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A Educação de Cegos no Brasil do Século XIX: Revisitando a História

RESUMO:

O Imperial Instituto dos Meninos Cegos foi a primeira instituição escolar fundada no Brasil, no Rio de Janeiro, voltada à educação de pessoas com deficiência visual, provendo o ensino primário, musical, profissional e alguns ramos do ensino secundário. O objetivo desta pesquisa é apresentar e analisar a estrutura organizacional do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, fundado em 1854, que utilizava o método simultâneo de ensino e esteve sob a proteção direta do Imperador até a queda da monarquia. Para tal, este trabalho consiste em uma pesquisa documental (Gil, 2002Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas.), realizada com base em fontes primárias localizadas no Arquivo Nacional, na Biblioteca Nacional, no Almanak Laemmert e em fontes bibliográficas, tais como: Aranha (2006)Aranha, M. L. de A. (2006). História da educação e da pedagogia: geral e do Brasil. (3. ed.). São Paulo: Moderna., Araújo (1993)Araujo, S. M. D. de. (1993). Elementos para se pensar a educação dos indivíduos cegos no Brasil: A história do instituto Benjamin Constant (Dissertação de Mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., Jannuzzi (2004)Jannuzzi, G. (2004). A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XIX. Campinas, SP: Autores Associados., Mazzotta (2001)Mazzotta, M. J. S. (2001). Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez., Penna (2008)Penna, F. de A. (2008). Sob o nome e a capa do Imperador: a criação do colégio de Pedro Segundo e a construção do seu currículo (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., Veiga (2007)Veiga, C. G. (2007). História da Educação. São Paulo: Ática. e Zeni (1997Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., 2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.. O recorte geográfico e temporal da pesquisa dá-se no Rio de Janeiro, durante a segunda metade do século XIX, momento que nasceu a primeira instituição de ensino para a pessoa com deficiência visual na capital do Império. As fontes primárias analisadas constituíram-se, principalmente, por relatórios dos gestores do Instituto e dos Ministros e dos Secretários dos Negócios do Império, responsáveis pelo acompanhamento da educação. O Imperial Instituto dos Meninos Cegos instituiu as bases para a educação dos cegos no Brasil e, apesar de dar certa autonomia e proporcionar o desenvolvimento intelectual de seus alunos, fora criticada pelo seu caráter asilar, assumido por meio de suas práticas ao longo da história.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação dos cegos; Deficiências da visão; Educação Especial.

ABSTRACT:

The Imperial Instituto dos Meninos Cegos was the first school organization founded in Brazil specifically for the education of people with visual impairment, providing primary, musical, vocational and some areas of secondary education. The objective of this research is to present and analyze the organizational structure of the Imperial Instituto dos Meninos Cegos, an institution founded in 1854 that used the simultaneous teaching method and was under the direct protection of the Emperor until the collapse of the monarchy. For this, this work consists of a documental research (Gil, 2002Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas.) carried out based on primary sources located at the Arquivo Nacional (National Archive), Biblioteca Nacional (National Library), Almanak Laemmert, and from bibliographic sources, such as: Aranha (2006)Aranha, M. L. de A. (2006). História da educação e da pedagogia: geral e do Brasil. (3. ed.). São Paulo: Moderna., Araújo (1993)Araujo, S. M. D. de. (1993). Elementos para se pensar a educação dos indivíduos cegos no Brasil: A história do instituto Benjamin Constant (Dissertação de Mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., Jannuzzi (2004)Jannuzzi, G. (2004). A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XIX. Campinas, SP: Autores Associados., Mazzotta (2001)Mazzotta, M. J. S. (2001). Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez., Penna (2008)Penna, F. de A. (2008). Sob o nome e a capa do Imperador: a criação do colégio de Pedro Segundo e a construção do seu currículo (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., Veiga (2007)Veiga, C. G. (2007). História da Educação. São Paulo: Ática. and Zeni (1997Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., 2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.. The geographic and temporal cutoff of the research is Rio de Janeiro, during the second half of the 19th century, when the first educational institution for the visually impaired was born in the capital of the Empire. The primary sources analyzed consisted mainly of reports from the Institute’s managers and the Ministers and Secretaries of Business of the Empire, responsible for monitoring the education. The Imperial Instituto dos Meninos Cegos established the basis for the education of the blind in Brazil, which, despite giving some autonomy and providing the intellectual development of its students, has been criticized for its asylum characteristics, present in its practices throughout its history.

KEYWORDS:
Blind’s Education; Visual impairment; Special Education

1 Introdução

A educação de cegos no Brasil no século XIX já foi tema de pesquisa em função de sua importância para o estabelecimento de fundamentos para a área de Educação Especial no país no que tange a tal público-alvo. Autores como Mazzotta (2001)Mazzotta, M. J. S. (2001). Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez., Jannuzzi (2004)Jannuzzi, G. (2004). A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XIX. Campinas, SP: Autores Associados., Zeni (1997Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., 2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., entre outros, trouxeram contribuições para o campo, mas com base em análise cuidadosa de fontes documentais ainda não exploradas. Podemos dizer, assim, que as discussões sobre essas questões ainda não estão consolidadas e estão abertas a novas contribuições, daí a relevância do estudo que aqui se apresenta.

