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Sombreando a Pessoa com Deficiência: Aplicabilidade da Técnica de Sombreamento na Coleta de Dados em Pesquisa Qualitativa

Shadowing a Person with Disability: Applicability of Shadowing to Collect Data in Qualitative Research

RESUMO:

este artigo tem como foco a aplicabilidade da técnica de sombreamento na pesquisa sobre acessibilidade em uma instituição de ensino superior brasileira. No Brasil, esta técnica é ainda pouco conhecida, aplicada e disseminada apesar de sua relevância por alocar o pesquisador sombra dentro da rotina diária do participante. Neste estudo, apresentamos a aplicabilidade da técnica de sombreamento no cotidiano acadêmico de um estudante cego. Os resultados indicam que esta técnica (a) situa o investigador dentro da experiência de vida real do participante, aproximando pesquisadores sem deficiência da realidade vivida pelas pessoas com deficiência; (b) a técnica clarifica e amplia o conceito de acessibilidade na prática porque cruza o discurso oficial ou política de inclusão com aquilo que acontece no ambiente, isto é, a voz da pessoa com deficiência ganha destaque porque é ela que indica o que é ou não acessível; (c) joga o pesquisador dentro de micro-espaços (como sala de aula, refeitórios) que são lugares onde ocorrem relações de poder geradoras de barreiras para aqueles com deficiência e (d) favorece a identificação de barreiras cotidianas e, portanto, contribui para o desenvolvimento de políticas institucionais de acessibilidade que auxiliam na diminuição e eliminação dos obstáculos na trajetória universitária de estudantes com deficiência. Conclui-se que a técnica de sombreamento, aplicada ao processo de coleta de dados e produção de conhecimentos com e sobre pessoas com deficiência, contribui para o desenvolvimento de metodologias de pesquisa inovadoras no campo da Educação Especial, Inclusão em Educação e Estudos sobre a Deficiência.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Especial; Técnica de Sombreamento; Educação Superior

ABSTRACT:

This paper focuses on the application of the technique Shadowing in a research on accessibility in a Brazilian higher education institution. In Brazil, this technique is still little known, little applied and disseminated despite its relevance for allocating the 'shadow researcher' within the participant's daily routine. In this paper we present the application of the technique Shadowing during an academic day of a blind university student. Results show that Shadowing (a) places the researcher within the participant's real life experiences, hence approximating researchers without disabilities to the reality experienced by persons with disabilities; (b) it clarifies and broadens the concept of accessibility in practice as it allows interlacing official discourse or inclusion policies and what really happens in the environment, that is, the person with disability's voice stands out because he/she indicates what is or what is not accessible; (c) it 'throws' the researcher within micro-spaces, such as classroom and cafeteria, where power relations occur generating barriers for those with disabilities, and (d) it helps the identification of daily barriers and, therefore, contributes to the development of institutional policy that supports the reduction/elimination of obstacles in the university trajectory of students with disability. This paper concludes that Shadowing applied to the process of data collection and knowledge production with and on persons with disabilities contributes to the development of research methodology innovation in studies in the field of Special Education, School Inclusion, and Studies on Disability.

KEYWORDS:
Special Education; Shadowing; Higher Education

1 Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar a técnica de sombreamento e sua relevância para os Estudos sobre a Deficiência, assim como para qualquer outro tipo de pesquisa que envolva a coleta de dados com ou sobre a pessoa com deficiência. Esta técnica é praticamente desconhecida no campo da Educação e, por isso, é pouco difundida nas pesquisas brasileiras. No entanto, identificamos quatro investigações de pesquisadores brasileiros4 4 O levantamento da produção ocorreu entre 22 de novembro de 2015 a 17 de fevereiro de 2016 com objetivo de mapear as produções dos últimos cinco anos (2010-2015) no banco de dados da CAPES, CNPq e SciELO. que utilizaram o sombreamento em seus procedimentos metodológicos ao abordar temáticas relacionadas aos estudos de gênero (ROSA; MEDEIROS; VALADÃO JUNIOR, 2012ROSA, A.R.; MEDEIROS, C.R.; VALADÃO JUNIOR, M. Sob as sombras do discurso colonial: subalternidade e configurações de gênero em uma lavadeira do interior de Minas Gerais. Cad. EBAPE. Rio de Janeiro, v.10, n.2, p. 1-14, 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512012000200009>. Acesso em: 17 de jul. 2013.
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512012...
), ao cotidiano do judiciário (SILVA JUNIOR, s/dSILVA JUNIOR, A.N.S. Juízes leigos: um projeto e uma realidade no TJRJ1. Publica Direito. s/d. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c80bcf42c220b8f5>. Acesso em: 04 fev. 2015.
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) e duas pesquisas referentes à educação de pessoas com deficiência (DANTAS, 2011DANTAS, T. Jovens com deficiência como sujeitos de direitos: o exercício da autoadvocacia como caminho para o empoderamento e a participação social. 2011. 141f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2011.; SILVA, 2014SILVA, J.S.S. Acessibilidade, barreiras e superação: estudo de caso de experiências de estudantes com deficiência na educação superior. 2014. 242f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2014.). Ao apresentar a técnica de sombreamento, este artigo tem como propósito ampliar o debate sobre instrumentos e técnicas de pesquisa qualitativa e contribuir para o desenvolvimento de investigações inovadoras no campo dos Estudos sobre a Deficiência e nas áreas de Educação Especial e Inclusão Educacional.

A escolha de técnicas e instrumentos para coletar dados se constitui em um momento-chave da investigação. A solidez das informações obtidas por meio de escolha consciente de técnicas e instrumentos de pesquisa é o caminho mais seguro para firmar a fidedignidade dos resultados. Em outras palavras, a convicção do pesquisador sobre quais procedimentos metodológicos adotar aproxima-o da verdade intrínseca ao fenômeno sob estudo, deixando suas evidências e conclusões mais próximas ao que ocorre no campo. Apesar disso, no meio acadêmico parece existir uma crença generalizada ou uma prática cristalizada de que entrevista, observação e questionário são procedimentos mais simples de serem aplicados ou mais efetivos. Deste modo, é importante ampliar o debate sobre método de pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais, especialmente, no campo da Educação e suas subáreas, considerando os avanços mundiais para abordagens qualitativas que oferecem opções para eleição de procedimentos de coleta, organização e análise das informações encontradas no campo.

O estudo e o uso da técnica de sombreamento, assim, confirmam sua importância por ser uma técnica inovadora na coleta de dados da experiência humana no ambiente cotidiano. Este artigo objetiva disseminar e compartilhar a aplicabilidade desta técnica em uma pesquisa sobre acessibilidade conduzida na educação superior, como forma de mostrar seu uso para o processo de coleta de dados a partir da interação do pesquisador e participantes na sua experiência in lócus.

2 Potencial da Técnica de Sombreamento na Pesquisa com Participantes com Deficiência

As pesquisas que têm como objeto de estudos o universo da vida e experiências das pessoas com deficiência cresceram no Brasil, como consequência do significativo desenvolvimento do marco político-legal de acessibilidade e inclusão no país. Hoje, inúmeras são as publicações na área de Educação Especial e Educação Inclusiva que incluem, por exemplo, mais de mil títulos, contando com publicações semestrais das Revistas de Educação Especial de Santa Maria, Revista Brasileira de Educação Especial e com os trabalhos indexados a cada dois anos nos anais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e do Congresso Brasileiro de Educação Especial (CBEE)5 5 Só para ter uma ideia geral do crescimento da produção científica na área de Educação Especial e Educação Inclusiva, o VI CBEE que ocorreu em 2014 aprovou 866 trabalhos de pesquisas na área, sendo 534 na forma de comunicação oral e 332 apresentados em pôsteres. Acesso em: <http://2014.cbee-ufscar.com.br/>. da Universidade Federal de São Carlos.

