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Mudança na Destreza Manual do Aluno com Paralisia Cerebral Frente ao Mobiliário Escolar Adequado

RESUMO:

Uma postura sentada adequada, principalmente quando se trata de alunos com paralisia cerebral, parece favorecer uma melhora funcional de membros superiores e, consequentemente, uma melhora no desempenho motor durante as atividades escolares e na aprendizagem. Nesse contexto, este estudo teve como objetivo verificar a influência do mobiliário na destreza manual da criança com paralisia cerebral durante uma atividade de traçado. Participaram seis alunos com diagnóstico de paralisia cerebral. Para a coleta de dados, os participantes foram posicionados em mobiliário adaptado e realizaram uma atividade previamente elaborada de traçado. Essa atividade foi repetida 10 vezes em cada mobiliário utilizado: 1) no mobiliário sem adequação inicial (SAI); 2) no mobiliário com adequação (CA); e 3) novamente no mobiliário sem adequação final (SAF). A análise do traçado foi realizada por meio do programa MovAlyzeR 6.1. Para a análise dos dados, foi realizada a média do desempenho para cada variável em cada mobiliário utilizado. Em seguida, os dados foram tratados estatisticamente e analisadas as variáveis: pico de velocidade vertical, pico de aceleração vertical, jerk, stroke, tempo de execução da atividade, pressão da caneta no papel, erro linear e tamanho absoluto da atividade de traçado. Os resultados indicaram que todos os participantes apresentaram dificuldades na realização do traçado; no entanto, o mobiliário adequado às necessidades do usuário influenciou nas variáveis pico de velocidade vertical e tempo de execução da atividade. Conclui-se que o mobiliário adequado pode influenciar na destreza manual de alunos com paralisia cerebral.

PALAVRAS-CHAVE:
Paralisia cerebral; Tecnologia assistiva; Mobiliário

ABSTRACT:

A proper sitting posture, especially when it comes to students with cerebral palsy, seems to favor a functional improvement of upper limbs and, consequently, an improvement in motor performance during school activities and learning. In this context, the aim of this study was to verify the influence of furniture on the manual dexterity of the child with cerebral palsy during a tracing activity. Six students with a diagnosis of cerebral palsy participated in the study. For data collection the participants were positioned in adapted furniture and performed a previously elaborated tracing activity. This activity was repeated 10 times on each item of furniture used: 1) on furniture without initial adjustment (WIA); 2) on furniture with adjustment (WA); and 3) again on furniture without final adjustment (WFA). The tracing analysis was performed by using the MovAlyzeR 6.1 software. For the analysis of the data, the average of the performance for each variable in each item of furniture used was conducted. The data was then treated statistically and the variables analyzed: vertical velocity peak, vertical acceleration peak, jerk, stroke, activity execution time, pen pressure on paper, linear error and absolute size of the tracing activity. The results indicated that all participants presented difficulties in performing the tracing, however, the furniture adapted to the needs of the user influenced the variables vertical velocity peak and activity execution time. It is concluded that adequate furniture may influence the manual dexterity of students with cerebral palsy.

KEYWORDS:
Cerebral palsy; Assistive technology; Furniture

1 Introdução

Os alunos com paralisia cerebral (PC) apresentam alteração de tônus, de postura e a persistência de reflexos que resultam em dificuldades funcionais. A falta de controle postural pode ser considerada um dos fatores mais limitantes na PC, pois resulta na restrição da habilidade de alcance com os membros superiores, que, por sua vez, reduz a participação nas atividades da vida diária (Santamaria, Rachwani, Saavedra, & Woollacott, 2016Santamaria, V., Rachwani, J., Saavedra, S., & Woollacott, M. (2016). Effect of Segmental Trunk Support on Posture and Reaching in Children With Cerebral Palsy. Pediatric physical therapy : the official publication of the Section on Pediatrics of the American Physical Therapy Association, 28(3), 285-293.). Ações manuais e manipulação qualificadas envolvem uma combinação de alcançar, agarrar, transportar e soltar objetos, durante as tarefas realizadas no dia-a-dia (Coluccini, Maini, Martelloni, Sgandurra, & Cioni, 2007Coluccini, M., Maini, E. S., Martelloni, C., Sgandurra, G., & Cioni, G. (2007). Kinematic characterization of functional reach to grasp in normal and in motor disabled children. Gait & posture, 25(4), 493-501.; Klingels et al., 2010Klingels, K., Jaspers, E., Van de Winckel, A., De Cock, P., Molenaers, G., & Feys, H. (2010). A systematic review of arm activity measure for children with hemiplegic cerebral palsy. Clinical Rehabilitation, 24(1), 887-900.).

Tem sido identificado que crianças com PC, mesmo aquelas com diagnóstico de diparesia e hemiparesia, apresentam dificuldades bilaterais no uso de suas mãos com a prevalência de prejuízos na destreza dos dedos (Arnould, Penta, & Thonnard, 2007Arnould, C., Penta, M., & Thonnard, J. L. (2007). Hand impairments and their relationship with manual ability in children with cerebral palsy. Journal of Rehabilitation Medicine, 39(9), 708-714.).

