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Substituição Sensorial Visuo-Tátil e Visuo-Auditiva em Pessoas com Deficiência Visual: uma Revisão Sistemática

Visuo-Tactile and Visual-Auditory Sensory Substitution in People with Visual Impairment: a Systematic Review

RESUMO:

buscando conhecer a produção científica atual sobre substituição sensorial, o objetivo desse estudo foi analisar os métodos e dispositivos de substituição sensorial destinados a pessoas com deficiência visual que são apresentados em pesquisas empíricas no formato de artigos científicos. Trata-se de uma revisão sistemática da literatura cuja fonte de dados foram artigos publicados em periódicos disponíveis online na base de dados Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, nas línguas portuguesa e inglesa, nos últimos cinco anos. Os descritores usados foram: substituição sensorial, substituição visuo-tátil, substituição sensorial visuo-auditiva e seus correspondentes na língua inglesa. As buscas retornaram 186 artigos. Após a seleção a partir da leitura do título e resumo restaram 11 artigos considerados como amostra final da revisão. A revisão reportou apenas artigos internacionais. Foram identificados alguns métodos e dispositivos de substituição sensorial, nos quais a maioria propõe avaliações desses dispositivos em situações de navegação em diferentes espaços e identificação de barreiras e obstáculos no ambiente. Exceto por um artigo, os demais realizaram suas investigações em situações ideais de laboratório. Os resultados dos estudos são, na maioria, de natureza quantitativa, nos quais as percepções dos usuários com deficiência visual não são consideradas, em contrapartida o foco é direcionado para validar a eficiência do dispositivo de substituição sensorial. Considera-se necessário aprofundamento de pesquisas na área abrangendo outras fontes como teses e dissertações. Ressalta-se a necessidade do investimento em estudos sobre esse tipo de recurso de modo a favorecer o acesso da população com deficiência visual.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Especial; Deficiente da visão; Reabilitação do Deficiente

ABSTRACT:

In an attempt to acknowledge the scientific literature on sensory substitution, the aim of this study was to analyze the methods and devices for sensory substitution for visually impaired people presented in empirical research in scientific articles. This is a systematic review of the literature whose source of data were articles published in online journals in Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, in Portuguese and English in the last five years. The keywords were: sensory substitution, visuo-tactile substitution, visuo-auditory sensory substitution and their matches in Portuguese. The searches retrieved a total of 186 articles. After the selection from reading the titles and the abstracts, the corpus consisted of 11 articles which were considered for the final sample. The review only reported international articles. Some methods and sensory substitution devices were identified; most research proposed evaluating these devices in situations of navigating in different spaces, and identifying barriers and obstacles in the environment. Except for one article, the others carried out their research in ideal laboratory conditions. The results of the studies are mostly quantitative in which the perceptions of visually impaired users are not considered, however, the focus is directed to validate the efficiency of the sensory substitution devices. We considered that it is necessary to deepen the research in the area covering other sources such as theses and dissertations. The need for investment is also emphasized in studies of this type of resource to favor the access for visually impaired population.

KEYWORDS:
Special Education. Visually Impaired. Rehabilitation of the Disabled Person

1 Introdução

A deficiência visual caracteriza-se por uma deficiência sensorial, na qual estão incluídas as pessoas cegas e as que possuem baixa visão. Entende-se por cegueira a perda total da visão, até a ausência de projeção de luz. Já, a baixa visão é a alteração da capacidade funcional da visão (BRASIL, 2006BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. Coordenação geral SEESP/MEC. Brasília, DF: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014OMS. Visual impairment and blindness. 2014. Disponível em: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs282/en/>. Acesso em: 13 ago. 2015.
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
), atualmente 285 milhões de pessoas no mundo são deficientes visuais, destas 39 milhões são cegas e 246 milhões possuem baixa visão.

A deficiência visual é uma condição que acarreta muitas limitações para a pessoa que a possui, prejudicando sua percepção de mundo e tornando simples tarefas diárias grandes obstáculos (MAIDENBAUM et al., 2014MAIDENBAUM, S. et al. The "EyeCane", a new electronic travel aid for the blind: Technology, behavior & swift learning. Restorative Neurology and Neuroscience, v.32, n.6, p.813-824, 2014.). Um dos fatores que contribui para isso é o fato de vivermos em um mundo cuja apreensão de informações ocorre principalmente através do sentido da visão. O ato de ler um livro impresso, observar uma vitrine, fazer compras em um supermercado, assistir um filme, dentre outros, são ações que dependem de um aparelho visual operando perfeitamente ou com correção óptica que permita tal uso.

Na ausência da visão, a apreensão de informações do ambiente deve se dar através de outra via sensorial. No caso das pessoas cegas, as vias alternativas de apreensão de informações são principalmente o tato e a audição. Dessa forma, adaptações e tecnologias destinadas às pessoas cegas devem ser desenvolvidas priorizando as possibilidades de uso e apreensão desses e dos demais sentidos remanescentes.

Informações como textura, temperatura, forma, podem não ser apreendidos tão fidedignamente pelo sentido da visão (LIMA; BERQUÓ, 2012LIMA, D. F. C; BERQUÓ, A. F. Museu através do toque: a inclusão social da pessoa com deficiência visual. Benjamin Constant, Rio de Janeiro, v.18, n.51, p.5-12, 2012.). O tato, por sua vez, é capaz de captar essas informações em toda sua completude dependendo das dimensões do objeto. Contudo, o fato é que o sentido da visão é culturalmente mais valorizado e usado por suas características, como capturar uma série de informações do ambiente de forma rápida, global e sem grandes esforços. É um sentido de longa distância. Já o tato permite o acesso a uma informação apenas se esta puder ser tocada e, desse modo é preciso que,

[...] entendamos que o campo tátil nunca tem a amplitude do campo visual, nunca o objeto tátil está presente por inteiro em cada uma de suas partes assim como o objeto visual, e em suma tocar não é ver (MERLEAU-PONTY, 1999MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 302).

