de pessoas com deficiência mental sendo entendidos como historicamente construídos, da mesma forma que os das pessoas que apresentam desenvolvimento normal. Partem da idéia que as experiências de vida propiciadas a estas pessoas no decorrer da infância e adolescência, e socialmente mediadas, são mais definidoras de sua capacidade e/ou incapacidade de desenvolver relações pessoais afetivas, do que a própria condição da deficiência em si. E isto mesmo reconhecendo não estar retirada, na constituição da subjetividade destes sujeitos e em sua participação na trama das interações sociais, a influência do caráter funcional deficitário, mas não definitivo, de aspectos ligados ao desenvolvimento cognitivo na manifestação das condutas pessoais, o que significa acreditar que tal desenvolvimento pode ser alterado3 3 Dentre os autores que perspectivam assim suas produções alguns podem ser lembrados, como Amaral (1998; 2002), Kassar (1995; 1999), Góes (1992; 1995; 1997), Padilha (2001). .

Adentrando o escopo desta discussão, e no intuito de contribuir à reflexão, apresenta-se neste texto um estudo realizado com jovens e adultos com deficiência mental. Nele buscou-se apreender a forma como pessoas com esta condição de desenvolvimento objetivam suas emoções nas manifestações corporais expressivas e em tramas discursivas, a problemática se desdobrando nas seguintes questões:

1. Em situação de grupo, como seriam os recursos e/ou instrumentos usados por pessoas com deficiência mental para expressar suas emoções, em termos de serem capazes de produzir sentidos?

2. Nos processos dialógicos, em que a emoção se evidencia e se exterioriza simbolizada como manifestação corporal ou como palavra, que papel desempenha o Outro nas interações, no jogo enunciativo?

Visando, senão responder a tais indagações, ao menos examiná-las com um olhar cuidadoso e atento, delineou-se um cenário teórico alternativo àquele apresentado inicialmente. Dele participam Wallon e Bakhtin4 4 Fundamentados na matriz epistemológica do materialismo histórico dialético e nascidos nos conturbados finais do séc. XIX, Wallon na França (1879) e Bakhtin na Rússia (1895), tais autores criticaram com suas teses e concepções os modelos abstratos vigentes e subjacentes aos campos do conhecimento por eles investigados, ao mesmo tempo em que perfilharam uma forma particular de explicação do mundo, da sociedade e de seus fenômenos. , autores cujas propostas, se bem que não tenham sido elaboradas para explicitar fenômenos relacionados à categoria da deficiência mental, não obstante permitem realizar uma aproximação com a problemática antes exposta e observar, via análise, como suas vozes se misturam num fundo em que outras vozes ressoam, marcadas por outros contextos e indagações. Supõe-se que à luz de suas idéias seja possível identificar formas extremamente ricas e diferenciadas de inter-relações sociais concretizando-se, as manifestações afetivas sendo mediadas por linguagens simbólicas, como as que aparecem como função adaptativa e comunicativa no primeiro autor; e no outro, como função mediadora e ato de significação, que se efetiva na produção de sentidos.

Os dados que compõem o estudo foram construídos no âmbito de um programa educativo que oferecia atividades pedagógicas alternativas a pessoas com deficiência mental, oriundas de instituições e escolas especiais da comunidade. Em tal contexto realizou-se uma análise microgenética de episódios interativos de curta duração, no intuito de (1) caracterizar a forma como sujeitos participantes do programa exteriorizavam suas emoções nos relacionamentos interpessoais; e (2) identificar a natureza dos recursos e/ou instrumentos simbólicos por eles utilizados. Todo ao longo do processo buscou-se colocar em prática a orientação de Smolka e Góes (1995, p. 11), quando se referem à análise microgenética: examinar "passo a passo, o transcorrer de uma atividade e procurando-se captar mudanças de qualidade das ações dos sujeitos em função do jogo de mediações presentes e das condições de produção".

1.1 AS EMOÇÕES COMO FUNÇÃO PLÁSTICA E ATO DE SIGNIFICAÇÃO: WALLON E BAKHTIN

No campo da psicogenética5 5 O método genético é explicitado por Wallon (1971) como uma forma de análise que envolve diferentes áreas de conhecimento e as distintas maneiras possíveis de se observar uma criança. Quanto ao uso do termo genético, Banks-Leite (2001) afirma que, entre pesquisadores de diferentes áreas, existe certo consenso que a dimensão genética envolve "o estudo de condutas ou funções de forma a priorizar suas mudanças, transformações e mesmo suas origens, não se limitando assim ao estudo das mesmas em sua forma de 'estado' final, acabado e estático [...] Partem do pressuposto que só se pode compreender a natureza de um comportamento se levarmos em conta sua história, sua gênese" (p. 170-1). de Wallon (1963a, 1971; 1978; 1982, 1990), as emoções são vistas como exercendo importante papel na adaptação do indivíduo ao meio, pois que, no contexto das relações interpessoais, articulam a função tônico-postural às disposições afetivas e imprimem às manifestações fisiológicas, a função de expressão. Situam-se elas nos primórdios da sociabilidade da criança e se constituem numa das formas de exteriorização da afetividade, a primeira; as demais sendo o sentimento e a paixão. Por outro lado, elas também abarcam conjuntos de atitudes e movimentos que se correspondem mutuamente e expressam indivisibilidade entre as disposições psíquicas e as circunstâncias do meio, as quais, em certos momentos, podem desencadear a própria emoção.

Entende-se, assim, ser a emoção a forma biológica sob a qual se objetiva a afetividade, a sua manifestação sendo exercida como instrumento de adaptação a um meio que pode ser transformado em benefício próprio mediante a realização de uma atividade proprioplástica, quer dizer, uma atividade de natureza "essencialmente plástica e de expressão" (WALLON, 1971, p. 150). E isto já se manifesta desde o início da vida, quando, ainda de forma indiferenciada e numa espécie de mimetismo, a emoção emerge subjacente à consciência da criança, na troca de signos, gestos, olhares, caretas, risos, elementos que expressam sentimentos de aceitação ou de recusa do Outro: "são simples atitudes, às vezes muito sutis, modificando a expressão do rosto, das mãos ou do corpo no seu conjunto" (WALLON, 1963a, p. 63).