A capacidade e o desempenho de indivíduos com paralisia cerebral podem ser alterados, dependendo da tarefa proposta. Caso a tarefa seja mais relevante ou importante para a criança com paralisia cerebral, o desempenho motor manual será mais preciso e menos variável (Volman, Wijnroks, & Vermeer, 2002Volman, M. J. M., Wijnroks, A. L., & Vermeer, A. (2002). Effect of task context on reaching performance in children with spastic hemiparesis. Clinical Rehabilitation, 16(6), 684-692.). A capacidade refere-se à aptidão de um indivíduo para executar uma tarefa ou uma ação. Indica o nível máximo provável de funcionalidade que a pessoa pode atingir para um dado domínio, em um dado momento. A qualidade do movimento (movimento ativo, fluência e acurácia), destreza e velocidade do movimento são componentes de capacidade. O desempenho descreve o que o indivíduo faz no seu ambiente de vida habitual. Como esse ambiente inclui um contexto social, o desempenho também pode ser entendido como envolvimento em uma situação de vida, ou a experiência das pessoas no contexto real em que vivem. Esse contexto inclui os fatores ambientais, em todos os aspectos do mundo físico, social e atitudinal (World Health Organization [WHO], 2003World Health Organization (2003). International classification of functioning, disability and health. ICF. Geneva: Who.).

Boyd, Morris e Graham (2001)Boyd, R. N., Morris, M. E., & Graham, H. K. (2001). Management of upper limb dysfunction in children with cerebral palsy: A systematic review. European Journal of Neurology, 8(1), 150-166. indicaram que o uso efetivo ou não dos membros superiores pode ter impacto sobre os resultados educacionais, a participação em atividades da vida diária e nas opções profissionais para indivíduos com paralisia cerebral. Atividades motoras relacionadas à escrita representam 30-60% do dia acadêmico para crianças em idade escolar. Embora muitas crianças com paralisia cerebral espástica, em idade escolar, tenham a capacidade de escrever, uma alta porcentagem delas tem dificuldade em acompanhar as demandas exigidas na escola (Cheng et al., 2013Cheng, H. Y. K., Lien, Y. J., Yu, Y. C., Pei, Y. C., Cheng, C. H., & Wu, D. B. (2013). The effect of lower body stabilization and different writing tools on writing biomechanics in children with cerebral palsy. Research in Developmental Disabilities, 34, 1152-1159.).

Segundo o relato de pais e professores de criancas com hemiparesia espástica, a escrita manual é uma atividade ocupacional importante para esses alunos. Contudo, os pais relataram que 75% das crianças têm dificuldades relacionadas à escrita, enquanto para os professores 69% dos alunos apresentam problemas. As dificuldade citadas pelos professores foram a habilidade de escrever a partir de ditado, e a capacidade em manter a velocidade durante longos períodos de tempo. Indicaram, também, que as crianças com hemiparesia a direita, os meninos e aqueles que tinham alterações associadas tiveram problemas mais generalizados. Os participantes do estudo relataram que seus filhos ou alunos apresentavam dificuldades para realizar a preensão do lápis, em manter a postura e a presença de dor durante as atividades. No entanto, apesar da alta prevalência de dificuldades de escrita, isso não é condizente com suas habilidades de leitura e ortografia, sugerindo que as habilidades de escrita não são um indicador de habilidade acadêmica (DuBois, Klemm, Murchland, & Ozols, 2004DuBois, L., Klemm, A., Murchland, S., & Ozols, A. (2004). Handwriting of children who have hemiplegia: A profile of abilities in children aged 8-13 years from a parent and teacher survey. Australian Occupational Therapy Journal, 51(2), 89-98.).

As crianças com paralisia cerebral, do tipo quadriparesia, necessitam um tempo maior para executar a atividade de desenhar, além de fazerem uma maior pressão na caneta, quando comparadas com crianças sem alterações motoras (Van Roon, Steenbergen, & Meulenbroek, 2005Van Roon, D., Steenbergen, B., & Meulenbroek, R. G. J. (2005). Movement-accuracy control in tetraparetic cerebral palsy: Effects of removing visual information of the moving limb. Motor Control, 9(4), 372-394.).

Os indivíduos com dificuldades motoras têm maior variabilidade na pressão da caneta sobre a mesa e podem apresentar melhora da fluência, na escrita, com a prática. No entanto, parece não haver indicativo de que a prática possa provocar uma grande mudança no erro espacial e na velocidade média de execução (Gimenez, 2006Gimenez, R. (2006). Aquisição de ações motoras em crianças com dificuldades motoras (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

As restrições na escrita manual, apresentadas por crianças com PC, são devido às dificuldades de coordenação motora e controle postural decorrentes de danos do sistema nervoso central e a persistência de movimentos involuntários (Kim, 2016Kim, H. Y. (2016). An investigation of the factors affecting handwriting articulation of school aged children with cerebral palsy based on the international classification of functioning , disability and health. The Journal of Physical Therapy Science, 28, 347-350.).

Crianças com paralisia cerebral geralmente apresentam instabilidade na postura sentada, e a manutenção da estabilidade postural é essencial para a realização da maioria dos atos motores, principalmente de membros superiores. Portanto, é fundamental entender os parâmetros associados à instabilidade postural de crianças com paralisia cerebral (Lacoste, Therrien, & Prince, 2009Lacoste, M., Therrien, M., & Prince, F. (2009). Stability of children with cerebral palsy in their wheelchair seating: Perceptions of parents and therapists. Disability & Rehabilitation: Assistive Technology, 4(3), 143-150.). Um controle postural eficiente pode ser favorecido por mobiliário adequado que promova a estabilidade e facilite o controle de movimentos de membros superiores (Braccialli, Sankako, Braccialli, Oliveira, & Lucareli, 2011Braccialli, L. M. P., Sankako, A. N., Braccialli, A. C., Oliveira, F. T., & Lucareli, P. R. (2011). The influence of the flexibility of the chair seat on pressure peak and distribution of the contact area in individuals with cerebral palsy during the execution of a task. Disability & Rehabilitation: Assistive Technology, 6(4), 331-337.; Cheng et al., 2013Cheng, H. Y. K., Lien, Y. J., Yu, Y. C., Pei, Y. C., Cheng, C. H., & Wu, D. B. (2013). The effect of lower body stabilization and different writing tools on writing biomechanics in children with cerebral palsy. Research in Developmental Disabilities, 34, 1152-1159.). Dessa forma, pretende-se, neste estudo, verificar a influência do mobiliário na destreza manual da criança com paralisia cerebral, durante uma atividade de traçado.