Por essa e outras razões pode haver um comprometimento para a plena inclusão das pessoas com deficiência visual no meio social, devido à ausência do sentido da visão (AMIRALIAN, 2009AMIRALIAN, M. L. T. M. Comunicação e participação ativa: a inclusão de pessoas com deficiência visual. In: AMIRALIAN, M. L. T. M. (Org.). Deficiência visual: perspectivas na contemporaneidade. São Paulo: Vetor, 2009. p.19-38.). Dificuldades como mobilidade e locomoção se fazem presentes com frequência, ocasionando em uma limitação no direito de ir e vir. A percepção e controle de detalhes e informações de um determinado ambiente é também um grande desafio para essas pessoas, isso porque elas, na maioria das vezes, necessitam ser informadas sobre a quantidade e disposição de pessoas e objetos presentes em um determinado lugar.

Visando diminuir as barreiras com relação à independência de pessoas com deficiência visual, têm sido desenvolvidos métodos/abordagens/dispositivos que usam princípios de substituição sensorial (SSD), os quais têm resultado no desenvolvimento de diferentes recursos de tecnologia assistiva de significativa importância para essas pessoas. Os princípios de substituição sensorial podem ser compreendidos como a substituição de uma modalidade sensorial em busca de complementar ou completar outra modalidade sensorial que encontra-se inoperante (DURETTE, 2009DURETTE, B. Traitement du signal pour les prothèses visuelles: approche biomimétiqueet sensori-motrice. 2009. 215f. Tese (Ingénierie pour la Santé, la Cognition et l'Environnement) - Traitement du signal et de l'image, Universit'e Joseph-Fourier - Grenoble I, 2009.), no caso das pessoas com deficiência visual, o uso do sentido do tato e/ou o da audição na ausência do sentido da visão.

Esse processo de substituição sensorial pode ser executado de dois modos: os sistemas invasivos e os sistemas não invasivos (AUVRAY, 2004AUVRAY, M. Immersion et perception spatiale. L'exemple des dispositifs de substitution sensorielle [Ph.D. thesis], École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, France, 2004.). Os sistemas invasivos estão relacionados à prática de substituição por meio de intervenções cirúrgicas (como por exemplo, as próteses de retina e a estimulação direta do córtex), já os sistemas não invasivos são os recursos que podem ser usados sem procedimentos cirúrgicos. No entanto, cabe ressaltar que as intervenções invasivas não buscam reverter o quadro oriundo da deficiência visual.

Durette (2009)DURETTE, B. Traitement du signal pour les prothèses visuelles: approche biomimétiqueet sensori-motrice. 2009. 215f. Tese (Ingénierie pour la Santé, la Cognition et l'Environnement) - Traitement du signal et de l'image, Universit'e Joseph-Fourier - Grenoble I, 2009. diferencia os dois tipos de processos de substituição sensorial não invasivo: a substituição visuo-tátil e a substituição visuo-auditiva, em que a primeira consiste no uso do sentido do tato com o intuito de atenuar as dificuldades provenientes da ausência da visão e o segundo tipo seria o uso do sentido da audição visando atenuar as dificuldades provenientes da ausência do sentido da visão.

O questionamento sobre se uma pessoa cega pode ter acesso a uma informação de natureza visual através do tato fomentou o desenvolvimento do dispositivo mais famoso de substituição visuo-tátil, o TVSS (Tactile Vision Substitution System) criado por Paul Bach-y-Rita, da Universidade de Wisconsin, em 1963. Esse dispositivo basicamente tem por objetivo transformar imagens visuais em imagens táteis (MAIDENBAUM et al., 2014MAIDENBAUM, S. et al. The "EyeCane", a new electronic travel aid for the blind: Technology, behavior & swift learning. Restorative Neurology and Neuroscience, v.32, n.6, p.813-824, 2014.).

Pode-se dizer que o sistema mais acessível e conhecido de substituição visuo-tátil é o Sistema Braile (WILLIAMS et al., 2011WILLIAMS, M. D. et al. The use of a tactile-vision sensory substitution system as an augmentative tool for individuals with visual impairments. Journal of Visual impairment and blindness, v.105, n.1, p.45-50, 2011.; SAMPAIO, 2013SAMPAIO, E. Ferramentas cognitivas e tecnológicas para inclusão social de pessoas com deficiência visual. Benjamim Constant, Edição especial, p.31-32, 2013.), usado comumente no processo de alfabetização de crianças cegas. Neste, as letras, que são informações visuais, são convertidas em informações táteis através da combinação de seis pontos em alto relevo. Outros recursos como a bengala branca, sorobã, reglete, embora de baixa tecnologia, podem ser considerados recursos que buscam auxiliar os deficientes visuais com base nos princípios de substituição sensorial. Leitores de tela de computador, como o DOSVOX e o Virtual Vision, Jaws, por exemplo, podem ser classificados como recursos de substituição visuo-auditiva. Os exemplos de SSD citados são direcionados, principalmente, para apropriação da leitura e escrita principalmente. Adicionalmente, encontra-se disponível SSD que visam auxiliar atividades de vida diária relacionadas à orientação e locomoção das pessoas com deficiência visual, como por exemplo, o The vOICe, criado pelo pesquisador Peter B. L. Meijer, cientista sênior dos Laboratórios de pesquisa Philips, em 1982 na Holanda (MEIJER, 2015MEIJER, B. L. Augmented reality for the totally blind. 2010. Disponível em: <http://www.seeingwithsound.com/>. Acesso em: 22 out. 2015
http://www.seeingwithsound.com/...
).

