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Balanço das Dissertações e Teses sobre o Tema Educação de Surdos (2010-2014)

RESUMO:

Nas últimas décadas, as discussões sobre a educação de surdos instituíram um terreno fértil para o desenvolvimento de pesquisas no campo. Diante disso, este trabalho tem como objetivo analisar o estado do conhecimento sobre a educação de surdos com base em pesquisas de Mestrado e Doutorado. Por meio de uma abordagem bibliométrica, foram analisadas, na íntegra, 62 dissertações e oito teses sobre o referido tema, disponíveis na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, defendidas entre 2010 e 2014. Os resultados indicaram maior concentração de produções nas regiões Sudeste e Sul, em instituições de Ensino Superior públicas e nas áreas de conhecimento Ciências Humanas e Linguística, Letras e Artes. Verificou-se, ainda, um número sensível de surdos entre os autores das produções e a prevalência de uma concepção socioantropológica entre as dissertações e as teses. Entre os temas privilegiados nas investigações, destacaram-se aqueles voltados à inclusão, linguagem, intérprete educacional, formação de professores e escola/educação bilíngue. Por fim, a partir do panorama observado, espera-se que pesquisas futuras aprofundem os temas investigados, contemplem as lacunas observadas e, principalmente, continuem a indicar caminhos para transformações na realidade educacional de alunos surdos.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Especial; Educação dos surdos; Produção científica

ABSTRACT:

In the last decades, discussions about deaf education have provided a fertile ground for the development of researches in the field. Therefore, this study aims to analyze the state of knowledge about deaf education based on Master’s and PhD researches. Through a bibliometric approach, a total of 62 Master’s theses and eight PhD dissertations about the theme, available in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations, defended between 2010 and 2014, were analyzed in detail. The results indicated a higher concentration of productions in the Southeast and South regions of Brazil, in public Higher Education institutions and in the areas of Human Sciences and Linguistics, Literature and Arts. It was also observed a considerable number of deaf people among the authors of the productions and the prevalence of a socio-anthropological conception among the theses and dissertations. Among the privileged themes in the investigations, those that focused on inclusion, language, educational interpreter, teacher education and bilingual school/education were the main themes in the area. Finally, from the scenario observed, it is expected that future research deepens the themes investigated, contemplates the observed gaps and, mainly, continues to indicate ways for changes in the educational reality of deaf students.

KEYWORDS:
Special Education; Deaf education; Scientific production

1 Introdução

Nos últimos 25 anos, a Educação Especial brasileira passou por profundas transformações. De um sistema paralelo e substitutivo ao ensino comum, passou a constituir uma modalidade transversal em todos os níveis e etapas de ensino, de modo a ofertar atendimento educacional especializado (AEE) - complementar ou suplementar - e dispor de serviços e de recursos para apoiar e assegurar o processo educacional e o desenvolvimento de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação - seu público-alvo - nos sistemas regulares de ensino (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva [PNEEPEI], 2008Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria n. 555 de 2007, prorrogada pela Portaria n. 948 de 2007, entregue ao Ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008. Brasília, DF: MEC, SEESP. Recuperado em 30 de Junho de 2015 de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.
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).

Especificamente sobre a educação de alunos surdos, que fazem parte do público-alvo da Educação Especial - embora essa questão seja controversa no campo -, podemos dizer que a atual proposta de inclusão escolar tem sido fortemente contestada pela comunidade surda. Nas últimas décadas, os discursos sobre a surdez têm se ampliado para além de interpretações clínicas. Inspirados em bases antropológicas e culturais, eles narram a surdez como uma diferença cultural (Lopes, 2011Lopes, M. C. (2011). Surdez & Educação. Belo Horizonte: Autêntica.). Nessa perspectiva, a comunidade surda tem reivindicado o reconhecimento das especificidades linguísticas e culturais dos surdos no seu processo educacional, que deve ser pensado e organizado segundo uma abordagem bilíngue e bicultural. Desse modo, entende-se que a língua de sinais, primeira língua do surdo, deve assumir lugar de língua de instrução e de interação no processo educacional, e a língua utilizada pelo grupo majoritário do país deve ser ensinada como segunda língua. Além disso, o aluno surdo deve estar com seus pares surdos, bem como surdos adultos, o que contribui para o desenvolvimento da linguagem, para a construção de uma teoria de mundo e para a construção de uma identidade surda.

A Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e o Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a referida Lei, legitimam as reivindicações da comunidade surda a partir do reconhecimento legal da Libras e da organização de escolas ou classes específicas para surdos em uma perspectiva bilíngue. Acontece que as atuais políticas de educação inclusiva, como a PNEEPEI (2008)Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria n. 555 de 2007, prorrogada pela Portaria n. 948 de 2007, entregue ao Ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008. Brasília, DF: MEC, SEESP. Recuperado em 30 de Junho de 2015 de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.
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, vão na contramão de tais recomendações, estabelecendo a inclusão de todos os alunos, independentemente de suas características físicas, cognitivas, linguísticas e culturais, nos sistemas regulares de ensino. Nessa proposta, os alunos surdos devem estar com seus colegas ouvintes nas classes comuns do ensino regular. No entanto, entende-se que uma vez que não é possível empregar a Libras e a língua portuguesa de modo concomitante e que a escola regular é composta por uma maioria ouvinte, a língua a ser privilegiada nesse espaço será a do grupo majoritário - língua portuguesa nas modalidades oral e escrita. A Libras estará presente em sala de aula por meio de profissionais tradutores/intérpretes e seu uso, como língua de instrução, será direcionado para os espaços de AEE (Lodi, 2013Lodi, A. C. B. (2013). Educação bilíngue para surdos e inclusão segundo a Política Nacional de Educação Especial e o Decreto n. 5.626/05. Educação e Pesquisa, 39(1), 49-63.).

Esse cenário contribuiu para que as reflexões sobre a educação de alunos surdos instituíssem um terreno fértil para a produção de pesquisas na área nas últimas décadas. De acordo com resultados de balanços realizados por Ramos e Zaniolo (2014)Ramos, D. M., & Zaniolo, L. O. (2014). Tendências e perspectivas da produção acadêmica sobre a temática educação de surdos: Mapeamento da produção. Revista Brasileira de Educação Especial, 20(2), 303-318. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382014000200011.
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, Pagnez e Sofiato (2014)Pagnez, K. S., & Sofiato, C. G. (2014). O estado da arte de pesquisas sobre a educação de surdos no Brasil de 2007 a 2011. Educar em Revista, 52, 229-256. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.33394.
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e Azevedo, Giroto e Santana (2015)Azevedo, C. B., Giroto, C. R. M., & Santana, A. P. O. (2015). Produção científica na área da surdez: Análise dos artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Especial no período de 1992 a 2013. Revista Brasileira de Educação Especial, 21(4), 459-476. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382115000400010.
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, entre 1992 e 2013, a produção científica sobre a educação de surdos apresentou crescimento constante.