Perspectivando desta maneira a manifestação das emoções nas condutas afetivas de pessoas com deficiência mental, presume-se que a mesma ocorra, como aliás para todas as demais pessoas, mediante a participação de elementos que pertencem às diferentes sensibilidades, elementos que interligados pelas variáveis circunstâncias do meio (ideológicas, sociais, valorativas, culturais), manifestam-se de forma seletiva com o concurso da maturação funcional. Em quaisquer que sejam os casos, a discriminação e transferência de estímulos são sempre possibilitadas pela atuação do córtex cerebral que analisa, combina e diferencia as impressões fornecidas pelo meio, compõe e modifica as estruturas funcionais, num jogo em que se alterna um movimento de diferenciação e de fusão com pessoas, objetos e situações. Trata-se de movimento que se espraia para além da evolução afetiva da pessoa; ele se estende também ao aspecto intelectual. É o que pretende Wallon (1978, p. 149-150):

[...] As influências afetivas que rodeiam a criança desde o berço não podem deixar de exercer uma ação determinante na sua evolução mental. Não porque originem completamente as suas atitudes e as suas maneiras de sentir, mas, pelo contrário, precisamente porque se dirigem, à medida que eles vão despertando, aos automatismos que o desenvolvimento espontâneo das estruturas nervosas mantêm em potência e, por seu intermédio, às reações intimas e fundamentais. Assim se mistura o social com o orgânico.

Nas etapas e/ou estágios desta psicogênese, ocorre uma sucessiva alternância de reações, os determinantes das condições de sua realização e integração (ações, situações e atividades) se colocando influenciados por duas dimensões essenciais ao desenvolvimento do psiquismo humano: a afetividade (motricidade tônico-postural), orientada ao mundo social, à construção do eu, e responsável pelas atitudes, as posturas, as mímicas; e a inteligência (motricidade tônico-cinética), orientada ao mundo físico e aos objetos, e responsável pela mudança da posição do corpo no espaço. Dado que nenhuma destas dimensões se manifesta isoladamente ou sem a mediação social nas diferentes etapas/estágios, condições particulares se fazem necessárias à elaboração dos esquemas funcionais e à orientação de atos e condutas que permitem ao indivíduo realizar a adaptação e atuar no mundo de modo significativo. Tem-se, como exemplo, as formas culturais de atividade, as quais introduzem nas condutas do indivíduo os motivos de consciência, deles derivando as manifestações expressivas. São estes motivos que, conectados às demais sensibilidades, retiram das atitudes o que cada emoção tem de específico.

Em função deste fato, acredita-se que o comportamento emocional pode ser diretamente observado, desde que as disposições internas ou os fenômenos orgânicos que nele intervêm (suscitados pelo tônus muscular que recebe das sensibilidades exteroceptivas, interoceptivas e proprioceptivas os estímulos que nascem no organismo e que a ele retornam), sejam apreendidos quando de sua exteriorização nos meios de expressão (gestos, movimentos, posturas, mímicas faciais, elementos vocais como o riso, o choro, a tonalidade). Entende-se, ainda, que, ao relacionar a vida afetiva com a intelectual, o autor reafirma que os instrumentos (imitação, representação, simbolização, linguagem) necessários à objetivação destas duas dimensões, são comuns e constituídos no meio humano; da mesma forma, ao situar a emoção na origem da linguagem e da atividade representativa, ele a torna a condição primeira das relações interindividuais, o elo vital que liga o sujeito à vida social. De tais proposições decorre, que:

1. sendo as emoções, e suas flutuações, acompanhadas pela função tônica (WALLON, 1982) desde o início e no decorrer da vida, função que modula as manifestações expressivas, elas circunscrevem fenômenos individuais orgânicos e outros estados internos. Quer dizer, elas provocam na pessoa uma espécie de revolução orgânica que pode se manifestar de forma intempestiva (com alterações viscerais, metabólicas, respiratórias), subjetiva, direta e efêmera, e inclusive podem causar regressão em termos do funcionamento cognitivo;

2. sendo as emoções reconhecidas como atividade proprioplástica (WALLON, 1971, 1982), isto é, como tendo capacidade de modelar o corpo, de fazê-lo revelar as sensibilidades determinantes da fluidez ou rigidez dos gestos e ações, elas se tornam não só visíveis, como contagiosas de indivíduo a individuo, propagando-se no meio humano de uma maneira instantânea e provocando entre as pessoas coesão e comunhão de sensibilidades, pela identidade de comportamentos e ações.

3. sendo que as fontes de expressão das emoções se diferenciam e evoluem, tornando-se mais complexas com o amadurecimento do sistema nervoso e a contínua mediação do meio sócio-cultural, ocorre de as estimulações orgânicas cederem lugar às imagens, aos signos, às representações e impressões subjetivas, transformando as manifestações emocionais em nuances mais intelectivas.

Ainda na tarefa de delinear a forma de manifestação da afetividade nos processos interativos, pleiteia-se que esta pode ser também apreciada num outro nível simbólico, quer dizer, pode ser evidenciada sob uma outra forma de expressão que a corporal, no caso, na palavra. Aqui adentramos a concepção enunciativo-discursiva de Bakhtin (1997a; 1997b), segundo a qual a interação verbal ocupa lugar de destaque. Enquanto fenômeno social, ela permite que pessoas expressem a sua subjetividade nos relacionamentos interpessoais (idéias, significados, sentidos, percepções, expectativas, necessidades, sentimentos, emoções). Na interação verbal encontra-se implícito o conteúdo da consciência humana, que se torna real e se concretiza num elo contínuo e ininterrupto, em que palavras surgem e vozes ganham sentido, à medida que pessoas entram em contato, em interação.