Além do crescimento do número das pesquisas na área, houve também uma maior oferta de cursos presenciais e à distância que tratam de temas relativos às pessoas com deficiência. Conforme aumenta o interesse de investigadores pela área e a complexidade dos estudos, aparece também a necessidade de adoção de novos procedimentos de coleta de dados que permitam, ao pesquisador, ir além da observação, da entrevista e do uso de questionário, procedimentos adotados com frequências nesse campo (MANZINI; GLAT; FERREIRA, 2014)6 6 Informação verbal durante mesa-redonda no Congresso Brasileiro de Educação Especial, São Carlos, UFSCar, 2014. .

Neste contexto, apresentar a técnica de sombreamento e refletir sobre sua aplicabilidade são formas de disseminar novas estratégias de coleta dados e de contribuir para o avanço da área de Educação Especial, Educação Inclusiva e Estudos sobre a Deficiência. A técnica de sombreamento foca na interação do participante com as pessoas no ambiente e na vida regular. Em outras palavras, é uma técnica que permite ao pesquisador ter contato com a rotina do participante. No estudo sobre acessibilidade, o sombreamento possibilita ao investigador estar perto da experiência de interação da pessoa com deficiência com estruturas físicas, sistemas de comunicação e informação, atitudes, metodologias de ensino, entre outras.

O sombreamento também dá visibilidade a atuação do próprio pesquisador que está sombreando. Ao usar a técnica, o pesquisador tornar-se um instrumento vivo de coleta de dados, que situado dentro do fenômeno no aqui e agora, privilegia ou ignora elementos que em si são multifacetados. Ao mesmo tempo em que o pesquisado caracteriza fenômenos com base nos referenciais teóricos dentro do qual a pesquisa se circunscreve, ele também tem a oportunidade de ter acesso à perspectiva, à opinião e aos sentimentos dos participantes, exatamente na hora em que se manifestam. Dentro da ocorrência, o pesquisador acompanha o enredo por completo enquanto este se desenrola. Ele pode ver os elementos que antecedem a ocorrência até seu desdobramento após o fato ocorrido. A experiência sentida e vivida pelo estudante com deficiência é, então, explorada em momentos sequenciais que revelam ao pesquisador sentimentos, respostas, contradições, complexidades da interação dos participantes com os ambientes, tecnologias e pessoas da sua rotina.

A presença contínua do pesquisador na cena e a interação entre pesquisador e a pessoa com deficiência acompanhada criam as bases e os laços de uma parceria que valida os dados colhidos porque o participante é percebido como protagonista e pode, imediatamente, manifestar sua perspectiva e sentimento sobre a ocorrência: ele pode na mesma hora narrar o acontecimento vivido no momento do sombreamento e enriquecê-lo com lembranças, sensações, sentimentos e posicionamentos. Essas informações adicionais têm relevância no momento da coleta de dados porque trazem a interpretação do participante sobre a experiência presenciada.

3 Base Epistemológica da Técnica de Sombreamento

A técnica de sombreamento é usada em pesquisas naturalísticas, nas quais os dados são produzidos no contexto natural, isto é, na vida real, no lugar onde o fenômeno ocorre (STRAUSS; CORBIN, 2008STRAUSS, A.; CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da teoria fundamentada. Tradução: Luciane de Oliveira da Rocha. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.). Esta técnica se caracteriza pela ação sombra do pesquisador que acompanha qualquer "atividade cotidiana [do participante], inclusive as mais informais ou, aparentemente, sem importância, sem qualquer interrupção" (VERZELLONI, 2012VERZELLONI, L. A Sombra do juiz: reflexões sobre a aplicação do shadowing para a análise empírica das atividades dos juízes. Tradução Enzo Bello. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2012. apud SILVA JUNIOR, s/dSILVA JUNIOR, A.N.S. Juízes leigos: um projeto e uma realidade no TJRJ1. Publica Direito. s/d. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c80bcf42c220b8f5>. Acesso em: 04 fev. 2015.
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, p.12). A coleta de dados não é interrompida porque se privilegia o que acontece no cotidiano, considerando as informações incluídas no planejamento da pesquisa (por exemplo, sombrear o participante na aula expositiva da quinta-feira) e, ainda mais, as vivências e fatos inesperados (o que ocorreu antes, durante e depois da aula da quinta-feira?). Exatamente por isso, o sombreamento amplia as condições de observação do fenômeno sob estudo (THERON; SAPPEY, 2012THERON, I.B.; SAPPEY, J.R. The Methodological identity of shadowing in social science research. Qualitive Research Journal. Bathurst, v.12, n.1, p.7-16, 2012. Disponível em: <http://www.emeraldinsight.com/doi/abs/10.1108/14439881211222697>. Acesso em: 04 fev. 2015.
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), uma vez que não se restringe a um recorte da vida real: um pedaço de uma narrativa ou observação de uma determinada situação.

A continuidade da ação sombra em um tempo que não se limita à ocorrência, oferece a oportunidade do pesquisador identificar situações imprevistas que ocorrem no campo e que são tão ou mais importantes do que aquilo que foi planejado no projeto. O pesquisador pode perceber ou identificar potenciais implicações, desdobramentos e influências embutidas nos acontecimentos que não seriam visíveis se o procedimento de coleta de dados fosse uma observação à distância e não sequencial ou uma entrevista. Assim, a técnica de sombreamento direciona o pesquisador a ter uma postura expansionista e a produzir dados 'desde dentro' do acontecimento, explorando o 'novo', refletindo holisticamente sobre os fatos e os sujeitos participantes e induzindo mais sobre o processo de coleta de dados do que sobre seu resultado (STRAUSS; CORBIN, 2008STRAUSS, A.; CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da teoria fundamentada. Tradução: Luciane de Oliveira da Rocha. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.; ALVAREZ-GAYOU, 2003ALVAREZ-GAYOU. Cómo hacer investigación Cualitativa: Fundamentos y Metodología. 2003. Disponível em: <http://www.ceppia.com.co/Herramientas/Herramientas/Hacer-investigacion-alvarez-gayou.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.
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).

Contrária às abordagens positivistas - que olham para as "situações 'estranhas'" como eventualidades prejudiciais à objetividade da pesquisa e que, portanto, necessitam ser "controladas e evitadas" (ALVAREZ-GAYOU, 2003ALVAREZ-GAYOU. Cómo hacer investigación Cualitativa: Fundamentos y Metodología. 2003. Disponível em: <http://www.ceppia.com.co/Herramientas/Herramientas/Hacer-investigacion-alvarez-gayou.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.
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, p.1) -, a técnica de sombreamento se alinha a métodos científicos que não tem intencionalidade de controlar a observação ou de apreender certas tendências de condutas associadas a causas funcionalistas (PÉREZ, 2002PÉREZ, D.I. Los qualia desde um punto de vista naturalista. Azafea: Revista de Filosofía. Salamanca, v.4, n.4, p.65-83, 2002.). Esta técnica tem como propósito estudar interações a partir de contextos cotidianos diversos e do marco de referência dos participantes. Neste caso, o pesquisador não é visto como um sujeito imparcial, mas como agente atuante no campo que vive uma experiência de intersubjetividade7 7 O filósofo alemão Bernhard Waldenfels define intersubjetividade como o encontro de vários sujeitos em interações e interlocuções, nas quais conectam-se o discurso e a ação particular com o discurso e a ação do outro ('estranho') (WALDENFELS, 2004). (WALDENFELS, 2004WALDENFELS, B. El poder de los acontecimientos. Azafea: Revista de Filosofía, Salamaca, v.6, n.5, p.139-151, 2004.).