2 Método

Este estudo configurou-se como quase-experimental, que, segundo Portney e Watkins (2008)Portney, L. G., & Watkins, M. P. (2008). Foundations of Clinical Research: Applications to Practice (3rd ed.). New Jersey: Prentice Hall., é um desenho de pesquisa adequado para grupos heterogêneos, no qual a amostra pode ser selecionada por conveniência e que não há necessidade de grupo controle.

2.1 Procedimentos éticos

O projeto foi aprovado sob o Parecer Nº 0454/2009 no Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP - Marília.

2.2 Participantes

Uma amostra de conveniência composta por seis alunos com paralisia cerebral espástica, com idade entre sete e quatorze anos de idade, sendo um do gênero feminino e cinco do gênero masculino (Quadro 1). Adotou-se como critérios de inclusão: ter diagnóstico de paralisia cerebral espástica, estar matriculado no Ensino Fundamental, conseguir realizar a atividade do traçado e compreender ordens simples. Foram excluídos do estudo aqueles alunos com paralisia cerebral que tinham outras alterações associadas: baixa visão, cegueira, alterações de percepção visual e auditiva, déficit intelectual que interferisse na compreensão das tarefas. Os responsáveis legais assinaram o Termo de Consentimento Esclarecido e os participantes concordaram verbalmente em participar do estudo após a leitura do Termo de Assentimento.

Quadro 1
Caracterização dos participantes do estudo quanto à idade, ao gênero, à distribuição topográfica da paralisia cerebral, ao grau no Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS), ao nível no Sistema de Classificação da Habilidade Manual (MACS) e seriação

2.3 Local

O estudo foi realizado no Laboratório de Análise do Desempenho Motor (LADEMO), localizado na Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp de Marília-SP.

2.4 Procedimentos de coleta de dados

A princípio foi feito contato com as secretárias Estadual e Municipal de ensino para solicitar a autorização para realização do estudo e identificar os alunos com diagnóstico de paralisia cerebral que atendiam aos critérios de inclusão do estudo.

Após a identificação das crianças com diagnóstico de paralisia cerebral matriculadas no Ensino Fundamental, foi realizada uma visita à escola para avaliar se eles atendiam aos demais critérios de inclusão do estudo. Durante a visita no ambiente escolar, foram realizadas as seguintes atividades com os alunos com diagnóstico de paralisia cerebral: 1) avaliação e classificação das habilidades motoras grossas por meio da GMFCS e das habilidades manuais com a MACS; 2) verificação de poder realizar a atividade de traçado e se compreendiam ordens simples.

Para aqueles que correspondiam aos critérios de inclusão, foram realizadas reuniões com os responsáveis legais para explicar o objetivo do estudo e solicitar autorização para a participação. Após a assinatura do Termo de Consentimento e a concordância dos alunos, a pesquisadora realizou uma segunda visita à escola para analisar os mobiliários utilizados durante as atividades no ambiente escolar e para realizar as medidas antropométricas dos participantes. Nessa etapa, foi diagnosticado que os mobiliários utilizados pelos alunos com PC não estavam adequados às necessidades antropométricas e obtido os parâmetros para realizar as adaptações e os ajustes do mobiliário para a coleta de dados no laboratório.

No dia marcado para a coleta individual, o laboratório foi preparado previamente, em relação aos mobiliários, aos equipamentos e às atividades que seriam realizadas.

2.5 Ambiente experimental

Para a coleta de dados, foi analisado o desempenho de cada participante com dois mobiliários diferentes, no mobiliário utilizado rotineiramente pelo participante e em um mobiliário adequado às medidas antropométricas. O mobiliário usado para a coleta de cada participante era ajustado às medidas antropométricas e, sobre a mesa com recorte em semicírculo, era posicionada uma mesa digitalizadora conectada a um computador. O participante era posicionado de forma que ficasse de costas para o computador durante a coleta a fim de que sua atenção não fosse desviada.