A primeira tentativa de sistematização da educação dos cegos, no Brasil, ocorreu por meio de um projeto apresentado à Assembleia Geral Legislativa na sessão de 29 de agosto de 1835, pelo deputado Cornélio Ferreira França. De acordo com Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., tal projeto previa um professor de primeiras letras para surdos, mudos e cegos, em cada província da nação, concedendo o direito do ensino primário a todos os cidadãos, conforme a Lei de 15 de outubro de 1827. O projeto, contudo, não foi aprovado, e a educação dos cegos só se consolidou em 1854, graças à atuação de José Álvares de Azevedo e José Francisco Xavier Sigaud.

Segundo Zeni (1997)Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., José Francisco Xavier Sigaud era francês, nascido no dia 2 de dezembro de 1796, em Marselha, França. Foi para o Rio de Janeiro na década de 1820, por ter trabalhado como cirurgião do Hospital de Lyon. Como secretário da Sociedade Real de Medicina de Marselha, havia criado um jornal médico chamado Ascrepíades, que circulara na França de 1823 a 1825. Sigaud naturalizou-se brasileiro em 1854. José Álvares de Azevedo era brasileiro nascido no Rio de Janeiro, em 8 de abril de 1834; perdera a visão aos três anos de idade, acometido de “uma oftalmia purulenta de recém-nascido” e se mudou para Paris, em primeiro de agosto de 1844. Álvares de Azevedo foi educado no Institut National des Jeunes Aveugles, onde aprendeu o Sistema Braille. Ao voltar para o Brasil, em 1850, buscou subsídios para criar, na Corte, um instituto semelhante ao francês. Zeni (1997)Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. conta que, estando no Brasil, Álvares de Azevedo ensinou o Sistema Braille a uma das filhas do Dr. Sigaud, Adélia, que também era cega. O progresso de Adélia Sigaud fez com que seu pai, que era médico da Câmara Imperial, apresentasse José Álvares de Azevedo ao Imperador. De acordo com o autor, o interesse do monarca pelo projeto do Instituto permitiu que fosse estruturada sua primeira forma de organização.

As respostas do Ministro do Império, a quem a instrução pública estava subordinada, foram, contudo, demoradas. Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. coloca que o Governo só toma de fato a iniciativa de instalar, na Corte, um instituto para cegos, a partir da chegada do novo ministro, Luiz Pedreira de Couto Ferraz, em 6 de setembro de 1853. O autor afirma que a demora do Senado em conceder autorização para o Governo criar um instituto para cegos fez com que este funcionasse em caráter “não-oficial”, de março a setembro de 1854. Finalmente, por meio do Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., foi oficialmente fundado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos na cidade do Rio de Janeiro, tendo sido inaugurado, solenemente, no dia 17 de setembro do mesmo ano, na presença do Imperador, da Imperatriz e de todo o Ministério, sem, contudo, o comparecimento de José Álvares de Azevedo, que falecera seis meses antes, em 17 de março.

Apesar de a história oficial do Instituto reafirmar a sua existência pelas ações de José Álvares de Azevedo, em consonância com os interesses de Sigaud e do Imperador, é possível inferir que já houvesse um projeto ou uma intenção por parte do Governo Imperial para a criação de um instituto como esse. Em 1856, dois anos após a fundação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, também foi criado, no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Surdos Mudos. É provável que a constituição desses dois espaços, tendo como referência instituições francesas, fizesse parte de um projeto de modernização da sociedade, de suas instituições e da própria Corte que tinha como modelo a capital referência da época: Paris. A fundação de institutos educacionais e de amparo às pessoas com deficiência poderia ser um dos passos nesse sentido, com o intuito de aproximar toda a dinâmica do Rio de Janeiro aos padrões franceses, ainda que essa aproximação estivesse impregnada pelas características e pelas especificidades do ensino e da sociedade nos trópicos.

Diante do cenário preliminarmente delineado, o objetivo deste estudo é o de apresentar e analisar a estrutura organizacional do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, instituição fundada em 1854 e que esteve sob a proteção direta do Imperador até a queda da monarquia. Para tanto, foi realizada uma pesquisa documental, com base em uma abordagem qualitativa. Para Gil (2002, p. 45)Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas., a pesquisa documental “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”.

Foram utilizados, nesta pesquisa, além de livros e artigos que tratam da história da Educação Especial no Brasil, um conjunto de documentos considerados de primeira-mão4 4 Fontes que ainda não tiveram, aparentemente, um tratamento analítico, segundo Gil (2002). , de acordo com Gil (2002)Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas., tais como: os relatórios e as cartas dos diretores do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e dos Ministros e Secretários dos Negócios do Império no período de 1854 a 1889, presentes no Arquivo Nacional e na Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro - RJ), e documentos extraídos do Almmanak Laemmert. Além disso, também foram analisadas com base no mesmo recorte temporal, as Coleções de Leis do Império, consideradas como documento de segunda mão5 5 Documentos que já passaram por um tratamento analítico (Gil, 2002). , de acordo com o mesmo autor.