A negação da neutralidade do investigador é apresentada na cronologia da história da investigação qualitativa de Denzin e Lincold (apud ALVAREZ-GAYOU, 2003ALVAREZ-GAYOU. Cómo hacer investigación Cualitativa: Fundamentos y Metodología. 2003. Disponível em: <http://www.ceppia.com.co/Herramientas/Herramientas/Hacer-investigacion-alvarez-gayou.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.
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) como parte de uma "crise atual de representação" da antiga crença na capacidade do pesquisador capturar a realidade tal como ela é8 8 Inserindo aí o conflito nietzschiano que assume a construção da realidade como parte de nossa vontade de verdade (NIETZSCHE, 2000). . Nesse contexto, os investigadores são levados a refletirem sobre os procedimentos tradicionais na produção de dados e não veem a possibilidade de separação do "texto" do "mundo sobre o que se inscreve" (ALVAREZ-GAYOU, 2003ALVAREZ-GAYOU. Cómo hacer investigación Cualitativa: Fundamentos y Metodología. 2003. Disponível em: <http://www.ceppia.com.co/Herramientas/Herramientas/Hacer-investigacion-alvarez-gayou.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.
http://www.ceppia.com.co/Herramientas/He...
, p.6). É um período em que as categorias analíticas desconstroem sistemas de dominação e analisam lutas travadas em campos simbólicos e discursivos (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003COSTA, M.V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L.H. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n.23, p.36-61, 2003. Disponível em: <http://cev.org.br/biblioteca/revista-brasileira-educacao-anped-2003-n23/>. Acesso em: 21 mar. 2017.
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). A preocupação das Ciências Humanas e Sociais agora inclui, portanto, a

[...] representação do outro; surgem novas epistemologias provenientes de grupos silenciados e se visualiza um futuro de investigação vinculada a ação, mais ativista, assim com maior crítica social. Nesta fase, os estudos de narrativas grandiosas são substituídos por teorias mais locais e de menor escala, ajustadas a problemas e situações específicas. (ALVAREZ-GAYOU, 2003ALVAREZ-GAYOU. Cómo hacer investigación Cualitativa: Fundamentos y Metodología. 2003. Disponível em: <http://www.ceppia.com.co/Herramientas/Herramientas/Hacer-investigacion-alvarez-gayou.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.
http://www.ceppia.com.co/Herramientas/He...
, p.6).

No paradigma atual da pesquisa qualitativa, os chamados 'Estudos sobre a Deficiência' são uma alternativa teórico-metodológica para as pesquisas que envolvem a atuação direta das pessoas com deficiência a partir de uma abordagem emancipadora. A produção dos dados direciona um processo de "politização" da categoria "deficiência" e o pesquisador assume um compromisso coletivo com a transformação sociocultural (BARTON, 2009BARTON, L. Estudios sobre discapacidad y la búsqueda de la inclusividad. Observaciones. Revista de Educación, España, n. 349, p. 137-152, 2009. Disponível em: <http://www.revistaeducacion.mec.es/re349/re349_07.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2017.
http://www.revistaeducacion.mec.es/re349...
, p.144). Esse tipo de pesquisa é alinhada ao modelo social da deficiência, no qual a opressão e as barreiras - institucionais, estruturais, ideológicas, materiais, comunicacionais, pedagógicas, atitudinais e outras - são reconhecidas como os reais empecilhos à experiência da pessoa com deficiência.

Nas investigações cujo eixo epistemológico corrobora com o modelo social deficiência, incumbem-se as seguintes dimensões éticas:

a) Proporcionar um marco e uma língua para que as pessoas com deficiência possam descrever suas experiências. A discriminação, a exclusão e a desigualdade são mencionadas e questionadas; b) Oferecer um meio para poder explicar e entender a questão da deficiência em termos de condições e relações socioeconômicas mais amplas; c) proporcionar uma base para o apoio e o compromisso coletivo entre as pessoas com deficiência e, finalmente d) oferecer uma alternativa e projetar uma imagem positiva da deficiência. Portanto, existe uma função educativa muito importante. (BARTON, 2009BARTON, L. Estudios sobre discapacidad y la búsqueda de la inclusividad. Observaciones. Revista de Educación, España, n. 349, p. 137-152, 2009. Disponível em: <http://www.revistaeducacion.mec.es/re349/re349_07.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2017.
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, p.142, grifo nosso).

A técnica de sombreamento vinculada aos Estudos sobre a Deficiência potencializa a criticidade porque dá centralidade a cultura9 9 O sentido de cultura que adotamos aqui é abordagem desenvolvida no campo dos Estudos Culturais que (dentre as várias definições) a entendem como "um contestado e conflituoso conjunto de práticas de representação ligadas ao processo de composição e recomposição dos grupos sociais" (FROW, MORRIS, 1997) (...) práticas de representação [que] inventam sentidos que circulam e operam nas arenas culturais onde o significado é negociado e as hierarquias são estabelecidas". (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p.38). em que o participante está inserido e atua. Ao aproximar o pesquisador dos acontecimentos que se sucedem nos micro-espaços, ele pode analisar relações de poder, discursos de representação e sistemas de dominação (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003COSTA, M.V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L.H. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n.23, p.36-61, 2003. Disponível em: <http://cev.org.br/biblioteca/revista-brasileira-educacao-anped-2003-n23/>. Acesso em: 21 mar. 2017.
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). Essa é uma maneira de produzir dados que reforça o modelo social da deficiência porque o que interessa no uso da técnica é o ambiente, a interação e a experiência dos participantes, ao contrário de métodos que acentuam o discurso patológico que naturaliza estruturas normativas ao marcar a deficiência como um desvio (MARTINS et al., 2012MARTINS, B.S.M. et al. A emancipação dos estudos da deficiência. Revista Crítica de Ciências Sociais. Brasil, v.9, n.1, 2012. Disponível em: <http://rccs.revues.org/5014; DOI : 10.4000/rccs.5014>. Acesso em: 03 set. 2016.
http://rccs.revues.org/5014...
; SILVA, 2014SILVA, J.S.S. Acessibilidade, barreiras e superação: estudo de caso de experiências de estudantes com deficiência na educação superior. 2014. 242f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2014.).

Nos Estudos sobre Deficiência, os procedimentos de investigação são submetidos à apreciação do investigador que reflete sobre as seguintes questões: Para que(m) serve a investigação? Que relação existe entre o investigador e os participantes? Quem se beneficia desta relação? Quem decide sobre o que se produz em termos de dados no campo? Até que ponto a investigação é um ato político? (BARTON, 2009BARTON, L. Estudios sobre discapacidad y la búsqueda de la inclusividad. Observaciones. Revista de Educación, España, n. 349, p. 137-152, 2009. Disponível em: <http://www.revistaeducacion.mec.es/re349/re349_07.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2017.
http://www.revistaeducacion.mec.es/re349...
). Esta é uma oportunidade também do pesquisador analisar como ele maneja o poder (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. 1. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.) ao olhar para si como parte do contexto e agente de (re)produção de discursos - no nosso caso, um discurso desde a perspectiva de pessoa sem deficiência.