A mesa digitalizadora utilizada era da marca Wacom, Intuos3, modelo PTZ-930, com altura total de 25,5 centímetros (cm) e comprimento total de 34 cm, com área para escrita de 16,1 cm de altura e 21 cm de comprimento, referente à folha A4, normal (Figura 1). Esse tipo de mesa digitalizadora tem sido considerado um instrumento com parâmetros objetivos para a avaliação dos movimentos dos dedos e da legibilidade da escrita (Yu, Gemmert, & Chang, 2017Yu, N.-Y., Van Gemmert, A. W. A., & Chang, S.-H. (2017). Characterization of graphomotor functions in individuals with Parkinson's disease and essential tremor. Behavior Research Methods, 49(3), 913-922.; Caligiuri, Teulings, Dean, & Lohr, 2015Caligiuri, M. P., Teulings, H. L., Dean, C. E., & Lohr, J. B. (2015). A quantitative measure of handwriting disfluency for assessing tardive dyskinesia. Journal of Clinical Psychopharmacology, 35(2), 167-174.; Piovezanni, Rocha, & Braccialli, 2014Piovezanni, M. A. T., Rocha, A. N. D. C., & Braccialli, L. M. P. (2014). Eficácia de mobiliário escolar adaptado de baixo custo no desempenho funcional de criança com paralisia cerebral. Revista Educação Especial, 27(49), 485-498.; Van Roon et al., 2005Van Roon, D., Steenbergen, B., & Meulenbroek, R. G. J. (2005). Movement-accuracy control in tetraparetic cerebral palsy: Effects of removing visual information of the moving limb. Motor Control, 9(4), 372-394.). Ela foi configurada segundo as normas do fabricante, para que o computador pudesse registrar os dados de pressão da caneta, mesmo se a criança tivesse dificuldade na força de pressão na caneta. Foi utilizada uma caneta Ink Pen com tinta com a sensibilidade da caneta configurada no programa da mesa digitalizadora instalado no computador (Figura 1). Os dados eram captados e registrados no computador por meio do software MovAlyseR.

Figura 1
Mesa digitalizadora e caneta Ink Pen com tinta

Sobre a mesa digitalizadora foi fixada uma folha de sulfite A4 que tinha impressa uma atividade de traçado (Figura 2).

Figura 2
Atividade de traçado que os participantes realizaram para o estudo

2.6 Situação experimental

Ao chegar ao laboratório, o participante era orientado sobre a atividade que seria realizada, em seguida era posicionado em seu mobiliário de uso rotineiro. A seguir era orientado a realizar a atividade de traçado que consistia em seguir os pontilhados no sentido das flechas. Essa atividade era realizada duas vezes em uma folha de papel, antes de começar a ser gravada no computador.

Para a coleta de dados de cada participante, o software MovAlyseR era configurado e entre uma atividade e outra era programado um intervalo de cerca de 15 segundos. Um auxiliar de pesquisa monitorava o software durante a coleta, caso houvesse algum erro era marcada uma nova sessão de coleta para aquele participante.

Durante todo o tempo da coleta, a pesquisadora permaneceu à frente do participante, a fim de fornecer as informações necessárias para a execução da atividade. Os participantes realizaram as atividades no mobiliário que rotineiramente usavam no ambiente escolar (SAI), em seguida em um mobiliário adequado às suas necessidades (CA) e novamente no mobiliário sem adaptação (SAF). Os participantes realizaram as atividades de traçado 10 vezes no mobiliário usado na escola; em seguida, 10 vezes no mobiliário adequado às suas necessidades; e, depois, novamente, 10 vezes no mobiliário da escola. A coleta de dados com medidas repetidas permite avaliar se houve mudanças nas respostas durante a coleta de dados. Optou-se por trabalhar com a média do desempenho, pois isso pode minimizar diferenças devido a fatores externos que não foram controlados.

2.7 Procedimentos para análise de dados

Para a análise dos dados, foi realizada a média do desempenho das dez atividades realizadas para cada variável estudada em cada mobiliário. Para a análise da destreza manual, foram examinadas as seguintes variáveis:

  • Tempo: o tempo gasto para o participante realizar a tarefa, compreendido entre o primeiro toque da ponta da caneta na mesa até sua suspensão final - é o tempo de execução (Calvo, 2007Calvo, A. P. (2007). A Produção gráfica e escrita: Focalizando a variação da produção de força (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil.).

  • Pico de velocidade vertical: A velocidade indica a capacidade de deslocar a caneta no espaço-tempo. Em virtude da característica balística da escrita, deslocamentos rápidos da caneta são importantes para uma escrita proficiente (Calvo, 2007Calvo, A. P. (2007). A Produção gráfica e escrita: Focalizando a variação da produção de força (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil.). Portanto, o pico da velocidade vertical é o valor máximo da velocidade vertical (Caligiuri, Teulings, Dean, Niculescu, & Lohr, 2011Caligiuri, M. P., Teulings, H. L., Dean, C. E., Niculescu, A. B., & Lohr, J. B. (2011). Handwriting movement kinematics for quantifying extrapyramidal side effects in patients treated with atypical antipsychotics. Psychiatry Research, 177(1), 77-83.).

  • Pico de aceleração vertical: pico de aceleração indica a capacidade do indivíduo em mudar a velocidade do movimento da caneta. Os picos de aceleração são os maiores valores absolutos de aceleração dentro do segmento. Como um segmento é formado por pontos nos quais a velocidade vertical atravessa o zero, o ideal seria que o número de picos de aceleração fosse igual ao dobro do número de segmentos. Isso significa que, quanto mais próximo desse valor, mais fluente é o traçado (Calvo, 2007Calvo, A. P. (2007). A Produção gráfica e escrita: Focalizando a variação da produção de força (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil.).

  • Jerk normalizado: pode ser considerada uma variável da aceleração em relação ao tempo, que é analisada em todo deslocamento. Para Caligiuri et al. (2011)Caligiuri, M. P., Teulings, H. L., Dean, C. E., Niculescu, A. B., & Lohr, J. B. (2011). Handwriting movement kinematics for quantifying extrapyramidal side effects in patients treated with atypical antipsychotics. Psychiatry Research, 177(1), 77-83., o jerk normalizado é uma medida de disfluência no movimento da caneta, é a terceira derivada de tempo no deslocamento. Ele pode ser calculado por tempo e duração de cada stroke (Codogno, 2011Codogno, F. T. (2011). Influência do mobiliário na coordenação motora fina e no controle postural de alunos com paralisia cerebral (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, SP, Brasil.). Outros autores estudam a disfluência pelas trocas na direção da velocidade e da aceleração, o que pode significar também a automação da escrita.

