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Escolarização e Institucionalização de Filhos com Síndrome de Down: Experiências de Casais Idosos Portugueses

Schooling and Institutionalization of Children with Down Syndrome: Experiences of Portuguese Elderly Couples

RESUMO:

este estudo teve como objetivo explorar as experiências de casais idosos portugueses com a educação e institucionalização de seus filhos com Síndrome de Down (SD). Foi desenvolvido através do método da história oral, com a participação de catorze casais. Os dados foram obtidos através de entrevista semiestruturada e analisados com base na análise de conteúdo. Os resultados deste estudo evidenciaram que, à época, as condições de atendimento e apoio a crianças com necessidades especiais eram precárias. A quase totalidade das crianças enfrentou a exclusão escolar, em decorrência da falta de estrutura das escolas e falta de preparação do corpo docente para lidar com as necessidades dos filhos. A institucionalização foi motivo de satisfação e contentamento para alguns casais, pela oferta de oportunidades de desenvolvimento e apoio de profissionais especializados. No entanto, também revestiu-se de preocupação pelo pouco e tardio investimento na aprendizagem cognitiva dos filhos, o que comprometeu o seu desenvolvimento neste aspecto. Neste sentido, a escassez de políticas educacionais, em Portugal, dificultou o desenvolvimento intelectual destes jovens, limitando-os e impedindo-os de usufruírem de um futuro laboral a que tinham direito e de exercer plenamente os seus direitos de cidadania.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Especial; Síndrome de Down; Escolarização; Institucionalização

ABSTRACT:

This study aimed to explore the experiences of Portuguese elderly couples with education and institutionalization of their children with Down Syndrome (DS). The study was developed through oral history method, with the participation of fourteen couples. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed based on content analysis. The results of this study showed that, at the time, the conditions of service and support to children with special needs were precarious. Almost all the children faced exclusion from school, due to the lack of school structure and lack of preparation of teachers to handle the needs of children. Institutionalization was a source of satisfaction and contentment for some couples, as they offered opportunities for development and professional support. However, they showed concern for the poor and tardy investment in the cognitive learning of their children, which hindered their development in this respect. In this sense, the lack of educational policies in Portugal hampered these young people's intellectual development, limiting them and preventing them from enjoying a future of labor to which they are entitled and to fully exercise their citizenship.

KEYWORDS:
Special Education; Down Syndrome; Schooling; Institutionalization

1 INTRODUÇÃO

Em Portugal, de acordo com a associação Pais 21 (2016)PAIS, 21. FAQ'S. Disponível em: <http://pais21.pt/public/Text.php?text_id=25>. Acesso em: 13 mar. 2016.
http://pais21.pt/public/Text.php?text_id...
, um em cada 800 bebês nasce com síndrome de Down (SD). Este número decorre do fato de 95% dos pais optarem pela interrupção voluntária da gravidez (IVG), após a deficiência ser detetada precocemente, o que corresponde a 109 abortos eugênicos por ano (PAIS 21, 2016PAIS, 21. FAQ'S. Disponível em: <http://pais21.pt/public/Text.php?text_id=25>. Acesso em: 13 mar. 2016.
http://pais21.pt/public/Text.php?text_id...
). De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, nasceram Portugal, no ano de 2011, 97 mil bebês (PORTUGAL, 2011PORTUGAL. Instituto Nacional de Estatística. Nados-vivos. 2011. Disponível em: <https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0001346&contexto=bd&selTab=tab2>. Acesso em: 27 maio 2016.
https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=IN...
). A Pais 21 estima que desse total, 121 bebês tenham nascido com SD, naquele ano (PAIS 21, 2016PAIS, 21. FAQ'S. Disponível em: <http://pais21.pt/public/Text.php?text_id=25>. Acesso em: 13 mar. 2016.
http://pais21.pt/public/Text.php?text_id...
). No entanto, em Portugal não há dados fidedignos sobre o número real dos nascimentos/abortos de bebês com SD (PAIS 21, 2016PAIS, 21. FAQ'S. Disponível em: <http://pais21.pt/public/Text.php?text_id=25>. Acesso em: 13 mar. 2016.
http://pais21.pt/public/Text.php?text_id...
).

Quanto à educação de crianças com deficiência, em contexto português, esta remonta ao século de 1822 quando foi consagrada no âmbito das políticas educacionais. Poderá ter tido a sua origem na proclamação da liberdade do ensino, que consagrou a gratuidade do mesmo para todos os cidadãos (VELOSO, 1998VELOSO, C.V. da. Cooperativas de educação e reabilitação de crianças inadaptadas: uma visão global. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 1998.). No entanto, Veloso (1998)VELOSO, C.V. da. Cooperativas de educação e reabilitação de crianças inadaptadas: uma visão global. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 1998. menciona que somente em 1946, com a publicação do decreto - Lei nr.35.801 de 13 de agosto, que efetivamente se cria as designadas "classes especiais" no ensino primário. Contudo, somente na década de 1960 é que a intervenção do Estado Português passa a ter uma ação mais abrangente face ao problema da deficiência (VELOSO, 1998VELOSO, C.V. da. Cooperativas de educação e reabilitação de crianças inadaptadas: uma visão global. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 1998.).