Atualmente, em nosso país tem-se observado um crescente aumento de pesquisas objetivando desenvolver tecnologias que buscam otimizar a vida das pessoas com deficiência visual e promover a inclusão social e até mesmo educacional dessas pessoas (KASTRUP et al., 2009KASTRUP, V. et al. O aprendizado da utilização da substituição sensorial visuo-tátil por pessoas com deficiência visual: primeiras experiências e estratégias metodológicas. Psicologia & Sociedade, v.21, n.2, p.256-265, 2009.; LOPES, 2009LOPES, S. I. F. Localização de obstáculos para invisuais utilizando ultra-sons e técnicas de espacialização auditiva. 2009. 104f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Biomédica) - Departamento de Eletrônica, Telecomunicações e Informática, Universidade de Aveiro, 2009.; PEREIRA, 2006PEREIRA, M. C. Sistema de substituição sensorial para auxílio a deficientes visuais via técnicas de processamento de imagens e estimulação cutânea. 2006. 203f. Tese (Doutorado em Engenharia) - Escola politécnica da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, 2006.). A maioria dessas tecnologias embasa seus estudos nos princípios de substituição sensorial, nas quais o tato e/ou a audição tornam-se os principais canais de apreensão de informações do mundo externo na ausência da visão.

Considerando ser de extrema importância identificar a produção científica internacional e nacional que aborde a temática da substituição sensorial visuo-tátil e visuo-auditiva para pessoas com deficiência visual, o objetivo do presente estudo foi o de elencar e analisar, métodos e dispositivos de SSD destinados à pessoas com deficiência visual que são apresentados em pesquisas empíricas.

2 Método

O estudo em questão trata-se de uma pesquisa do tipo revisão sistemática da literatura, a qual consiste na "[...] aplicação de estratégias científicas que limitem o viés de seleção de artigos, avaliem com espírito crítico os artigos e sintetizem todos os estudos relevantes em um tópico específico" (PERISSÉ; GOMES; NOGUEIRA, 2001PERISSÉ, A. R. S., GOMES, M. M., NOGUEIRA, S. A. Revisões sistemáticas (inclusive metanálises) e diretrizes clínicas. In: GOMES, M. M. (Org.). Medicina baseada em evidências: princípios e práticas. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso, 2001, p.131-48., p. 133).

A revisão sistemática em questão foi norteada por sete etapas (GALVÃO; SAWADA; TREVISAN, 2004GALVÃO, C.M.; SAWADA, N.O.; TREVIZAN, M.A. Revisão sistemática: recurso que proporciona a incorporação das evidências na prática da enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v.12, n.3, p.549-556, 2004.) as quais guiaram os procedimentos de coleta e análise dos dados.

  1. Construção do protocolo: etapa que compreendeu a elaboração e definição da pergunta da revisão, os critérios de inclusão da amostra, procedimentos para realizar as buscas dos artigos, estratégia de avaliação das pesquisas assim como os procedimentos de coleta e síntese dos dados.

  2. Definição da pergunta: foi adotada a seguinte questão que guiou a presente revisão: quais os métodos e/ou dispositivos de substituição sensorial têm sido desenvolvidos e testados em pessoas com deficiência visual?

  3. Busca dos estudos: a base de dados adotada foi o Portal de Periódicos Capes, uma base de dados vinculada à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O portal de periódicos CAPES, segundo o próprio site, possui um acervo de mais de 37 mil títulos com texto completo, 126 bases referenciais, 11 bases dedicadas exclusivamente a patentes, além de livros, enciclopédias e obras de referência, normas técnicas, estatísticas e conteúdo audiovisual. Essa base de dados foi escolhida por possuir uma coleção significativa de indexadores tais como: SciELO, Scopus, Web of Science, entre outros. Os descritores usados na busca foram: Substituição sensorial, substituição sensorial visuo-tátil, substituição sensorial visuo-auditiva, sensory substitution, visuo-tactile sensory substitution, visuo-auditory sensory substitution. Os critérios de inclusão dos estudos foram: (1) Periódicos revisados por pares; (2) publicados no período de 2010 a 2015; (3) referentes a estudos empíricos que apresentam e avaliam métodos e dispositivos de substituição sensorial; (4) teste/avaliação realizados com população de pessoas com deficiência visual; (5) Publicados na língua portuguesa, inglesa ou espanhola. Foram excluídos da amostra artigos que tratavam de revisão de literatura e ensaios teóricos e os que não estavam disponibilizados na íntegra. Artigos nos quais a população-alvo SSD se mesclavam entre cegos e videntes com olhos vendados foram incluídos na revisão se atendessem os demais critérios. As buscas ocorreram durante o mês de outubro do ano de 2015. O período de tempo estipulado nos últimos cinco anos foi adotado levando-se em consideração que o desenvolvimento de tecnologias se renovam constantemente.