  • Strokes: podem ser definidos como os segmentos em que um indivíduo fragmenta um padrão gráfico. A separação entre os strokes de uma reprodução gráfica seria feita a partir de inflexões na velocidade de execução. Os strokes emergem por meio de diferentes subsistemas de trabalhos neuromusculares que controlam a flexão e a extensão (Codogno, 2011Codogno, F. T. (2011). Influência do mobiliário na coordenação motora fina e no controle postural de alunos com paralisia cerebral (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, SP, Brasil.). Outros autores definem o stroke como um meio ciclo de um movimento contínuo, definido por dois pontos sequenciais extremos (máximo/mínimo) da posição da curva. Esses pontos correspondem a trocas na direção e ao ponto de velocidade zero (Tindle & Longstaff, 2016Tindle, R., & Longstaff, M. G. (2016). Fine motor movements while drawing during the encoding phase of a serial verbal recall task reduce working memory performance. Acta Psychologica, 164, 96-102.). O número de strokes pode ser usado como um indicativo da formação de representação para a escrita cursiva ou mesmo de estabilidade do padrão gráfico.

  • Pressão da caneta na mesa: pressão é igual à força exercida com a ponta da caneta sobre a mesa, durante a produção dos traçados (Calvo, 2007Calvo, A. P. (2007). A Produção gráfica e escrita: Focalizando a variação da produção de força (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil.).

  • Erro linear: é também chamado de desvio-padrão de uma linha reta. O erro linear é calculado pelo comprimento de uma linha reta em centímetros. O erro linear espacial é calculado pela diferença de tamanho linear em centímetros entre a figura modelo e o desenho real realizado (Gimenez, Santos, Ojeda, Makida-Dionísio, & Manoel, 2016Gimenez, R., Santos, R. do N., Ojeda, V. V., Makida-Dionísio, C., & Manoel, E. de J. (2016). The role of school desk on the learning of graphic skills in early childhood education in Brazil. SpringerPlus, v. 5, n. 1, p. 1-8, 2016.). É como colocar o desenho ou atividade sobre uma linha reta e calcular os erros, ou seja, as partes que sobressaem dessa linha reta (Codogno, 2011Codogno, F. T. (2011). Influência do mobiliário na coordenação motora fina e no controle postural de alunos com paralisia cerebral (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, SP, Brasil.).

  • Tamanho absoluto: soma do tamanho de todos os segmentos de um padrão gráfico, calculados pelos tamanhos horizontais e verticais (Neuroscript, 2010Neuroscript (2010). MovAlyzer Tutorial. Recuperado em 10 de junho de 2018 de www.neuroscript.net/tutorial.
    www.neuroscript.net/tutorial...
    ).

2.8 Tratamento estatístico

Foi realizada análise estatística com testes específicos, para verificar a eficiência das atividades em cada mobiliário. Previamente fez-se a análise por meio do teste de normalidade de Shapiro Wilk e a comparação entre os momentos, Sem adequação Inicial (SAI), Com Adequação (CA) e Sem Adequação Final (SAF), para cada variável estudada foi feita por meio da análise de variância não paramétrica de Friedman. Quando houve diferença significante, procedeu-se à comparação de dois a dois; por meio do Teste de Comparação Múltipla de Dunn. Adotou-se como nível de significância p ≤ 0,05.

3 Resultados

Na Tabela 1, são apresentados os valores referentes ao Pico de Velocidade Vertical (VEL) (em cm/s) nos diferentes momentos de avaliação: com o mobiliário sem adequação inicial (SAI), com adequação (CA) e sem adequação final (SAF). A análise por meio do Teste de Friedman indicou haver diferença significante (p=0.0081) entre as avaliações.

Tabela 1
Dados referentes à variável Pico da Velocidade Vertical (em cm/s) nos diferentes momentos de execução da atividade

A análise por pares por meio do Teste de Comparação Múltipla de Dunn's indicou diferença significante para a comparação entre o momento sem adequação inicial (SAI) e com adaptação (CA) e para os momentos sem adequação inicial (SAI) e sem adequação final (SAF) (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação do Pico da velocidade vertical por meio do Teste de Comparação Múltipla de Dunn's

A Tabela 3 mostra as características descritivas do Pico de Aceleração Vertical (ACEL). A análise por meio do Teste de Friedman não indicou diferença significante (p= 0.2522).

Tabela 3
Dados da variável Pico da aceleração vertical (em cm/s2) nos diferentes momentos de execução da atividade

Na Tabela 4, são apresentados os resultados referentes ao desempenho dos participantes para a variável Stroke para as atividades propostas nos momentos Sem Adequação Inicial (SAI), Com Adequação (CA) e Sem Adequação Final (SAF). A análise estatística indicou que não houve diferença significante (p=0.1188).

Tabela 4
Stroke (em unidades), significância estatística e comentários

Em relação ao Tempo (TEM) dispendido pelos participantes para a execução das atividades nos diferentes momentos, Sem Adequação Inicial (SAI), Com Adequação (CA) e Sem Adequação Final (SAF), os dados indicaram diferença significante (Tabela 5).