Com vistas a examinar o conhecimento que tem sido elaborado nesse campo e as condições em que os estudos são produzidos, pesquisadores têm se dedicado à investigação da produção científica sobre a educação de surdos nos últimos anos, entre os quais destacamos os estudos desenvolvidos por Bisol, Simioni e Sperb (2008)Bisol, C. A., Simioni, J., & Sperb, T. (2008). Contribuições da psicologia brasileira para o estudo da surdez. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(3), 392-400. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008000300007.
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, Ramos (2013)Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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, Pagnez e Sofiato (2014)Pagnez, K. S., & Sofiato, C. G. (2014). O estado da arte de pesquisas sobre a educação de surdos no Brasil de 2007 a 2011. Educar em Revista, 52, 229-256. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.33394.
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e Azevedo et al. (2015)Azevedo, C. B., Giroto, C. R. M., & Santana, A. P. O. (2015). Produção científica na área da surdez: Análise dos artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Especial no período de 1992 a 2013. Revista Brasileira de Educação Especial, 21(4), 459-476. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382115000400010.
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, dada a sua pertinência para as discussões ora levantadas.

Bisol et al. (2008)Bisol, C. A., Simioni, J., & Sperb, T. (2008). Contribuições da psicologia brasileira para o estudo da surdez. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(3), 392-400. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008000300007.
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delinearam um panorama das contribuições da Psicologia brasileira para o estudo da surdez a partir de artigos publicados em periódicos nacionais classificados na avaliação Qualis/Capes nos estratos A, B e C. Dos 34 artigos selecionados para análise, os autores observaram que um número significativo (n=24) estava alinhado à perspectiva socioantropológica da surdez. Dentre os temas privilegiados, identificaram: linguagem e língua; desenvolvimento cognitivo; família; constituição psíquica do sujeito surdo; processo educativo; ideologia; implante coclear; triagem sistemática da surdez e musicoterapia. Entre as abordagens metodológicas adotadas nos relatos de experiência (n=16), os autores apontaram que metade (n=8) empregou uma abordagem quantitativa, enquanto sete empregaram uma abordagem qualitativa e um empregou uma abordagem quali-quantitativa. Ao comparar os achados da pesquisa com a literatura científica internacional sobre a surdez, Bisol et al. (2008)Bisol, C. A., Simioni, J., & Sperb, T. (2008). Contribuições da psicologia brasileira para o estudo da surdez. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(3), 392-400. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008000300007.
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indicaram lacunas nas investigações nacionais analisadas, assim como a carência de publicações voltadas à validação de testes para avaliação psicológica de crianças e adolescentes surdos; aos processos psicopatológicos; ao atendimento à saúde física e mental da população surda; às relações familiares entre pais surdos e filhos ouvintes, pais surdos e filhos surdos, irmãos surdos e ouvintes; à comunicação entre mães ouvintes e bebês surdos e entre mães surdas e bebês ouvintes; ao implante coclear; entre outros. De acordo com os autores, apesar de incipiente, a Psicologia brasileira tem suscitado importantes contribuições para o estudo da surdez.

Ramos (2013)Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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, a partir dos resumos das dissertações e das teses sobre o tema educação de surdos constantes no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entre 2005 e 2009, buscou identificar tendências temáticas das respectivas produções e mapear o campo de investigação segundo os critérios: ano; modalidade; local; universidade; programa e financiamento. De modo geral, os resultados obtidos indicaram: aumento gradativo no número de produções acadêmicas na área; predomínio de produções na modalidade Mestrado acadêmico; distribuição geográfica das produções concentradas nas regiões Sudeste e Sul; relevância da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade de Brasília (UnB) na produção de conhecimento no campo; prevalência de produções vinculadas a programas de Pós-Graduação em Educação, Letras e Linguística, e a presença de programas em Ciência da Computação, Engenharia e Tecnologia, comumente observados em diferentes áreas do saber, exprimindo a multidisciplinaridade do campo; e a escassez de aportes financeiros destinados à produção científica. Quanto aos temas principais das pesquisas, a autora destacou as categorias: linguagem, processos educativos e inclusão escolar/social. Por fim, Ramos (2013)Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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indicou a necessidade de estudos que contemplem as discussões da comunidade surda relativas à educação de alunos surdos, por meio de reflexões e proposições concebidas junto aos surdos, no sentido de suprir lacunas encontradas na referida produção. Também, apontou singularidades, ambiguidades e omissões nos textos dos resumos, o que limitou o processo de análise de seu conteúdo com maior profundidade.

Em consonância com Ramos (2013)Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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, a investigação realizada por Pagnez e Sofiato (2014)Pagnez, K. S., & Sofiato, C. G. (2014). O estado da arte de pesquisas sobre a educação de surdos no Brasil de 2007 a 2011. Educar em Revista, 52, 229-256. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.33394.
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apresentou um panorama acerca das dissertações e das teses constantes no Banco de Teses da Capes, entre 2007 e 2011, segundo as palavras-chave: educação de surdos e Libras. Em suma, as autoras observaram: predomínio de dissertações de Mestrado; crescimento constante na produção de pesquisas no campo; maior concentração de produções na UFSC, na PUC-SP, na UnB e também na Universidade de São Paulo (USP), e nas áreas de Educação e Linguística, em conformidade com os resultados observados por Ramos (2013)Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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. Por sua vez, constataram um aumento, a partir de 2010, do financiamento da produção científica. Quanto aos temas privilegiados nas investigações, destacaram a escolarização de pessoas surdas; a aquisição do Português por surdos; concepções e representações sobre pessoas surdas; o ensino de Libras; a linguística da Libras; o ensino do Português escrito a alunos surdos e o bilinguismo entre os mais frequentes. Pagnez e Sofiato (2014)Pagnez, K. S., & Sofiato, C. G. (2014). O estado da arte de pesquisas sobre a educação de surdos no Brasil de 2007 a 2011. Educar em Revista, 52, 229-256. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.33394.
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também apontaram problemas na composição dos resumos, como limitações em sua estrutura e natureza formal e ausência de informações específicas.