Todos os documentos foram devidamente fotografados, realizada a leitura e a transcrição paleográfica, para posterior análise, uso e citação. Dada a originalidade da maior parte das fontes, o tratamento dos dados seguiu as premissas da análise de conteúdo, com vistas a extrair o “núcleo emergente”, em consonância com os objetivos da pesquisa e, consequentemente, realizou-se o processo de codificação, interpretação e inferências a partir das informações expressas nos achados documentais, “desvelando o seu conteúdo manifesto e latente”, segundo Pimentel (2001)Pimentel, A. (2001) O método de análise documental: seu uso numa perspectiva historiográfica. Cadernos de Pesquisa, 114, 179-195. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742001000300008
http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742001...
, e enfatizando o seu discurso institucionalizado. A construção textual deu-se com base em uma grande categoria, de onde pudemos extrair outras cinco subcategorias, com o fito de conferir ao texto um caráter mais didático.

2 Imperial Instituto dos Meninos Cegos: quadro administrativo

O primeiro prédio do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, no Rio de Janeiro, funcionou em uma casa do Morro da Saúde, até o ano de 1864. Teve ele como primeiro diretor e médico José Francisco Xavier Sigaud, que faleceu em 1856 e foi substituído por Cláudio Luís da Costa, nomeado por Decreto Imperial; ele também exercia a função de médico do Instituto. Durante a sua gestão, em 1866, o educandário foi transferido para endereço na Praça da Aclamação, atual Praça da República. Com o falecimento de Cláudio Luís da Costa, em 1869, ele foi substituído por Benjamin Constant Botelho de Magalhães, professor de Matemática e Ciências Naturais do Instituto, desde 1862 (convidado por Cláudio Luís, que era seu médico particular), e casado com Maria Joaquina da Costa, filha de Cláudio Luís, desde abril de 1863. Atuando também como professor de matemática e ciências e como tesoureiro, sua gestão como diretor só terminou com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, quando Benjamin Constant foi fazer parte da alta administração do Governo Provisório como Ministro da Guerra e, posteriormente, como Ministro da Instrução Pública. Durante o período imperial, o Instituto contou com esses três diretores.

Conforme explica Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., após a breve administração de Sigaud (1854-1856), na gestão de Cláudio Luís, a disciplina tornou-se mais rígida, tanto para os alunos quanto para os empregados, “maiores foram os controles de gastos, com evidente esforço de economia, inclusive quanto à contratação de pessoal; busca efetiva de autonomia financeira do Instituto, principalmente por meio da criação de patrimônio próprio” (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 178). Sobre a relação do Diretor com a educação de cegos, o autor coloca:

Não encontrei qualquer aproximação de Cláudio Luís e a educação dos cegos antes de assumir a direção do Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Nenhuma referência fez em seus escritos sobre os cegos e o Instituto a qualquer passagem sua pelo Instituto de Paris quando lá esteve em 1855 em visita a seu genro, o poeta Antonio Gonçalves Dias, com quem continuou a corresponder-se mesmo após a separação de sua filha (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 171).

Benjamin Constant, terceiro diretor do Instituto, sempre atuara no campo educacional; essa é uma das razões de ele não ter morado no Instituto (como fora feito pelos seus antecessores em vista do que era disposto no Regulamento Provisório6 6 O Regulamento Provisório do Imperial Instituto dos Meninos Cegos estava inserido na legislação de criação do colégio (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854). Dispunha de cinco capítulos que versavam sobre: as finalidades do instituto e sua organização; as funções dos funcionários; o número e a forma de admissão dos alunos; as matérias de ensino, exames e prêmios; e algumas disposições gerais sobre o instituto. Tal regulamento vigorou até o dia 17 de maio de 1890. de 1854). Durante sua gestão no Instituto, também trabalhava como professor na Escola Militar e na Escola Normal da Corte, o que nos dá pistas sobre a má remuneração dos profissionais da educação, já recorrente em tal período. Os diretores anteriores a Benjamin Constant, Xavier Sigaud e Cláudio Luís da Costa, ambos médicos aposentados, eram, contudo, diretores “onipresentes”, pois moravam no Instituto (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.).

Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. pontua que tanto Cláudio Luís quanto Benjamin Constant tentaram, durante as suas gestões, realizar uma série de mudanças no Instituto, principalmente no que diz respeito à reforma do seu Regulamento Provisório. Benjamin Constant sempre fora lembrado no Instituto, devido às tentativas de expansão e melhorias do educandário junto ao Governo. Mais tarde, o Instituto receberia, em sua homenagem, o nome de Benjamin Constant. Muito foi denunciado e pedido pelo último diretor para que se melhorasse a educação dos cegos e que o Governo zelasse mais por essas ações.

