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Caracterização de família de mãe com deficiência intelectual e os efeitos no desenvolvimento dos filhos

Characterization of families of mothers with intellectual disabilities and the effects on the children's development

Resumos

A maneira como os pais educam seus filhos parece ser crucial para a promoção de comportamentos adequados, porém, a maioria das famílias pode encontrar dificuldades em educar seus filhos. Famílias com mãe com deficiência intelectual podem apresentar risco para o desenvolvimento de crianças. Estudos com objetivo diagnosticar, descrever e intervir, capacitando essas mães com a finalidade de minimizar esses riscos, são importantes e necessários. O objetivo do presente estudo foi descrever uma família em que havia a suspeita de mãe com deficiência intelectual, seus estressores e alguns efeitos desses múltiplos estressores no desenvolvimento das crianças e na adesão aos programas de intervenção. Participou do estudo uma família que foi acompanhada durante quatro anos e cujos filhos foram avaliados durante esse período em relação ao desenvolvimento. Também foram realizadas avaliações da deficiência da mãe e orientações para toda família. O trabalho com a família desenvolveu-se via visitas domiciliares semanais de uma hora e meia de duração. Os achados do estudo confirmam os da literatura de que as crianças apresentam um desenvolvimento abaixo do indicado para sua idade. Além disso, havia a presença de outros fatores de risco, como, pobreza, baixa escolaridade dos pais, violência intrafamiliar, alcoolismo o que acarretava no agravamento dos problemas (crônicos). Dessa forma, o trabalho destaca a importância de se cuidar dessa população e dirigir políticas públicas para minimizar os efeitos de tal situação.

Família; Deficiência Intelectual; Interação mãe-criança; Risco; Desenvolvimento da Criança


The way in which parents educate their children seems to be crucial to promoting appropriate behaviors, but most families find it difficult to educate their children. Families of parents with intellectual disability can be at risk for the children's development. Studies that aim to diagnose, describe and intervene, while empowering these mothers in order to minimize these risks, are important and necessary. This study describes a family about which there was suspicion that the mother presented intellectual disabilities; it discusses their stressors, and some effects of multiple stressors on children's development and adherence to intervention programs. The family was followed for four years and the children were evaluated during this period to follow up on their development. The study also included assessment of the mother's disability and orientation of the family. There were weekly hour and a half visits. The findings confirm those seen in the literature, i.e. that children showed delayed development for their age. Other risk factors present were: poverty, low parental education, family violence, alcoholism, that worsened the problems. The results suggest the importance of taking care of this population and addressing public policies to minimize the effects of this kind of situation.

Special Education; Family; Intellectual Disability; Risk; Child Development


RELATO DE PESQUISA

Caracterização de família de mãe com deficiência intelectual e os efeitos no desenvolvimento dos filhos

Characterization of families of mothers with intellectual disabilities and the effects on the children's development

Lidia Maria Marson PostalliI; Raquel Fraga MunueraII; Ana Lúcia Rossito AielloIII

IDoutoranda em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial - Universidade Federal de São Carlos. lidiapostalli@yahoo.com.br

IIPsicóloga. raquelmunuera@gmail.com

IIIDocente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial - Universidade Federal de São Carlos. ana.aiello@terra.com.br

RESUMO

A maneira como os pais educam seus filhos parece ser crucial para a promoção de comportamentos adequados, porém, a maioria das famílias pode encontrar dificuldades em educar seus filhos. Famílias com mãe com deficiência intelectual podem apresentar risco para o desenvolvimento de crianças. Estudos com objetivo diagnosticar, descrever e intervir, capacitando essas mães com a finalidade de minimizar esses riscos, são importantes e necessários. O objetivo do presente estudo foi descrever uma família em que havia a suspeita de mãe com deficiência intelectual, seus estressores e alguns efeitos desses múltiplos estressores no desenvolvimento das crianças e na adesão aos programas de intervenção. Participou do estudo uma família que foi acompanhada durante quatro anos e cujos filhos foram avaliados durante esse período em relação ao desenvolvimento. Também foram realizadas avaliações da deficiência da mãe e orientações para toda família. O trabalho com a família desenvolveu-se via visitas domiciliares semanais de uma hora e meia de duração. Os achados do estudo confirmam os da literatura de que as crianças apresentam um desenvolvimento abaixo do indicado para sua idade. Além disso, havia a presença de outros fatores de risco, como, pobreza, baixa escolaridade dos pais, violência intrafamiliar, alcoolismo o que acarretava no agravamento dos problemas (crônicos). Dessa forma, o trabalho destaca a importância de se cuidar dessa população e dirigir políticas públicas para minimizar os efeitos de tal situação.

Palavras-chave: Família. Deficiência Intelectual. Interação mãe-criança. Risco. Desenvolvimento da Criança.