  4. Avaliação crítica dos estudos: os estudos encontrados na etapa anterior foram analisados segundo o propósito central da revisão, ou seja, foram considerados como amostra do estudo os trabalhos que apresentaram métodos e/ou dispositivos de substituição sensorial desenvolvidas e testadas em pessoas com deficiência.

  5. Coleta de dados: foram encontrados no total 186 artigos na busca por meio do Portal de Periódicos da CAPES, sendo que todos os resultados pertenciam ao descritor sensory substitution. Os demais descritores adotados não apresentaram resultados. Os artigos encontrados foram salvos e iniciou-se o procedimento para seleção da amostra da revisão sistemática. Nesse primeiro momento, todos os títulos e resumos foram lidos e, quando o resumo não apresentava informações suficientes foi necessário ler o trabalho na íntegra. Esse percurso resultou na exclusão de 128 artigos por não atenderem os critérios de inclusão e aos propósitos da temática investigada. E, finalmente, resultou-se num total de 22 artigos que foram considerados selecionados para prosseguir com o segundo momento da revisão: leitura na íntegra dos artigos. Os 22 artigos foram lidos em sua totalidade e uma nova seleção foi realizada, resultando na exclusão de 11 artigos. Os motivos para essa nova exclusão foram: artigos que direcionava seu foco de estudo ao efeito cerebral do uso do SSD; artigos que abordavam SSD invasivo e artigos voltados para o campo da neurociência. Dessa forma, tem-se como amostra final dessa revisão sistemática um total de 11 artigos, os quais foram lidos, analisados e as informações pertinentes aos objetivos foram categorizadas. A Figura 1 apresenta um fluxograma que sintetiza o processo de obtenção da amostra de artigos incluídos nessa revisão sistemática.

    Figura 1
    Síntese do procedimento para obtenção da amostra da revisão sistemática.
  6. Síntese dos dados: por se tratar de uma revisão sistemática qualitativa, os dados obtidos foram analisados descritivamente quanto ao ano de publicação, os métodos ou dispositivos de SSD investigados, os participantes do estudo, seu objetivo e principais resultados (GALVÃO; SAWADA; TREVISAN, 2004GALVÃO, C.M.; SAWADA, N.O.; TREVIZAN, M.A. Revisão sistemática: recurso que proporciona a incorporação das evidências na prática da enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v.12, n.3, p.549-556, 2004.).

3 Resultados e discussão

O Quadro 1 apresenta as principais informações extraídas dos artigos de acordo com o objetivo do estudo. Nota-se que, de acordo com os critérios utilizados para a seleção da presente amostra, foram encontrados somente artigos internacionais.

Quadro 1
Caracterização dos artigos selecionados para a revisão

Com relação às revistas em que tais artigos encontram-se publicados, apenas um (WILLIAMS et al., 2011WILLIAMS, M. D. et al. The use of a tactile-vision sensory substitution system as an augmentative tool for individuals with visual impairments. Journal of Visual impairment and blindness, v.105, n.1, p.45-50, 2011.) foi publicado em uma revista específica para pessoas com deficiência visual.Com relação ao fator de impacto dos periódicos nos quais os artigos foram publicados, tem-se que o periódico Scientific Reports no qual foi publicado o estudo de Reich e Amedi (2015)REICH, L.; AMEDI, A. 'Visual' parsing can be taught quickly without visual experience during critical periods. Scientific Reports, v. 5, n.15359, p.1-12, 2015. apresenta o maior fator de impacto, sendo de 5.578.

No que se refere ao ano de publicação, dos 11 estudos, quatro foram publicados em 2015, dois em 2014, 2013 e 2012 e um 2011. Não se pode afirmar, mas parece haver uma tendência de aumento de publicações conforme se passaram os anos. Com relação ao número de participantes adotados nos estudos, nota-se quantidades variantes, sendo a quantidade mínima observada de um participante e no máximo 30, considerando estudos nos quais todos os participantes eram cegos.

Quanto aos instrumentos e estratégias de SSD adotados, em três estudos (STILES; ZHENG; SHIMOJO, 2015STILES, N. R. B.; ZHENG, Y.; SHIMOJO, S. Length and orientation constancy learning in 2-dimensions with auditory sensory substitution: the importance of self-initiated movement. Frontiers in Psychology, v. 6, n.842, p.1-13, 2015.; REICH; AMEDI, 2015REICH, L.; AMEDI, A. 'Visual' parsing can be taught quickly without visual experience during critical periods. Scientific Reports, v. 5, n.15359, p.1-12, 2015.; STRIEM-AMIT; GUENDELMAN; AMEDI, 2012STRIEM-AMIT, E.; GUENDELMAN, M.; AMEDI, A. 'Visual' acuity of the congenitally blind using visual-to auditory sensory substitution. PLoS ONE, v.7, n.3, p.1-6, 2012.) foi utilizado o "The vOICe", caracterizado como de natureza visuo-auditiva, que busca converter imagens em som. Basicamente sua estrutura consiste em uma câmera de vídeo conectada a um computador e em fones de ouvido. Através de determinados algoritmos as imagens são convertidas em sons, o que permite ao cego escutar e, em seguida, interpretar a informação visual proveniente da câmera de vídeo. Capacita os usuários a diferenciar formas de objetos diferentes, identificar objetos assim como localizá-los no espaço.