Outro cargo que fazia parte da administração do Instituto era o Comissário do Governo. Apesar de também estar subordinado ao Ministério do Império, assim como as demais escolas da Corte, o Instituto não era fiscalizado pelo Inspetor Geral da Instrução, mas, conforme propõe o artigo 2º do seu Regulamento Provisório (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.), pelo próprio Ministro ou por um comissário determinado por ele. Esse representante do Estado, que também fiscalizava o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, tinha a função de:

  • §1º Inspecionar a educação moral e religiosa, o ensino das letras e artes e a disciplina e economia do Instituto;

  • §2º Assistir aos exames dos alunos e dar conta ao Governo em relatório anual, do juízo que formar a respeito do seu aproveitamento, do mérito dos mestres e da administração do mesmo Instituto;

  • §3º Propor, em qualquer tempo, as medidas que julgar convenientes para repressão de abusos ou correção de disposições regulamentares conforme a experiência melhor aconselhar (Aviso de 18 de dezembro de 1854Aviso de 18 de dezembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. III. (p. 270-288). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 270).

Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. afirma que o Imperial Instituto dos Meninos Cegos teve três comissários permanentes durante o período imperial:

O Marquês de Abrantes (Miguel Calmon du Pin e Almeida), o Barão e depois Visconde do Bom Retiro (Luiz Pedreira do Couto Ferraz) e Antonio Candido da Cunha Leitão, que assumiu por diversas vezes interinamente nos impedimentos do Visconde do Bom Retiro antes de assumir efetivamente o cargo em 1887 por morte deste. O prestígio de que gozavam e o fato de não ser o cargo de Comissário do Governo junto ao Instituto nada cobiçado possibilitou que a rotatividade de ministros do Império não afetasse suas permanências mesmo quando assumiam ministérios liberais, pois estes comissários eram do Partido Conservador. O Marquês de Abrantes foi Comissário do Governo Imperial junto ao Imperial Instituto dos Meninos Cegos desde seu início, assinando o primeiro volume do Livro de Matrículas, aí permanecendo até sua morte na cidade do Rio de Janeiro em 5 de outubro de 1865 (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 128).

Além do Diretor e do Comissário do Governo, o Instituto possuía um quadro de funcionários que, segundo seu Regulamente Provisório, era composto de:

Um professor de primeiras letras; um de música vocal e instrumental; E o das artes mecânicas, que forem preferidas com atenção a idade, e aptidão dos alunos; Um médico; Um capelão; Um inspetor de alunos por turma de dez meninos, e, segundo o número destes, os empregados e serventes que forem indispensáveis (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 296).

No 4º artigo do Regulamento (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.) é referido que ainda seriam designados os professores que se tornassem necessários de acordo com o desenvolvimento dos planos de estudos do Instituto, o que dava brechas a novas contratações. Conforme o artigo 15º do seu Regimento Interno7 7 O Regimento Interno do Imperial Instituto dos Meninos Cegos foi estabelecido pelo Aviso de 18 de dezembro de 1854. Organizado em 106 artigos, havia um maior detalhamento sobre algumas disposições do Instituto, tais como as funções de seus empregados; classificação, instrução, exames e rotina dos alunos; disciplina e vestuário; prêmios e penas aplicadas aos estudantes; administração e contabilidade do Instituto; além de questões relacionadas ao horário de funcionamento, alimentação e visitas aos internos. , era função dos professores:

  • §1º Ensinar aos alunos as matérias das respectivas aulas, explicando-as convenientemente;

  • §2º Lembrar-lhes, em qualquer ocasião oportuna, os seus deveres como cidadãos, e dar-lhes conselhos úteis, sempre que deles careçam;

  • §3º Tratar com igual desvelo a todos os seus alunos, louvando os que derem boa conta de si, admoestando os que forem negligentes e estimulando-os a que não desprezem o benefício que lhes quer fazer (Aviso de 18 de dezembro de 1854Aviso de 18 de dezembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. III. (p. 270-288). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 273).

Para lecionar nas escolas públicas do município da Corte, era preciso provar maioridade legal (21 anos) (Decreto nº 630, de 17 de setembro de 1851Decreto nº 630, de 17 de setembro de 1851. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1851. Vol. 1, pt. I. (p. 56). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.; Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 45). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.), moralidade e capacidade profissional. Para serem nomeados por Decreto Imperial, os professores realizavam um exame oral e escrito que versaria “não só sobre as matérias do ensino respectivo, como também sobre o sistema prático e metódico do mesmo ensino, segundo as instruções que forem expedidas pelo Inspetor Geral, depois de aprovadas pelo Governo, e tendo precedido audiência do Conselho Diretor” (Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 45). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.). Contudo, não há dados que provem que esse procedimento foi realizado no Imperial Instituto dos Meninos Cegos.