Ora, no manuseio do poder, a quem denota eleger a ocorrência que denominamos 'acontecimento' no uso da técnica de sombreamento? Na linha do que reflete Waldenfels (2004)WALDENFELS, B. El poder de los acontecimientos. Azafea: Revista de Filosofía, Salamaca, v.6, n.5, p.139-151, 2004., o que vivenciamos no cotidiano se trata de inter-acontecimentos que não se reduzem a acumulação de produção individual particular (aqui do pesquisador ou do participante) e não é obra exclusiva de uma instância unificadora coletiva. Nas palavras do autor, os acontecimentos

[...] se inscriben en un ámbito social, en una tierra de nadie no parcelada en individuos ni asociada a un conjunto. La vieja contraposición entre individualismo y holismo, la cual sólo conoce actores en mayor o menor medida, fracasa cuando aquello que 'ocurre con nosotros' (en el doble sentido de la expresión) procede a la vez de los efectos individualizadores y generalizadores de ese ocurrir. No se trata por tanto de pasar por alto la pregunta por el quién de la experiencia, pues ella se resuelve en el suceder mismo de la experiencia. Individuos y colectivos son realidades constitutivas, mas no fundamentales. (WALDENFELS, 2004WALDENFELS, B. El poder de los acontecimientos. Azafea: Revista de Filosofía, Salamaca, v.6, n.5, p.139-151, 2004., p.148).

Portanto, um acontecimento na experiência de sombreamento é constituído na relação de intersubjetividade em que dimensões individuais e coletivas se perdem entre si. Ainda segundo Waldenfels (2004)WALDENFELS, B. El poder de los acontecimientos. Azafea: Revista de Filosofía, Salamaca, v.6, n.5, p.139-151, 2004., os denominados 'acontecimentos' não são simples 'feitos' involuntários e automatizados, mas fazem parte da reprodução de determinada ordem válida e ao mesmo tempo pode ser a produção de uma nova ordem transgressora a estabelecida. Considerando esse sistema dual, cabe ao pesquisador, no processo de racionalização da experiência vivida no sombreamento, arrisca-se na direção de capitar a linha que separa o legitimado e o fatual para identificar opressões e resistências que estão no cotidiano da pessoa com deficiência, mas que chegam a "ser insondável na cotidianidade" (WALDENFELS, 2004WALDENFELS, B. El poder de los acontecimientos. Azafea: Revista de Filosofía, Salamaca, v.6, n.5, p.139-151, 2004., p. 143).

A seguir, trataremos destas questões e de outras na descrição do método e na apresentação dos resultados da usabilidade da técnica de sombreamento na experiência acadêmica de um estudante com deficiência.

4 Método

Este artigo foi produzido com base em uma pesquisa de mestrado e nosso objetivo é apresentar a técnica de sombreamento e sua relevância para estudos que envolvem pessoas com deficiência. Seis estudantes com diferentes deficiências participaram desta investigação, sendo três mulheres e três homens de cursos de graduação. Contudo, aqui nosso foco será a experiência de um estudante cego, chamado pelo nome fictício de Bruno. Este estudante está matriculado no curso de Educação Física de uma universidade federal do nordeste brasileiro. Bruno é casado e tem um filho. Ele não trabalha, mas recebe um benefício da assistência social. Na infância, mudou-se do interior para residir na capital em busca de oportunidade de estudo, vivendo durante todo o período da educação básica no Instituto dos Cegos. Foi nesta escola especial que ele foi alfabetizado e recebeu incentivo para ingressar no curso superior10 10 Dados obtidos durante a entrevista com o participante. .

Dentre os seis estudantes participantes, optamos neste artigo por apresentar o uso da técnica sombreamento com Bruno, devido à riqueza dos dados fornecido por sua experiência durante a coleta de dados, uma vez que estudante permanece em período integral na universidade, no horário que vai das 8h às 16h30min. Sombreamos Bruno nessas oito horas consecutivas, nos momentos em que ele percorre por diversos espaços e setores do campus, por exemplo, sala de aula, restaurante universitário, laboratórios, serviço de apoio aos estudantes com deficiência e locais de circulação comuns, como espaços de lazer e calçadas. Identificamos o contato de Bruno por meio do Comitê de Inclusão e Acessibilidade da instituição de ensino superior investigada. Mandamos um e-mail para o estudante com uma carta-convite informando sobre o estudo e perguntando sobre sua disponibilidade para participar da pesquisa. O estudante aceitou o convite e marcamos nosso primeiro encontro na universidade.

Um dia antes da aplicação da técnica de sombreamento, foi realizada uma entrevista com Bruno em um espaço da universidade. A entrevista teve duração de 45 minutos e nosso objetivo foi identificar fatos que antecederam seu ingresso ao curso de graduação, assim como coletar dados biográficos e experiências relativas à decisão de acesso ao curso superior, acessibilidade no vestibular e informações sobre as condições de permanência no curso. Esta fase da pesquisa ofereceu elementos acerca da atitude do participante e do contexto pessoal e acadêmico onde ele está inserido.

Esta pesquisa foi conduzida pela metodologia de Estudo de Caso (LUCK; ANDRÉ, 1986LUCK, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 1. ed. São Paulo: EPU, 1986.). Este tipo de metodologia é cada vez mais usada na pesquisa qualitativa pelo seu valor na orientação metodológica e por ser considerada efetiva para objetos de estudo que tratam de temas relacionados à vida, à percepção, à opinião, à experiência e à crença das pessoas (FERREIRA, 2001FERREIRA, W.B. Making sense of exclusion in schools: an international perspective. 2001. 305f. Thesis (Doctor of Philosophy) - University of Manchester, England. 2001., p.139). No estudo de caso, o pesquisador investiga uma unidade de estudo (nesta pesquisa: a experiência de acessibilidade de estudantes com deficiência no ensino superior) por meio do uso de uma ampla variedade de fontes (YIN, 1994YIN, R.K. Case study research, designs and methods. 2. ed. London: Sage Publications Applied Social Research Methods Series, 1994.; STEINHOUSE apud BURGESS; RUDDUCK, 1993BURGESS, R.G.; RUDDUCK, J. A Perspective on Educational Case Study, a collection of papers by Lawrence Stenhouse. CEDAR papers, University of Warwick, v.4, n.1, p.22-67, 1993.; FOSTER; GOMM; HAMMERSLEY, 1998FOSTER, P.; GOMM, R.; HAMMERSLEY, M. Case studies as evaluation: the example of research on educational inequalities. In: CONFERENCE ON CASE STUDY RESEARCH IN EDUCATION. CEDAR, 3., 1998, Warwick. Anais... Warwick, University of Warwick, 1998.). As fontes utilizadas aqui foram informações do diário de campo, estudo documental e dos registros sobre pessoas com deficiência disponibilizados pelo Comitê de Inclusão e Acessibilidade da universidade investigada, fotografias dos vários espaços acadêmicos, dados da observação participante (direta e indireta) e entrevistas, tudo aplicado ao uso da técnica de sombreamento.

Cabe um destaque ao diário de campo. Este instrumento foi adotado para registrar fatos, relatos, impressões, interpretações, comentários e sentimentos expressados pelo participante ou vivenciados pelas pesquisadoras no campo. A escrita no diário atua como um output que tem por finalidade fazer o pesquisador expressar um pensamento livre e espontâneo, assim como tomar notas sobre dados do campo, transcrevendo falas ou situações consensuais, contraditórias, relevantes e intrigantes na interação do participante com as pessoas e com o ambiente investigado.