Outro instrumento listado também em três pesquisas foi o EyeCane (CHEBAT; MAIDENBAUM; AMEDI, 2015CHEBAT, D-R; MAIDENBAUM, S.; AMEDI, A. Navigation using sensory substitution in real and virtual mazes. PLoS One, v.10, n.6, p.813-824, 2015.; MAIDENBAUM et al., 2014MAIDENBAUM, S. et al. The "EyeCane", a new electronic travel aid for the blind: Technology, behavior & swift learning. Restorative Neurology and Neuroscience, v.32, n.6, p.813-824, 2014.; MAIDENBAUM et al., 2013MAIDENBAUM, S. et al. Increasing Accessibility to the blind of virtual environments, using a virtual mobility aid based on the "EyeCane": Feasibility study. PLoS ONE, v.8, n.8, p.1-9, 2013.) que é um instrumento capaz de converter informações de distância em sons e vibrações através do uso de fones de ouvido e um motor embutido que fornece uma vibração que pode ser sentida na palma da mão (substituição visuo-auditiva e visuo-tátil). É possível estimar a distância e fazer correta detecção de obstáculos, é um instrumento baseado na bengala branca, porém apresenta um potencial maior no que diz respeito a permitir um maior alcance dos para estimar os obstáculos. O feedback é fornecido ao usuário em tempo real. Ao apontar a objetos no dispositivo, a distância é traduzida em vibrações e sinais auditivos que informam a quem o usa a distância estimada. O EyeCane também encontra-se disponível na versão Virtual-EyeCane, cujo o propósito é o mesmo, porém a usabilidade destina-se aos ambientes virtuais (MAIDENBAUM et al., 2013MAIDENBAUM, S. et al. Increasing Accessibility to the blind of virtual environments, using a virtual mobility aid based on the "EyeCane": Feasibility study. PLoS ONE, v.8, n.8, p.1-9, 2013.).

O EyeMusic é um instrumento de substituição visuo-auditiva que auxilia a pessoa com deficiência visual a obter informações visuais através de sons. São óculos que escaneiam uma determinada imagem na direção esquerda-direita e realiza uma interpretação dos objetos em notas graves e agudas, representando os tons com instrumentos musicais diferentes (LEVY-TZEDEK, 2014LEVY-TZEDEK, S.; RIEMER, D.; AMEDI, A. Color improves "visual" acuity via sound. Fronties in Neuroscience, v.8, n.358, p.1-7, 2014.).

Caracterizado como um instrumento de substituição visuo-tátil o BrainPort é composto por uma câmera que capta uma determinada imagem, essa informação é processada e enviada ao cérebro por meio de uma estimulação elétrica captada pela língua através de um conjunto de eletrodos. O cérebro interpreta essa informação como sinais visuais e eles são, então, redirecionados para o córtex visual, permitindo que a pessoa "veja" (WILLIAMS et al., 2015WILLIAMS, M. D. et al. The use of a tactile-vision sensory substitution system as an augmentative tool for individuals with visual impairments. Journal of Visual impairment and blindness, v.105, n.1, p.45-50, 2011.).

O Belt (KÄRCHER et al., 2012KÄRCHER, S. M. et al. Sensory augmentation for the blind. Frontiers in Human Neuroscience, v.6, n.37, p.1-15, 2012.) também pode ser caracterizado como um dispositivo de substituição sensorial visuo-tátil, composto de um cinto que fornece a informação de direção diretamente à pele por meio de elementos de vibração. Uma bússola é integrada ao dispositivo detectando e fornecendo a direção com base no norte magnético.

O dispositivo head-mounted display consiste em uma câmera de profundidade e um software que detecta a distância de objetos próximos. Segundo Hicks et al. (2013)HICKS S. L. et al. Depth based head-mounted visual display to aid navigation in partially sighted individuals. PLoS ONE, v.8, n.7, p.1-9, 2013. esse dispositivo se propõe a "[...] transformar um mapa de profundidade em uma imagem visível através da conversão de distância em brilho" (p. 3).

Finalmente tem-se o sistema de ecolocalização (BUCKINGHAM et al., 2015BUCKINGHAM, G. et al. The Size-Weight illusion induced through human echolocation. Psychological Science, v.26, n.2, p.237-242, 2015.) como meio para a substituição sensorial em pessoas deficientes visuais, não se trata de um instrumento mas uma estratégia que pode ser usada para auxiliar na localização de obstáculos e locomoção. Pode ser pensada em uma estratégia de substituição sensorial visuo-auditiva, pois basicamente trata-se da emissão de um estalo com a língua; o som emitido ricocheteia o obstáculo e pode ser percebido pelo cego.

Ao término da leitura e análise dos estudos que compuseram a amostra dessa revisão, nota certa semelhança na finalidade dos procedimentos de coleta de dados. O foco de todos os estudos era de investigar a eficiência de determinado procedimento de SSD em uma quantidade determinada de participantes. As investigações ocorreram em ambientes controlados onde as condições (labirintos, salas com obstáculos, corredores) eram preparadas de acordo com os propósitos do estudo. Ou seja, os estudos, na maioria das vezes avaliaram o uso do SSD em condições controladas de laboratório (CHEBAT; MAIDENBAUM; AMEDI, 2015CHEBAT, D-R; MAIDENBAUM, S.; AMEDI, A. Navigation using sensory substitution in real and virtual mazes. PLoS One, v.10, n.6, p.813-824, 2015.). O único estudo que realizou o teste do SSD em um ambiente ao ar livre foi apresentado pelos autores Kärcher et al. (2012)KÄRCHER, S. M. et al. Sensory augmentation for the blind. Frontiers in Human Neuroscience, v.6, n.37, p.1-15, 2012., no qual o SSD visava auxiliar nas habilidades de navegação do participante cego, sendo que os resultados desse estudo apontaram uma eficiência satisfatória no desempenho do indivíduo em tarefas de navegação, as quais melhoraram significativamente durante o uso do SSD. Supõe-se que experimentos como esse, que avaliam os SSD em situações de vida diária, aproximam esses procedimentos da realidade cotidiana dos possíveis usuários, sendo provável maior adequação e funcionalidade para os mesmos.