Tabela 5
Estatística para a variável Tempo (s) nos diferentes momentos de execução da atividade

A análise por pares por meio do Teste de Comparação Múltipla de Dunn's indicou diferença significante para a comparação entre o momento Sem Adequação Inicial (SAI) e Com Adequação (CA) (Tabela 6).

Tabela 6
Comparação da variável Tempo (em s) nos diferentes momentos de execução da atividade por meio do Teste de Dunn

Na Tabela 7, são apresentados os dados para a variável Jerk normalizado (JERK) durante a realização das atividades nos diferentes momentos Sem Adequação Inicial (SAI), Com Adequação (CA) e Sem Adequação Final (SAF). A análise por meio do Teste de Friedman mostrou não haver diferença significante (p= 0.2522).

Tabela 7
Dados da variável Jerk (em cm/s3) nos diferentes momentos de realização da atividade

Em relação à variável Erro linear (ERRO), observou-se não haver diferença estatística (p= 0.8102) nos diferentes momentos, Sem Adequação Inicial (SAI), Com Adequação (CA) e Sem Adequação Final (SAF), da realização da atividade (Tabela 8).

Tabela 8
Dados da variável Erro linear (em cm) nos diferentes momentos de realização da atividade

Para a variável Pressão da Caneta no papel (PRES), não houve diferença significante (p=0.5705) para a realização da atividade nos diferentes momentos, Sem Adequação Inicial (SAI), Com Adequação (CA) e Sem Adequação Final (SAF) (Tabela 9).

Tabela 9
Dados da variável Pressão da caneta no papel (em N) nos diferentes momentos de realização da atividade

Os dados mostraram que não existiu diferença significante (p=0.9563) para a variável Tamanho Absoluto (TAB) nos diferentes momentos, Sem Adequação Inicial (SAI), Com Adequação (CA) e Sem Adequação Final (SAF), durante a realização da atividade (Tabela 10).

Tabela 10
Dados da variável Tamanho absoluto (em cm) nos diferentes momentos de realização da atividade

4 Discussão

Os alunos com paralisia cerebral possuem dificuldades em realizar movimentos que dependem de precisão de membros superiores (Van Roon et al., 2005Van Roon, D., Steenbergen, B., & Meulenbroek, R. G. J. (2005). Movement-accuracy control in tetraparetic cerebral palsy: Effects of removing visual information of the moving limb. Motor Control, 9(4), 372-394.), o que justifica as dificuldades que os participantes do estudo apresentaram para a realização do traçado proposto neste trabalho.

Os dados indicaram diferença significante no tempo de execução de atividade e no Pico da Velocidade Vertical quando os participantes utilizaram mobiliário adequado às suas medidas antropométricas, porém não houve diferença significante no desempenho em relação à aceleração vertical. O uso de uma mesa com 20º de inclinação tem se mostrado eficiente nos parâmetros de velocidade e tamanho de caligrafia de crianças com PC e na velocidade para crianças saudáveis, pois esse mobiliário pode oferecer uma melhor organização visomotora (Kavak, & Bumin, 2009Kavak, S. T., & Bumin, G. (2009). The effects of pencil grip posture and different desk designs on handwriting performance in children with hemiplegic cerebral palsy. Jornal de Pediatria, 85(4), 346-352.).

O aumento da velocidade na escrita ou no desenho significa melhora ou automatismo do ato motor; entretanto, não significa melhora da fluência, porque o aluno pode automatizar sua escrita e piorar na legibilidade (Gimenez, 2006Gimenez, R. (2006). Aquisição de ações motoras em crianças com dificuldades motoras (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Estudo realizado com crianças com paralisia cerebral hemipareticas indicou que a velocidade da caligrafia foi semelhante à dos pares sem deficiência, porém com uma pior legibilidade (Kavak, & Eliasson, 2011Kavak, S. T., & Eliasson, A. C. (2011). Development of handwriting skill in children with unilateral cerebral palsy (CP). Disability and Rehabilitation, 33(21-22), 2084-2091.). O desvio lateral do punho, associado à diminuição da força muscular e da velocidade das extremidades superiores, parece ter um grande impacto na escrita, uma vez que os músculos do punho estabilizam e impedem movimentos indesejados, e permitem que os músculos do dedo mantenham um comprimento adequado favorável para produzir a tensão e a preensão durante a atividade de escrita (Kim, 2016Kim, H. Y. (2016). An investigation of the factors affecting handwriting articulation of school aged children with cerebral palsy based on the international classification of functioning , disability and health. The Journal of Physical Therapy Science, 28, 347-350.).

A aceleração é uma medida da taxa máxima de mudança da velocidade (Johnson et al., 2010Johnson, K. A., Dáihbis, A., Tobin, C. T., Acheson, R., Watchorn, A., Mulligan, A, ... . RobertsonI. H. (2010). Rightsided spatial difficulties in ADHD demonstrated in continuous movement control. Neuropsychologia, 48, 1255-1264.); aponta a capacidade do indivíduo em mudar a velocidade do movimento da caneta (Calvo, 2007Calvo, A. P. (2007). A Produção gráfica e escrita: Focalizando a variação da produção de força (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil.). Nesse sentido, Van Roon et al. (2005)Van Roon, D., Steenbergen, B., & Meulenbroek, R. G. J. (2005). Movement-accuracy control in tetraparetic cerebral palsy: Effects of removing visual information of the moving limb. Motor Control, 9(4), 372-394. verificaram, em seu estudo, que, sem o feedback visual, as crianças com paralisia cerebral diminuíam a aceleração e aumentavam o tempo de execução da tarefa. Por conseguinte, a adequação do mobiliário auxilia na coordenação óculo-manual, o que irá facilitar no aumento da aceleração, diminuição no tempo de execução e, em decorrência, na melhora do desempenho motor da atividade. Para Calvo (2007)Calvo, A. P. (2007). A Produção gráfica e escrita: Focalizando a variação da produção de força (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil., a prática da coordenação motora fina influencia na velocidade, na aceleração e na fluência de atividades manuais como a escrita, por exemplo. Assim, não há somente a influência do mobiliário na execução das atividades, mas a prática motora, a aprendizagem também interfere na destreza manual de alunos com PC.