Fala-se aqui da dialogia, de enunciações entre sujeitos que confrontam e assumem, uns, as palavras e expressões de outros; de vozes em contato na vivência da alteridade, na aceitação da diversidade, na posição de acordo e/ou estranhamento, no reconhecimento do outro, de seus dizeres, condutas, sentimentos, emoções. No processo dialógico, às falas e às interlocuções se "amarram" as mais variadas formas de expressão (música, artes, dança, teatro), sempre associadas às atitudes, gestos, movimentos, posturas corporais, mímicas faciais, elementos vocais (como o riso, o choro, a tonalidade de voz), enfim, a toda uma massa de reações "com valor semiótico" (BAKHTIN, 1997a, p. 52). Estes diferentes meios/instrumentos, constituídos em concomitância com os conteúdos do psiquismo, podem ser reveladores de estados subjetivos, pois que, significam as disposições afetivas que marcam as condições da vida do indivíduo.

Neste movimento de estruturação do enunciado, entende-se que a significação dada à palavra usada para singularizar o objeto do enunciado pode ser oralmente interpretada com diferentes matizes (tom caloroso, deferente, irônico, frio, alegre, prazeroso, tristonho), de forma tal que revele a relação emotivo-valorativa do interlocutor com o referido objeto. Conforme Bakhtin (1997a, p. 134), "quando exprimimos os nossos sentimentos, damos muitas vezes a uma palavra que veio à mente, por acaso, uma entoação expressiva profunda", o que nos permite apreender o não dito de um enunciado, isto é, o sentido, a subjetividade, a emotividade.

Como se vê, o enunciado é construído intencionalmente a cada vez e de forma tal a marcar não só o significado de um dado momento, como o engajamento dos interlocutores em expressar no diálogo suas necessidades, desejos, impulsos, frustrações, aspirações, afetos, emoções. Por isso, diz-se que a compreensão da enunciação é determinada não só pela relação existente entre pessoas que se falam, como pelo modo como esta relação reflete os acentos da entoação e se expressa nas condutas afetivas juntamente com outras marcas sociais, como os gestos, os olhares, as mímicas, os sorrisos, os movimentos corporais.

À medida, portanto, que a atividade mental se concretiza, aprofundada e alargada com o auxílio dos signos, ocorre a passagem qualitativa da atividade mental interior (cognição) para a sua expressão exterior (afetividade), com o retorno modificado do conteúdo ao pensamento, a este modelando e dirigindo a orientação. Como conseqüência, constituem-se os enunciados como elos que refletem uns aos outros mutuamente: refratam lembranças, respondem a necessidades, expressam sentimentos e emoções, enfim, incorporam, refutam e polemizam ecos de outros enunciados. É o que diz Bakhtin (1997a, p. 113):

Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém (...) Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu interlocutor. (destaques do autor).

Retoma-se a idéia do autor de que a palavra não traz em si mesma expressividade alguma ou dimensão qualitativa; nem comporta sentidos, significados, emotividade ou avaliação. Estas características são geradas em concomitância ao uso ativo das palavras no contexto concreto de um enunciado que nelas inocula a sua expressividade, ao mesmo tempo em que singulariza a individualidade dos locutores no conjunto dos valores sociais que os circundam. As palavras não têm autor, não pertencem a ninguém; elas "designam especificamente a emoção, o juízo de valor: 'alegria, 'aflição', 'belo', 'alegre', 'triste'(...)" (BAKHTIN, 1997b, p. 311).

Enriquecidas, entretanto, por um conjunto de gestos com valor de signo, as palavras traduzem o discurso interior, a expressividade emotivo-valorativa do locutor num dado contexto. Podem despertar, no outro, uma atitude responsiva ativa (raiva, ressentimento, negação, alegria, simpatia, tristeza), mediante o estabelecimento de relações entre o que foi dito, o que foi percebido e o próprio objeto do sentido, quando se dá a apreensão concomitante do sentido do enunciado, de seu significado contextualizado. Todos esses aspectos, enfatiza-se, envolvem propriedades que caracterizam a elaboração da linguagem, singularizando aquilo que existe de humano no indivíduo, tenha ele a condição de deficiência mental, ou não.

2 A MANIFESTAÇÃO DAS EMOÇÕES NO JOGO INTERATIVO: OS ARRANJOS DA PESQUISA

Aos pressupostos tomados de Wallon e Bakhtin como pontos de reflexão para explicitar como as condutas afetivas podem se objetivar em diferentes formas de linguagem, articulou-se uma outra contribuição epistemologicamente próxima, a da análise microgenética. Desenvolvida na perspectiva histórico-cultural e no âmbito da teoria de Vigotski (2000)6 6 No que se refere à descrição que Wertsch (1995) teria feito deste aporte metodológico, Góes (2000) ressalva que, apesar do autor corretamente enfatizar a transição do inter para o intrapsíquico e a duração do fenômeno observado, ele não relaciona explicitamente (como Vigotski havia sugerido) tais dimensões aos detalhes e minúcias que, num dado episódio, podem expressar uma transformação em curso. A autora acrescenta que a análise microgenética "não é micro porque se refere à curta duração dos eventos, mas sim por ser orientada para minúcias indiciais (...) É genética no sentido de ser histórica, por focalizar o movimento durante processos e relacionar condições passadas e presentes, tentando explorar aquilo que, no presente, está impregnado de projeção futura" (p. 15). , constitui-se a análise microgenética em aporte teórico-metodológico que ganha importância quando a intenção é descrever e interpretar processos que evidenciam a emergência e a manifestação de comportamentos, condutas, habilidades, estratégias e funções psíquicas. Acredita-se que tal abordagem possibilita uma forma de análise minuciosa e sutil de microeventos relacionados ao processo humano de desenvolvimento, com realce para as relações interpsíquicas entre sujeitos. Conduzida pelo olhar do investigador a reconhecer detalhes e aspectos bem circunscritos de eventos singulares, ela permite vislumbrar complexas mudanças e sutis manifestações ocorrendo no decurso destes eventos, e no momento mesmo de seu acontecimento.