Com relação às áreas do conhecimento, foco e missão aos quais as revistas se enquadravam, nota-se que o foco de publicação dessas revistas, em grande parte, centra-se no campo da psicologia, medicina e neurociência. Compreende-se, que os artigos tratam de forma central dos dispositivos de substituição sensorial e de modo adjacente à reabilitação de pessoas com deficiência visual, considerando que, dos 11 artigos, apenas um foi publicado em uma revista específica para essa população (Journal of Visual Impairment and Blindness). O quadro 2 apresenta as revistas nas quais os artigos que compõe esse estudo foram publicados.

Quadro 2
Foco e missão dos periódicos

Os procedimentos de SSD apresentados nos estudos analisados, em sua maioria, requerem tempo de treinamento para o uso, mas nota-se que esse tempo não é padrão para todos os SSD. Alguns treinamentos levam poucos minutos (MAIDENBAUM et al., 2013MAIDENBAUM, S. et al. Increasing Accessibility to the blind of virtual environments, using a virtual mobility aid based on the "EyeCane": Feasibility study. PLoS ONE, v.8, n.8, p.1-9, 2013.; MAIDENBAUM et al., 2014MAIDENBAUM, S. et al. The "EyeCane", a new electronic travel aid for the blind: Technology, behavior & swift learning. Restorative Neurology and Neuroscience, v.32, n.6, p.813-824, 2014.), já outros demandam várias horas de treinamento (LEVY-TZEDEK; RIEMER; AMEDI, 2014LEVY-TZEDEK, S.; RIEMER, D.; AMEDI, A. Color improves "visual" acuity via sound. Fronties in Neuroscience, v.8, n.358, p.1-7, 2014.; REICH; AMEDI, 2015REICH, L.; AMEDI, A. 'Visual' parsing can be taught quickly without visual experience during critical periods. Scientific Reports, v. 5, n.15359, p.1-12, 2015.). Nota-se que para um mesmo SSD, em alguns estudos, o tempo de treinamento sofreu uma sutil variação. Por exemplo, no estudo apresentado por Striem-Amit, Guendelman e Amedi (2012)STRIEM-AMIT, E.; GUENDELMAN, M.; AMEDI, A. 'Visual' acuity of the congenitally blind using visual-to auditory sensory substitution. PLoS ONE, v.7, n.3, p.1-6, 2012. o tempo médio de treinamento dos participantes a usar o SSD The vOICe foi de 73 horas. No estudo de Reich e Amedi (2015)REICH, L.; AMEDI, A. 'Visual' parsing can be taught quickly without visual experience during critical periods. Scientific Reports, v. 5, n.15359, p.1-12, 2015. o tempo de treinamento para o mesmo SSD foi de aproximadamente 70 horas. Porém, uma grande divergência no tempo de treinamento para o SSD The Voice foi identificada na pesquisa de Stiles, Zheng e Shimojo (2015)STILES, N. R. B.; ZHENG, Y.; SHIMOJO, S. Length and orientation constancy learning in 2-dimensions with auditory sensory substitution: the importance of self-initiated movement. Frontiers in Psychology, v. 6, n.842, p.1-13, 2015. na qual os autores relataram um tempo total de oito horas (1h por dia durante oito dias de treinamento). Tais dados parecem apontar que o sistema The Voice, dependendo dos objetivos dos autores e das características da população usuária, pode demandar um longo tempo de treinamento, o que nos faz questionar sua viabilidade em termos de custos e aplicabilidade no atendimento à essa população.

Com relação aos participantes desses estudos, nota-se que, em sua maioria, participam pessoas cegas, com baixa visão e videntes. Os participantes cegos e com baixa visão geralmente pertencem ao grupo experimental e os videntes ao grupo controle (CHEBAT; MAIDENBAUM; AMEDI, 2015CHEBAT, D-R; MAIDENBAUM, S.; AMEDI, A. Navigation using sensory substitution in real and virtual mazes. PLoS One, v.10, n.6, p.813-824, 2015.). Com relação aos participantes videntes sujeitos dos estudos, todos tiveram os olhos vendados para participar dos experimentos. Segundo os autores Chebat, Maidenbaum e Amedi (2015)CHEBAT, D-R; MAIDENBAUM, S.; AMEDI, A. Navigation using sensory substitution in real and virtual mazes. PLoS One, v.10, n.6, p.813-824, 2015. isso garante a homogeneidade entre os participantes.