ABSTRACT

The way in which parents educate their children seems to be crucial to promoting appropriate behaviors, but most families find it difficult to educate their children. Families of parents with intellectual disability can be at risk for the children's development. Studies that aim to diagnose, describe and intervene, while empowering these mothers in order to minimize these risks, are important and necessary. This study describes a family about which there was suspicion that the mother presented intellectual disabilities; it discusses their stressors, and some effects of multiple stressors on children's development and adherence to intervention programs. The family was followed for four years and the children were evaluated during this period to follow up on their development. The study also included assessment of the mother's disability and orientation of the family. There were weekly hour and a half visits. The findings confirm those seen in the literature, i.e. that children showed delayed development for their age. Other risk factors present were: poverty, low parental education, family violence, alcoholism, that worsened the problems. The results suggest the importance of taking care of this population and addressing public policies to minimize the effects of this kind of situation.

Keywords: Special Education. Family. Intellectual Disability. Risk. Child Development.

1 Introdução

A maneira como pais educam seus filhos tem se tornado um desafio de interesse público e profissional. Há um interesse na definição de elementos de sucesso para que todos os pais possam ajudar suas crianças a alcançarem seus potenciais e melhorarem suas condições de vida (SCOTT, 1998).

Na relação entre pais e filhos, fatores de riscos podem comprometer a saúde e o desenvolvimento das crianças como: pobreza; prematuridade e baixo peso; abuso e negligência; exposição a drogas e álcool na gestação; exposição a substâncias tóxicas (GURALNICK, 1998). Ainda estão fortemente associados a problemas de comportamento e a distúrbios psiquiátricos na infância, os seguintes fatores: discórdia familiar; desvio social dos pais de natureza criminal ou psiquiátrica; desvantagem social, incluindo baixa renda; habitação inadequada e um grande número de filhos de idades aproximadas; ambiente escolar deficiente com índices elevados de rotatividade e distanciamento entre os funcionários e os alunos, além de uma grande proporção de alunos de lares economicamente desfavorecidos (COLE; COLE, 2003).

Famílias que apresentam diversos desses fatores podem ser consideradas como uma família de múltiplos riscos. De acordo com Landy e Menna (2006), uma família deve apresentar quatro ou mais dos seguintes fatores para ser considerada como uma família de múltiplos riscos: 1) nível de estresse de moderado a severo no pré-natal; 2) pobreza; 3) baixo nível de educação materna; 4) discórdia ou divórcio na família; 5) pais alcoolistas; e 6) pais com doença mental.

Um outro fator de risco apontado por pesquisadores diz respeito à limitação cognitiva dos pais (WHITMAN; ACCARDO, 1990; BOOTH; BOOTH, 1998) que pode colocar os filhos em risco para prejuízos no desenvolvimento e/ou abuso e negligência da criança. O DSM-IV-TR (APA, 2002) define Deficiência Intelectual1 1 Na literatura existem vários termos designados para essa deficiência: deficiência mental, retardo mental, deficiência intelectual. No decorrer do texto serão usados os termos deficiência intelectual ou mental, por serem os mais aceitos na comunidade acadêmica. como:

[...] um funcionamento intelectual significativamente inferior à média (Critério A), acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança (Critério B) (APA, 2002, p. 73).

Para se diagnosticar uma pessoa com deficiência mental faz-se necessário observar os critérios A e B, além do fato de que seu início deve ocorrer antes dos 18 anos (Critério C) (APA, 2002).

No Brasil, de acordo com Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2000) cerca 14,5% da população total (24,5 milhões de pessoas) declararam possuir alguma deficiência. Desse total, a deficiência mental representou 8,3%, sendo predominante nos homens (54,5%). Na faixa etária de 15 a 49 anos, provável período fértil, existe aproximadamente 645.083 mulheres (IBGE, 2000). Considerando o número expressivo de mulheres que pode tornar-se mãe, a preocupação incide, sobretudo, na necessidade de suporte para pais com dificuldades intelectuais em educar suas crianças com sucesso (LLEWELLYN, 1994; LLEWELLYN; BRIGDEN, 1995; MAYES; LLEWELLYN; MCCONNELL, 2008).

Essa estimativa torna-se ainda mais preocupante uma vez que esses números podem estar longe de representar a porcentagem real, pois há muitas pessoas que podem não ter sido diagnosticadas, por apresentar uma deficiência leve ou mesmo por "falhas" na definição da deficiência e critérios diagnósticos (IASSID, 2008). No Brasil, mães com deficiência mental constituem uma população esquecida e invisível para os órgãos públicos que não oferecem serviços adequados às suas necessidades (AIELLO; BUONADIO, 2003).

A escassez de estudos no Brasil sobre o tema acarreta na dificuldade de entender, diagnosticar, intervir, apoiar, promover cuidados e atendimentos a essa população como um todo (DE CARVALHO; MACIEL, 2003). Considerando os direitos de qualquer cidadão, as pessoas com deficiência mental têm direito a ter filhos e constituir família. Porém nem sempre esse direito foi garantido e houve época em que as mulheres eram impedidas de engravidar, pois sua deficiência era vista como um perigo ao desenvolvimento de seus filhos (WILLEMS et al., 2007; REINDERS, 2008).