Na falta de professores do Instituto de Cegos, estes eram substituídos uns pelos outros ou pelos repetidores (classe provavelmente inspirada nos monitores do ensino mútuo também presente em outros colégios, como o Colégio Pedro II e o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos) e, na falta destes, por quem o diretor designasse, com aprovação do Ministro do Império.

O Artigo 18 do Regulamento Provisório (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.) estipulava que haveria um número de até quatro repetidores na instituição, “que poderão ser também inspetores de alunos, com residência e sustento no colégio, e com a gratificação que for marcada pelo Governo” (p. 297). Era papel dos repetidores explicar as lições aos meninos nas horas de estudo, auxiliar o capelão no ensino das práticas e funções religiosas, “dirigir os alunos nos estudos preparatórios das suas lições, explicando-lhes o que era de mais difícil inteligência, lembrando-lhes o que tiverem esquecido e levando-os pelo raciocínio à cabal compreensão das matérias do mesmo ensino” (Aviso de 18 de dezembro de 1854Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 45). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 274). Além disso, deveriam “cumprir para com os alunos durante o estudo preparatório os mesmos deveres prescritos para os professores” (Aviso de 18 de dezembro de 1854Aviso de 18 de dezembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. III. (p. 270-288). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 274). Quando necessário, eram substituídos pelos seus colegas repetidores ou por quem o diretor desejasse.

De acordo com o Almanak Laemmert (Laemmert, 1855Laemmert, E. V. (1855). Almanak administrativo, mercantil e industrial da Côrte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1855 (Almanak Laemmert). Ano 12. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert.), o Instituto possuía, no seu primeiro ano de funcionamento, além do diretor, que exercia a função de médico, outros sete funcionários, dentre eles, um professor de Primeiras Letras para os meninos, uma professora cega para as meninas (Adélia, filha de Sigaud), um de música, também cego, e um de religião (o capelão). Havia ainda um repetidor cego (aluno do Instituto) e um inspetor de alunos. Esse número de profissionais está ligado ao reduzido número de alunos que, segundo Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., na data oficial de sua instalação (dia 17 de setembro de 1854), eram ao todo, 10: oito meninos e duas meninas, e que, mais tarde, chega ao número de 19, 13 meninos e seis meninas (Imperial Instituto dos Meninos Cegos [IIMC], 1859Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1859). Relatório sobre o estado actual do Imperial instituto dos meninos cegos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. (Relatório. Manuscrito). Cód.: AN IE5 3 de 1859, fls. 29-33., fl. 29-33).

Em 1889, último ano do Governo Imperial, o Almanak Laemmert (Sauer, 1889Sauer, A. (org.). (1889). Almanak administrativo, mercantil e industrial do Império do Brazil para 1889 (Almanak Laemmert). Ano 46. Rio de Janeiro: LAEMMERT & C.) revela um número de 29 funcionários no quadro do colégio, considerando, ainda, que a ocupação de tesoureiro era preenchida pelo diretor, a de professor de matemática e ciências naturais, também função do diretor, estava, na época, sendo ocupada por um substituto; e a de capelão e professor de religião estava vaga. Dentre as cadeiras contabilizadas, havia 13 para professores, sendo cinco de música, quatro para as oficinas profissionalizantes e o restante para as demais disciplinas científicas. Nessa data, os repetidores eram em número sete. Além desses, o Almanak revela a existência de uma comissão do patrimônio composta por três membros (diretor, secretário e tesoureiro).

Conforme consta no Regulamento Provisório do Instituto, de 1854, não havia um número exato de professores a ser contratado para dar aulas, variando de acordo com a necessidade do educandário. Além disso, considerando que, ao longo de todo o período imperial, o Instituto possuiu apenas um regulamento e regimento, é interessante notar como as normas contidas nele foram flexibilizadas, aceitando, na década de 1880, por exemplo, um número superior a quatro repetidores e 30 alunos, conforme constava no regulamento. O aumento do número de alunos atendidos pode ser a causa do aumento de funcionários em 1889, pois contava com apenas 10 alunos em 1854, 30 em 1862 e 60 alunos em 1884.

3 Proposta curricular

Anterior ao estabelecimento do Regulamento Provisório (1854), houve, ainda, três propostas de regulamentação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, enviadas ao Ministério do Império e provavelmente não aceitas. A primeira proposta, datada de 26 de dezembro de 1853 (IIMC, 1853Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1853). Projeto de Regulamento Geral do Instituto dos Jovens cegos assinado por Xavier Sigaud e José Alvares de Azevedo de 26 de dezembro de 1853. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1853. Projeto. Manuscrito. Cód.: AN IE5 2, fl. 06., fl. 6), e a segunda, de 20 de janeiro de 1854 (IIMC, 1854Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1854). Projeto de Regulamento do Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil assinado por José A. de Azevedo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1854. Projeto. Manuscrito. Cód.: AN IE5 2 de 1854, fl. 40., fl. 10), estão com assinaturas de José Álvares de Azevedo e José Francisco Xavier Sigaud. Nelas, afirma-se que o Instituto é um estabelecimento nacional colocado sob imediata proteção do Imperador. Seu curso duraria oito anos, podendo o aluno ainda cursar mais outros dois anos caso não tivesse concluído os estudos. Seriam admitidos alunos com idade entre oito e 12 anos. Haveria instrução intelectual, musical e tecnológica divididas em elementar (1º ao 4º ano) e superior (5º ao 8º ano). Os 7º e 8º anos seriam empregados para os alunos aperfeiçoarem-se nos estudos dos instrumentos de música e nos ofícios que tivessem aprendido.