O ideal seria que, assim como a velocidade, a aceleração também aumentasse, quando os participantes estivessem na cadeira com adequações. Com o aumento da aceleração e da velocidade, os alunos realizariam as atividades propostas em um menor tempo e, portanto, melhorariam seu desempenho motor.

Os resultados da variável stroke demonstraram que não houve diferença significante independentemente da adequação do mobiliário utilizado. O stroke é uma medida que indica fluência na escrita, de maneira que, quanto mais strokes na atividade, menor é a fluência. Quando há pouca fluência, a qualidade do desenho ou da escrita fica comprometida (Calvo, 2007Calvo, A. P. (2007). A Produção gráfica e escrita: Focalizando a variação da produção de força (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil.). Em estudo realizado por Almeida, Codogno, Braccialli e Tibério (2015)Almeida, V. S., Codogno, F. T. de O., Braccialli, L. M. P., & Tibério, R. de. C. A. (2015). Comparação do desempenho motor de crianças com transtorno de aprendizagem e desenvolvimento típico. Revista Iberoamericana de Educación, 69(1), 133-146., crianças com desenvolvimento típico apresentaram um desempenho muito superior no que se refere à variável stroke em atividade gráfica similar a utilizada nesse estudo por crianças com paralisia cerebral. Um número de strokes maior, durante as atividades gráficas, pode ser justificado devido ao pobre controle de movimento e coordenação de membros superiores das crianças com paralisia cerebral (Volman, 2005Volman, M. J. M. (2005). Spatial coupling in children with hemiplegic cerebral palsy during bimanual circle and line drawing. Motor Control, 9(4), 395-416.).

Para variável jerk, não foi observada significância estatística nos diferentes momentos avaliados. A variável jerk indica a disfluência na coordenação motora fina, ou seja, a quantidade de tremor durante a atividade realizada (Caligiuri et al., 2011Caligiuri, M. P., Teulings, H. L., Dean, C. E., Niculescu, A. B., & Lohr, J. B. (2011). Handwriting movement kinematics for quantifying extrapyramidal side effects in patients treated with atypical antipsychotics. Psychiatry Research, 177(1), 77-83.). Alguns autores relataram que movimentos mais lentos tendem a ser mais disfluentes, por conseguinte, o valor do jerk tende a ser mais alto (Tindle, & Longstaff, 2016Tindle, R., & Longstaff, M. G. (2016). Fine motor movements while drawing during the encoding phase of a serial verbal recall task reduce working memory performance. Acta Psychologica, 164, 96-102.). Os participantes do estudo devido ao quadro decorrente da paralisia cerebral têm uma tendência para realizarem movimentos mais lentos com os membros superiores independentemente do mobiliário usado, tendendo a serem mais disfluentes. No estudo de Teulings e Romero (2003)Teulings, H. L., & Romero, D. H. (2003). Submovement analysis in learning cursive handwriting or block print. In H. L. Teulings, & A. W. A. Van Gemmert (Eds.). Proceedings of the 11th Conference of the International Graphonomics Society (IGS2003) (pp. 107-110), Scottsdale, United States, 11., o jerk aumentou de acordo com as atividades realizadas, quanto mais curvas e complexas as atividades, os indivíduos apresentaram maior valor do jerk. Assim, neste trabalho, os alunos realizaram uma atividade de curvas, o que corrobora os achados dos referidos autores.

Neste trabalho, foi verificado que não houve diferenças significativas no erro linear de acordo com os momentos SAI, CA e SAF. O Erro linear é o desvio-padrão de uma linha reta; é como esticar o desenho e verificar o que ficou fora da linha reta, ou seja, os erros. Em estudo realizado por Gimenez (2006)Gimenez, R. (2006). Aquisição de ações motoras em crianças com dificuldades motoras (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., não houve igualmente diminuição do erro linear, ao longo dos blocos de tentativas realizadas por crianças com dificuldades motoras. Porém, houve uma discreta tendência de aumento desse erro, dos blocos iniciais para os finais, ou seja, o autor inferiu que, diante de uma quantidade de prática maior, as crianças erraram mais as dimensões da figura proposta. Com a utilização do mobiliário adequado, era esperado que o erro linear diminuísse, pois se melhora o alinhamento postural e, em decorrência, a funcionalidade de membros superiores.