Nos dias atuais, ainda permanece uma divergência acerca dos direitos de paternidade de pessoas com deficiência mental. Há pesquisadores que afirmam que pais com deficiência mental não têm condições de prover os cuidados e estimulação necessários aos seus filhos e oferecem um ambiente considerável de risco para atraso no desenvolvimento, maus-tratos e negligência. Por outro lado, pesquisas apontam que baixo quociente intelectual não é fator preditivo de inadequação parental, desde que pais com dificuldade intelectual tenham a oportunidade de aprender comportamentos adequados e necessários de cuidado com crianças (FELDMAN, 1986, WILLEMS et al., 2007; AUNOS; FELDMAN; GOUPI, 2008).

No Brasil, poucos estudos foram realizados com o objetivo de ensinar habilidades de cuidados da criança para pais com deficiência intelectual. Um dos estudos foi realizado por Buonadio (2003) e teve como objetivos caracterizar famílias compostas por mães com deficiência mental, realizar intervenção domiciliar visando promover melhor interação mãe-criança e avaliar os efeitos desta, tanto na melhora das habilidades da mãe, quanto no desenvolvimento da criança. Os resultados mostraram que todas as mães aprenderam novas habilidades e duas das três mães mantiveram os comportamentos-alvo no follow up. Quanto ao desenvolvimento infantil, observou-se uma discreta melhora no desenvolvimento global das duas crianças cujas mães apresentaram melhora na intervenção. A autora sugere que, em futuras pesquisas e intervenções, fossem oferecidos serviços que orientassem e apoiassem as mães em suas dificuldades básicas, oferecendo orientações práticas e no cotidiano, de preferência no próprio domicílio.

Um outro estudo realizado por Silveira-Araújo (2007) teve como objetivo caracterizar a rede de apoio social de mães com deficiência mental e analisar a opinião das pessoas que lhes fornecem apoio sobre tal ajuda e sobre as necessidades e dificuldades para apoiar a família da mãe. Os resultados obtidos com cinco das oito mães com histórico de deficiência mental mostraram, de modo geral, que as mães têm pequena rede social, constituída em sua maioria por familiares e pelo fornecimento de ajuda prática, o que caracteriza isolamento social e pouca variabilidade das fontes de apoio e do tipo de apoio social.

Portanto, uma vez que paternidade/maternidade pode ser definida como um papel dinâmico que requer adaptação a novas e imprevisíveis demandas e acarretam prover um ambiente saudável e seguro emocional e cognitivamente para a criação da criança (AUNOS et al., 2008), torna-se necessário treinar esses pais para que possam oferecer um ambiente e estimulação ao seu filho o mais próximo possível do ideal.

Deste modo, o objetivo do presente estudo foi descrever uma família em que havia a suspeita de mãe com deficiência intelectual, seus estressores e alguns efeitos desses múltiplos estressores no desenvolvimento das crianças e na adesão aos programas de intervenção2 2 Esse trabalho foi inicialmente proposto em uma disciplina da Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos e a continuidade do mesmo se deu nos três anos seguintes (início do trabalho em 2005 e término em 2008). .

2 Método

2.1 Participante

Participou deste estudo uma família, formada por seis membros: os pais e seus quatro filhos, três meninas e um menino. Essa família foi caracterizada como uma família de múltiplo risco, principalmente, pelas condições de pobreza, precariedade de recursos, baixo nível de escolaridade dos pais (suspeita de dificuldade intelectual da mãe) e alcoolismo do pai. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos - Protocolo nº. CAAE 0080.0.135.000-07.

2.2 Local e Material

O estudo foi realizado na residência da família, em encontros semanais combinados entre a mãe e as responsáveis pela pesquisa, com duração média de uma hora e trinta minutos. Foram utilizados instrumentos de avaliação e brinquedos de acordo com a faixa etária das crianças (memória, quebra-cabeça, jogo de encaixe, papel e lápis de cor, entre outros).

2.3 Instrumentos

Para a caracterização da família foram empregados: 1) Questionário de identificação da família - Inventário Portage Operacionalizado (WILLIAMS; AIELLO, 2001); e 2) Inventário Home - versão Infant/Toddler (CALDWELL; BRADLEY, 2001) que avalia o ambiente, tanto nos aspectos físicos quanto nos sociais, e também comportamentos dos pais.

Para caracterização do repertório comportamental de crianças foram utilizados: 1) Inventário Portage Operacionalizado (WILLIAMS; AIELLO, 2001) que avalia o repertório de crianças entre 0 e seis anos em seis áreas do desenvolvimento (estimulação infantil, socialização, cognição, linguagem, autocuidados e desenvolvimento motor); e 2) Avaliação de desenvolvimento de crianças com seis anos completos (FONSECA, 1995): comportamentos avaliados em cinco áreas (motricidade global, motricidade fina, linguagem, cognitiva - escolar e autonomia social) na faixa etária entre seis e sete anos.