Por fim, Azevedo et al. (2015)Azevedo, C. B., Giroto, C. R. M., & Santana, A. P. O. (2015). Produção científica na área da surdez: Análise dos artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Especial no período de 1992 a 2013. Revista Brasileira de Educação Especial, 21(4), 459-476. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382115000400010.
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analisaram a produção científica na área da surdez na Revista Brasileira de Educação Especial, entre 1992 e 2013. De acordo com as autoras, houve um crescimento constante dessa produção, associado às mudanças na legislação; os artigos foram publicados, sobretudo, em coautoria; e quanto às áreas de formação dos autores, destacaram a Educação, a Fonoaudiologia e a Psicologia, expressando o caráter multidisciplinar desse periódico. Conforme as autoras, prevaleceram pesquisas de natureza avaliativa, seguidas por pesquisas de intervenção e descritivas; os temas mais frequentes foram letramento e inclusão; e, quanto às abordagens educacionais/terapêuticas, predominaram estudos segundo uma abordagem bilíngue, em consonância com a legislação educacional atual. Diante dos resultados obtidos, Azevedo et al. (2015, p. 471)Azevedo, C. B., Giroto, C. R. M., & Santana, A. P. O. (2015). Produção científica na área da surdez: Análise dos artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Especial no período de 1992 a 2013. Revista Brasileira de Educação Especial, 21(4), 459-476. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382115000400010.
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sinalizaram a necessidade de estudos que contemplem práticas pedagógicas no processo de aquisição da língua de sinais como primeira língua e no aprendizado da língua portuguesa como segunda língua, “não apenas no que diz respeito à sua instrumentalização/avaliação, mas também no que se refere à reflexão acerca da natureza dessas práticas e seus contextos de uso”, bem como que apontem experiências de inclusão escolar bem-sucedidas em diferentes modelos educacionais.

Podemos dizer que tais balanços, a partir de diferentes enfoques e contextos, apresentam importantes indicativos acerca da pesquisa sobre a educação de surdos no Brasil nos últimos anos. Nessa perspectiva, apontamos a importância de estudos que analisem o estado do conhecimento em um determinado campo, indicando possíveis tendências, perspectivas e lacunas existentes, com vistas a fornecer subsídios para investigações futuras e contribuir para o aprimoramento do campo de investigação. Assim, concordamos com Silva e Sánchez Gamboa (2011, p. 376)Silva, M. R., Hayashi, C. R. M., & Hayashi, M. C. P. I. (2011). Análise bibliométrica e cientométrica: Desafios para especialistas que atuam no campo. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, 2(1), 110-129. doi:https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075.v2i1p110-129.
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ao afirmarem que,

se a pesquisa é importante para auxiliar o homem a superar os problemas que encontra, é preciso que se analise a própria pesquisa, que se investigue os caminhos que são adotados para o seu desenvolvimento, que se identifiquem os interesses e determinantes sócio-político-econômicos que a norteiam e, ainda, que se explicitem as suas principais tendências numa esfera específica do conhecimento. Isso para que não apenas os problemas identificados pelo homem na realidade sejam superados, mas também para que possam ser superados os problemas percebidos no próprio ato de investigar.

Nesse sentido, o presente trabalho, recorte de uma tese de Doutorado, tem como objetivo analisar o estado do conhecimento sobre a educação de surdos com base em pesquisas de Mestrado e Doutorado, considerando-se os estudos disponíveis na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) sobre o referido tema, defendidos entre 2010 e 2014. Desse modo, buscamos delinear um panorama recente da produção científica no campo, de modo a responder às seguintes indagações: Onde os estudos têm sido produzidos? Por quem? Quais são as concepções de surdez que fundamentam as investigações? E quais são os temas privilegiados?

2 Método

Este trabalho constitui uma investigação de natureza bibliométrica. De acordo com Silva, Hayashi e Hayashi (2011)Silva, R. H. dos R., & Sánchez Gamboa, S. (2011). Análise epistemológica da pesquisa em Educação Especial: A construção de um instrumental de análise. Atos de Pesquisa em Educação, 6(2), 373-402. doi:http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2011v6n2p373-402.
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, a bibliometria compreende um conjunto de técnicas, quantitativas e estatísticas, aplicadas para medir e avaliar os aspectos da produção e comunicação científica. No sentido de ampliar as possibilidades de análise da produção científica, a bibliometria pode ser empregada em conjunto com métodos qualitativos.

Para o levantamento das dissertações e das teses, definimos como fonte de informação a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), coordenada pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Na BDTD/IBICT, delimitamos o recorte temporal de busca entre 2010 e 2014, o que possibilitou a realização de um panorama recente do conhecimento científico produzido na Pós-Graduação brasileira sobre a educação de surdos. Ainda, inferimos que as produções defendidas nesse período apresentam algumas das implicações do Decreto Nº 5.626/2005 e da PNEEPEI (2008)Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria n. 555 de 2007, prorrogada pela Portaria n. 948 de 2007, entregue ao Ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008. Brasília, DF: MEC, SEESP. Recuperado em 30 de Junho de 2015 de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.
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na educação de alunos surdos no país. Em seguida, com base na literatura científica, definimos o termo de busca “educação de surdos”, o qual indica a nossa posição teórica no campo, segundo uma perspectiva socioantropológica da surdez. Contudo, entendemos que a escolha do referido termo pode ter limitado o alcance da pesquisa, constituindo uma de suas limitações.

Os registros foram coletados na BDTD/IBICT em 27 de novembro de 2014. Para acesso a esse banco de dados, utilizamos o recurso procura avançada, para realizar a busca a partir dos campos: título, assunto, resumo e ano de defesa, totalizando 124 produções. Foram excluídos os registros repetidos (n=2), indisponíveis (n=3) e não adequados ao escopo da pesquisa (n=49), totalizando 70 produções (62 dissertações e oito teses) analisadas na pesquisa. Salientamos que entre as produções que não se adequaram ao escopo da pesquisa estavam aquelas que versaram sobre temas como cegueira ou surdocegueira e aquelas estritamente teóricas e/ou que não contemplaram o âmbito educacional.

Os dados foram coletados mediante leitura na íntegra das dissertações e das teses e organizados em planilhas de registro conforme parâmetros bibliométricos previamente definidos. Em seguida, foram processados por meio do programa VantagePoint®, ferramenta que propicia o cruzamento de parâmetros bibliométricos e viabiliza a análise dos dados textuais e a construção de indicadores bibliométricos (Hayashi, 2013Hayashi, C. R. M. (2013). Apontamentos sobre a coleta de dados em estudos bibliométricos e cientométricos. Filosofia e Educação, 5(2), 89-102. doi:https://doi.org/10.20396/rfe.v5i2.8635396.
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).

De acordo com a sua natureza, os dados coletados foram quantificados e, posteriormente, interpretados à luz do referencial teórico da pesquisa. Quanto aos temas privilegiados nos estudos, definimos eixos temáticos, que emergiram a partir dos próprios dados coletados. Para tal, foram estabelecidos critérios de exaustividade e exclusividade.

3 Resultados e discussão

Por tratar-se de um conjunto denso de dados, e considerando-se os limites deste artigo, buscamos, neste momento, destacar as principais tendências observadas na produção científica sobre a educação de surdos tomada, aqui, como objeto de análise.