A última proposta, sem referência de data (IIMC, 1854Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1854). Projeto de Regulamento do Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil assinado por José A. de Azevedo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1854. Projeto. Manuscrito. Cód.: AN IE5 2 de 1854, fl. 40., fl. 40), possui apenas assinatura de José Álvares de Azevedo e afirma ser a instituição destinada aos “brasileiros privados da vista”, os quais receberiam educação que os pusesse “ao abrigo da miséria” e lhes desse “meios de melhorar sua existência”. Podia esta, como afirma Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., ser de 1854 por estar agrupada neste ano na pasta de documentação do Arquivo Nacional. Segundo o autor, “nesta última, onde encontram-se razoáveis diferenças das outras duas, é que aparece o nome que viria a ser dado ao Instituto; nas outras aparece Instituto dos Jovens Cegos do Brasil” (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 113), tal como era chamado o instituto francês. A proposta apresentava um curso com seis anos de duração sem poder extrapolar sete anos.

O currículo do Imperial Instituto firmava-se em três eixos: o ensino intelectual, presente nos demais estabelecimentos elementares de educação; o ensino de música instrumental e o ensino tecnológico, por meio das oficinas pretendidas para o colégio (como a de afinação de pianos). Era previsto para o Imperial Instituto serem ministradas: “a instrução primária; a educação moral e religiosa; o ensino de música, o de alguns ramos da instrução secundária, e o de ofícios fabris” (Decreto nº 1331-A, de 17 de fevereiro de 1854Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 45). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 295). Em um regime de internato e utilizando o Sistema Braille, criado por Louis Braille no Instituto de Jovens Cegos de Paris, é definido um curso de oito anos, com possibilidade de prorrogação de dois anos, para os alunos que não se achassem suficientemente habilitados (diferente do usual nas escolas elementares cujo curso durava entre três e cinco anos). De acordo com Zeni:

A alfabetização em outro sistema de escrita e leitura que não o usualmente utilizado conferia à educação dos cegos um caráter diferencial, suficiente para que hoje receba o rótulo de “especial”. Alie-se a isso as incertezas do sucesso desse empreendimento, marcado pela noção de desvalia, não de doença, conferida à cegueira, quase que inevitavelmente associada à mendicidade, destino suposto para aqueles que, sem recurso de família, não conseguissem um nível razoável de instrução que os habilitassem ao magistério do próprio Instituto. Isto justifica a inclusão do ensino da música e de artes manuais no ensino dos cegos, diferentemente do disposto para o ensino primário do Município da Corte, o que implicava em maior tempo de duração do curso (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 139).

Na Exposição do Estado do Imperial Instituto dos meninos cegos no ano de 1858 (Costa, 1858Costa, C. L. da. (1858). Exposição do Estado do Imperial Instituto dos meninos cegos no ano de 1858 pelo seu diretor Dr. Cláudio Luiz da Costa. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Const. De J. Villeneuve.), relatório do diretor Cláudio Luís da Costa sobre o estado do Instituto, é ressaltada a importância do ensino da música vocal e instrumental para os cegos. Segundo o diretor, “em favor de tal estudo militam a natural propensão dos alunos e a consideração de ser ele o que lhes forneça para o futuro o mais seguro meio de subsistência” (Costa, 1858Costa, C. L. da. (1858). Exposição do Estado do Imperial Instituto dos meninos cegos no ano de 1858 pelo seu diretor Dr. Cláudio Luiz da Costa. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Const. De J. Villeneuve., p. 14). Para Zeni (1997)Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., o investimento sobre o ensino de música “era a convicção, ainda hoje compartilhada, mesmo que com menos intensidade, de que os cegos estavam naturalmente dotados para a música, em virtude do maior e melhor uso que faziam da audição como compensação da perda visual” (Zeni, 1997Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 87).