Para as variáveis pressão da caneta no papel e tamanho absoluto da figura, não se verificou diferença significante entre os momentos avaliados, assim, o mobiliário parece não ter influenciado no desempenho. No estudo de Gimenez (2006)Gimenez, R. (2006). Aquisição de ações motoras em crianças com dificuldades motoras (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., os participantes mantiveram os níveis médios de pressão da caneta sobre a mesa, ao longo das tentativas. No estudo de Van Roon et al. (2005)Van Roon, D., Steenbergen, B., & Meulenbroek, R. G. J. (2005). Movement-accuracy control in tetraparetic cerebral palsy: Effects of removing visual information of the moving limb. Motor Control, 9(4), 372-394., os alunos com PC também mantiveram os níveis de pressão, mesmo sem olhar o membro que estava realizando a atividade. Entretanto, quanto maior a pressão, maior é o desgaste físico do aluno ao realizar a atividade de traçado, pois exige maior coordenação e dissociação de dedos. Nesse sentido, Gordon, Charles e Duff (1999)Gordon, A. M., Charles, J., & Duff, S. V. (1999). Fingertip forces during object manipulation in children with hemiplegic cerebral palsy II: Bilateral coordination. Developmental Medicine and Child Neurology, (41), 176-185. observaram que ocorre uma perda do controle antecipatório da força, em crianças com paralisia cerebral, nos membros que estão comprometidos. Os autores relatam que isso se dá, provavelmente, pela disfunção sensorial e perceptual dessas crianças.

Crianças com paralisia cerebral possuem déficit na coordenação e dificuldades tanto para iniciar quanto para parar um movimento (Ricken, Bennett, & Savelsbergh, 2005Ricken, A. X. C., Bennett, S. J., & Savelsbergh, G. J. P. (2005). Coordination of reaching in children with spastic hemiparetic cerebral palsy under different task demands. Motor Control, 9, 357-371.), o que justifica o tamanho do traçado ter-se alterado, nos três momentos SAI, CA e SAF. No entanto, os resultados aqui encontrados não invalidam o uso da cadeira adequada por alunos com PC, que deve fornecer segurança, conforto, estabilidade, contribuindo para melhorar o desempenho de membros superiores para realização de atividades, escolares ou não. Para Calvo (2007)Calvo, A. P. (2007). A Produção gráfica e escrita: Focalizando a variação da produção de força (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil., o tamanho da escrita ou do desenho varia conforme o aumento da força de dedos em crianças com dificuldades motoras. A estabilização adequada dos membros inferiores por meio do uso de um mobiliário adequado associado ao uso de um lápis com uma largura adequada melhora a inclinação do tronco, da cabeça, do ombro e o foco visual durante a escrita manual. Embora esses fatores sejam benéficos para a postura corporal, eles não alteraram o esforço muscular da extremidade superior para um nível estatisticamente significativo (Cheng et al., 2013Cheng, H. Y. K., Lien, Y. J., Yu, Y. C., Pei, Y. C., Cheng, C. H., & Wu, D. B. (2013). The effect of lower body stabilization and different writing tools on writing biomechanics in children with cerebral palsy. Research in Developmental Disabilities, 34, 1152-1159.).

O mobiliário adequado deve ser preconizado para melhora do desempenho manual dessa população com PC, mesmo que os resultados encontrados nesse estudo não tenham mostrado diferença significante em algumas variáveis, haja vista que a postura sentada adequada favorece o controle postural, a estabilização postural permite a normalização do tônus e a acomodação e, também, aumenta o potencial do indivíduo (Braccialli, Oliveira, Braccialli, & Sankako, 2008Braccialli, L. M. P., Oliveira, F. T. de, Braccialli, A. C., & Sankako, A. N. (2008). Influência do assento da cadeira adaptada na execução de uma tarefa de manuseio. Revista Brasileira de Educação Especial, Bauru, 14, 141-154.).

De acordo com Araújo (2003)Araújo, R. M. E. (2003). Mobiliário escolar acessível e tecnologia apropriada: Uma contribuição para o ensino inclusivo. In Banco Mundial, & Secretaria de Educação do Rio de Janeiro (Eds.), Educação Inclusiva no Brasil: Diagnóstico atual e desafios para o futuro (pp. 1-25). Rio de Janeiro: Rede SACI., o mobiliário, assim como o material pedagógico, é apontado como fundamental para viabilizar a presença do aluno na escola e na sala de aula. Quando se trata de aluno com deficiência, esse fator é de significativa importância, já que, por apresentarem algumas limitações, tais estudantes têm sua autonomia auxiliada pelos equipamentos e objetos disponíveis a seu uso.

Uma boa destreza manual é importante para o desempenho nas atividades escolares. Como foi observado nos resultados, não somente o mobiliário adequado é importante, mas também é preciso conhecer o grau de comprometimento do aluno e o grau de complexidade da atividade que se pretende utilizar. Todos esses itens precisam ser muito bem avaliados, para que o aluno com paralisia cerebral consiga obter o seu máximo de desempenho motor com o mínimo de fadiga possível, durante as atividades escolares.

Deve-se considerar as limitações do estudo, no que se refere ao tamanho da amostra e a heterogeneidade em relação às habilidades motoras manuais. Existe a necessidade de realizar novos estudos para verificar como a habilidade manual e viso motora podem interferir no desempenho e relacionar com o tipo de mobiliário utilizado.

5 Conclusão

O mobiliário adequado ao usuário influenciou no tempo de execução da tarefa e no pico da aceleração vertical, porém não foi significante para as demais variáveis estudadas.

Existe evidências que o mobiliário adequado ao aluno com paralisia cerebral favorece o controle visomotor e tem impacto positivo no desempenho durante atividades escolares. Assim, a escola deve se preocupar em disponibilizar mobiliário escolar adequado às necessidades individuais do aluno com paralisia cerebral a fim de facilitar a realização de atividades nesse ambiente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2018
  • Revisado
    16 Maio 2018
  • Aceito
    17 Jun 2018
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