3.1 Onde os estudos são produzidos

Apresentamos, aqui, dados sobre a distribuição geográfica, institucional e por dependência administrativa, bem como as áreas do conhecimento e os programas de Pós-Graduação das dissertações e das teses analisadas.

Do total de dissertações (n=62), os dados indicam maior concentração nas regiões Sudeste (n=30) e Sul (n=19) do país, seguidas pelas regiões Nordeste (n=8) e Centro-Oeste (n=5). Notamos, ainda, ausência de produções na região Norte do Brasil.

Muitos estudos têm evidenciado a concentração de produções nas regiões Sudeste e Sul e uma produção ainda incipiente principalmente nas regiões Centro-Oeste e Norte, sinalizando assimetrias regionais no sistema nacional de Pós-Graduação (Guimarães, Bulhões, Hayashi, & Hayashi, 2015Guimarães, I. P., Bulhões, R. de S., Hayashi, C. R. M., & Hayashi, M. C. P. I. (2015). Avaliação da pós-graduação em educação do Brasil: Como superar a imprecisão que reina entre nós? Quaestio, 17(1), 87-119.; Cirani, Campanario, & Silva, 2015Cirani, C. B. S., Campanario, M. de A., & Silva, H. H. M. da. (2015). A evolução do ensino da pós-graduação senso estrito no Brasil: Análise exploratória e proposições para pesquisa. Avaliação, 20(1), 163-187. doi: http://dx.doi.org/10.590/S1414-40772015000500011.
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; Ramos, 2013Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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; Marin, Bueno, & Sampaio, 2005Marin, A. J., Bueno, J. G. S., & Sampaio, M. M. F. (2005). Escola como objeto de estudo nos trabalhos acadêmicos brasileiros: 1981/1998. Cadernos de Pesquisa, 35(124), 171-199.; Ventorim, 2005Ventorim, S. (2005). A formação do professor pesquisador na produção científica dos encontros de didática e prática de ensino: 1994-2000 (Tese de Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. Recuperado de http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/FAEC-85EPZ5/silvana_ventorim.pdf?sequence=1.
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). Por sua vez, vale ressaltar que a região Sudeste compreende, aproximadamente, 42% da população brasileira, o que pode refletir em um percentual significativamente elevado de produções nessa região, como observou André (2006)André, M. (2006). A jovem pesquisa educacional brasileira. Diálogo Educacional, 6(19), 11-24..

Ainda, de acordo com os dados da avaliação trienal da Capes 2013 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES], 2014Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (2014). Resultados da Avaliação da Capes revelam que pós-graduação teve crescimento de 23% no triênio. Recuperado em 11 de fevereiro de 2016 de http://www.capes.gov.br/36-noticias/6689-resultados-da-avaliacao-dacapes- revelam-que-pos-graduacao-teve-crescimento-de-23-no-trienio.
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), a Pós-Graduação brasileira apresentou crescimento significativo nos últimos anos, sobretudo nas regiões Norte (40%), Centro-Oeste (37%) e Nordeste (33%), ao passo que as regiões Sul e Sudeste apresentaram crescimento de 25% e 14%, respectivamente. Esses resultados revelam os esforços para a superação das assimetrias regionais do sistema nacional de Pós-Graduação. Contudo, as desigualdades entre as regiões do país permanecem ainda marcantes (Cirani et al., 2015Cirani, C. B. S., Campanario, M. de A., & Silva, H. H. M. da. (2015). A evolução do ensino da pós-graduação senso estrito no Brasil: Análise exploratória e proposições para pesquisa. Avaliação, 20(1), 163-187. doi: http://dx.doi.org/10.590/S1414-40772015000500011.
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).

Quanto à distribuição das dissertações entre os estados e as instituições de ensino superior (IES), destacamos, na região Sudeste, o estado de São Paulo com 17 dissertações, distribuídas em uma IES federal, duas estaduais e duas privadas (Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (n=6), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (n=4), PUC-SP (n=4), USP (n=1) e Universidade Presbiteriana Mackenzie (Mackenzie) (n=2)). Na região Sul, salientamos o estado do Rio Grande do Sul com 13 dissertações, distribuídas entre quatro IES federais e duas privadas (Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (n=5), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (n=4), Universidade Federal de Pelotas (UFPel) (n=1), Universidade Federal do Rio Grande (FURG) (n=1), Universidade de Caxias do Sul (UCS) (n=1) e Escola Superior de Teologia (EST) (n=1)). Na região Nordeste, destacamos o estado da Paraíba com três dissertações em uma IES federal (Universidade Federal da Paraíba (UFPB)). E na região Centro-Oeste, evidenciamos o Distrito Federal com três dissertações em uma IES privada (Universidade Católica de Brasília (UCB)).

Dentre as IES, do total de 28 instituições identificadas, sete (quatro federais, duas estaduais e uma privada), presentes nas regiões Sudeste e Sul, compreendem 50% do total de dissertações analisadas no período, são elas: UFSCar (n=6), UFRGS (n=5), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) (n=4), UFSM (n=4), Unicamp (n=4), Universidade Estadual de Londrina (UEL) (n=4) e PUC-SP (n=4). Observamos, de um lado, alta concentração de produções (n=31) em determinadas IES (n=7), enquanto que, de outro, ocorre uma grande dispersão de produções (n=31) entre as demais IES (n=21).

Quanto às teses (n=8), verificamos elevada concentração na região Sudeste (n=6), com grande destaque para o estado de São Paulo com cinco produções (UFSCar (n=4) e USP (n=1)). Observamos, em seguida, nas regiões Sul e Nordeste, respectivamente nos estados do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Paraíba (UFPB), uma tese cada. Referente às IES, a UFSCar apresenta, mais uma vez, papel de destaque com quatro teses no período, indicando sua relevância na produção acadêmica sobre a educação de alunos surdos no país.

Por fim, a ausência de teses e de dissertações provenientes da UFSC e da UnB chamou nossa atenção, visto que tais IES apresentaram percentuais expressivos de produções sobre a educação de surdos nos estudos realizados por Pagnez e Sofiato (2014)Pagnez, K. S., & Sofiato, C. G. (2014). O estado da arte de pesquisas sobre a educação de surdos no Brasil de 2007 a 2011. Educar em Revista, 52, 229-256. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.33394.
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e Ramos (2013)Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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. Além disso, particularmente a UFSC destaca-se no cenário nacional com a oferta do curso de Graduação em Letras Libras, licenciatura e bacharelado, nas modalidades presencial e a distância, bem como conta com a presença, em seu corpo docente, de importantes pesquisadores surdos. Nesse sentido, inferimos que a ausência de produções vinculadas à UFSC e à UnB pode dever-se aos recortes de busca estabelecidos na BDTD/IBICT, e não traduzem o real contexto de produção acadêmica no âmbito da educação de surdos das respectivas universidades.