Para caracterização do repertório de habilidades intelectuais da mãe e habilidades parentais foram aplicados: 1) Matrizes Progressivas de Raven - Escala Geral (RAVEN, 1997) para avaliação das capacidades cognitivas; 2) Avaliação de Áreas Adaptativas - AAA (BRYANT; TAYLOR; RIVERA, 1996) que avalia 10 domínios (funcionalidade independente; desenvolvimento físico; atividades econômicas; desenvolvimento de linguagem; números e tempo; atividades domésticas; atividades pré-vocacionais/vocacionais; autodireção; responsabilidade e, socialização) com o objetivo de mapear as habilidades de um adulto em áreas adaptativas; 3) Inventário de Depressão de Beck - BDI (BECK et al., 1961); e 4) Inventário Comportamental de Pais - ICP (BOYD; STAUBER; BLUMA, 1977) que avalia a interação pais-criança.

2.4 Programa de intervenção mãe-filho

O programa de intervenção teve como temas: os benefícios de uma boa interação entre mãe e criança, a realização de comentários positivos diante de comportamentos adequados da criança e a ausência de atenção para comportamentos inadequados da mesma. O treino foi programado para ser realizado via modelo, instruções, feedback e reforçamento (adaptado de FELDMAN et al., 1992). Foi elaborado um material ilustrativo de como valorizar aspectos positivos em cuidar e interagir com a criança. O manual ilustrativo foi baseado em Lansky (1991), Latham (1996) e Feldman, Ducharme e Case (1999). A sessão de coleta dos dados foi organizada com o material de Williams e Aiello (2001): instruções para treino domiciliares, folha de instrução para treino e folha de registro para pais e roteiro para sistematizar prioridades de treino (adaptado).

2.5 Programa de intervenção para desenvolvimento de linguagem

O treino foi organizado também via modelo, instruções, feedback e reforçamento. Foi feita a linha de base antes do treino e a verificação uma semana após o treino. Cada semana um novo item (neste caso um movimento da boca ou um som) era inserido e treinado por no máximo duas semanas. Se a criança não aprendesse, era revisto ou transformado em passos menores. Para facilitar a realização das atividades propostas, materiais lúdicos foram cedidos para serem utilizados nos treinos.

3 Resultados

3.1 Caracterização da família

Ao longo dos quatro anos de atendimento domiciliar, a família aumentou de quatro para seis membros. Na primeira entrevista realizada, a família era composta por pai, mãe e dois filhos, residentes na região central de uma cidade do interior de São Paulo. A mãe, A.C., com 25 anos (idade no início da pesquisa), estudou até a quarta série do ensino fundamental, não trabalhava e não era casada legalmente com J.C., idade aproximada de 40 anos (a mãe não soube informar a idade correta nessa ocasião), separado da primeira esposa com quem teve um filho. Estudou também até a quarta série, trabalhava como garçom, mas ultimamente estava trabalhando como pintor em um município vizinho. Os dois filhos: G.D. filha mais velha, com cinco anos de idade e seu irmão J.H., com quatro anos de idade, estudavam em uma creche municipal durante o período da manhã. Na última aplicação do questionário (quatro anos após o início), a família era composta por seis membros: pai (43 anos); mãe (29 anos); G.D. (sete anos); J.H. (seis anos); V.C. (dois anos) e L.C. (quatro meses).

Tanto o pai quanto a mãe eram os filhos mais novos de suas famílias de origem e não tinham um relacionamento muito próximo com a família. J.C. tinha pouco contato com o primeiro filho e só o via quando ia até a cidade em que ele morava, pois a mãe (ex-esposa) não permitia que o filho fosse até a casa do pai e A.C. não gostava que o marido fosse até a casa da ex-esposa, desfavorecendo o contato entre pai e filho. Com relação aos filhos que teve com A.C., com quem possuía um relacionamento estável por mais de 10 anos, J.C. era muito próximo de G.D., J.H. e L.C (com exceção da terceira filha V.C.). Em relação aos filhos mais velhos, era o pai quem os ajudava com as tarefas escolares (ensinando a escrever as letras e os números). A terceira filha V.C., que apresentava dificuldade de linguagem, não possuía um relacionamento próximo com ninguém, sendo em diversas ocasiões negligenciada tanto pelo pai quanto pela mãe.

A.C. tinha um relacionamento próximo, porém conflituoso com sua mãe, mas harmonioso com a sogra, a quem recorria quando o marido "sumia" ou quando faltava algum mantimento em casa. Segundo A.C., nem sua mãe nem seus irmãos a ajudava. Com relação aos filhos, A.C. era mais próxima da filha mais velha G.D. a qual defendia em quase todas as situações. O relacionamento entre J.C. e A.C. era muito conflituoso. A.C. queixava do marido como sendo abusivo, mas ela não tinha conhecimento de que os fatos relatados caracterizavam violência física, sexual e psicológica contra ela.