Na presente investigação, a análise microgenética serviu, portanto, como eixo orientador na identificação de significados e sentidos de emoções se objetivando nas relações desenvolvidas por sujeitos jovens e adultos, imersos em processos dialógicos e com uma condição de desenvolvimento não-típico, a deficiência mental. Sob tal perspectiva, focou-se a atenção nos detalhes, nas marcas, nos indícios e enlaces presentes em episódios de curta duração que compuseram as atividades oferecidas pelo Programa "Travessia", desenvolvido no campus da Universidade Estadual de Maringá-Pr. Caracterizado como atendimento alternativo, o programa atende crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais (deficiências mental, física e visual; condutas típicas e dificuldades de aprendizagem) e encontra-se estruturado sob a forma de ateliês em torno dos seguintes eixos ou áreas: Letramento, Artes Plásticas, Música, Informática, Jogos Matemáticos, Atividades Motoras e Teatro.

Visando a construção dos dados e considerando os objetivos propostos, recorreu-se à observação e à videogravação de episódios vivenciados em dois ateliês do Programa Travessia: o de Letramento (14 encontros) e o de Teatro (8 encontros). Os critérios para escolha dos episódios que seriam analisados foram: que os mesmos revelassem relações de intersubjetividade e de dialogia se concretizando nas diferentes modalidades de interação, bem como emoções se materializando nas condutas afetivas dos sujeitos participantes.

Já os dois ateliês foram escolhidos por que permitiam, nas atividades que os caracterizava, realizar uma melhor observação e registro dos sujeitos participantes, nas seguintes situações: (a) nas manifestações corporais expressivas: atitudes (de espera, decisão, entusiasmo); posturas (apatia, irritação, participação); reações emocionais (alegria, tristeza, medo); mímicas faciais, riso, choro, olhares, palidez, tremor; e (b) na elaboração dos enunciados e interlocuções e nas demais modalidades de linguagem (gráfica, plástica, musical) usadas para significar os conteúdos trabalhados e as ações desenvolvidas.

Os demais dados foram obtidos de forma interativa com a coleta, mediante o uso de diário de campo e de anotações feitas em contatos formais (reuniões, entrevistas e encontros). Ainda subsidiados por estes recursos, buscou-se discutir as informações extraídas do planejamento feito pelas professoras e dos materiais produzidos pelos próprios sujeitos, circunstância que oportunizou a avaliação continua e o redimensionamento das estratégias para a operacionalização da pesquisa.

2.1 OS SUJEITOS DA PESQUISA

A definição dos sujeitos da pesquisa7 7 Visando resguardar a identidade dos sujeitos, optou-se por substituir seus nomes reais. A respeito de suas condições de desenvolvimento as informaçõesforam extraídas tanto da ficha de inscrição no Programa Travessia como dos dados de avaliação das escolas de origem: 11 sujeitos com deficiência mental, 02 com hiperatividade e 03 com problemas de aprendizagem. decorreu do fato de integrarem os ateliês de Letramento e Teatro,do Programa Travessia. Foram incluídos dezesseis jovens e adultos com idades entre 13 e 32 anos (nove do sexo masculino e sete, do feminino).Destes, oito eram semi-alfabetizados, quatro alfabetizados e quatro não alfabetizados. Considerou-se também como fazendo parte do conjunto a ser observado o trabalho de três professoras-acadêmicas de cursos de licenciatura da UEM, Amanda (ateliê de Teatro), Cristina e Marilda (ateliê de Letramento). A participação das professoras-acadêmicas, bolsistas do PIC/CNPQ-UEM, deveu-se ao fato de atuarem de forma assídua e responsável no programa, além de serem receptivas e demonstrarem interesse em participar da pesquisa.

3 OS PROCEDIMENTOS DA ANÁLISE

Das entrelinhas do quadro teórico esboçado há que se destacar a marca mais significativa do pensamento dos dois autores enfocados. O primeiro deles, Wallon, ao descrever a criança vivendo desde o nascimento uma espécie de osmose com o meio, em que este a penetra e modela, mostra a emoção, - elo vital que liga o sujeito à vida social por seu poder de contágio e coesão, – exteriorizando-se para o outro como expressão orgânica e corporal da afetividade, ao mesmo tempo em que assumindo novas significações, ao atingir diferenciados níveis simbólicos. Bakhtin, por sua vez, propõe que nos relacionamentos interpessoais a palavra traduz todo um conteúdo psíquico produzido pelos sujeitos, a partir dos signos presentes tanto no discurso interior como na realidade exterior. Permeado por vozes que se harmonizam e se contestam, este discurso emerge e transforma-se sob múltiplos sentidos num movimento constante entre forças que se atraem e se dispersam, não obstante manter-se intimamente entrelaçado ao contexto em que ocorre e às diferentes dimensões que compõem a vida concreta dos indivíduos.

Construindo os dados da presente pesquisa sob tais premissas, tomou-se o cuidado de inter-relacionar as singularidades e particularidades encontradas nas atividades documentadas e recortadas dos episódios, às condições e circunstâncias de desenvolvimento pessoal dos sujeitos observados. Isto se fez no intuito não de compará-los a uma norma-padrão, ressaltando seus limites ou incapacidades; e sim, de evidenciar aquilo que no conjunto das variações intra-individuais pode ser interpretado como devido a transformações nos instrumentos usados para manifestarem a sua afetividade.

Com esse intuito, fez-se inicialmente uma transcrição ampla e global dos episódios videogravados, quer dizer, das cenas recortadas das condutas, comportamentos e verbalizações dos sujeitos participantes (alunos e professoras-acadêmicas), ao longo de vinte e dois encontros. Em seguida, deu-se inicio a diferenciadas "leituras" deste material, com identificação das relevâncias e a individualização dos episódios que pudessem servir como indicadores da exteriorização das emoções destes sujeitos. Num terceiro momento, os dados foram agrupados à luz dos aportes teóricos de Wallon e Bakhtin, em três conjuntos temáticos:

O corpo como expressão: episódios em que os sujeitos exteriorizavam simbolicamente seus estados emocionais nas atividades proprioafetivas (movimentos, posturas, mímicas).