Em relação ao ensino profissional, Zeni (1997, p. 107)Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. destaca que “em 21 de agosto de 1857, o Diretor Cláudio Luís da Costa comunicou ao Ministro do Império a abertura da oficina tipográfica do Instituto com o engajamento de cinco alunos [...]. Para começar, seria impressa uma pequena história do Instituto”. Ao longo do século XIX, surgiram também as oficinas de encadernação para os meninos e os trabalhos manuais de agulha, franja, crochê e miçanga para as meninas, consideradas “prendas especiais a seu sexo”. Zeni (2005, p. 181)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. destaca que “os mestres de oficinas não eram funcionários públicos, não recebendo diretamente do Tesouro, e sim em folha à parte, situação muito menos segura”. Tal dado pode ser justificado pela desvalorização geral do trabalho manual nesse contexto histórico. O mesmo autor diz, ainda, que, “durante todo o período imperial, o Instituto contou apenas com duas oficinas, a de encadernação e a tipográfica, que apenas atenderam às necessidades internas do Instituto” (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 182) e que o trabalho das alunas não chegou sequer a cobrir as necessidades do próprio Instituto. Segundo o Relatório de 31 de março de 1884 (IIMC, 1884Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1884). Relatório de 31 de março de 1884. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Relatório. Manuscrito. Cód. AN IE5 51 de 1884, fl. Sem número., fl. s/n), escrito por Benjamin Constant ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, no fim do século XIX, o curso profissional era composto por: teoria da música para alunos e alunas; instrumento de sopro, de cordas e de percussão, afinação de pianos, artes tipográficas e encadernação para os meninos; e diversos trabalhos de agulha para as meninas.

Para o ensino científico, as disciplinas previstas eram, nos três primeiros anos: “leitura, escrita, cálculo até fracções decimais, música e artes mecânicas adaptadas à idade e força dos meninos. Na leitura se compreende o ensino do catecismo” (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 298); essas eram as disciplinas da primeira classe. Nos demais anos, havia o ensino de “gramática nacional; língua francesa; aritmética; geometria plana e retilínea; geografia; história; leitura dos evangelhos; além da continuação da música e dos ofícios mecânicos” (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 298) (aperfeiçoados no último ano de curso), que compreendia a segunda classe. É interessante destacar que, durante sua administração, Benjamin Constant fez pedido para implantar a cadeira de ginástica ao ensino de cegos, mas foi negado devido à condição visual de seus alunos (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.), fator que revela a percepção que se tinha sobre a pessoa cega e sua mobilidade e que nos faz refletir ainda hoje sobre a visão que temos em relação a essa potencial mobilidade, que caracteriza esse sujeito como aquele que é incapaz de perceber e mover o seu próprio corpo com destreza e autonomia.

No Município da Corte, o ensino havia sido dividido em primeira e segunda classe, de acordo com os anos de estudo como ocorrera na legislação da década de 1850 (Decreto nº 630, de 17 de setembro de 1851Decreto nº 630, de 17 de setembro de 1851. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1851. Vol. 1, pt. I. (p. 56). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.; Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 45). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.). As escolas foram divididas entre as de primeiro grau (instrução elementar) e as de segundo grau (instrução primária superior). Segundo a Reforma Educacional feita por Couto Ferraz (Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 45). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.), a instrução elementar compreendia: “o ensino moral e religioso; a leitura e escrita; as noções essenciais da gramática; os princípios elementares da aritmética; o sistema de pesos e medidas do município” (p. 55). Já a instrução primária superior, compunha:

O desenvolvimento da aritmética em suas aplicações práticas; a leitura explicada dos Evangelhos e notícia da história sagrada; os elementos de história e geografia, principalmente do Brasil; os princípios das ciências físicas e da história natural aplicáveis aos usos da vida; a geometria elementar, agrimensura, desenho linear, noções de música e exercícios de canto, ginástica, e um estudo mais desenvolvido do sistema de pesos e medidas, não só do município da Corte, como das províncias do Império, e das Nações com que o Brasil tinha mais relações comerciais (Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 45). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 55).

Nas escolas para meninas, além destes, ensinavam-se bordados e alguns trabalhos de agulha. Em 1879 (Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879. Vol. 1, pt. II. (p. 196). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.), há uma reforma nos ensinos primário e secundário do Município da Corte, idealizada por Leôncio de Carvalho, que abrangia escolas de primeiro e segundo grau. Com frequência obrigatória para meninos e meninas de sete a 14 anos, havia a instrução religiosa facultativa e a possibilidade de meninos serem matriculados em escolas femininas. As escolas de primeiro grau teriam um curso de seis anos com as disciplinas:

Instrução moral, Instrução religiosa, Leitura, Escrita, Noções de cousas, Noções essenciais de gramática, Princípios elementares de aritmética, Sistema legal de pesos e medidas, Noções de história e geografia do Brasil, Elementos de desenho linear, Rudimentos de música, com exercício de solfejo e canto, Ginástica e Costura simples (para as meninas) (Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879. Vol. 1, pt. II. (p. 196). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 198).

Para as escolas de segundo grau, havia um curso de dois anos que dava continuidade aos conteúdos do primeiro grau, somadas às disciplinas:

Princípios elementares de álgebra e geometria, noções de física, química e história natural, com explicação de suas principais aplicações à indústria e aos usos da vida, Noções gerais dos deveres do homem e do cidadão, com explicação sucinta da organização política do Império, Noções de lavoura e horticultura, Noções de economia social (para os meninos), Noções de economia doméstica (para as meninas), Prática manual de ofícios (para os meninos) e Trabalhos de agulha (para as meninas) (Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879. Vol. 1, pt. II. (p. 196). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., p. 198).