A análise dos dados foi fundamentada no marco político-legal sobre acessibilidade do Brasil (BRASIL, 2000BRASIL. Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm>. Acesso em: 03 set. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, 2004BRASIL. Decreto n° 5296, de 2 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>. Acesso em: 03 jun. 2013.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, 2009BRASIL. Lei 6.949 de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 03 set. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) e no referencial dos Estudos sobre a Deficiência (FERREIRA, 2004FERREIRA, W.B. Invisibilidade, crenças e rótulos: reflexão sobre a profecia do fracasso educacional na vida de jovens com deficiência. In: CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE SÍNDROME DE DOWN. 4., 2004, Recife. Anais... Bahia: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, 2004., SOARES, 2010SOARES, A.M. Nada sobre nós sem nós: formando jovens com deficiência para o exercício da autoadvocacia. 2010. 127f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2010.; DANTAS, 2011DANTAS, T. Jovens com deficiência como sujeitos de direitos: o exercício da autoadvocacia como caminho para o empoderamento e a participação social. 2011. 141f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2011.; FARIAS 2011FARIAS, A.Q. Gênero e deficiência: vulnerabilidade feminina, ruptura e superação. 2011. 112f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2011.; MARTINS et al., 2012MARTINS, B.S.M. et al. A emancipação dos estudos da deficiência. Revista Crítica de Ciências Sociais. Brasil, v.9, n.1, 2012. Disponível em: <http://rccs.revues.org/5014; DOI : 10.4000/rccs.5014>. Acesso em: 03 set. 2016.
http://rccs.revues.org/5014...
; SILVA, 2014SILVA, J.S.S. Acessibilidade, barreiras e superação: estudo de caso de experiências de estudantes com deficiência na educação superior. 2014. 242f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2014.; DINIZ; GUILHEM, 2000DINIZ, D.; GUILHEM, D. Feminismo, bioética e vulnerabilidade. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.8, n.1, p. 238-244, 2000.). Neste contexto, a interpretação das ocorrências do sombreamento foi feita por meio da triangulação dos dados (ALVAREZ-GAYOU, 2003ALVAREZ-GAYOU. Cómo hacer investigación Cualitativa: Fundamentos y Metodología. 2003. Disponível em: <http://www.ceppia.com.co/Herramientas/Herramientas/Hacer-investigacion-alvarez-gayou.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.
http://www.ceppia.com.co/Herramientas/He...
), considerando as seguintes dimensões:

  1. a aplicabilidade da lei de acessibilidade e sua compreensão discursiva quando executada (ou não) na prática universitária de um estudante cego.

  2. as ocorrências eventuais no momento do uso técnica de sombreamento centradas na vivência do participante e na cultura universitária.

  3. a análise das possibilidades de usabilidade do sombreamento para investigar grupos vulneráveis; observar uma realidade; mapear barreiras à acessibilidade; propor mudanças ou intervir no cenário educacional, entre outras.

  4. os sentimentos, as expectativas, os dilemas e as influências que exercem os pesquisadores e os sujeitos envolvidos.

Todo o processo de coleta de dados está fundamentado na Resolução 196/96 que determina normas gerais para a investigação científica no Brasil (BRASIL, 1996BRASIL. Resolução 196/96, outorgada pelo Decreto n° 93.933, de 14 de janeiro de 1987. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/res19696.htm>. Acesso em: 26 nov. 2015.
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). O participante foi consultado sobre os procedimentos adotados nesta investigação e respeitado nas suas decisões durante todo o percurso de coleta de dados. A descrição dos dados, as interpretações realizadas com base na literatura e as informações obtidas no campo foram submetidas à apreciação do participante e a partir da sua análise foram feitas alterações, apresentadas na versão final do texto.

5 Resultado e discussão

O resultado do uso da técnica de sombreamento foi organizado em dois momentos: (1) durante a técnica de sombreamento e (2) após a técnica de sombreamento, momento de reflexão e feedback da pesquisa. Estes momentos articulam dados do que foi vivido por Bruno, dos acontecimentos presenciados pelas pesquisadoras e dos sentimentos e inferências que surgiram no campo. A seguir, apresentamos o registro no diário de campo.