Na primeira entrevista, a renda familiar era de R$ 400,00 (Quatrocentos reais) providos do trabalho do pai mais o auxílio do governo para famílias de baixa renda (Bolsa Alimentação e Bolsa Família). Na última entrevista, a receita da família era de R$ 1.412,00 (Um mil, quatrocentos e doze reais) mais o auxílio do governo. Geralmente, a alimentação era paga com o auxílio do governo. A mãe recebia o auxílio e já comprava os alimentos para as crianças. No segundo ano da realização desse trabalho, a família recebia cesta básica de uma instituição filantrópica e alimentos doados por vizinhos. A família gastava com alimentação, em média, R$ 150,00 (Cento e cinquenta reais) provindos do benefício do governo. Porém, nas quatro entrevistas realizadas, quando era perguntado à mãe qual era a principal necessidade da família, ela sempre respondeu a alimentação e leite e ultimamente também relatou a necessidade de dinheiro para pagar as contas da casa (ocorrências de interrupção de energia e água).

A família residia em uma casa alugada de quatro cômodos, sendo uma sala, uma cozinha e dois quartos. A casa encontrava-se em mau estado de conservação, pintura antiga e com parte das paredes emboloradas, com muitas rachaduras e infiltrações, portas e janelas com cupins. Atrás da casa havia um terreno baldio com mato e ripas de madeira, o que acabava atraindo insetos, cobras e ratos. Por sua vez, a família também não cooperava para a conservação do ambiente, com frequência a varanda estava coberta de entulhos, papéis e lixo, além da limpeza da casa ser feita precariamente, o que fazia com que tivesse odor de urina.

Os hábitos sociais familiares eram escassos. Em dias de folga a família ficava em casa. No início da pesquisa, a mãe mantinha contato frequente com sua mãe, e geralmente, aos finais de semana, a mãe e as crianças visitavam a avó materna. Já no último ano do atendimento, a família ficava em casa nos dias de folga. Segundo a mãe, a família não realizava atividades de passeio e diversão.

Em relação aos filhos, na primeira entrevista, de acordo com a mãe, a dificuldade era a obediência. A mãe reclamava que as crianças não ouviam o que ela falava. No último ano, as dificuldades eram os relatos de mentira dos dois filhos mais velhos e o problema de atraso na fala de V.C. Nesse último período, vizinhos estudantes universitários ajudavam, principalmente, com as tarefas escolares das crianças.

Dos problemas percebidos pelas autoras em diferentes momentos destacam-se: a casa precária e suja (pia da cozinha com problema, janela quebrada, porta enroscada, construção antiga, banheiro quebrado); o alcoolismo do pai; falta de dinheiro e mau uso do mesmo; negligência com a higiene das crianças (bebida e assadura grave, presença de piolho e má higiene bucal) e negligência mais severa (anemia de V.C., atraso nas vacinas, não retorno ao médico após cirurgia de parto); crianças com relatos de mentira; pai passou por um período sem trabalhar; violência doméstica (física, psicológica e sexual) e relato de tentativa de suicídio da mãe.

Na avaliação do ambiente, o escore total do Inventário Home foi 16, estando essa pontuação no quartil inferior (0-25). A subescala em que a família obteve o pior escore foi Aceitação; exemplos de itens dessa subescala são: "Não mais do que um exemplo de punição física durante a última semana", "Os pais não gritam com a criança" e "Os pais não interferem com ou restringem a criança mais do que três vezes durante a visita". Esse resultado indica que a família não proporcionava um ambiente adequado principalmente para V.C. e L.C. (filhas mais novas), uma vez que a versão do Inventário Home utilizado visava essa faixa etária.

O Quadro 1 apresenta os fatores de risco e de proteção encontrados na família avaliada. De forma geral, a família vivia com a presença de muitos eventos estressores: pobreza; desemprego; alcoolismo do pai; dificuldade intelectual da mãe; pai agressivo com a esposa e com os filhos; falta de recursos financeiros; quatro filhos; ambiente residencial precário (casa antiga de alvenaria em condições precárias); mãe negligente (não cuidava direito da higiene da casa e das crianças); ambiente pobre de estimulação; e rede de apoio escassa (uma vizinha que oferecia, principalmente, apoio emocional e, alguns familiares - sogra e padrinho da filha mais velha - que ofereciam apoio financeiro). Como fatores de proteção foram listados: moradia - casa alugada/cedida, recebimento de cesta básica de uma instituição filantrópica, Bolsa Família, ajuda de uma vizinha, mãe de J.C., vizinhos estudantes universitários.


3.2 Caracterização do repertório comportamental das crianças

Foi avaliado o repertório comportamental de duas crianças (J.H. e V.C.). Em relação à avaliação de desenvolvimento infantil de Fonseca (1995), o filho (J.H.) apresentou maior dificuldade na área cognitiva escolar. Os itens avaliados nessa área referem-se, em sua maioria, à leitura e matemática, habilidades nas quais a criança não apresentou acertos. Nas áreas de motricidade fina e linguagem, as dificuldades apresentadas pela criança referiam-se a traçar letras e números e a sinônimos, gramática e pontuação.

Em relação à aplicação do Inventário Portage em V.C., foi verificado que em todas as áreas do desenvolvimento avaliadas, a criança apresentou um desempenho inferior à média, evidenciando a necessidade de uma intervenção. A área que V.C. apresentou pior desempenho foi a área de Linguagem.