Em 1976, a Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio da igualdade no acesso de pessoas deficientes ao ensino obrigatório, universal e gratuito (PORTUGAL, 1976PORTUGAL. República Portuguesa. Princípios fundamentais (1976). Constituição da República Portuguesa. Diário da República, Lisboa, 1ª série, n.86, p.738-775, 1976.), e na década de 1982 fica definido o direito à Educação Especial (PORTUGAL, 1982PORTUGAL. República Portuguesa. Primeira revisão da constituição (1982). Lei constitucional n. 1/82, de 8 de julho de 1982. Diário da República, Lisboa, 1a série, n.227, p.3135-3206, 1982.). Porém, somente na década de 2008 é que efetivamente foi articulada a inclusão no ensino regular de pessoas com deficiência (PORTUGAL, 2008PORTUGAL. Ministério da Educação. Decreto nº3/2008, de 7 de janeiro de 2008. Dispõe sobre a inclusão escolar de crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Diário da República, Lisboa, 1a série, n.4, p.154-164, 2008.). A inclusão no ensino, atualmente preconizada, é baseada no direito de participação na sociedade com aceitação das diferenças de cada pessoa.

Em 1962, para tentar resolver as lacunas existentes na educação, um movimento de pais desenvolveu estruturas educativas em falta, para os seus filhos deficientes. Deste modo, foram implementadas as, atualmente, denominadas Associações Portuguesas de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) (VELOSO, 1998VELOSO, C.V. da. Cooperativas de educação e reabilitação de crianças inadaptadas: uma visão global. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 1998.). Na década de 1974 apareceram as Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas (CERCI), com o objetivo de diminuir a exclusão social de crianças com deficiência, face às desigualdades existentes no acesso destas crianças à educação escolar. A estrutura das cooperativas e associações apresentam duas diferenças significativas. A primeira diferença é de foro social, em que a formação das cooperativas assenta no princípio de que os cooperantes visam resolver em conjunto problemas que lhes são comuns, enquanto a segunda assenta no princípio de que os agentes fundadores visam resolver problemas sociais provocados pela ação ou existência de outras pessoas excluídas socialmente. A segunda diferença é mais formal, e reside no fato das cooperativas possuírem capital social e não serem flexíveis quanto à estruturação de seus órgãos sociais, o que não acontece com as associações (VELOSO, 1998VELOSO, C.V. da. Cooperativas de educação e reabilitação de crianças inadaptadas: uma visão global. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 1998.).

A Educação Especial para crianças com SD é fundamental, considerando que esta síndrome é uma condição genética relativamente comum, em que a deterioração mais significativa prende-se com a dificuldade de aprendizagem (BRYANT et al., 2011BRYANT, L.D. et al. All is done by Allah. Understandings of Down syndrome and prenatal testing in Pakistan. Social Science and Medicine. Amsterdam, v.72, n.8, p.1393-1399, 2011.). Embora as alterações cromossômicas da SD sejam comuns a todas as pessoas acometidas por esta síndrome, nem todas apresentam as mesmas características, nem os mesmos traços físicos e/ou malformações. A única característica comum a todas as pessoas é o deficit intelectual (FISHLER; KOCH; DONNELL, 1976FISHLER, K.; KOCH, R.; DONNELL, G.N. Comparison of mental development in individuals with mosaic and trisomy 21 Down's syndrome. Pediatrics, Elk Grove Village, Illinois, v.58, n.5, p.744-748, 1976.; SILVA; DESSEN, 2002SILVA, N.L.P.; DESSEN, M.A. Síndrome de Down: etiologia, caracterização e impacto na família. Interação em Psicologia, Curitiba, v.6, n.2, p.166-174, 2002.; HENNEQUIN; FAULKS; ALLISON, 2003HENNEQUIN, M.; FAULKS, D.; ALLISON, P.J. Parents' ability to perceive pain experienced by their child with Down syndrome. Journal of Orofacial Pain, Hanover Park, Illinois, v.17, n.4, p.347-353, 2003.; O'HARA; MCCARTHY; BOURAS, 2010O'HARA, J.; MCCARTHY, J.; BOURAS, N. Intellectual disability and Ill Health - A review of the evidence. United Kingdom: Cambridge University Press, 2010.). Em crianças com SD, os deficits em habilidades de memória a curto prazo prejudicam o seu desempenho em algumas tarefas cognitivas, nomeadamente a linguagem, o desenvolvimento de vocabulário e as tarefas de resolução de problemas (LANFRANCHI et al., 2010LANFRANCHI, S. et al. Executive function in adolescents with Down syndrome. Journal of Intellectual Disability Research, Hoboken, New Jersey, v.54, n.4, p.308-319, 2010.). Da mesma forma, a memória a longo prazo destas crianças também é afetada, e a recuperação da informação depende do grau do deficit de cada criança com SD (DIERSSEN, 2012DIERSSEN, M. Down syndrome: the brain in trisomic mode. Nature Reviews Neuroscience, London, v.13, n.12, p.844-858, 2012.).

Os problemas de aprendizagem e de memória tendem a iniciar-se no final da infância, tornando-se mais percetíveis na fase da adolescência (LANFRANCHI et al., 2010LANFRANCHI, S. et al. Executive function in adolescents with Down syndrome. Journal of Intellectual Disability Research, Hoboken, New Jersey, v.54, n.4, p.308-319, 2010.). Este fato ocorre pela incapacidade de consolidação da informação adquirida e não pela falta de aquisição de linguagem (LOTT; DIERSSEN, 2010LOTT, I.T.; DIERSSEN, M. Cognitive deficits and associated neurological complications in individuals with Down's syndrome. The Lancet Neurology, London, v.9, n.6, p.623-633, 2010.).