5.1 Descrição da experiência

DIÁRIO DE CAMPO: SOMBREANDO BRUNO Data: 17 de fevereiro 2013Horário do Sombreamento: 08:00 às 16:30 1 Durante a Técnica de SombreamentoO sombreamento iniciou às 8h da manhã, quando as pesquisadoras encontraram Bruno no portão principal de entrada e saída da Universidade. Mantivemo-nos na maioria do tempo acompanhando Bruno no seu lado esquerdo, sem qualquer contato físico direto. Para se locomover no campus, Bruno utilizou todo o tempo uma bengala. Bruno pega dois ônibus todos os dias para ir à universidade. Ele declara que “enfrento logo cedo a falta de acessibilidade nos transportes públicos para ter como vir assistir aula.” (relato do estudante durante o sombreamento). 1.2 Segundo Cenário: Sala de AulaAo chegar à sala de aula, Bruno foi cumprimentado por um grupo de aproximadamente seis colegas, alguns dos amigos disseram: “oi Bruno... e aí?... Como vai?”. O estudante respondeu com ânimo e iniciou uma breve conversa com eles. Ao entrar na sala, Bruno optou por sentar-se na primeira fileira de carteiras. Sentamos em uma fileira ao lado do estudante. A aula foi expositiva sobre ginástica rítmica. A professora trouxe bola, arco, corda e fita e utilizou datashow para mostrar aos estudantes os movimentos de ginástica, mas não descreveu os movimentos que realizava durante a apresentação. Dizia: "olhem, gente, vocês têm que aprender a passar a fita aqui e acrescentando isto, fazendo desta maneira ...". Logo após a sua exposição, a professora pareceu perceber a presença de Bruno na classe, porque ela disse ao estudante: "Bruno, amanhã na aula prática você aprenderá o que eu estou ensinando agora." (fala da professora de Ginástica Rítmica durante a técnica de sombreamento). Depois da explicação, a docente apresentou à turma um vídeo sem áudio, de um campeonato nacional de ginástica rítmica, que mostra atletas fazendo o exercício abordado na aula. As cenas mostradas no filme não foram descritas por ela ou colegas (e nem por nós que coletávamos dados como sombra). Não houve manifestação dos colegas de Bruno e nem dele com relação à inacessibilidade da aula. O estudante permaneceu calado por toda aula. Impressões das pesquisadoras: Sentimo-nos imobilizadas por presenciar a falta de participação de Bruno, refletimos que simples atitudes poderiam facilmente ser implementadas para superar as barreiras pedagógicas daquela aula. Por exemplo, a professora de Bruno exploraria seu tato para ele sentir os aparelhos de ginástica e conhecer os movimentos; a solicitação de um colega de classe para descrever as cenas do vídeo (sem audiodescrição) apresentado na aula. De maneira geral, essas oportunidades seriam enriquecedoras para a aprendizagem de toda a turma já que explorariam mais a fundo o conteúdo da aula. Ao final da aula, mantivemo-nos ao lado de Bruno e a professora foi conversar com ele, reforçando que nas aulas práticas na quadra de esporte apresentaria o conteúdo desta aula para ele. Neste momento, um grupo de cinco estudantes estavam se organizando para sair da sala e presenciou a professora dizer a Bruno que: "admiro muito a entrada de pessoas com deficiência na universidade, mas a inclusão só ocorre quando a universidade está preparada. Aqui ainda não estamos preparados. Os professores têm que tratar todos iguais e o aluno não deve usar a deficiência para ganhar vantagens." (fala da professora de Ginástica Rítmica durante a técnica de sombreamento). A reação de Bruno foi acenar com a cabeça, sem dizer nada. Seus colegas de classe também não expressaram nenhuma reação. Impressões das pesquisadoras: a justificativa na fala da docente nos fez crer que ela percebeu a intencionalidade da nossa ação por trás do acompanhamento de Bruno. Sua fala expressa um desabafo sobre o processo geral de ingresso de pessoas com deficiência na universidade. Recordamos que quando se refere a inclusão de pessoas com deficiência no sistema regular de ensino, a "falta de preparo da instituição, dos profissionais e docentes" é uma queixa frequente. Na experiência de Bruno, constatamos o mesmo relato. 1.3 Terceiro Cenário: Restaurante UniversitárioSaída da sala e ida ao restaurante. A duração da caminhada foi de aproximadamente 20 minutos. Nesse trajeto, algumas vezes, as calçadas eram acessíveis com piso tátil, mas muitas partes do trajeto não tinham calçadas ou estas estavam obstruídas por entulhos, buracos e desníveis. Após a aula, sombreamos Bruno até o Restaurante Universitário, local onde, segundo ele, a "fila é sempre grande". Por ter acesso prioritário (BRASIL, 2004), ele pôde passar a fila imediatamente para se servir. Fomos pegar seu almoço no balcão do self-service. Segundo Bruno: "não há atenção dos funcionários para dizer o que têm no almoço. É um serviço muito rápido. Se eu não for com acompanhante, a comida é colocada no prato sem que eu saiba qual o cardápio." (fala do estudante durante a técnica de sombreamento). Neste dia, intervimos no cenário de pesquisa, ao descrever o cardápio para o estudante fazer sua escolha. 1.4 Quarto Cenário: Serviços de ApoioSaída do Restaurante e caminhada ao Núcleo de Educação Especial (NEDESP) da instituição investigada. A duração do percurso foi de 20 minutos. Após o almoço, seguimos o mesmo percurso do começo da manhã até o portão principal da universidade, porque é nessa proximidade onde está localizado o NEDESP, lugar que Bruno precisa ir para solicitar os serviços de apoio aos estudantes cegos. Ele destacou que "necessito ir lá todos os dias, pois somente neste espaço é que tem computadores adaptados para realizar pesquisas na internet, digitar trabalhos e responder e-mails" (fala do estudante durante a técnica de sombreamento). Neste momento, perguntamos se no laboratório de informática, que existe no próprio bloco do curso de Educação Física, tinha computadores adaptados com softwares para cegos, o estudante disse que "não! Somente aqui posso usar os computadores, lá não foi instalado o programa. Aqui é um único lugar que apoia o cego." (fala do estudante durante a técnica de sombreamento). Em tom de desabafo, o estudante complementa "(...) porque não há adaptação de nada. Tenho que cumprir créditos extras e não sei quando tem seleção para bolsista porque as informações estão nos murais e não há versão em Braile. O cego está alheio a tudo o que acontece aqui dentro." (fala do estudante durante a técnica de sombreamento). No local dos serviços de apoio (o NEDESP) tinham duas funcionárias que faziam a transcrição de livros na máquina Braile. Bruno informou que a demanda de cegos é maior que o número de funcionários e equipamentos existentes, por isso, muitas vezes, recebe "o material atrasado e isso prejudica na prova; além da biblioteca central não ter os livros que mais preciso em Braile" (fala do estudante durante a técnica de sombreamento). Por causa do serviço de apoio não ser suficiente para a transcrição dos materiais de estudo requeridos pelos docentes, a solução que o estudante encontrou foi "comprar os livros e doá-los à Fundação Dorina Nowill em São Paulo. A fundação me manda de volta em formato Braile. Mas, têm vezes que os livros e materiais são muito caros e não tenho como comprá-los." (fala do estudante durante a técnica de sombreamento). Neste caso, Bruno acaba não tendo acesso aos conteúdo estudados e, consequentemente, é prejudicado nas avaliações. 1.5 Quinto Cenário: Portão Principal da InstituiçãoDo NEDESP até o Portão principal de saída e entrada da instituição. Duração da caminhada: 10 minutos Ao final do dia, nos despedimos de Bruno na entrada principal da instituição, lugar onde há sempre uma grande movimentação de estudantes. Explicamos para ele um pouco mais do objetivo desta pesquisa e agradecemos a sua contribuição. Neste momento, o estudante desabafa: "sinto que os docentes consideram um desafio trabalhar com um aluno cego, por isso não há oportunidades para nós. É um medo de nos incluir... eu queria participar de grupos, publicar artigos, ter um orientador, participar de eventos. Apesar de eu ser um esportista de Judô, reconhecido nacionalmente não encontro aqui este reconhecimento. Muito ainda precisa ser feito para que a educação superior garanta o direito das pessoas com deficiência sem eu ter que correr atrás sozinho." (fala do estudante durante a técnica de sombreamento). 2 Após a técnica de sombreamento: reflexões e feedback da pesquisa Durante a aplicação da Técnica de sombreamento foi possível ver, sentir, e compreender a experiência cotidiana de Bruno nos espaços acadêmicos e as barreiras que encontra sistematicamente. O uso do sombreamento provocou fortes sensações, impressões e reflexões às pesquisadoras: de indignação frente à falta de transporte interno na instituição investigada, onde o estudante necessita caminhar todo dia em meio a risco de acidente ou ainda nossa percepção da postura docente inacessível na exposição dos conteúdos da aula. Inúmeras vezes, sentimos empatia por Bruno porque ao sombreá-lo nos aproximamos do seu lugar comum, sentindo dor, frustração, cansaço, raiva, etc. Múltiplos questionamentos tomaram conta de nossas interpretações, dentre os quais: O que faríamos se não tivéssemos o direito de participar da aula? Como responderíamos à atitude da professora? Como agiríamos se fôssemos professora de Bruno? Como as aulas poderiam ser mais acessíveis? Por que os materiais necessários aos estudos de Bruno não são disponibilizados, se a universidade é pública ou por que são entregues tardiamente? Por que todo o esforço de superação deve acontecer somente por parte do estudante? Por que ainda não são vistos como “sujeitos de direitos” e há interpretação equivocada e discriminatória de que estes estudantes “usam a deficiência para ganhar privilégios”, como afirmou a professora de Bruno? Por que ainda não há efetividade da política de inclusão na educação superior, se temos uma vasta legislação de inclusão e acessibilidade no país? Essas e outras questões emergiram no campo e puderam ser analisadas à luz da literatura, no texto da dissertação de mestrado. Após organização e elaboração dos dados colhidos em formato de texto, nos encontramos com Bruno na universidade para mostrá-lo. O estudante concordou com a forma como descrevemos sua experiência e fez reflexões

5.2 Análise da Experiência

No uso da técnica de sombreamento é possível a imediata percepção e valoração da experiência cotidiana vivida pela pessoa com deficiência: experiência que pode ser classificada pelos sujeitos envolvidos na cena como positiva ou negativa, acessível ou inacessível dentro de um quadro normativo - o discurso da lei de acessibilidade ou a percepção da pessoa com deficiência ou do pesquisador - que regula o que é valido como dado (ou não) na ocorrência (WALDENFELS, 2004WALDENFELS, B. El poder de los acontecimientos. Azafea: Revista de Filosofía, Salamaca, v.6, n.5, p.139-151, 2004.). A oportunidade de acompanhar Bruno durante oito horas, inclusive em atividades aparentemente simples, como caminhar dentro do campus, nos possibilitou analisar significados, motivos e atitudes que estão embutidos nos acontecimentos. Por exemplo, o ato de deixar entulhos de construção nas calçadas constitui-se em uma barreira temporária que, muitas vezes, não é percebida pela comunidade universitária. Ao caminhar com Bruno, presenciamos esta barreira porque o estudante a identificou e na mesma hora detalhou o risco de uma pessoa cega encontrar este 'novo' elemento em um caminho que costuma transitar. Esses e outros exemplos da experiência de sombreamento de Bruno (a postura didática, a inacessibilidade dos murais) ilustram a eficácia desta técnica para mapear a qualidade da acessibilidade nos ambientes educacionais.