3.3 Caracterização do repertório de habilidades intelectuais da mãe e habilidades parentais

Nas avaliações do repertório de habilidades intelectuais da mãe, os resultados obtidos do quociente intelectual da mãe no Teste das Matrizes Progressivas de Raven - Escala Geral mostrou como escore inteligência definitivamente inferior à média. O desempenho da mãe na Avaliação de Áreas Adaptativas (AAA), como mostra a Figura 1, foi de médio à superior quando comparado aos critérios de indivíduos com dificuldades intelectuais (pontos representados pelo X) e, médio a muito pobre quando relacionado aos critérios de indivíduos sem dificuldades intelectuais (pontos representados pelo círculo cheio). Esses resultados indicam que a mãe apresentava dificuldades em áreas adaptativas, principalmente nas áreas social e de autodireção, e isso pode indicar uma deficiência leve. Também foi aplicado o Inventário de Depressão de Beck - BDI, devido ao desânimo apresentado pela mãe, o escore obtido foi de 31, o que indicou um índice de depressão de moderado a grave.


Na análise do Inventário Comportamental de Pais, em relação à V.C., os pais apresentaram 25% de comportamentos avaliados, sendo que em relação ao filho J.H., esse índice caiu para 13%. Novamente torna-se evidente a presença de comportamentos inadequados dos pais ao lidar com seus filhos, por exemplo, não responder contingente, não estimular novas aprendizagens (exceto escolares), não se engajarem em atividades com as crianças entre outros.

3.4 Programas de intervenção

O programa de intervenção mãe-filho foi proposto no último período de atendimento, mas não foi implementado por falta de interesse da mãe, que justificou não ter paciência e preferir assistir televisão ao invés de "brincar" com o filho. Essa desmotivação já era esperada pelas pesquisadoras devido a não cooperação da mãe em atividades para melhoria do ambiente e do relacionamento familiar (realizados ao longo das visitas), além do cansaço devido à permanência diária com as quatro crianças, a falta de apoio do marido e dos inúmeros fatores contextuais presentes na realidade dessa família.

Em relação aos objetivos de intervenção para desenvolvimento de linguagem, V.C. foi encaminhada ao fonoaudiólogo, pago pelas pesquisadoras, para a realização de uma avaliação audiométrica, pois havia a suspeita, pelas pesquisadoras, de que a dificuldade na linguagem pudesse estar relacionada a algum problema auditivo. O resultado indicou que a criança não possuía problemas auditivos, mas falta de estimulação. A mãe foi orientada pela fonoaudióloga quanto à estimulação em geral, e em específico da fala, por exemplo, a importância da alimentação com alimentos sólidos (adequados à faixa etária da criança) para o fortalecimento dos músculos da face. Após a consulta, os treinos foram propostos novamente e, diante da não adesão da mãe, a família foi orientada a levar V.C. à APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais), mais especificamente ao setor de estimulação precoce para que a criança recebesse regularmente intervenção em fisioterapia (uma vez que foi notado um problema no pé da criança - pé torto) e estimulação infantil e da fala. A mãe A.C. relatou que ficou "muito sentida" com essa orientação, apesar das pesquisadoras terem explicado aos pais os motivos de tal encaminhamento. Os pais não concordaram com o encaminhamento e a família decidiu não continuar com os treinos e interrompeu definitivamente o trabalho.

3.5 Orientações e encaminhamentos dados à família

Ao longo de todo o período de atendimento à família, orientações foram dadas em relação aos problemas enfrentados. As orientações e encaminhamentos eram acompanhados de explicações, incluindo em alguns casos o fornecimento de modelo, de material ilustrativo e de endereços de serviços gratuitos na comunidade.

Uma das primeiras orientações realizadas foi o encaminhamento do pai aos Alcoólicos Anônimos, incluindo o fornecimento de endereço, dias e horários das reuniões. O encaminhamento da mãe ao médico para tratar de problemas ginecológicos e mentais (depressão), orientação sobre a vacinação das crianças, destacando inclusive a importância de manter em dia a vacinação como uma das obrigações para o recebimento do Bolsa Família. Foi entregue aos pais um folder retirado do site do Governo Federal em que os critérios para manutenção do benefício estavam citados. Esse material foi discutido com a mãe e deixado como referência.

Durante o período de visitas à família, as profissionais observaram que havia episódios de violência doméstica, psicológica e sexual do pai em relação à mulher e, consequentemente, em relação às crianças, uma vez que elas eram expostas a essa violência, embora não fosse diretamente dirigida a elas. Além disso, observou-se também negligência da mãe em relação aos filhos, pois foi constatado que o pai dava bebidas alcoólicas às crianças, com a permissão da mãe; e que, em algumas situações, a mãe não realizava a higiene das crianças corretamente, resultando em assaduras e piolhos. Diante disso, o primeiro passo foi orientar a mãe sobre o que era Violência Doméstica e os tipos de violência, pois ela não possuía tais informações. Foi avisado também que, caso a situação na casa não mudasse, as profissionais fariam uma denúncia formal ao Conselho Tutelar do município. Passado um tempo (início do último ano de visita), a denúncia (anônima) foi realizada já que nada havia mudado e que se alguma situação pior acontecesse, a responsabilidade poderia recair também sobre as profissionais, por não terem cumprido sua função, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).