Mobilização do outro: episódios em os sujeitos, submetidos aos efeitos do contágio e coesão, se davam em espetáculo, na condição de alvos da emoção.

(Inter)regulação coletiva e mediação: episódios em que as formas de manifestação das emoções no grupo e de relação entre os pares eram moduladas no processo interativo

Reconhecendo a necessidade de ilustrar a forma como foram apreendidas e interpretadas a as emoções nas manifestações corporais expressivas e nas interlocuções entre os sujeitos participantes da pesquisa, apresenta-se um exemplo de cada conjunto temático e de sua análise, a atenção sendo focada em aspectos dos episódios que mais bem explicitam o objeto de estudo.

EPISÓDIO I: O CORPO COMO EXPRESSÃO

Paralelamente à discussão a respeito do significado do termo ridículo no ateliê de Letramento, Heitor e Paula brincam e riem dissimuladamente, um querendo tomar do outro uma caneta. São chamados à atenção pela professora, que diz, ar aborrecido: Ei! vocês dois aí! Heitor, falta você contar pra gente alguma coisa ridícula. Vamos lá, fala bem alto pra todo mundo ouvir.

Heitor faz ar de desentendido e gagueja: Que? Que? Deixa eu "falá" depois. Cristina aproxima-se, faz sinal que não com a cabeça e diz: De jeito nenhum! É agora mesmo que eu quero ouvir você.

Heitor, até então risonho e bastante ativo, muda a expressão do rosto, fica alguns instantes sem falar, olhando a professora. Respira forte e dá início a uma série de movimentos: escorrega na cadeira e apóia a cabeça no encosto; fecha os olhos, mantém os braços estirados ao longo do corpo, esconde o rosto com as mãos, geme (ai, meu Deus!), manifesta impaciência. Pede de novo à professora para pular a vez. A professora recusa e insiste para que ele fale.

Reerguendo-se, Heitor murmura algo no ouvido de Paula e ambos riem. Ele mais alto, um riso que rapidamente passa de estridente a quase convulsivo. Interrogado por Cristina sobre o motivo do riso, Heitor não responde; passa a mão no cabelo, enxuga o suor da testa. Os demais participantes pedem em coro que ele fale, o que o deixa mais perturbado ainda. Novamente escorrega na cadeira e, olhos semicerrados e respirando alto, cruza os braços sobre o peito, permanecendo imóvel.

Demonstrando de início uma alegre e afetiva relação diádica com seu par, o tônus exaurindo-se em gestos e movimentos que indicavam equilíbrio entre a função postural e a atividade de relação, Heitor passa a apresentar uma forma diferente e subversora da emoção: (a) reações difusas (distúrbios motores e dos sentidos) que perturbam o seu comportamento e atividade, e que se intensificam num jogo de alternância entre as sensibilidades e as funções clônica e tônico-postural: agita-se, fica ansioso, silencia, gagueja, faz careta, ri convulsivamente, sua e respira de forma alterada; e (b) uma forma de expressão (verbal) sinalizadora de estados afetivos que podem ser derivados da ausência de recurso simbólico para se expressar, ou ainda da associação da experiência presente à vivência de uma situação anterior desagradável.

Ao refletir sobre tão peculiares reações, há que lembrar as proposições de Wallon (1971) a respeito de como os indivíduos realizam as disposições psíquicas que lhes concernem na sua adaptação ao meio, sejam elas de natureza subjetiva, afetiva, e ainda as que os colocam em contato com o mundo real. Inseridos que são em cenários historicamente criados, e vivenciando processos desencadeados por um conjunto de circunstâncias de natureza biológica e social, elaboram sistemas de atitudes e ações que, mutuamente implicados entre si, devem cada qual corresponder a uma situação ou circunstância em especial. Tais atitudes e ações concretizam-se em diferenciados comportamentos e condutas culturalmente marcados, desde os mais sutis e refinados, e que podem ser exteriorizados através de símbolos e signos, àqueles que evidenciam regressão das capacidades intelectivas.

Observe-se que desde o momento que Heitor se depara com uma solicitação da professora (Ei, Heitor, falta você contar pra gente alguma coisa ridícula), ele passa a construir novas relações com o meio, relações mediadas por reações preponderantemente tônico-afetivas e que se explicitam nas manifestações do corpo e na fisionomia. Podem ser interpretadas como uma forma de Heitor criar, num espaço até então preenchido por diálogos e interlocuções dos demais sujeitos, um intervalo de tempo para melhor elaborar a situação (Deixa eu "falá"depois), inventar uma oportunidade para apreender e assimilar a proposição que lhe fôra feita e, assim, participar ativamente das interlocuções. Não se pode esquecer que a palavra, servindo de "trama a todas as relações sociais em todos os domínios" (BAKHTIN, 1997a, p. 41), se transforma, ela própria, sob múltiplos sentidos, articulada aos signos interiores que constituem o psiquismo subjetivo (consciência) do indivíduo.

Num segundo momento, com o aparecimento do riso convulsivo, atividade tônica que "se produz nos momentos de contenção muscular e mental" (WALLON, 1971, p. 66), teve ele a função de regular a intensa agitação e labilidade de gestos do seu autor, gestos que tiveram seus efeitos multiplicados devido o estado de tensão do tônus (desencadeador das emoções). Em seu lugar, esperava-se emergir um outro meio de expressão, a linguagem oral, a qual deveria permitir à emoção superar o estado simplesmente orgânico e atingir a dimensão psíquica, com o que se caracterizaria um outro tipo de interação com o social.

EPISÓDIO 2: MOBILIZAÇÃO DO OUTRO

No auge de uma atividade no ateliê de Letramento, a professora Marilda é bruscamente interrompida por Jeanne que, com voz alterada, diz: O César me chamou de baixinha e cabelo pixaim.. Marilda pergunta: É verdade César?