Acerca da dependência administrativa, os dados apontam que as IES federais concentraram 50% do total de dissertações, ao passo que as IES estaduais reuniram 21% e as IES privadas 29%. Notamos, portanto, que as IES públicas (federais e estaduais) reuniram um percentual considerável de dissertações no período, 71%, quando comparadas às instituições privadas, exprimindo o papel fundamental do setor público na produção de pesquisas de Mestrado nesse campo. Quanto às teses, observamos que sete estão distribuídas em IES federais, somando 87,5% do total de teses, e uma está distribuída em uma IES estadual, perfazendo 12,5% do total. Esses resultados correspondem àqueles apresentados no Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020 (CAPES, 2010Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (2010). Plano Nacional de Pós-Graduação - PNPG 2011-2020 (Vol. 1). Brasília, DF: CAPES. Recuperado em 28 de janeiro de 2016 de https://www.capes.gov.br/images/stories/download/Livros-PNPG-Volume-I-Mont.pdf.
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), que indicam que as IES federais e estaduais concentram a maior parte dos programas de Pós-Graduação stricto sensu no país. A hegemonia do setor público na distribuição dos programas de Pós-Graduação stricto sensu e na produção acadêmica também foi apontada nos estudos de Gatti (1983)Gatti, B. (1983). Pós-graduação e pesquisa em Educação no Brasil, 1978-1981. Cadernos de Pesquisa, 44, 3-17., Campos e Fávero (1994)Campos, M. M., & Fávero, O. (1994). A pesquisa em educação no Brasil. Cadernos de Pesquisa, 88, 5-17. e Macedo e Sousa (2010)Macedo, E., & Sousa, C. P. de. (2010). A pesquisa em educação no Brasil. Revista Brasileira de Educação, 15(43), 166-176., sobre a pesquisa educacional no Brasil nas últimas décadas.

No que tange à distribuição das produções entre as áreas do conhecimento e os programas de Pós-Graduação, a área do conhecimento Ciências Humanas reuniu o maior número de dissertações no período (n=43), perfazendo 69,35%, especialmente em programas em Educação (n=39). Em seguida, destacamos a área de Linguística, Letras e Artes (n=10), representando 16,15% das dissertações. Tais resultados confirmam aqueles obtidos por Ramos (2013)Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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e Pagnez e Sofiato (2014)Pagnez, K. S., & Sofiato, C. G. (2014). O estado da arte de pesquisas sobre a educação de surdos no Brasil de 2007 a 2011. Educar em Revista, 52, 229-256. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.33394.
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em seus estudos, acerca da hegemonia dessas áreas na produção acadêmica sobre a educação de surdos. Por sua vez, a presença de programas comumente observados em outras áreas de estudo preocupados com a educação de surdos, como Geografia, Teologia, Extensão Rural e Administração de Empresas, revela-nos que essa temática pode estar relacionada a diferentes perspectivas de investigação. As teses foram desenvolvidas em programas de Educação (n=3), Educação Especial (n=4) e Linguística (n=1), confirmando a relevância das áreas de Ciências Humanas e de Linguística, Letras e Artes na produção acadêmica sobre a educação de surdos. Destacamos o programa de Educação Especial da UFSCar, o qual compreendeu 50% das teses, e 12,85% do total de trabalhos (dissertações e teses), ratificando sua importância no campo.

3.2 O perfil dos autores

No decorrer da coleta de dados verificamos uma ocorrência significativa de autores que se declararam como surdos ou que indicaram uma relação direta com a surdez. Assim, entre os autores das dissertações (n=62), cinco se declararam surdos. Desse modo, inferimos que os demais fossem ouvintes (n=57), dos quais um número significativo (n=36) expressou sua relação com a área da surdez, como: professores(as) de surdos (n=21), intérpretes (n=9), professoras de Libras (n=2), professora de Libras e intérprete (n=1), filha de surdos e intérprete (n=1), fonoaudióloga (n=1) e orientadora de uma escola de surdos (n=1). Por sua vez, 21 autores não mencionaram relação com a surdez. Quanto às teses (n=8), não houve autores que se declararam surdos; inferimos, assim, que os oito autores são ouvintes, dos quais três não mencionaram relação com a surdez e os demais são: filha de surdos (n=1), professora de surdos (n=1), professora de Libras (n=1), professora de Libras e intérprete (n=1) e psicóloga (n=1).

Os trabalhos (n=5) cujos autores identificaram-se como surdos são, portanto, dissertações de Mestrado, que foram defendidas em um período recente, entre 2012 e 2014, em quatro IES distintas (UFRGS, UFSM, UCB e Universidade de Fortaleza (Unifor)), com destaque para a UFRGS com duas dissertações. Tais produções vinculam-se, principalmente, a programas de Educação (n=4) e concentram-se, sobretudo, na região Sul do país (n= 3), que reúne 60% do total de trabalhos produzidos por autores surdos na amostra estudada. É interessante notar que, apesar de contar com o maior número de dissertações no período (n=30), não há trabalhos cujos autores são surdos defendidos na região Sudeste do país.

Embora incipientes, esses resultados mostram-se propícios, uma vez que as discussões no âmbito da surdez, segundo uma perspectiva que a reconhece como diferença cultural, têm enfatizado a necessidade de os surdos participarem como protagonistas das reflexões e tomadas de decisão no contexto da educação de alunos surdos.

As pesquisas ainda têm sido realizadas por uma maioria ouvinte, porém, de acordo com o Censo Demográfico de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2012Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (2012). Censo Demográfico 2010: Características Gerais da População, Religião e Pessoas com Deficiência. Recuperado em 15 de julho de 2016 de http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000009352506122012255229285110.pdf.
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), 5,1% da população brasileira possui deficiência auditiva. Assim, se considerarmos o percentual de autores surdos entre os autores das dissertações e das teses analisadas, aproximadamente 7,15%, observamos que na amostra estudada o percentual de autores surdos é superior à taxa de surdos entre a população brasileira, o que pode indicar que, apesar das dificuldades de acesso e permanência em virtude das condições de acessibilidade disponíveis e de uma Educação Básica deficitária, estudantes surdos têm ingressado em programas de Pós-Graduação stricto sensu, sobretudo em nível de Mestrado. No entanto, é pertinente considerar que, por se tratar de uma temática diretamente relacionada à surdez, o percentual de autores surdos na produção científica analisada pode ser superior ao percentual de autores surdos em outras áreas do saber.