Ao longo de todo atendimento à família, foram realizadas tentativas de empoderar a família e garantir qualidade de vida, principalmente, para as crianças. Dessa forma, as orientações dadas à família ao longo dos quatro anos de atendimento abordaram os seguintes aspectos: alimentação; hábitos de higiene pessoal e cuidados com a saúde (higiene bucal, piolho, vacinação, acompanhamento médico das crianças e da mãe); higiene da casa; organização de uma rotina de trabalho doméstico; organização dos brinquedos pelas próprias crianças; orçamento doméstico; planejamento familiar; gravidez e pré-natal; cuidados com o bebê; estimulação dos filhos; como consequenciar os comportamentos das crianças; frequência das crianças às aulas; e relacionamento conjugal. Após cada orientação e/ou encaminhamento era verificado, por meios de perguntas simples, se a mãe havia compreendido as informações e então modelo era fornecido. Na visita seguinte, "cobrava-se" o andamento da orientação, para o qual a mãe sempre relatava não ter ocorrido e justificava com novos problemas, ou seja, raras orientações e encaminhamentos foram seguidos pela família e alguns só ocorreram porque as pesquisadoras acabavam realizando, por exemplo, marcar consulta com fonoaudiólogo para a penúltima filha e acompanhar mãe e filha à consulta.

4 Discussão

O objetivo do estudo foi descrever uma família em que havia a suspeita de mãe com deficiência intelectual, seus estressores e alguns efeitos desses múltiplos estressores no desenvolvimento das crianças e na adesão aos programas de intervenção. O resultado mostrou que a mãe apresentava deficiência intelectual e também sintomas depressivos. As crianças apresentaram desempenho abaixo do esperado para a idade nas avaliações de desenvolvimento. Além disso, a família vivia na presença de fatores de risco, como, pobreza, baixa escolaridade dos pais, violência intrafamiliar, alcoolismo o que acarretava no agravamento dos problemas.

Segundo Landy e Menna (2006), para ser considerada uma família de múltiplos riscos, a família deve apresentar quatro ou mais dos seguintes fatores: nível de estresse moderado a severo no pré-natal; pobreza; baixo nível de educação materna; discórdia ou divórcio na família; pais alcoolistas; e pais com doença mental. A família atendida nesse trabalho apresentava os seis fatores de múltiplos riscos, o que demonstra a dificuldade em lidar com os diversos problemas apresentados pela família. Além disso, os problemas não eram estáticos, portanto a cada visita a queixa da mãe mudava, dificultando a solução.

No Brasil, as pessoas com deficiência intelectual são, em geral, excluídas da sociedade e isso começa no momento do Censo Demográfico (realizado pelo IBGE), a maneira como as perguntas são feitas geram dúvidas e fazem com que essas pessoas não sejam contadas, sendo divulgado um número longe do real. Na sociedade em que vivemos, ainda nos atuais dias, o diagnóstico de deficiência mental figura um indivíduo com demência e comprometimento permanente da racionalidade e do controle comportamental, o que pode contribuir para a manutenção do preconceito e influenciar as atitudes discriminatórias (DE CARVALHO; MACIEL, 2003).

No presente estudo, a dificuldade intelectual da mãe pode ter influenciado a falta de interesse e adesão aos programas de intervenção e também nas orientações e encaminhamentos. A dificuldade intelectual da mãe pode ter dificultado a compreensão das propostas acarretando na não execução das atividades. De acordo com Feldman e colaboradores (1989), somente instrução verbal pode não ser suficiente para o treinamento desses pais. A falta de interesse da mãe também pode ter sido prejudicada por fatores como: 1) a depressão que gera diminuição da energia e concentração e que pode ter afetado a disponibilidade da mãe para aprender as novas habilidades; e 2) os episódios de violência doméstica que por sua vez acarretam em menor acesso à educação, menor autoridade, menor autoestima, menor presença de comportamentos assertivos (BROWNRIDGE, 2006).

Apesar das dificuldades apresentadas pela família, alguns aspectos chamaram atenção durante o estudo. O primeiro foi em relação à rede social de apoio que embora aparentemente pequena (vizinha; doação de alimentos por vizinhos; padrinho de um dos filhos; patrão que alugava a casa; instituição filantrópica com doação da cesta básica e leite; Bolsa Família) era constante e propiciava itens substanciais que, se bem gerenciados, permitiriam maior aproveitamento.

Da mesma forma, em relação à questão financeira da família, ao longo do tempo de atendimento, houve uma melhora significativa em termos financeiros, porém isso não fez com que a família tivesse melhores condições de vida, o que sugere que, por conta das ajudas, a família "esperava de outros, soluções para seus problemas", não investindo em estratégias e metas para longo prazo.