Encabulado, este disfarça brincando com um lápis.Sentada ao seu lado Paula acrescenta, fazendo graça: Ih, professora, lá em casa o meu irmão Lucas mexe comigo todo dia. Ele me chama de gorda, baleia, estufada.

Todos riem muito, menos Guilherme, que não compartilhara da manifestação alegre dos colegas e mantivera-se em silêncio. De repente, ele aponta o dedo na direção de Paula, começa a rir e repete várias vezes em tom cantante: Ela é gorda... ela é gorda... estufada.... Paula se encolhe toda, olha para os colegas e disfarça seu desconforto mexendo em uma mochila.

Marilda intervém: O que é isso Guilherme? Este continua a indicar Paula e a fazer mímicas. Redobra as gargalhadas quando esta lhe pede para parar. Continua em tom de zombaria: Gorda, baleia, estufada. Anda pela sala arrastando os pés. Em seguida volta a se sentar.

Aldo remexe-se na carteira incomodado. Bate na mesa e, gaguejando, diz em voz alta: Você vai pa... pa... pará de repetir bobeira, moleque? Também Heitor mostra seu desagrado; volta-se para Guilherme e acrescenta com o semblante fechado: Pára, pára de falar besteira, ô cara!

Jeanne, que estivera quieta e cabisbaixa durante todo o conflito, olha para Paula, que chora. Começa a chorar também, apoiando a cabeça nos braços. Cristina aproxima-se e a consola. Após alguns minutos, ela enxuga o rosto e diz a Guilherme: Você é bobo mesmo! Tira a língua e vira-lhe o rosto.

Na forma em que ocorre, a conduta de César parecia visar mais a brincadeira e o agrado, não havendo nela sinal de ameaça ou agressão a Jeanne. A reação desta, porém, mais reveladora de busca de atenção que de contrariedade, acabou por oportunizar além do relato animado de uma outra experiência compartilhada pelo grupo em termos de ser alegre e engraçada (Ih, professora, lá em casa o meu irmão Lucas mexe comigo todo dia... diz Paula), o surgimento de uma situação conflituosa permeada por protestos, censuras e extravasamento de sensibilidades pessoais. Ocorre que, do interior de um diálogo construído nos limites de um relacionamento familiar, palavras foram extraídas e transportadas para um outro cenário, sendo repetidas em tom jocoso por um participante (Ela é gorda... baleia... estufada..., diz Guilherme).

A lembrar o que propõe Bakhtin (1997a) a respeito de como as pessoas exteriorizam aquilo que pensam, sentem, imaginam, ou seja, o conteúdo de sua consciência/psiquismo e de como também se apropriam desse conteúdo, tem-se como uma das formas dadas, as palavras. Estas surgem e ganham sentidos à medida que no contexto concreto de um enunciado são usadas para singularizar, individualizar e/ou definir algo, alguém, uma situação ou circunstância em relação a um todo, a uma coletividade. Ainda conforme o autor, (1997b, p. 309), as palavras não trazem expressividade, não possuem qualidade avaliativa, emotividade; e nem pertencem a ninguém: elas "estão a serviço de qualquer locutor e de qualquer juízo de valor". As suas significações sendo, portanto, neutras, sua expressividade só pode vir do contexto em que elas foram geradas e no qual ocorre interação de vozes. Advindas de contextos sociais em que se articulam valores sociais de orientação contraditória, estas vozes derivam dos sentidos construídos no confronto de interlocuções, imagens, contextos, representações, e que são, por isso, em parte do próprio sujeito, e em parte alheios.

Focalizando o episódio sob esta perspectiva dialógica, observa-se inicialmente que os discursos de Paula e Guilherme, em primeiro lugar, e dos demais sujeitos logo após, aparecem entrecruzados com um conjunto de reações corporais que também possuem um valor simbólico (gestos, mímicas, tremor, choro, tom de voz). Estas formas de linguagem, ao traduzir a expressividade emotivo-valorativa e a postura pessoal de seus autores e o desencadear de uma atitude responsiva ativa nos demais participantes (no caso, negação, rejeição e protesto), colocam a uns e outros o desafio de articularem o sentido dos enunciados ao que foi percebido e de apreenderem as relações existentes com o próprio objeto do sentido.

Assim, a maneira como Paula revela sua emoção e reage à fala de Guilherme, – que por sua vez revida acentuando ainda mais as mímicas e imitação, - evidencia um aspecto desconhecido de seu comportamento, o qual, transformado pela provocação, passa de alegre e descontraído com o relato da própria experiência, ao embaraço, vergonha, choro, corpo tenso, inclusive com reação verbal de enfrentamento. Tal fato traduz bem a idéia de que as palavras, ainda que apreendidas individualmente em um enunciado, trazem em si ressonâncias de outras vozes, significações e sentidos construídos e já interpretados em outros contextos. E mais, que a entonação expressiva que as acompanha (tom irônico, jocoso, deferente), ao perpassar a sua significação, abre horizontes e permite apreender aquilo que não foi dito no enunciado, isto é, permite relacioná-lo aos valores presumidos do contexto no qual ocorre a interlocução, traduzindo junto com o sentido, a subjetividade, os valores, a emotividade de seu autor.

É provável que, associados ao próprio enunciado e ao tom malicioso e zombeteiro com que as palavras foram pronunciadas por Guilherme, outros aspectos anteriormente identificados por Paula e relacionados à imagem por ela elaborada a respeito de si mesma tenham contribuído para desencadear suas reações emotivas. A preocupação em como é aceita, e mesmo fisicamente percebida pelos colegas com os quais se relaciona, talvez seja um destes aspectos, já que em diversos momentos anteriores ao do episódio em análise, Paula já fizera alusão a atributos corporais de colegas suas comparando-as com personagens femininas da mídia televisiva.