O protagonismo de pesquisadores surdos na produção científica no campo é fortemente defendido por Rezende e Pinto (2007)Rezende, F. F. Jr., & Pinto, P. L. F. (2007). Os surdos nos rastros da sua intelectualidade específica. In R. M. Quadros, & G. Perlin (Orgs.), Estudos Surdos II (pp. 190-211). Petrópolis, RJ: Arara Azul., intelectuais e militantes surdos. Para os autores, a experiência vivida amplia as possibilidades de leitura e análise dos fenômenos sociais, culturais, linguísticos e educacionais vivenciados pelos surdos. Além disso, os conhecimentos produzidos estariam deslocados de uma lógica ouvinte, vislumbrando perspectivas outras de análise, assim como foi possível observar nas respectivas dissertações.

Vilhalva (2010)Vilhalva, S. (2010, 22-24 setembro). Trajetória política dos surdos no Brasil: Aprovação em concursos públicos e pós-graduação: Mestrado e doutorado antes e depois da Lei 1.0436/2002 e do Decreto 5.626/2005. Anais do Congresso Internacional do Instituto Nacional de Educação de Surdos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 9. Recuperado em 16 de julho de 2015 de http://www.ines.gov.br/wp-content/uploads/2014/04/anais_20101.pdf.
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também ressalta que o número de estudantes surdos aprovados em cursos de Pós-Graduação stricto sensu ampliou-se a partir da homologação da Lei Nº 10.436/2002 e do Decreto Nº 5.626/2005. Segundo a autora, de 1990 a 2000, constavam somente dois alunos surdos em cursos de Mestrado e Doutorado no país; de 2000 a 2005, eram quatro; e, de 2005 até 2010, esse número saltou para 20.

Considerando-se o ingresso em cursos de Graduação, condição sine qua non para o ingresso em cursos de Pós-Graduação stricto sensu, acreditamos que a oferta de cursos de Graduação em Pedagogia Bilíngue e em Letras Libras pode contribuir para maior inserção de surdos em programas de Pós-Graduação stricto sensu no país, pois têm viabilizado o acesso de alunos surdos a um Ensino Superior de qualidade, uma vez que se estruturam de modo a atender às suas especificidades e demandas.

3.3 A concepção de surdez dos estudos

A área da surdez tem sido, historicamente, permeada por tensões, conflitos e resistências acerca das interpretações, dos discursos e das práticas instituídas sobre a surdez e os surdos, que se apoiam, em suma, em saberes clínicos ou em bases sociais, culturais e políticas. Por essa razão, buscamos examinar as concepções de surdez que têm fundamentado as investigações nos últimos anos.

No que tange às dissertações, observamos que um número significativo delas adotou uma perspectiva socioantropológica da surdez (n=53), entre as quais alguns autores (n=11) sinalizaram, também, uma aproximação com os Estudos Culturais e/ou os Estudos Surdos. Somente uma dissertação adotou uma perspectiva clínico-terapêutica; e outra, um enfoque pós-estruturalista. Em sete dissertações não foi possível identificar a concepção de surdez adotada. Quanto às teses, seis adotaram uma perspectiva socioantropológica da surdez, e em uma produção não foi possível identificar a concepção de surdez adotada. Além disso, uma tese declarou assumir uma perspectiva socioantropológica e clínico-terapêutica, de modo concomitante; no entanto, consideramos que ambas perspectivas não são condizentes ou mesmo complementares.

Destacamos que, embora a maior parte das dissertações e das teses tenha deixado explícita a concepção de surdez adotada, em alguns estudos somente foi possível identificá-la por meio de elementos implícitos enfatizados pelos autores ao longo do texto e pelo referencial teórico utilizado. Ainda, houve estudos em que não foi possível identificar a concepção de surdez adotada, mesmo considerando-se aspectos subjacentes.

O predomínio de uma perspectiva socioantropológica entre as dissertações e as teses reflete as transformações nos modos de conceber o sujeito surdo e a surdez nas últimas décadas (Lopes, 2011Lopes, M. C. (2011). Surdez & Educação. Belo Horizonte: Autêntica.). Em outras palavras, os resultados de estudos acerca das línguas de sinais, na década de 1960, atestando seu estatuto linguístico, bem como sobre aspectos do desenvolvimento do surdo e de suas especificidades linguísticas e culturais, somados ao fortalecimento e à atuação dos movimentos sociais surdos e à promulgação, nas últimas décadas, de políticas linguísticas e educacionais segundo uma perspectiva bilíngue, têm inserido a educação de surdos em um campo discursivo mais apropriado à sua condição linguística, cultural e comunitária.

Por sua vez, não podemos deixar de considerar que o termo de busca utilizado - educação de surdos -, em consonância com o referencial teórico da presente pesquisa, privilegiou um conjunto de produções que orientaram suas investigações segundo uma perspectiva socioantropológica da surdez, pois a designação “surdo” apresenta uma conotação fortemente arraigada a uma concepção de surdez pautada em paradigmas sociais, culturais e linguísticos. Excluiu-se, assim, boa parte das produções que se basearam em uma perspectiva clínico-terapêutica, a qual apresenta uma visão voltada ao déficit biológico, segundo um discurso de cura, de reabilitação, e em que comumente encontramos designações relacionadas à deficiência auditiva e suas derivações (Gesser, 2008Gesser, A. (2008). Do patológico ao cultural na surdez: Para além de um e de outro ou para uma reflexão crítica dos paradigmas. Trabalhos de Linguística Aplicada, 47(1), 223-239. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-18132008000100013.
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).

3.4 Os temas privilegiados

Em relação aos temas privilegiados nos estudos, notamos que as dissertações versam, sobretudo, sobre os temas principais: inclusão, linguagem, intérprete educacional, formação de professores e escola/educação bilíngue.

Observamos que o tema principal “inclusão” concentrou o maior número de dissertações (n=22), com 35,48% do total de dissertações analisadas. Os seguintes temas secundários foram incluídos: prática pedagógica (n=7), Ensino Superior (n=5), AEE (n=3), implantação da proposta de inclusão (n=3), Educação de Jovens e Adultos (n=2), interação afetiva entre professor e aluno surdo (n=1) e clima criativo em sala de aula (n=1), especificados a seguir. As dissertações sobre a prática pedagógica em contexto educacional inclusivo contemplaram a prática pedagógica como um todo ou especificamente em relação ao ensino de Geografia, de Matemática, de Português e de Inglês. Sobre o Ensino Superior, as produções versaram, em suma, sobre o acesso e a permanência de alunos surdos nesse nível de ensino, sobre a acessibilidade em ambientes virtuais de aprendizagem em um curso superior a distância e sobre as políticas de inclusão segundo as concepções de docentes surdos que atuam no Ensino Superior. Sobre o AEE, as dissertações examinaram, especialmente, as suas implicações na inclusão escolar de alunos surdos. Sobre a implantação da proposta de inclusão, as investigações contemplaram aspectos mais abrangentes e que não se restringiram à prática pedagógica. Por fim, uma produção examinou a contribuição do afeto na interação entre professor ouvinte e alunos surdos em salas de aula inclusivas, e uma examinou a promoção de um clima criativo em uma sala de aula formada por alunos surdos e ouvintes.