Considerando os deficits da criança com SD, a estimulação precoce e adequada é fundamental para minimizar as dificuldades em âmbito cognitivo (atenção, linguagem), percetivo e comportamental (FIGUEIREDO et al., 2008FIGUEIREDO, S. et al. Comportamento parental face à trissomia 21. Análise Psicológica, Lisboa, v.26, n.2, p. 355-365, 2008.). Deste modo, é necessário que, ao longo do seu crescimento e desenvolvimento, haja uma coordenação mais efetiva entre o seio familiar e o seio educacional, para que as suas potencialidades possam ser atingidas na evolução da sua aprendizagem (LIPP; MARTINI; OLIVEIRA-MENEGOTTO, 2010LIPP, L.K.; MARTINI, F. de O.; OLIVEIRA-MENEGOTTO, L. M. Desenvolvimento, escolarização e síndrome de Down: expectativas maternas. Paidèia, Ribeirão Preto, v.20, n.47, p.371-379, 2010.; ROMERO; PERALTA, 2012ROMERO, C.; PERALTA, S. Estudio de la dinámica en familias con hijos/as con síndrome de Down. Eureka, Asunción, v.9, n.1, p.69-77, 2012.). Assim, é possível atenuar o stress parental e minimizar os problemas comportamentais com aptidões sociais diversas (autodisciplina, autorregulação) (AL-BILTAGI et al., 2015AL-BILTAGI, M. et al Down Syndrome Children - An Update1.ed. In: AL-BILTAGI, M. (Eds.). Psychological change in Down syndrome children and adolescents. Beijing: Bentham Science Organization, 2015. p.348-384.).

As transições, especialmente educacionais, ocorridas ao longo do desenvolvimento de filhos com SD, não são simples, pelos desafios, nomeadamente, de encontrar ambientes escolares que atendam as necessidades educativas e terapêuticas, das criança e da família (MARSHALL et al., 2014MARSHALL, J. et al. Services and supports for young children with Down syndrome: parent and provider perspectives. Child Care, Health and Development, Hoboken, New Jersey, v.41, n.3, p.365-373, 2014.), bem como as dificuldades impostas pela própria deficiência mental (LIPP et al., 2010LIPP, L.K.; MARTINI, F. de O.; OLIVEIRA-MENEGOTTO, L. M. Desenvolvimento, escolarização e síndrome de Down: expectativas maternas. Paidèia, Ribeirão Preto, v.20, n.47, p.371-379, 2010.).

Deste modo, para a inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular, é preciso ter em consideração as modificações que uma estrutura educacional deve comportar para alocar estas crianças, incluindo a avaliação do conhecimento e a área de formação dos professores (AVRAMIDIS; BAYLISS; BURDEN, 2000AVRAMIDIS, E.; BAYLISS, P.; BURDEN, R. A survey into mainstream teachers' attitudes towards the inclusion of children with special educational needs in the ordinary school in one local education authority. Educational Psychology, Washington, v.20, n.2, p.191-211, 2000.). No estudo de Avramidis, Bayliss e Burden (2000)AVRAMIDIS, E.; BAYLISS, P.; BURDEN, R. A survey into mainstream teachers' attitudes towards the inclusion of children with special educational needs in the ordinary school in one local education authority. Educational Psychology, Washington, v.20, n.2, p.191-211, 2000., ficou evidente os professores de ensino regular que tinham experiência de inclusão de crianças com deficiência em contexto de aula e aqueles com pouca ou nenhuma experiência. Também ficou comprovado que os professores com formação em Educação Especial tinham uma atitude mais positiva, comparativamente, com aqueles com pouca ou nenhuma formação (AVRAMIDIS; BAYLISS; BURDEN, 2000AVRAMIDIS, E.; BAYLISS, P.; BURDEN, R. A survey into mainstream teachers' attitudes towards the inclusion of children with special educational needs in the ordinary school in one local education authority. Educational Psychology, Washington, v.20, n.2, p.191-211, 2000.). Outro estudo evidenciou que as atitudes dos professores perante crianças com deficiência são influenciadas pelo nível da deficiência que lhes é solicitado alocar em contexto de aula (CAMPBELL; GILMORE; CUSKELLY, 2003CAMPBELL, J.; GILMORE, L.; CUSKELLY, M. Changing student teachers' attitudes towards disability and inclusion. Journal of Intellectual and Developmental Disability, Chicago, v.28, n.4, p.369-379, 2003.).