Na maioria dos estudos, os efeitos dos testes do uso do procedimento SSD são comparados entre esses grupos. No entanto destaca-se que os resultados dos estudos que fazem essa comparação apontam não haver diferença significativa entre os grupos (MAIDENBAUM et al., 2013MAIDENBAUM, S. et al. Increasing Accessibility to the blind of virtual environments, using a virtual mobility aid based on the "EyeCane": Feasibility study. PLoS ONE, v.8, n.8, p.1-9, 2013.; MAIDENBAUM et al., 2014MAIDENBAUM, S. et al. The "EyeCane", a new electronic travel aid for the blind: Technology, behavior & swift learning. Restorative Neurology and Neuroscience, v.32, n.6, p.813-824, 2014.; LEVY-TZEDEK; RIEMER; AMEDI, 2014LEVY-TZEDEK, S.; RIEMER, D.; AMEDI, A. Color improves "visual" acuity via sound. Fronties in Neuroscience, v.8, n.358, p.1-7, 2014.). No estudo apresentado por Striem-Amit, Guendelman e Amedi (2012)STRIEM-AMIT, E.; GUENDELMAN, M.; AMEDI, A. 'Visual' acuity of the congenitally blind using visual-to auditory sensory substitution. PLoS ONE, v.7, n.3, p.1-6, 2012., não participaram pessoas videntes, porém os autores inferem que é esperado que eles apresentariam um desempenho comparável ao apresentado pelos participantes desse estudo (oito cegos congênitos e um com cegueira adquirida), porém, segundo os autores esse desempenho seria com alguma inferioridade em relação ao participante com cegueira adquirida, devido à vantagem compensatória no processamento auditivo. Contudo, tal afirmação deve ser olhada de modo cuidadoso. De que compensação estão tratando? Não se concorda com compensação orgânica (não enxerga, então ouve mais), mas sim com uso mais refinado e habilidoso de tal sentido (audição) uma vez que as formas de interpretação dos dados de pessoas cegas e videntes provém de distintas fontes de informação e com tempos de uso dos sentidos remanescentes diferenciados.

Com relação ao acesso a esses procedimentos, embora nenhum autor indique os SSD apresentados nos estudos como disponíveis comercialmente, Striem-Amit, Guendelman e Amedi (2012)STRIEM-AMIT, E.; GUENDELMAN, M.; AMEDI, A. 'Visual' acuity of the congenitally blind using visual-to auditory sensory substitution. PLoS ONE, v.7, n.3, p.1-6, 2012. pontuam o fato do SSD usado em seu estudo (The vOICe) ser acessível e de baixo custo. Porém, com respeito aos demais procedimentos, não fica evidente essa informação.

A partir da leitura das pesquisas que compõem essa revisão, nota-se que os procedimentos de SSD são empregados, na maioria dos estudos, no auxílio para a locomoção e mobilidade dos usuários, considerando que o deslocamento espacial de pessoas com cegueira e com baixa visão ainda permanece problemático (SAMPAIO, 2013SAMPAIO, E. Ferramentas cognitivas e tecnológicas para inclusão social de pessoas com deficiência visual. Benjamim Constant, Edição especial, p.31-32, 2013.). Por exemplo, os autores Chebat, Maidenbaum e Amedi (2015)CHEBAT, D-R; MAIDENBAUM, S.; AMEDI, A. Navigation using sensory substitution in real and virtual mazes. PLoS One, v.10, n.6, p.813-824, 2015. avaliam o SSD para o deslocamento dos usuários em labirintos, nos quais o intuito é que os participantes encontrem a saída com o mínimo possível de colisões nas paredes do labirinto. Os resultados apontam uma eficiência no uso para as condições estabelecidas no estudo, porém avaliações em situações reais são imprescindíveis.

Outros estudos apresentam resultados satisfatórios na eficiência do SSD para o auxílio à locomoção dos usuários (MAIDENBAUM et al., 2013MAIDENBAUM, S. et al. Increasing Accessibility to the blind of virtual environments, using a virtual mobility aid based on the "EyeCane": Feasibility study. PLoS ONE, v.8, n.8, p.1-9, 2013.; HICKS et al., 2013HICKS S. L. et al. Depth based head-mounted visual display to aid navigation in partially sighted individuals. PLoS ONE, v.8, n.7, p.1-9, 2013.; BUCKINGHAM et al., 2015BUCKINGHAM, G. et al. The Size-Weight illusion induced through human echolocation. Psychological Science, v.26, n.2, p.237-242, 2015.; MAIDENBAUM et al., 2014MAIDENBAUM, S. et al. The "EyeCane", a new electronic travel aid for the blind: Technology, behavior & swift learning. Restorative Neurology and Neuroscience, v.32, n.6, p.813-824, 2014.).

Alguns autores apontam limitações nos procedimentos de SSD, como por exemplo, o dispositivo EyeCane (MAIDENBAUM et al., 2013MAIDENBAUM, S. et al. Increasing Accessibility to the blind of virtual environments, using a virtual mobility aid based on the "EyeCane": Feasibility study. PLoS ONE, v.8, n.8, p.1-9, 2013.) é, segundos os autores, limitado no sentido de fornecer apenas informações de distância. Dessa forma, outros parâmetros imprescindíveis para a locomoção como padrões de cor não são fornecidos pelo dispositivo. Segundo os autores, essa é uma limitação possível de ser superada quando se alia o uso do EyeCane com outros SSD (The Voice, Eyemusic, etc) os quais poderiam oferecer informações adicionais para o usuário cego, como forma e cor.