Em seguida, o tema principal “linguagem” reuniu 17,74% das dissertações analisadas (n=11) e incluiu os temas secundários: língua portuguesa (n=6), Libras (n=4) e língua inglesa (n=1). Sobre a língua portuguesa, as dissertações examinaram os caminhos percorridos no ensino e aprendizagem dessa língua e os fatores que podem interferir nesse processo, ou, ainda, apresentaram propostas para sua efetivação. Quanto à Libras, as produções apresentaram enfoques distintos, como a variação linguística da Libras, a criação de sinais específicos para o ensino de Química, a escrita da língua de sinais (ELS) e o processo de aquisição da Libras por uma criança surda na Educação Infantil. Uma dissertação investigou o processo de aprendizagem de língua inglesa de alunos surdos.

O tema principal “intérprete educacional” somou 14,51% das dissertações analisadas (n=9) e abarcou os temas secundários: atuação no contexto educacional (n=6), formação (n=2) e sentidos e significados (n=1). As dissertações investigaram, em suma, as especificidades da atuação do intérprete em contexto educacional, bem como analisaram aspectos de sua formação inicial, ou, ainda, possibilidades de um curso de formação continuada. Uma produção examinou os sentidos e os significados atribuídos a esse profissional.

O tema principal “formação de professores” compreendeu 9,67% das dissertações (n=6), que versaram sobre a disciplina de Libras na formação inicial docente (n=3), o currículo do curso de Letras Libras (n=1), a influência de um curso de formação continuada sobre as concepções de professores acerca da surdez (n=1) e um processo de formação colaborativa voltado ao ensino de Matemática para estudantes surdos (n=1).

Por sua vez, o tema principal “escola/educação bilíngue” concentrou 6,45% das dissertações analisadas (n=4), que examinaram, em especial, a prática pedagógica em escolas bilíngues (n=3) e os significados atribuídos por alunos surdos e ouvintes a uma escola bilíngue (n=1).

Por fim, dez dissertações (16,12%) contemplaram temas pontuais. Desse modo, não foi possível incluí-las nos eixos temáticos apresentados, ou, até mesmo, estabelecer novos eixos temáticos de modo que reunissem um conjunto coeso dos temas abordados, os quais trataram sobre: a história da educação de surdos em Caxias do Sul (RS); a trajetória do Centro de Atendimento Especializado na Área da Surdez de Campo Largo (PR); a constituição da identidade surda em uma escola especial; os significados atribuídos aos surdos em uma escola e comunidade rurais; a consolidação da cultura surda no espaço escolar; o sujeito pedagógico surdo no espaço de convergência entre escola de surdos e comunidade surda; o ensino de Física para estudantes surdos em escolas regulares inclusivas e em escolas específicas para surdos; a infância e as experiências educacionais de uma criança surda; a percepção de pais e de profissionais sobre o desempenho escolar de uma criança surda com implante coclear; e a aprendizagem e o desenvolvimento da docência no contexto da educação de surdos.

Referente às teses, observamos uma distribuição equivalente entre os temas principais inclusão (n=2), intérprete educacional (n=2) e formação de professores (n=2), que somaram, cada um, 25% das teses. Em relação ao tema “inclusão”, as teses examinaram a prática pedagógica, em especial no que tange ao ensino de Português e de Física. Quanto ao tema “intérprete educacional”, as teses versaram acerca de sua atuação em contexto educacional inclusivo. Por sua vez, sobre o tema “formação de professores”, uma tese tratou sobre os saberes, práticas e experiências que permeiam a formação docente no âmbito da educação de surdos, e uma sobre a formação de professores de Libras. Por fim, semelhante às dissertações, duas teses (25%) examinaram temas específicos, são eles: desenvolvimento da composição aditiva em crianças surdas, e constituição da sexualidade de jovens surdas em uma escola especial.

Considerando-se as dissertações e as teses analisadas na pesquisa, podemos dizer que os temas identificados revelam as principais discussões na área, decorrentes, sobretudo, das políticas educacionais vigentes voltadas à educação de surdos, como a Lei Nº 10.436/2002Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Recuperado em 30 junho 2015 de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10436.htm.
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, o Decreto Nº 5.626/2005Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Recuperado em 30 junho 2015 de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
e a PNEEPEI (2008)Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria n. 555 de 2007, prorrogada pela Portaria n. 948 de 2007, entregue ao Ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008. Brasília, DF: MEC, SEESP. Recuperado em 30 de Junho de 2015 de http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/po...
, que suscitam questões acerca da inclusão escolar de alunos surdos; das línguas envolvidas no processo educacional - Libras e língua portuguesa; do intérprete educacional; da formação inicial e continuada de professores para atuar com tais alunos e da educação bilíngue. Nessa perspectiva, e de acordo com Bueno (2014, p. 216)Bueno, J. G. S. (2014). A pesquisa brasileira sobre educação especial: Balanço tendencial das dissertações e teses brasileiras (1987-2009). In J. G. S. Bueno, K. Munakata, & D. F. Chiozzini (Orgs.), A escola como objeto de estudo: Escola, desigualdades, diversidades (pp. 211-244). Araraquara, SP: Junqueira & Marin., concebemos os estudos como “[...] práticas de produção cultural específica de um campo, práticas que sofreram inúmeras influências sociais do local em que foram compostos”.

Ainda, podemos afirmar que os referidos temas correspondem aos temas identificados por Ramos (2013)Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
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e Pagnez e Sofiato (2014)Pagnez, K. S., & Sofiato, C. G. (2014). O estado da arte de pesquisas sobre a educação de surdos no Brasil de 2007 a 2011. Educar em Revista, 52, 229-256. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.33394.
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em seus estudos, o que pode exprimir uma tendência no campo e uma continuidade no trato dos assuntos. Também, o predomínio de produções que versaram sobre questões relativas à inclusão escolar de surdos e à linguagem, especialmente sobre o ensino e a aprendizagem de língua portuguesa, corrobora os achados de Azevedo et al. (2015)Azevedo, C. B., Giroto, C. R. M., & Santana, A. P. O. (2015). Produção científica na área da surdez: Análise dos artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Especial no período de 1992 a 2013. Revista Brasileira de Educação Especial, 21(4), 459-476. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382115000400010.
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.