Relativamente à institucionalização, Fishler e colaboradores (1976)FISHLER, K.; KOCH, R.; DONNELL, G.N. Comparison of mental development in individuals with mosaic and trisomy 21 Down's syndrome. Pediatrics, Elk Grove Village, Illinois, v.58, n.5, p.744-748, 1976. defendem que devido à variabilidade do potencial mental das crianças com SD, esta deveria ser evitada na primeira infância (FISHLER et al., 1976FISHLER, K.; KOCH, R.; DONNELL, G.N. Comparison of mental development in individuals with mosaic and trisomy 21 Down's syndrome. Pediatrics, Elk Grove Village, Illinois, v.58, n.5, p.744-748, 1976.). Os autores justificam esta orientação em decorrência das crianças com mosaicismo, um dos tipos da SD, terem uma maior aptidão intelectual (FISHLER et al., 1976FISHLER, K.; KOCH, R.; DONNELL, G.N. Comparison of mental development in individuals with mosaic and trisomy 21 Down's syndrome. Pediatrics, Elk Grove Village, Illinois, v.58, n.5, p.744-748, 1976.). Nesta mesma perspetiva, Holden e Stewart (2002)HOLDEN, B.; STEWART, P. The inclusion of students with Down syndrome in New Zealand schools. Down Syndrome News and update, v.2, n.1, p.24-28, 2002. aludem para o fato de que crianças com SD que frequentam o ensino regular apresentam melhores prestações, pois o sistema previsível lhes vai permitir aumentar o seu sucesso escolar e diminuir a ansiedade (HOLDEN; STEWART, 2002HOLDEN, B.; STEWART, P. The inclusion of students with Down syndrome in New Zealand schools. Down Syndrome News and update, v.2, n.1, p.24-28, 2002.). Porém, quando uma criança transita para a fase seguinte, tende a ter um maior deficit de atenção, transtorno de pensamento e isolamento social (AL-BILTAGI et al., 2015AL-BILTAGI, M. et al Down Syndrome Children - An Update1.ed. In: AL-BILTAGI, M. (Eds.). Psychological change in Down syndrome children and adolescents. Beijing: Bentham Science Organization, 2015. p.348-384.).

Apesar da orientação atual de inclusão de crianças com deficiência intelectual no ensino regular (SANCHES; TEODORO, 2006SANCHES, I.; TEODORO, A. Da integração à inclusão escolar: cruzando perspectivas e conceitos. Revista Lusófona de Educação, Lisboa, v.8, n.8, p.63-83, 2006.), elas provavelmente passarão menos tempo na escola com os colegas, pois os sistemas de cuidados deveriam ter-se adaptado às suas necessidades num processo conjunto e contínuo (MARSHALL et al., 2014MARSHALL, J. et al. Services and supports for young children with Down syndrome: parent and provider perspectives. Child Care, Health and Development, Hoboken, New Jersey, v.41, n.3, p.365-373, 2014.). Este dado é também apoiado por um estudo em que os pais apontam os serviços da escola à disposição dos seus filhos como sendo insuficientes, inacessíveis ou incapazes de fornecer informação adequada (STEEL et al., 2011STEEL, R. et al. Family quality of life in 25 Belgian families: quantitative and qualitative exploration of social and professional support domains. Journal of Intellectual Disability Research Hoboken, New Jersey, v.55, n.12, p.1123-1135, 2011.).

Sendo esta uma área pouco explorada na literatura portuguesa, há uma lacuna significativa de estudos acerca das experiências de vida de pais cuidadores de filhos com SD, com evidência para os pais mais idosos.

2 OBJETIVOS

Este estudo teve como objetivo explorar as experiências de casais idosos portugueses com a educação e institucionalização de seus filhos com SD.

3 MÉTODO

Este estudo foi parte de uma pesquisa mais ampla, que explorou as experiências de casais portugueses que estão a envelhecer a cuidar de filhos com síndrome de Down. Foi baseado em uma abordagem qualitativa, do tipo exploratório-descritivo, através da coletânea de narrativas, do método da história oral, de Paul Thompson (2000)THOMPSON, P. The voice of the past. 3.ed. Oxford: Oxford University Press, 2000..

3.1 PARTICIPANTES DO ESTUDO

Participaram do estudo 14 casais portugueses com 60 ou mais anos, com filhos com SD. A maioria dos casais foi recrutada através de instituições de apoio a crianças com deficiências e os restantes através de snowbowl. Os critérios de inclusão foram: casais com mais de 60 anos, cuidadores dos filhos com SD; que aceitaram participar voluntariamente no estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido para o efeito.

3.2 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS

Os dados foram recolhidos no período de junho de 2014 a fevereiro de 2015, através de uma entrevista semiestruturada. O instrumento incluiu duas partes: as características dos casais e uma questão aberta: Falem-me da sua experiência com a educação e institucionalização de seus filhos com SD, desde a infância até a idade adulta. As entrevistas foram realizadas com o casal, na sua residência, registradas em gravador digital, com uma duração média de 60 minutos e, posteriormente, transcritas e analisadas através do método de análise de conteúdo, com o apoio do programa WebQda.

3.3 ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados compreendeu três fases distintas: organização e estruturação, classificação e interpretação dos dados (THOMPSON, 2000THOMPSON, P. The voice of the past. 3.ed. Oxford: Oxford University Press, 2000.). A primeira fase constituiu na transcrição dos dados, na leitura das entrevistas como um todo e, posteriormente, como reflexão. Esta etapa pressupõe repetidas audições e leituras das entrevistas, no esforço de aproximar a transcrição, tanto quanto possível, à narrativa dos participantes e possibilitar a esquematização das ideias mais relevantes, de modo a compreendermos os dados como um todo e não de forma fragmentada.

A segunda etapa compreendeu a leitura das diversas entrevistas, para procurar a coerência interna de cada narrativa e identificar as ideias principais, os momentos chave e as posturas sobre o foco do estudo. Assim, foi possível construir as categorias empíricas e subcategorias a partir dos eixos do estudo. Cada categoria reuniu excertos das entrevistas, relacionados com uma temática. Ainda nesta etapa, procedemos a uma leitura transversal das entrevistas por categoria, procedendo, sempre que necessário, à sua alteração e revisão. Na terceira etapa, interpretamos as categorias à luz do quadro teórico e empírico do estudo, tendo por base o objetivo do estudo.