EPISÓDIO 3: (INTER)REGULAÇÃO COLETIVA E MEDIAÇÃO

No ateliê de Teatro, Amanda solicita: Pessoal, todos devem dar as mãos para fazer um círculo. Você César, vem aqui do meu lado direito; aqui, deste lado(mostra).César aproxima-se, dá a mão a Amanda e, de seu outro lado, estende a mão à Marlene. Esta indica através de uma combinação de gestos e mímicas que não quer pegar na mão dele.

Amanda a olha com ar descontente. Franze o cenho e diz, em tom enérgico e acompanhado de gestos: Marlene, você não quer participar da atividade?... Não quer dar a mão para o César, é isso?... Marlene mantém o olhar fixo e não diz nada. Amanda continua: Olha, quando a gente está num grupo é preciso ser amigo de todo mundo, fazer juntos as atividadeso.... Marlene não se manifesta. Apenas abaixa a cabeça.

Percebendo a resistência de Marlene, com quem tem certa afinidade, Frederico se aproxima e fala pausadamente olhando-a nos olhos: Ma, dá a mão pro César. É só... Neste instante sua voz é encoberta pela voz de Paula, que exclama alto: É mesmo assim... ele abraça todo mundo... ninguém qué ficá perto dele....

Frederico a interrompe em tom de reprimenda: Menina, qué ir prá lá no teu canto? Paula replica: Num vô, não! Insiste: Ele é... Frederico não a deixa continuar e ameaça em tom mais forte: Vai, vai... Cê sabe que é feio ficá falando dos "otro"? Ouve-se ao fundo um confuso rumor de vozes. Fazendo sinal de calma, Amanda diz: Pessoal, um de cada vezo... Espera... Fala um depois do outro... Elba, que se encontrava no lado oposto do circulo se aproxima. Sorri para Marlene e dá a mão a César. Diz com ar alegre: Eu vô ficá aqui... Em tom de aprovação Amanda exclama: Muito bem, Elba! Gostei! Gostei de ver! Volta-se para Marlene e a fixa com ar interrogador. Esta, ruborizada e sem jeito, olha em torno e, relutantemente, acaba dando a mão a César, que sorri para ela..

Na cena descrita percebe-se da parte da professora uma tentativa de ordenar o espaço no qual as atividades devem ser desenvolvidas, espaço no interior do qual ela própria também se inclui, constrói o contexto situacional e exerce o seu poder. Juntamente com os alunos organiza os lugares, define as ações, negocia os papéis, enfim, prepara de certa forma o desdobrar-se de interações que serão constituídas no decorrer das relações (Pessoal, vamos fazer um círculo... Todos devem dar as mãos... César, você vem aqui, do meu lado direito). Embora as atividades do programa tenham um cunho específico e uma natureza lúdica, o ordenamento espacial, assim como o temporal, são regularmente mantidos em todas as sessões de atendimento e, tornados rotina, constituem parte dos elementos simbólicos utilizados pela professora na estruturação de sua prática nos moldes de uma relação pedagógica e para dar significado às interações, com vistas a viabilizar a efetiva participação de todos os alunos.

Porém, conforme pode ser observado neste episódio, nem sempre uma tal organização funciona de modo inflexível, pois que os próprios alunos, ao interagir entre si e compartilhar situações que lhes são particulares, desenvolvem por iniciativa própria um certo domínio das relações, dispensando a mediação constante da professora, eles próprios assumindo este papel e função. Ocorre assim no movimento em que Marlene recusa ajustar-se às injunções da professora e acatar suas explicações, (Você não quer participar da atividade?... Olha, quando a gente está num grupo é preciso ser amigo de todo mundo...), mas o faz após a intervenção de colegas com os quais se identifica (Ô Ma., dá a mão pro César, diz Frederico, e Elba aproximando-se, confirma: Vô fica aqui...); ou, então, quando Paula é recriminada por Frederico por sua atitude em relação à César (Cê sabe que é feio ficá falando dos "otro"?), ocasião, aliás, em que também a própria voz da professora se sobressai no emaranhado de vozes em altercação (Fala um depois do outro), seu enunciado tentando ordenar as falas e suavizar o conflito criado com a situação.

A idéia que se sobressai nesse momento é que, sob a influência de relações entre sujeitos organizados na forma de grupo, "em que cada um se une aos demais pelo gênero de manifestações que o revelam o mais imediatamente a si mesmo" (WALLON, 1971, p. 91), práticas discursivas são desveladas com a finalidade de regular as interações e orientar os modos de participação. Definindo lugares, posições e comportamentos, tais práticas desencadeiam reações de semelhança ou oposição, identidade ou negação, encorajando a manifestação de sentimentos sociais e não somente de relações afetivas pessoais (Muito bem, Elba! Gostei! Gostei de ver! diz Amanda). Neste movimento, há uma troca de signos sendo entretecida na relação com o outro, vozes discordantes ou em harmonia se encontrando, da mesma forma que corpos se mobilizando, ou não, mediados pela voz que se modula ou pelo exercício da imitação.

4 CONCLUSÃO

Mediante a análise microgenética de episódios extraídos do conjunto das atividades oferecidas a jovens e adultos com deficiência mental, buscou-se refletir sobre as diferentes formas sob as quais a emoção pode se exteriorizar na trama discursiva de processos dialógicos. Orientando a construção e interpretação dos dados, as idéias de Wallon e Bakhtin permitiram destacar alguns aspectos considerados mais significativos na compreensão da dimensão afetiva da conduta destes sujeitos.

Assim, pode-se constatar nas dinâmicas interativas descritas nos episódios que os recursos e/ou instrumentos utilizados e a maneira como são utilizados tornam-se decisivos na apreensão, pelo outro, dos sentidos da emoção que se quer significar. Nesse caso, nos âmbitos cognitivo e lingüístico, com maior ênfase neste último (o mais comprometido nos sujeitos da pesquisa), ficou claro que a limitação ou dificuldade no uso de recursos e instrumentos prejudica a realização de operações com signos, portanto, a apropriação dos conteúdos que compõem o material para a expressão externa da atividade psíquica, do qual fazem parte, além do pensamento, a emoção e o movimento (BAKHTIN, 1997a).