O sombreamento, como vimos, coloca o pesquisador no contexto da vida regular do participante. Por isso, esta técnica permite a inserção do pesquisador nos múltiplos micro-espaços, enredos e inter-relações que têm importância fundamental para a elucidação de relações de poder (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. 1. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.). No caso de pessoas com deficiência, as relações de poder têm efeito, na maioria das vezes, nocivos porque as colocam em posição de subalternidade, tutela, invisibilidade e vulnerabilidade (SOARES, 2010SOARES, A.M. Nada sobre nós sem nós: formando jovens com deficiência para o exercício da autoadvocacia. 2010. 127f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2010.; FARIAS, 2011FARIAS, A.Q. Gênero e deficiência: vulnerabilidade feminina, ruptura e superação. 2011. 112f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2011.). Assim, ao introduzir o pesquisador na cultura, a técnica de sombreamento enriquece a experiência de coleta de dados porque revela relações, ambientes e situações opressoras (BARTON, 2009BARTON, L. Estudios sobre discapacidad y la búsqueda de la inclusividad. Observaciones. Revista de Educación, España, n. 349, p. 137-152, 2009. Disponível em: <http://www.revistaeducacion.mec.es/re349/re349_07.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2017.
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) que talvez permaneceriam camufladas nos resultados, caso adotássemos outros procedimentos, mais distantes da experiência empírica do participante.

Ainda, a inter-relação continuada no campo entre participante vivendo as experiências de sua vida regular e pesquisador participando dessas experiências fazem da pesquisa uma "prática social de [produção de] conhecimento, uma tarefa que se vai cumprindo em diálogo com o mundo e que é afinal fundada nas vicissitudes, nas opressões e nas lutas que o compõem e a nós, acomodados ou revoltados" (SANTOS, 1989, p. 13). Nesse sentido, o sombreamento, para além de um procedimento de coleta de dados, funciona como uma alavanca para a conscientização acerca das barreiras, por exemplo, no intercâmbio de informação, quando Bruno nos ensinou acerca dos entraves que necessita enfrentar para permanecer no curso e quando, ao ler o texto que elaboramos sobre a coleta de dados, ele admitiu surpresa ao se inteirar da sua própria resistência e isolamento diante das barreiras institucionais. O acesso a tal conhecimento pode propiciar a reflexão crítica e conscientização sobre as condições desiguais existentes e ensejar respostas de luta para a promoção de mudanças. Deste modo, com a identificação de barreiras na experiência do sombreamento, é possível posteriormente avançar no sentido de propor modificações (BARTON, 2009BARTON, L. Estudios sobre discapacidad y la búsqueda de la inclusividad. Observaciones. Revista de Educación, España, n. 349, p. 137-152, 2009. Disponível em: <http://www.revistaeducacion.mec.es/re349/re349_07.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2017.
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) na elaboração de recomendações, políticas, metas e ações pró-acessibilidade - conforme foi adotado nas recomendações finais da pesquisa de mestrado, na qual se baseou este artigo.

As cenas vivenciadas in lócus, como presenciado na experiência de Bruno, oferecem uma miríade de ricos detalhes, tais como diálogos informais, expressões faciais, posturas corporais e demonstrações de sentimentos, aspectos que enriquecem a compreensão da vivência multifacetada e a análise de situações que têm aparência de corriqueira e que por serem familiares, tornam-se comuns e invisíveis (WALDENFELS, 2004WALDENFELS, B. El poder de los acontecimientos. Azafea: Revista de Filosofía, Salamaca, v.6, n.5, p.139-151, 2004.). Viver a experiência junto com o participante implicou viver os detalhes da ocorrência e, consequentemente, permitiu analisar estes detalhes, que segundo Strauss e Corbin (2008, p. 93)STRAUSS, A.; CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da teoria fundamentada. Tradução: Luciane de Oliveira da Rocha. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. estimula o "processo indutivo" do pesquisador por meio da observação, da escuta e, sobretudo, da capacidade de desmistificação sobre o que se observa e ouve. De acordo com estes autores, as técnicas necessitam "[...] aumentar a sensibilidade e ajudar o pesquisador a reconhecer tendências e a superar bloqueios analíticos [...]" para que perceba os acontecimentos de maneira crítica e problematizadora e, portanto, evite que a ação investigativa "[...] passe por cima de 'diamantes brutos' e que os acontecimentos sejam visto como de costume (STRAUSS; CORBIN, 2008STRAUSS, A.; CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da teoria fundamentada. Tradução: Luciane de Oliveira da Rocha. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008., p. 93)".

O envolvimento do pesquisador com as experiências da pessoa com deficiência durante o sombreamento pode criar dilemas éticos porque a coleta de dados ocorre na vida real e, consequentemente, a violação dos direitos, a experiência de risco e as diversas barreiras provocam sentimentos controversos. Nesta investigação, em alguns momentos, optamos por intervir no ambiente - por exemplo, quando descrevemos o cardápio para Bruno no restaurante universitário. Estamos de acordo com Kincheloe e McLaren (2006)KINCHELOE, J.L.; MCLAREN, P. Repensando a teoria crítica e a pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K. Planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Tradução: Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, 2006. p.280-303. ao argumentarem que não há neutralidade do pesquisador na produção científica porque somos mobilizados por nossas lutas pessoais e nenhuma produção ou interpretação científica é pura, isenta de nossas percepções: não somos sujeitos imparciais e "[...] até mesmo os chamados textos objetivos da pesquisa qualitativa são interpretações, e não descrições livres de valores". (KINCHELOE; MCLAREN, 2006KINCHELOE, J.L.; MCLAREN, P. Repensando a teoria crítica e a pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K. Planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Tradução: Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, 2006. p.280-303., p.287).

Nessa direção, a ética na pesquisa com seres humanos, principalmente, com pessoas que fazem parte de grupos vulneráveis, constitui tema de valor e debate. De acordo com o Organização Mundial de Saúde (OMS, 2016OMS. Ethical standards and procedures for research with human beings. 2006. Disponível em: <http://www.who.int/ethics/research/en/>. Acesso em: 13 jul. 2016.
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, p.1), na investigação a ética deve "[...] governar os padrões para conduzir pesquisa científica ...[e] os princípios éticos [devem] proteger a dignidade, direitos e bem-estar dos participantes da pesquisa". Nesta linha, ao optar pelo uso da técnica de sombreamento alicerçada ao modelo social da deficiência (BARTON, 2009BARTON, L. Estudios sobre discapacidad y la búsqueda de la inclusividad. Observaciones. Revista de Educación, España, n. 349, p. 137-152, 2009. Disponível em: <http://www.revistaeducacion.mec.es/re349/re349_07.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2017.
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), o pesquisador conduz um estudo considerando o tratamento antidiscriminatório e respeitoso e vê a pessoa com deficiência como protagonista da experiência no campo. No nosso caso, percebemos que a convivência com Bruno e seu feedback durante e depois da coleta de dados diminuíram as fronteiras entre pesquisador e participante e contribuíram para criar um laço de confiança. Por exemplo, nos momentos em que o estudante sentiu-se seguro para compartilhar suas histórias na universidade (mesmo quando as pesquisadoras não o indagava) ou quando ele interviu com autonomia, ao acrescentar comentários e sugestões no texto com a apresentação dos dados do sombreamento, trazendo para nós novas dimensões de interpretação e reflexões importantes para nossa autoavaliação.