3.4 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

O estudo foi aprovado pela comissão de Ética da Universidade de Aveiro (processo nº 5/2014), de acordo com as normas previstas no Decreto-lei nº 97/ 1995 (PORTUGAL, 1995PORTUGAL. Ministério da Saúde. Instituição da ética na pesquisa na defesa da vida humana. Decreto-Lei nº 97/95, de 10 de maio de 1995. Diário da República, Lisboa, 1a série, n.108, p.2645-2647, 1995.). Todo o processo de pesquisa obedeceu criteriosamente aos preceitos éticos, sendo mantido o anonimato dos participantes, a confidencialidade das informações e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e esclarecido. No intuito de manter o anonimato dos participantes, utilizámos um código de identificação contendo o sexo dos participantes, sigla C (casal), M (mãe) e P (pai), numerados por ordem da realização das entrevistas.

3.5 RIGOR DO ESTUDO

O rigor do estudo foi assegurado através dos critérios de credibilidade (verdade conhecida, experimentada ou vivenciada pelas pessoas estudadas), confirmabilidade (obtenção e validação dos dados primários), significado do contexto (casais que vivenciaram experiências diferentes e/ou similares), padronização (experiências repetidas acerca do objeto de estudo) e a saturação dos dados (recolha de dados até momento em que já não foram detetadas novas informações sobre o objeto de estudo) (LEININGER, 2008LEININGER, M. Evaluation criteria and critique of qualitative research studiesIn: MORSE, J.M. (Ed.). Critical issues in qualitative research methods. California: Thousand Oaks, 2008.).

4 RESULTADOS

4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS CASAIS E DOS FILHOS

Participaram neste estudo catorze casais, perfazendo vinte e oito pessoas entrevistadas. A idade dos casais oscilou entre 61 e 91 anos (média de 73 anos). Todos professavam a fé católica; o grau de escolaridade da maioria foi a quarta classe; e renda familiar média de € 1265,00. Com exceção de uma mãe, a maioria dos casais encontrava-se reformado 9 (aposentados). O nascimento do filho com SD ocorreu entre 1965 e 1998, com predomínio da década de 1970. A predominância dos partos realizou-se em âmbito hospitalar e dois em casa com o auxílio de uma parteira/habilidosa. Os filhos com SD foram os primogênitos em três casais, sendo sete do sexo masculino e sete do sexo feminino, tendo as idades variado entre 18 e 50 anos (média de 36 anos). À data da entrevista, somente estes três casais detinham o conhecimento de que seus filhos possuíam os tipos livre e o mosaicismo. Os demais filhos foram em número de 28, sendo 10 do sexo masculino e 18 do sexo feminino, tendo as idades oscilado de 27 a 60 anos (média de 42 anos). A quase totalidade dos casais ainda residia com os filhos com SD, sendo que seis deles ainda habitavam com mais um ou dois filhos, para os apoiarem nos cuidados ao irmão.

4.2 EXPERIÊNCIA DOS CASAIS

A partir da análise dos dados, emergiram duas categorias: A escolarização e a institucionalização dos filhos com SD, que passamos a apresentar.

4.2.1 ESCOLARIZAÇÃO DOS FILHOS

O ingresso no ensino regular foi facultado a oito crianças, tendo cinco delas concluído o ensino primário (Quadro 1). Destas cinco crianças, três delas continuaram o seu percurso escolar e as outras duas foram institucionalizadas. As outras três crianças não conseguiram permanecer na escola por mais de um ano letivo, pelo que também tiveram de ser institucionalizadas. Os motivos foram decorrentes dos distúrbios que a criança causava; da falta de incentivo da professora, deixando a criança a dormir; e da opção pela institucionalização do filho, pelo fato de poder contar com uma professora primária especializada nesta instituição (Quadro 1).

Quadro 1
Escolarização na infância

Do total das crianças que frequentaram o ensino regular, somente duas tiveram acesso a Educação Especial. Outra criança contou com o acompanhamento de um professor do ensino regular, por ser familiar direto desta. Contudo, o apoio recebido não surtiu efeito no âmbito da aprendizagem e do sucesso escolar das três crianças.

As restantes seis crianças, com idades compreendidas entre os quatro e os sete anos, foram diretamente institucionalizadas em estabelecimentos criados para alocar crianças com deficiência, apesar dos esforços de alguns casais para que frequentassem o ensino regular. Os fatores da exclusão escolar destas crianças foram decorrentes da falta de preparação e de condição, e/ou não aceitação dos professores, bem como a falta de estrutura escolar para recebê-las e acompanhá-las devidamente. Contudo, foi visível a preocupação e as diligências infrutíferas de quatro casais na procura de apoio para que os seus filhos ingressassem no currículo escolar.

Na fase da adolescência, somente duas crianças continuavam o seu percurso no ensino regular e contaram com o apoio especializado (Quadro 2).

Quadro 2
Escolarização na adolescência

Assim, quanto ao nível de aprendizagem de seus filhos, a maioria dos casais (N=8) mencionou que os seus filhos com SD não aprenderam a ler nem escrever. Os restantes aprenderam a escrever o seu nome próprio ou a realizar pequenas tarefas: juntar letras, ditados, palavras cruzadas, exercícios de matemática e jogos no computador. No entanto, ao longo do seu crescimento, os seus filhos foram perdendo certas aptidões, nomeadamente de escrita.