No geral, os resultados de todos os estudos apontam os SSD como favoráveis e com potencialidade otimista no auxílio para as pessoas cegas e com baixa visão. Um resultado promissor é o fato de que o uso frequente dos SSD indica o desenvolvimento para a habilidade de seu uso levando a uma tendência à automação, e consequentemente começando a imitar a natureza intuitiva. Contudo, os comportamentos caracterizados pelo automatismo (comportamentos que são realizados sem atenção) são prejudicados pelas transformações cognitivas da deficiência visual adquirida (KASTRUP, 2007KASTRUP, V. A invenção na ponta dos dedos: a reversão da atenção em pessoas com deficiência visual. Psicologia em Revista, v.13, n.1, p.69-89, 2007.). O comportamento automático para realizar determinada ação permite liberar a atenção para outras atividades. Por exemplo,

[...] quando um vidente caminha para o trabalho, seguindo seu percurso habitual, libera a atenção para pensar em algo que está lhe preocupando, em um compromisso que terá no final da tarde, para fazer projetos ou evocar lembranças do dia anterior (KASTRUP, 2007KASTRUP, V. A invenção na ponta dos dedos: a reversão da atenção em pessoas com deficiência visual. Psicologia em Revista, v.13, n.1, p.69-89, 2007., p.70).

Essas possibilidades são desativadas e/ou reduzidas quando a perda da visão de instala fazendo com que toda a atenção seja direcionada para as mais simples e corriqueiras atividades. Nesse contexto, a possibilidade, embora ainda não oficializada, dos procedimentos SSD em tornar atividades o mais automáticas possíveis pode dinamizar a vida diária das pessoas cegas ou com baixa visão.

Os autores dos estudos também apontam, a partir de seus resultados, que o desempenho dos participantes por meio do uso das estratégias e instrumentos de SSD torna-se mais eficaz ao longo do tempo. As análises dos resultados dos estudos apresentados são de natureza quantitativa e geralmente com análises estatísticas, conforme já evidenciado por Kastrup et al. (2009)KASTRUP, V. et al. O aprendizado da utilização da substituição sensorial visuo-tátil por pessoas com deficiência visual: primeiras experiências e estratégias metodológicas. Psicologia & Sociedade, v.21, n.2, p.256-265, 2009.. Essa abordagem ressalta o desempenho dos participantes com o uso do SSD, o que nos parece priorizar e enfatizar apenas a potencialidade e eficiência do SSD. Outras estratégias de investigações como é o caso do método de treinamento pedagógico (KASTRUP et al., 2009KASTRUP, V. et al. O aprendizado da utilização da substituição sensorial visuo-tátil por pessoas com deficiência visual: primeiras experiências e estratégias metodológicas. Psicologia & Sociedade, v.21, n.2, p.256-265, 2009.) pode se apresentar como favorável no sentido de acompanhar o processo de aprendizado do usuário do procedimento de SSD, no qual as recorrências são identificadas e busca-se criar soluções para as dificuldades que surgem ao longo do processo.

Essa preocupação vai ao encontro da necessidade de que os estudos ampliem o processo de desenvolvimento dos recursos de tecnologia para pessoas com deficiência para sua fase de implementação real no cotidiano dos seus usuário. A literatura indica que uma possibilidade para aumentar a satisfação do usuário/consumidor da tecnologia é envolvê-los na seleção, aquisição, formação, implementação e uso contínuo de dispositivos que serão desenvolvidos (RIEMER-REISS; WACKER, 2000RIEMER-REISS, M. L; WACKER, R. R. Factors associated with assistive technology discontinuance among individuals with disabilities. Journal of Rehabilitation, v.66, n.3, p.44-50, 2000.). Nos estudos analisados nessa revisão há a inclusão em seus participantes as pessoas com deficiência visual, os quais são os principais interessados nos SSD desenvolvidos. No entanto, nota-se que a vertente de tais estudos encontra-se ainda em investigar a potencialidade e eficiência do SSD, o que podemos supor que as necessidades da pessoa com deficiência visual e suas aplicações na vida cotidiana estejam prevista como uma continuidade dos estudos.

4 Considerações finais

Embora o sentido da visão seja o meio mais eficiente para fornecer uma totalidade de informações com respeito ao ambiente, possibilitando condições para uma plena locomoção, é muito válido que haja esse empenho direcionado ao desenvolvimento de auxílios por meio da substituição sensorial no intuito de facilitar a mobilidade e locomoção de pessoas com deficiência visual.

Essa revisão nos apresenta uma síntese dos métodos e/ou dispositivos publicados em periódicos no período de 2010 a 2015. Os estudos indicam que há sim diversos recursos e estratégias de SSD sendo produzidos e disponibilizados à população, o que reporta a necessidade de que mais profissionais se apropriem dessa tecnologia que pode impactar diretamente a autonomia de pessoas com deficiência visual. Contudo, é de extrema importância que o desenvolvimento dos SSD considere os feedbacks dos principais usuários potenciais sobre a eficiência e funcionalidade dos mesmos na vida diária como discutido.

Por fim, ressalta-se que todos os artigos encontrados foram publicados no idioma inglês, uma vez que, através dos procedimentos de busca adotados, não foram reportados trabalhos nacionais. Reconhecem-se as limitações do presente estudo quanto ao período e fonte de busca, uma vez que não abarcou produções como teses e dissertações nacionais. Porém, nos cabe mencionar que prováveis razões para essa lacuna no país sejam a dificuldade que pesquisadores brasileiros tenham com relação ao financiamento de pesquisas dessa natureza que envolve tecnologias de alto custo, ou ainda na formulação dos equipamentos ou nos testes que devem ser realizados para verificar a eficácia dos mesmos, ainda mais se considerarmos o fato que a população com deficiência visual não tem um alto índice de incidência.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2016
  • Revisado
    20 Set 2016
  • Aceito
    20 Out 2016
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