Os estudos que investigaram a produção científica sobre a surdez e sobre a educação de surdos nas últimas décadas revelaram, ainda, lacunas nesse campo de investigação, como a carência de pesquisas voltadas: à validação de testes para avaliação psicológica de crianças e de adolescentes surdos, aos processos psicopatológicos, ao atendimento à saúde física e mental da população surda, às relações familiares e ao implante coclear (Bisol et al., 2008Bisol, C. A., Simioni, J., & Sperb, T. (2008). Contribuições da psicologia brasileira para o estudo da surdez. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(3), 392-400. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008000300007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008...
); às discussões da comunidade surda relativas à educação de alunos surdos (Ramos, 2013Ramos, D. M. (2013). Análise da produção acadêmica constante no Banco de Teses da Capes segundo o assunto educação de surdos (2005-2009) (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/90121.
https://repositorio.unesp.br/handle/1144...
); às práticas pedagógicas no processo de aquisição da língua de sinais como primeira língua e no aprendizado da língua portuguesa como segunda língua, e a experiências de inclusão escolar bem-sucedidas em diferentes modelos educacionais (Azevedo et al., 2015Azevedo, C. B., Giroto, C. R. M., & Santana, A. P. O. (2015). Produção científica na área da surdez: Análise dos artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Especial no período de 1992 a 2013. Revista Brasileira de Educação Especial, 21(4), 459-476. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382115000400010.
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). Desse modo, inferimos que os temas identificados nas dissertações e nas teses aqui analisadas sinalizam alguns avanços no conhecimento que tem sido produzido no respectivo campo; não obstante, o atual cenário mostra-se ainda incipiente e demanda esforços contínuos. Por fim, entendemos que a ausência de determinados temas, como aqueles indicados por Bisol et al. (2008)Bisol, C. A., Simioni, J., & Sperb, T. (2008). Contribuições da psicologia brasileira para o estudo da surdez. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(3), 392-400. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008000300007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008...
, pode dever-se ao termo de busca empregado na presente pesquisa, que privilegiou estudos voltados, principalmente, ao processo educacional de alunos surdos e seus desdobramentos.

4 Considerações finais

Buscamos, aqui, elaborar um estado do conhecimento sobre a educação de surdos com base em pesquisas de Mestrado e Doutorado disponíveis na BDTD/IBICT sobre o referido tema e defendidas entre 2010 e 2014, especialmente no que tange às distribuições geográfica e institucional; segundo a dependência administrativa, áreas do conhecimento e programas de Pós-Graduação das produções; ao perfil dos autores; às concepções de surdez que fundamentaram as investigações; e aos temas privilegiados.

Nesse sentido, observamos que as regiões Sudeste e Sul do país e as instituições de Ensino Superior públicas, federais e estaduais reúnem o maior número de dissertações e teses no universo analisado. Esses dados exprimem os indicadores do sistema nacional de Pós-Graduação, que revelam assimetrias na distribuição dos programas e na produção de pesquisas entre as cinco regiões do país, com maior concentração no eixo Sudeste-Sul, bem como denotam o papel singular do setor público no cenário acadêmico da Pós-Graduação stricto sensu, apesar de um forte crescimento do setor privado. Destacamos, ainda, as grandes áreas de Ciências Humanas e Linguística, Letras e Artes na produção de pesquisas no campo, com maior destaque para os programas em Educação, como já esperávamos, em razão da natureza da temática estudada. Entretanto, a presença de pesquisas em áreas como Geografia, Teologia, Extensão Rural e Administração de Empresas indicam que a educação de surdos pode estar relacionada a diferentes campos de investigação, o que enriquece a produção de conhecimento nesse campo, ao ampliar as perspectivas de análise.

Outro dado que nos chamou a atenção refere-se ao número de autores que se declararam como surdos entre os trabalhos analisados, o que se mostra relevante, pois indica que estudantes surdos têm ingressado no Ensino Superior e na Pós-Graduação stricto sensu. Ainda, como já discutimos, a presença de autores surdos na produção de pesquisas sobre a educação de surdos contribui para a construção de conhecimento pautado, também, em uma perspectiva propriamente surda, pois a experiência compartilhada pelos surdos amplia as possibilidades de leitura e de análise dos fenômenos educacionais que vivenciam. Contudo, entendemos que o total de autores surdos observado é ainda incipiente, sobretudo por tratar-se de uma temática diretamente relacionada à surdez. Isso posto, é preciso considerar quais as condições oferecidas aos surdos para seu acesso e permanência no Ensino Superior e na Pós-Graduação stricto sensu, nas diferentes áreas do saber e, mais importante, é preciso considerar quais as condições de escolarização básica desses estudantes, uma vez que as suas especificidades e necessidades têm sido negligenciadas na maior parte das escolas brasileiras, comprometendo o seu desempenho e sucesso acadêmico. Se na Educação Básica os alunos surdos tiverem respeitadas as suas especificidades cognitivas, linguísticas e culturais, certamente terão maiores possibilidades de ingressar na Educação Superior.

Notamos a hegemonia de uma concepção socioantropológica da surdez entre as dissertações e teses analisadas, que, sem dúvidas, do lugar no qual falamos, exprime avanços nos modos de conceber a surdez e estudar a educação de alunos surdos, pois compreende a surdez e os surdos a partir de bases sociais, culturais, políticas. No entanto, não podemos deixar de considerar que esse predomínio concorda com o termo de busca empregado: “educação de surdos”. Desse modo, se empregássemos o termo “educação do deficiente auditivo” poderíamos encontrar resultados diferentes, com um maior destaque para uma concepção clínico-terapêutica. Em outras palavras, o predomínio de uma concepção socioantropológica da surdez entre os trabalhos analisados não denota um rompimento ou a superação de um modelo clínico-terapêutico, mas, por sua vez, exprime a consolidação desse novo olhar sobre a surdez e sobre os surdos nos últimos anos nesse campo.

Constatamos, também, a prevalência de pesquisas que versaram sobre os temas inclusão e linguagem, os quais representam as principais problemáticas da educação de surdos, atualmente. Ainda, os demais temas principais identificados - intérprete educacional, formação de professores e escola/educação bilíngue - mostram-se, direta ou indiretamente, relacionados aos temas inclusão e linguagem. E como apontamos anteriormente, inferimos que os temas identificados correspondem às principais diretrizes que norteiam a educação de surdos em nosso país, que suscitam questões acerca da inclusão escolar de surdos, da educação bilíngue e das línguas implicadas nesse processo, da formação de professores, tradutores/intérpretes de Libras/língua portuguesa e demais profissionais para atuar na educação de surdos, entre outros, indicando que as dissertações e as teses sobre a educação de surdos analisadas têm enfrentado os temas nodais na área.

Para finalizar, a partir do panorama observado, esperamos que a pesquisa futura aprofunde os temas investigados, contemple as lacunas observadas e, principalmente, continue a indicar caminhos para transformações na realidade educacional de alunos surdos, ainda tão necessárias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2018
  • Revisado
    06 Abr 2018
  • Aceito
    15 Maio 2018
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