Essa observação está de acordo com Cardoso (2004) que crítica a visão filantrópica e as práticas assistencialistas relacionadas às camadas mais pobres que são caracterizadas somente a partir de suas necessidades, recebem doações que atendam às necessidades diagnosticadas pelo observador de fora, o qual espera que após supridas as carências, essas famílias beneficiadas ganhem força para enfrentar, sozinhas, a falta de oportunidades com que convivem no dia a dia.

Um bom exemplo de programa assistencialista pode ser considerado o programa do Governo Federal - Bolsa-Família. As famílias pobres recebem a ajuda do governo e, apesar das boas intenções do governo, não há monitoramento (tarefa que se reconhece não ser fácil e talvez impossível) do uso do dinheiro, tornando-se fácil e possível que famílias com baixas habilidades de gerenciamento gastem esse dinheiro em itens como cigarro, bebida e alimentos supérfluos, como iogurte, bolachas e refrigerantes, ao invés de itens da cesta básica.

Em momentos do estudo, as profissionais também agiram com práticas assistencialistas. Por exemplo, diante da não realização pela mãe de uma tarefa proposta, a possibilidade de estabelecer nova prioridade para ser treinada e relato das dificuldades financeiras da família e as constantes brigas com o marido por faltar suprimentos na casa, inclusive leite para as crianças (orientações a respeito da obtenção de alimentos já haviam sido dadas) foi levado lanches para as crianças, financiado pelas pesquisadoras, para treinar algumas práticas e hábitos de higiene ausentes nos repertórios das crianças. Esse exemplo demonstra uma estratégia adotada pelas pesquisadoras, mas que, talvez, devido às características assistencialistas tenha contribuído mais com o comodismo e menos com as estratégias de ensino para obtenção do próprio subsídio pela família. Além disso, as pesquisadoras poderiam ao invés de levar os alimentos, mudar a estratégia e ensinar a mãe a lidar com o dinheiro recebido, bem como melhor aproveitar as doações recebidas.

A literatura aponta que o aumento na participação dos pais na tomada de decisão das atividades pode resultar no aumento da satisfação dos mesmos com o programa (GALLAGHER, 1990). Portanto, uma estratégia que deve ser adotada ao propor um programa de intervenção familiar seria o envolvimento dos pais em todas as etapas, isto é, desde a definição dos objetivos até o desenvolvimento do programa, além disso, a comunicação deve ser clara e fluente entre família e profissional (HALLAHAN; KAUFFMAN, 2003; WEBSTER-STRATTON, 1997).

Os profissionais devem olhar para cada pai/mãe como um indivíduo que tem suas necessidades particulares e não como um grupo que apresenta as mesmas necessidades (IASSID, 2008). Assim, as propostas de treinos precisam ser dirigidas às necessidades de aprendizado de cada pai, levando em conta seus interesses, para que eles tenham motivação para aprender. É importante também que as habilidades sejam sistemáticas e concretas e que sejam ensinadas no contexto em que são necessárias, facilitando o aprendizado de cada pai/mãe (IASSID, 2008). Nesse sentido, os instrumentos utilizados foram úteis em levantar necessidades da família sob diferentes perspectivas (desenvolvimento, interação, apoio social, etc.) permitindo obter-se uma boa fotografia da família.

Desse modo, considerando as dificuldades da família e as dificuldades das pesquisadoras em lidar com a diversidade de problemas, é ingênuo supor que estratégias de treino, orientação e encaminhamentos, mesmo em situação natural sejam suficientes para "dar conta" de tantos estressores. Destacando a fundamental importância do trabalho de uma equipe multidisciplinar e múltiplos serviços para melhor atender as necessidades de tais famílias.

5 Conclusão

Diante das dificuldades apontadas e dos desafios em trabalhar com famílias de múltiplos riscos fica claro que a proposta de programas estruturados não se torna suficiente para adesão. Para Wasik e Bryant (2001), todos os programas encontram famílias não responsivas aos serviços oferecidos. Muitas famílias são resistentes ao engajamento, outras abandonam os programas antes de encontrar seus objetivos, e outras parecem não fazer progresso. Uma análise das variáveis que estão presentes na relação entre indivíduo-ambiente permite ao profissional avaliar quais os reais objetivos da família, ou seja, o que seria mais importante para a família naquele momento. Além disso, o profissional deve estar atento a condição da saúde mental e psicológica do indivíduo para realizar suas propostas e intervenções, com o objetivo de garantir um maior envolvimento por parte do beneficiado (MCDONOUGH, 2005).

Recebido: 23/02/2010

Reformulado: 28/02/2011

Aprovado: 04/04/2011

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  • 1
    Na literatura existem vários termos designados para essa deficiência: deficiência mental, retardo mental, deficiência intelectual. No decorrer do texto serão usados os termos deficiência intelectual ou mental, por serem os mais aceitos na comunidade acadêmica.
  • 2
    Esse trabalho foi inicialmente proposto em uma disciplina da Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos e a continuidade do mesmo se deu nos três anos seguintes (início do trabalho em 2005 e término em 2008).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Revisado
      28 Fev 2011
    • Recebido
      23 Fev 2010
    • Aceito
      04 Abr 2011
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