6 Conclusões

Os Estudos sobre a Deficiência assumem a centralidade das pessoas com deficiência na construção do conhecimento. Elas são as reais protagonistas das problemáticas que lhes dizem respeito. Este é um campo de estudo interdisciplinar que busca distanciamento da concepção incapacitante e fatalista da deficiência (OLIVER, 1983OLIVER, M. Social work with disabled people. 1983. Disponível em: <http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/723-116.pdf>. Acesso em: 20 out. 2013.
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) em prol da investigação social e emancipadora (MARTINS et al., 2012MARTINS, B.S.M. et al. A emancipação dos estudos da deficiência. Revista Crítica de Ciências Sociais. Brasil, v.9, n.1, 2012. Disponível em: <http://rccs.revues.org/5014; DOI : 10.4000/rccs.5014>. Acesso em: 03 set. 2016.
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). Alinhadas com esta perspectiva de investigação e comprometidas com o lema Nada sobre nós sem nós (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. 2006. Disponível em: <http://www.assinoinclusao.org.br/downloads/convencao.pdf>. Acesso em: 03 jul. 2011.
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), argumentamos neste artigo a necessidade de busca e adoção de estratégias de coleta de dados que favoreçam a experiência real, a participação direta e a expressão das vozes das pessoas com deficiência sejam na condição de participantes ou de investigadores.

Identificamos na técnica de sombreamento características fundamentais e, ao mesmo tempo inovadoras, para investigações comprometidas com o modelo social da deficiência, uma vez que está técnica produz dados a partir da interação com as pessoas com deficiência sobre suas experiências, vivências, conhecimentos e visões. No uso do sombreamento, as pessoas com deficiência têm o poder de decisão sobre o que é relevante em suas experiências através da participação direta no campo (parte de seu contexto cotidiano) e em termos dos dados produzidos pelos investigadores.

No âmbito da atuação do pesquisador, a técnica de sombreamento é conivente com a abordagem dos Estudos sobre a Deficiência porque enfoca a cultura, os lugares de discurso, as "interações verbais e não verbais" e o uso de "objetos, tecnologias e artefatos" (VEZELLOINI, 2012VERZELLONI, L. A Sombra do juiz: reflexões sobre a aplicação do shadowing para a análise empírica das atividades dos juízes. Tradução Enzo Bello. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2012. apud SILVA JUNIOR, s/dSILVA JUNIOR, A.N.S. Juízes leigos: um projeto e uma realidade no TJRJ1. Publica Direito. s/d. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c80bcf42c220b8f5>. Acesso em: 04 fev. 2015.
http://www.publicadireito.com.br/artigos...
, p.12) que constituem cenários da vida de pessoas com deficiência. Desta forma, esta técnica é um procedimento coleta de dado que transcende as narrativas descontextualizadas e os próprios pressupostos do pesquisador porque contrasta esses elementos com acontecimentos que ocorrem no 'aqui e agora'. Vale destacar que, nós pesquisadoras sem deficiência interpretamos a realidade a partir do nosso lugar de vivência, pelo prisma de nossas representações sociais, identidades e bagagens culturais e que, portanto, conviver com as pessoas com deficiência é a oportunidade de nos aproximarmos de suas vivências e ampliarmos nossas reflexões sobre os significados dessas experiências.

De maneira geral, o uso do sombreamento nesta investigação revelou que esta técnica é eficaz para (a) coletar dados sobre a qualidade acessibilidade; (b) emersão do pesquisador em micro-espaços para observar e acompanhar enredos, diferentes tipos de ambientes e interações cotidianas; (c) elaboração de recomendações, metas, ações e intervenção na realidade educacional pró-acessibilidade; (d) diminuir fronteiras entre pesquisador e participante por meio da convivência e do intercâmbio de experiência, criando laços de confiança e pode, ainda, provocar a conscientização dos sujeitos envolvidos acerca dos acontecimentos vivenciados; (e) propiciar a reflexão sobre o papel da pesquisa social e da ética na produção de dados com seres humanos e, sobretudo, (g) é uma técnica que está alinhada ao modelo social da deficiência, no qual a pessoa com deficiência tem voz e vez ao ser protagonista dos acontecimentos e narrativas que lhes dizem respeito e por isso tem o poder de decisão direto no momento da coleta de dados e no feedback final da pesquisa.

A eleição de objeto de estudo e procedimentos investigação nas Ciências Sociais e Humanas é um compromisso político que o pesquisador assume porque a produção do conhecimento durante o processo de coleta de dados e na publicação dos resultados influencia os sujeitos envolvidos e os leitores, uma vez que pode interferir em práticas ou nas diversas situações cotidianas. Os acadêmicos comprometidos com mudanças na cultura podem usar seu poder de voz e status profissional para qualificar os debates internos na escolha consciente de métodos, instrumentos e técnicas de pesquisas que contribuam para a desconstrução de padrões de análise e interpretação da realidade que representam grupos dominantes e mantêm hierarquias no discurso científico. Estes princípios éticos assumimos aqui ao publicar os resultados da nossa experiência com o uso da técnica de sombreamento e esperamos com este artigo motivar outros pesquisadores a utilizarem esta técnica, divulgarem suas experiências e aprofundarem as análises.

  • Este artigo é um recorte da dissertação de mestrado intitulada Acessibilidade, Barreiras e Superação: Estudo de Caso das Experiências de Estudantes com Deficiência na Educação Superior. Dissertação apresentada em julho de 2014 na Linha Estudos Culturais da Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba. Agencia Financiadora: CAPES
  • 4
    O levantamento da produção ocorreu entre 22 de novembro de 2015 a 17 de fevereiro de 2016 com objetivo de mapear as produções dos últimos cinco anos (2010-2015) no banco de dados da CAPES, CNPq e SciELO.
  • 5
    Só para ter uma ideia geral do crescimento da produção científica na área de Educação Especial e Educação Inclusiva, o VI CBEE que ocorreu em 2014 aprovou 866 trabalhos de pesquisas na área, sendo 534 na forma de comunicação oral e 332 apresentados em pôsteres. Acesso em: <http://2014.cbee-ufscar.com.br/>.
  • 6
    Informação verbal durante mesa-redonda no Congresso Brasileiro de Educação Especial, São Carlos, UFSCar, 2014.
  • 7
    O filósofo alemão Bernhard Waldenfels define intersubjetividade como o encontro de vários sujeitos em interações e interlocuções, nas quais conectam-se o discurso e a ação particular com o discurso e a ação do outro ('estranho') (WALDENFELS, 2004WALDENFELS, B. El poder de los acontecimientos. Azafea: Revista de Filosofía, Salamaca, v.6, n.5, p.139-151, 2004.).
  • 8
    Inserindo aí o conflito nietzschiano que assume a construção da realidade como parte de nossa vontade de verdade (NIETZSCHE, 2000NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos. Tradução de Marco Antonio Casa Nova. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2000.).
  • 9
    O sentido de cultura que adotamos aqui é abordagem desenvolvida no campo dos Estudos Culturais que (dentre as várias definições) a entendem como "um contestado e conflituoso conjunto de práticas de representação ligadas ao processo de composição e recomposição dos grupos sociais" (FROW, MORRIS, 1997) (...) práticas de representação [que] inventam sentidos que circulam e operam nas arenas culturais onde o significado é negociado e as hierarquias são estabelecidas". (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003COSTA, M.V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L.H. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n.23, p.36-61, 2003. Disponível em: <http://cev.org.br/biblioteca/revista-brasileira-educacao-anped-2003-n23/>. Acesso em: 21 mar. 2017.
    http://cev.org.br/biblioteca/revista-bra...
    , p.38).
  • 10
    Dados obtidos durante a entrevista com o participante.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2016
  • Revisado
    20 Mar 2017
  • Aceito
    30 Mar 2017
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