Apesar de algumas crianças terem frequentado o ensino regular, a falta de intervenção e políticas adequadas das entidades institucionais não favoreceu o desenvolvimento apropriado de seus filhos. Muitas destas crianças foram consideradas incapazes de aprender e excluídas pela escola, o que se revelou prejudicial para o seu progresso educativo, com impacto significativo na sua qualidade de vida, principalmente na fase adulta. A Quadro 3 exemplifica algumas das narrativas dos pais.

Quadro 3
Nível de aprendizagem dos filhos

4.2.2 INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS FILHOS

Das crianças institucionalizadas na infância, a maioria dos casais mencionou que a institucionalização de seus filhos teve aspetos positivos tanto para os pais, como para os filhos. Para os pais, através do cuidado aos filhos, das reuniões de acompanhamento entre pais e professores, das informações adicionais, e do tempo que os casais podiam dispor para trabalhar. Para os filhos, pela oportunidade de socialização, de desenvolvimento psicomotor e de poderem se tornar autossuficientes. As atividades operadas nas áreas da autossuficiência foram: atividades instrumentais: postagem de correspondência no correio, compras em hipermercado, significados da sinalização luminosa no trânsito, comportamento à mesa e utilização devida dos talheres; atividades de autocuidado: cuidado da higiene corporal, destreza no vestir-se, calçar-se e alimentar-se; atividades ocupacionais: tear, pintura, artes decorativas; atividades lúdicas-terapêuticas: ginástica, natação, dança; e atividades de socialização: praia, discoteca. De acordo com os casais, os seus filhos eram bem tratados nas instituições e o apoio fornecido foi considerado fundamental (Quadro 4).

Quadro 4
Institucionalização na infância

No entanto, a institucionalização também teve aspetos negativos no que se refere à aprendizagem de seus filhos para a leitura e escrita. Neste sentido, a instituição não atendeu as suas expectativas, pela falta de desenvolvimento e mesmo regressão na aprendizagem cognitiva, principalmente pela falta de estímulo adequado na aprendizagem, e pela carência de estrutura e/ou capacidade no ensino, não facilitando o sucesso escolar. Contudo, reforçaram que, dada a época e a falta de outras alternativas, a institucionalização foi a única possibilidade encontrada (Quadro 4).

Somente três casais referiram que seus filhos tiveram apoio especializado no processo educativo. Este apoio decorreu dos profissionais da própria instituição (professores especializados), que estimulavam e ensinavam as crianças, através de exercícios de matemática, escrita e outros exercícios gerais, e dos profissionais (professores de educação especial) que se deslocavam às mesmas. Apesar dos esforços tanto dos casais como das instituições, a totalidade das crianças que foram institucionalizadas na infância e inclusive aquelas que usufruíram de apoio especializado, não conseguiram atingir as metas de aprendizagem esperada (Quadro 4).

Na adolescência, duas crianças, após uma curta passagem pelo ensino, permaneceram em casa, aos cuidados da mãe, as quais foram na fase adulta institucionalizadas; e as restantes duas seguiram o seu percurso escolar, até serem institucionalizadas já em idade adulta.

As remanescentes três crianças que permaneciam no ensino regular, foram institucionalizadas nesta fase devido à falta de resposta escolar perante as suas necessidades. Quanto à institucionalização, na fase da adolescência, dois casais relataram a importância da adaptação gradual de seus filhos à dinâmica da instituição e às atividades ministradas pelas mesmas. Um dos casais mencionou o apoio especializado à sua filha, por professor de educação especial, que se deslocava à instituição, enquanto outro casal referiu que, inicialmente, a instituição não detinha as melhores condições físicas, mas com o desenrolar do tempo, elas foram melhorando (Quadro 5).

Quadro 5
Institucionalização na adolescência

As atividades desenvolvidas pela instituição foram sendo similares às descritas na infância. Contudo, o desenvolvimento de umas atividades em detrimento de outras dependia da instituição, ou se as atividades eram pagas (Quadro 5).

No momento das entrevistas, dez casais referiram que seus filhos, já adultos, frequentavam, em tempo parcial, instituições de apoio a pessoas com deficiências. Para os pais esta foi a melhor alternativa, por eles já se encontrarem completamente integrados na dinâmica das instituições (Quadro 6).

Quadro 6
Institucionalização e inserção laboral dos filhos na fase adulta

Dois filhos encontravam-se institucionalizados em lares. Um deles em decorrência da debilidade física de um casal e o outro devido a agressividade do filho, iniciada na adolescência. Os restantes dois filhos não frequentavam instituições, permanecendo em casa junto aos pais. O motivo alegado por um casal foi pelo filho não se adaptar nas diferentes instituições que frequentou, devido ao delírio de grandeza, e por outro, por considerar que a filha com SD teve um retrocesso na aprendizagem e iniciou a apresentar alterações comportamentais (babar e comer comidas do chão), por imitar outras crianças com deficiências mais graves.

Nenhum dos filhos estava inserido no mercado de trabalho. Apesar das tentativas das instituições em integrá-los, estas revelaram-se infrutíferas.