Também se observou uma forma predominante (mas não exclusiva) de manifestação da afetividade através da expressão orgânica, o corpo embebendo-se da emoção e a revelando de forma contagiosa em gestos, posturas, mímicas, silêncios, olhares, sorrisos, tom de voz (WALLON, 1971). Se, por um lado, essa forma de exteriorização configurou o pouco domínio que alguns sujeitos tinham dos recursos lingüísticos, os movimentos expressivos constituindo uma forma de comunicação alternativa e dialógica; por outro, também revelou as dificuldades de outros sujeitos na produção de sentidos, os gestos mostrando-se truncados, as posturas rígidas, as mímicas confusas e pouco expressivas, provavelmente em conseqüência de bloqueios em sua capacidade de significar a atividade mental e, com certeza, por estarem desprovidos dos recursos simbólicos alternativos necessários para exprimi-la.

O que se quer afirmar é que em suas interações os sujeitos que apresentavam um sentido de alteridade mais bem desenvolvido, de reconhecimento de si e do outro, eram aqueles que manifestavam uma certa consciência lingüística, o que lhes permitia, na posição de interlocutores, ressignificar com suas réplicas os sentidos da emoção criados no curso dos diálogos e das relações com seus pares, seja através de sinais corporais expressivos seja através da palavra. Com a ajuda da palavra/gestos do outro esses sujeitos conseguiam falar da palavra e dos gestos do outro (BAKHTIN, 1988), ao mesmo tempo em que eram capazes de revelar suas emoções sem o risco de submergir a seus efeitos; também eram capazes de atenuar as reações afetivas impressas no corpo pela emoção do outro, transformando o motivo desencadeador em objeto de representação.

Da investigação realizada, retira-se ao menos duas pistas de reflexão. A primeira é que, ao contrário do que se supõe comumente em relação à capacidade comunicativa de pessoas com deficiência mental, cujo discurso é indiferenciadamente considerado como incoerente e a palavra como pouco capaz de articular-se num diálogo, estes sujeitos se constituem como interlocutores atentos, ativos e expressivos, capazes de compartilhar os sentidos pretendidos nas interações com seus pares. Em segundo lugar, se é o movimento de acordo/desacordo de gestos e vozes que possibilita o diálogo e lhe dá continuidade, é de se esperar que outras pesquisas venham suscitar novas e profícuas reflexões sobre estas e outras questões relacionadas à temática da deficiência mental, assim oportunizando a mistura de vozes no jogo interlocutivo.

Recebido em 10/05/2007

Reformulado em 10/10/2007

Aprovado em 30/11/2007

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  • 1
    Como exemplo destacam-se os desenvolvidos por Ajuriaguerra (1976); Cruikshank e Johnson (1979); Telford e Sawrey (1984); Fierro (1995); Kirk e Gallagher (1996); Pacheco e Valência (1997).
  • 2
    A ressalva que se faz é em relação a pessoas que utilizam farmacodinâmicos, na medida em que estes, devido a composições e efeitos interativos específicos, podem alterar a forma de sentir e expressar emoções. Nesse caso, a avaliação da dimensão abrangida por esta interferência fica prejudicada, sendo necessários outros dados para complementá-la (familiares, educacionais, médicos, de reabilitação).
  • 3
    Dentre os autores que perspectivam assim suas produções alguns podem ser lembrados, como Amaral (1998; 2002), Kassar (1995; 1999), Góes (1992; 1995; 1997), Padilha (2001).
  • 4
    Fundamentados na matriz epistemológica do materialismo histórico dialético e nascidos nos conturbados finais do séc. XIX, Wallon na França (1879) e Bakhtin na Rússia (1895), tais autores criticaram com suas teses e concepções os modelos abstratos vigentes e subjacentes aos campos do conhecimento por eles investigados, ao mesmo tempo em que perfilharam uma forma particular de explicação do mundo, da sociedade e de seus fenômenos.
  • 5
    O método genético é explicitado por Wallon (1971) como uma forma de análise que envolve diferentes áreas de conhecimento e as distintas maneiras possíveis de se observar uma criança. Quanto ao uso do termo genético, Banks-Leite (2001) afirma que, entre pesquisadores de diferentes áreas, existe certo consenso que a dimensão genética envolve "o estudo de condutas ou funções de forma a priorizar suas mudanças, transformações e mesmo suas origens, não se limitando assim ao estudo das mesmas em sua forma de 'estado' final, acabado e estático [...] Partem do pressuposto que só se pode compreender a natureza de um comportamento se levarmos em conta sua história, sua gênese" (p. 170-1).
  • 6
    No que se refere à descrição que Wertsch (1995) teria feito deste aporte metodológico, Góes (2000) ressalva que, apesar do autor corretamente enfatizar a transição do inter para o intrapsíquico e a duração do fenômeno observado, ele não relaciona explicitamente (como Vigotski havia sugerido) tais dimensões aos detalhes e minúcias que, num dado episódio, podem expressar uma transformação em curso. A autora acrescenta que a análise microgenética "não é micro porque se refere à curta duração dos eventos, mas sim por ser orientada para minúcias indiciais (...) É genética no sentido de ser histórica, por focalizar o movimento durante processos e relacionar condições passadas e presentes, tentando explorar aquilo que, no presente, está impregnado de projeção futura" (p. 15).
  • 7
    Visando resguardar a identidade dos sujeitos, optou-se por substituir seus nomes reais. A respeito de suas condições de desenvolvimento as informaçõesforam extraídas tanto da ficha de inscrição no Programa Travessia como dos dados de avaliação das escolas de origem: 11 sujeitos com deficiência mental, 02 com hiperatividade e 03 com problemas de aprendizagem.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      30 Nov 2007
    • Recebido
      10 Maio 2007
    • Revisado
      10 Out 2007
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