5 DISCUSSÃO

Com base nas narrativas dos casais, quer a ingressão no ensino regular quer a institucionalização em associações constituíram as principais alternativas para seus filhos. No entanto, o ingresso no ensino regular da quase totalidade dos filhos com SD foi prejudicado. À época, a inclusão no ensino regular ainda não estava bem definido, em termos práticos nas estruturas escolares, apesar do artº4 da Lei 66/79 especificar que a educação destas crianças, sempre que possível, se devesse proceder nos estabelecimentos regulares de educação, e estas procederem aos reajustamentos de modo a proporcionar condições de apoio (PORTUGAL, 1979PORTUGAL. Assembleia da República. Decreto nº66/79 de 4 de outubro de 1979. Dispõe sobre a educação especial. Diário da República, Lisboa, 1a série, n.230, p.2564-2567, 1979.). De acordo com Veloso (1998)VELOSO, C.V. da. Cooperativas de educação e reabilitação de crianças inadaptadas: uma visão global. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 1998., no ano letivo 1978/79, estas equipas ainda não atendiam crianças com deficiência. Apesar dos avanços na Constituição da República Portuguesa, na área, somente na década de 2008 é que efetivamente foi articulada a inclusão de crianças com deficiência no ensino regular (PORTUGAL, 2008PORTUGAL. Ministério da Educação. Decreto nº3/2008, de 7 de janeiro de 2008. Dispõe sobre a inclusão escolar de crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Diário da República, Lisboa, 1a série, n.4, p.154-164, 2008.).

Dada a exclusão escolar, restou aos casais recorrer às associações e cooperativas, de forma a dar resposta às necessidades de seus filhos, tentando minimizar a injustiça social na desigualdade de acesso à sua educação (VELOSO, 1998VELOSO, C.V. da. Cooperativas de educação e reabilitação de crianças inadaptadas: uma visão global. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 1998.). Assim, neste estudo, a maioria (N=9) dos filhos com SD foi institucionalizada, ao longo do seu percurso de vida numa CERCI, enquanto os restantes foram institucionalizadas numa APPACDM, com o propósito de dar respostas sociais e pedagógicas, uma vez que o sistema integrativo tardava em se consolidar (RODRIGUES; NOGUEIRA, 2011RODRIGUES, D.; NOGUEIRA, J. Educação especial e inclusiva em Portugal: fatos e opções. Brasileira Educação Especial, Marília, v.17, n.1, p.3-20, 2011.).

De acordo com a literatura, a institucionalização na primeira infância deveria ser evitada (FISHLER et al., 1976FISHLER, K.; KOCH, R.; DONNELL, G.N. Comparison of mental development in individuals with mosaic and trisomy 21 Down's syndrome. Pediatrics, Elk Grove Village, Illinois, v.58, n.5, p.744-748, 1976.). No entanto, dada a falta de infraestruturas educacionais, com destaque para a falta de estrutura das escolas e falta de preparação do corpo docente para lidar com as necessidades dos filhos, a maioria dos casais viu-se forçado a optar pela institucionalização.

A institucionalização foi motivo de satisfação e contentamento para alguns casais, pela oferta de oportunidades de desenvolvimento e apoio de profissionais especializados. No entanto, também revestiu-se de preocupação pelo pouco e tardio investimento na aprendizagem cognitiva dos filhos, o que comprometeu o seu desenvolvimento neste aspeto.

Crianças com SD podem adquirir aptidões acadêmicas, concretamente na leitura e números, desde que se beneficiem de um currículo alternativo, como demonstrou o estudo de Al-biltagi et al. (2015)AL-BILTAGI, M. et al Down Syndrome Children - An Update1.ed. In: AL-BILTAGI, M. (Eds.). Psychological change in Down syndrome children and adolescents. Beijing: Bentham Science Organization, 2015. p.348-384.. No presente estudo, cinco crianças usufruíram de um apoio especializado, tendo uma delas também se beneficiado de um currículo alternativo. No entanto, apesar dos apoios, não atingiram os objetivos esperados na aprendizagem cognitiva.

Como no estudo de Marshall et al. (2014)MARSHALL, J. et al. Services and supports for young children with Down syndrome: parent and provider perspectives. Child Care, Health and Development, Hoboken, New Jersey, v.41, n.3, p.365-373, 2014., os casais defrontaram-se com importantes desafios, tais como, encontrar ambientes escolares que atendessem tanto as necessidades educativas como terapêuticas, quer para a criança quer para a família. Deste modo, a recomendação do estudo de Steel et al. (2011)STEEL, R. et al. Family quality of life in 25 Belgian families: quantitative and qualitative exploration of social and professional support domains. Journal of Intellectual Disability Research Hoboken, New Jersey, v.55, n.12, p.1123-1135, 2011., de que seria pertinente o apoio por parte de técnicos na formação de uma tomada de decisão mais conscienciosa e correta na alocação de seus filhos, deve ser considerada. Esta recomendação prende-se com as transições, especialmente educacionais, ao longo do desenvolvimento de filhos com SD, que não ocorreram de uma forma simples.

Consoante a recomendação da American Academy of Pediatrics (1996)AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Transition of care provided for adolescents with special health care needs. Pediatrics, Elk Grove Village, Illinois, v. 98, n.6, p.1203-1206, 1996., na institucionalização, a maioria das crianças deste estudo foi incentivada a desenvolver a sua independência, de acordo com as suas capacidades e limitações. No entanto, a aprendizagem cognitiva ficou aquém das expectativas. A contínua falta de sensibilidade, conhecimento e coordenação entre os diferentes sistemas formais e informais de apoio (MARSHALL et al., 2014MARSHALL, J. et al. Services and supports for young children with Down syndrome: parent and provider perspectives. Child Care, Health and Development, Hoboken, New Jersey, v.41, n.3, p.365-373, 2014.) foram também condicionantes apontadas pela maioria dos casais deste estudo, como impeditivos para o acompanhamento adequado de seus filhos com SD.

Este estudo evidenciou que, à época do nascimento dos filhos com SD, as condições de atendimento e apoio a crianças com necessidades especiais eram precárias, considerando os tempos atuais. O menor nível de escolaridade e a baixa condição econômica da maioria dos casais também contribuíram para que seus filhos não tivessem acesso a intervenções precoces, dificultando o seu desenvolvimento, sobrecarregando financeiramente estas famílias, que arcaram com a educação e os programas especiais (CHOI; YOO, 2014CHOI, E. K.; YOO, I. Y. Resilience in families of children with Down syndrome in Korea. International Journal of Nursing Practice, Hoboken, New Jersey, v.21, n.5, p.532-541, 2014.).

Assim, à data do estudo, a maioria dos filhos adultos com SD não sabia ler nem escrever, limitando-os na construção do seu próprio futuro, apesar dos pais considerarem que a institucionalização seria um meio de desenvolvimento e aprendizagem. Como tal, a totalidade dos filhos com SD não conseguiu ingressar no mercado de trabalho, apesar de tentativas infrutíferas por parte das instituições.

Deste modo, a escassez de políticas educacionais, em Portugal, à época, dificultou o desenvolvimento intelectual destes jovens, limitando-os e impedindo-os de usufruírem de um futuro laboral a que tinham direito, tal como exposto na literatura (BURGE; OUELLETTE-KUNTZ; LYSAGHT, 2007BURGE, P.; OUELLETTE-KUNTZ, H.; LYSAGHT, R. Public views on employment of people with intellectual disabilities. Journal of Vocational Rehabilitation, Amsterdam, v.26, n.1, p.29-37, 2007.; FOLEY et al., 2014FOLEY, K.R. et al. Influence of the environment on participation in social roles for young adults with Down syndrome. PloS One, San Francisco, v.9, n.9, p.3-11, 2014.; LEITE, 2011LEITE, P.V. Inclusão de pessoas com síndrome de Down no mercado de trabalho. Inc. Soc., Brasília, DF, v.5, n.1, p.114-129, 2011.).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo explorar as experiências de casais idosos portugueses com a educação e institucionalização de seus filhos com SD. O interesse em conhecer as narrativas destes casais levou-nos a optar pela abordagem qualitativa, através do método da história oral.

Neste estudo, a quase totalidade dos filhos enfrentou a exclusão escolar, tendo os casais de recorrer às instituições, onde seus filhos permaneceram até a idade adulta. Nas instituições, os filhos foram incentivados a desenvolver a sua independência, mas não tiveram as suas capacidades cognitivas devidamente estimuladas. Deste modo, na fase adulta, a totalidade deles não sabia ler nem escrever. Consequentemente, todos os filhos encontravam-se excluídos do mercado de trabalho.

O presente estudo teve algumas limitações metodológicas, notavelmente a dificuldade em obter das instituições o acesso aos casais com filhos com SD, o que limitou o número dos participantes, bem como a sua área geográfica de residência. No entanto, o número de casais entrevistados possibilitou-nos atingir a saturação dos dados. A amostra também se limitou a casais com grau de escolaridade e condição socioeconômica baixos, sendo recomendável a realização de estudos semelhantes com casais de pessoas idosas ou não, com grau de escolaridade e condição socioeconômica elevados.

Os resultados deste estudo retrataram a experiência de casais com filhos com SD, que já se encontram numa fase adulta, na sua generalidade, os quais foram apoiados por estudos mais recentes da literatura. Contudo, é fundamental a realização de mais pesquisas que abordem outras experiência de casais envelhecidos, em particular, no contexto português. Sendo esta temática pouco desenvolvida, dada a lacuna de estudos portugueses, seria pertinente a realização de pesquisas com casais mais jovens para comparar os progressos obtidos no âmbito do ensino e noutras áreas de interesse deste grupo social.

Também se torna imperativo política de saúde e sociais, práticas e realistas, direcionadas para as necessidades de pessoas com SD e seus progenitores (VELOSO, 1998VELOSO, C.V. da. Cooperativas de educação e reabilitação de crianças inadaptadas: uma visão global. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 1998.), de forma a garantir-lhes uma melhor qualidade de vida. Apesar das atuais políticas de inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular (SILVA, 2009SILVA, M.O. Da exclusão à inclusão: concepções e práticas. Revista Lusófona de Educação, Lisboa, v.13, n.13, p.135-153, 2009.) e mercado de trabalho (GONÇALVES; NOGUEIRA, 2012GONÇALVES, J.; NOGUEIRA, J.M. O emprego das pessoas com deficiências ou incapacidade: uma abordagem pela igualdade de oportunidades. Lisboa: Gabinete de Estratégia e Planeamento, 2012.), o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon reforçou que pessoas com SD ainda enfrentam, frequentemente, o estigma, a segregação, a violência física e psicológica, bem como a falta de igualdade de oportunidades. Deste modo, torna-se urgente a adoção e implementação de medidas locais e globais que garanta um apoio estrutural adequado para todas as famílias com filhos com SD, para que possam ter as suas necessidades gerais atendidas, e exercer plenamente os seus direitos de cidadania.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2016
  • Revisado
    20 Out 2016
  • Aceito
    20 Out 2016
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