No Imperial Instituto dos Meninos Cegos, o Relatório de 31 de março de 1884, escrito por Benjamin Constant ao Ministro e Secretário do Estado dos Negócios do Império, revela que o curso de Ciências e Letras, parte referente à instrução intelectual ou científica do Colégio, fora dividido também entre primário e secundário, em uma provável tentativa de equiparação com o ensino regular destinado a videntes. Em sua composição, estava:

Curso Primário: Leitura, escrita, noções de gramática portuguesa, religião: história sagrada, dogma, moral e culto; aritmética prática: numeração falada e escrita, tabuada, quatro operações, sobre números, inteiros, frações, ordinais e decimais e noções de sistema métrico. Estas matérias são dadas nos três primeiros anos.

Curso Secundário: Gramática Portuguesa, Língua Francesa, História Antiga, média, moderna e especialmente a do Brasil, Geografia física e política, Cosmografia, Religião: evangelho explicado; aritmética teórica e prática, curso completo; Álgebra: até as equações de segundo grau; geometria: plana e no espaço, noções de física química e história natural. Este curso sai do quarto ao oitavo ano (IIMC, 1884Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1884). Relatório de 31 de março de 1884. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Relatório. Manuscrito. Cód. AN IE5 51 de 1884, fl. Sem número., fl. s/n).

De acordo com os documentos havia avaliações diárias, mensais e trimestrais. No final do ano, realizavam-se os exames públicos com data designada pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, na sua presença ou do Comissário por ele nomeado (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.). Por fim, as lições e o comportamento eram julgados pelos professores em: ótimo, bom, sofrível, mau ou péssimo (Costa, 1858Costa, C. L. da. (1858). Exposição do Estado do Imperial Instituto dos meninos cegos no ano de 1858 pelo seu diretor Dr. Cláudio Luiz da Costa. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Const. De J. Villeneuve.). Com base nas matrizes curriculares explicitadas, percebe-se que a educação de cegos tentava acompanhar a tendência geral de educação do país, mas considerando a especificidade do público-alvo em questão, houve um processo de profissionalização especialmente delineado.

4 Organização interna

O Regulamento Provisório do Instituto (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.) determinava que as aulas se iniciassem em sete de janeiro e terminassem em 15 de novembro, ficando aberto das cinco horas da manhã às nove horas da noite. À época, o segundo diretor do Instituto, Cláudio Luís, informava que “os alunos têm todo o tempo tomado pelo estudo ou por alguma ocupação, exceto os intervalos do recreio” (Costa, 1858Costa, C. L. da. (1858). Exposição do Estado do Imperial Instituto dos meninos cegos no ano de 1858 pelo seu diretor Dr. Cláudio Luiz da Costa. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Const. De J. Villeneuve., p. 33). Funcionando como internato, seus estudantes levantavam-se às cinco horas e dormiam às 22 horas, saindo a passeio com responsáveis alguns domingos e feriados. Poderiam receber visitas de pais ou responsáveis, com a autorização do diretor, às quintas-feiras e aos domingos. Justificando o tempo gasto pelos alunos em suas atividades estudantis, o diretor afirmava: “Parecerá, talvez, excessivo o trabalho; e de fato o seria para outros, que não para os cegos, os quais no estudo e no trabalho acham o seu mais aprazível recreio” (Costa, 1858Costa, C. L. da. (1858). Exposição do Estado do Imperial Instituto dos meninos cegos no ano de 1858 pelo seu diretor Dr. Cláudio Luiz da Costa. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Const. De J. Villeneuve., p. 33). A visão estigmatizada e mitificada sobre as pessoas com deficiência visual, como se não gozassem dos mesmos prazeres e não tivessem os desejos dos videntes, considerados “normais”, é ideia presente no próprio discurso médico de Cláudio Luís e que justificava uma rotina exaustiva e fortemente controlada pela instituição, inclusive na esfera pessoal e individual.

No Artigo 75° do Regimento Interno (Aviso de 18 de dezembro de 1854Aviso de 18 de dezembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. III. (p. 270-288). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.), foi informado que a renda do Instituto se compunha de “subsídio do Tesouro Público, que for anualmente votado pelo Poder Legislativo8 8 Subsídio no valor de 15:000$ de réis segundo o Almanak Laemmert ; da mesada dos alunos contribuintes; das doações que lhe forem feitas” (p. 284). Em 1874, foi idealizado por Benjamin Constant um plano de loterias a fim de desonerar o Estado dos gastos crescentes que o atendimento aos cegos requeria, por meio da criação da Sociedade Protetora dos Cegos Desvalidos. Contudo, esse projeto não se consolidou. Em 29 de setembro de 1877, o Decreto nº 2.771, de 29 de setembro de 1877Decreto nº 2.771, de 29 de setembro de 1877. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1877. Vol. 1, pt. I. (p. 38). Rio de Janeiro: Typographia Nacional., criou, para o Instituto dos Meninos Cegos e para o dos Surdos-Mudos, um patrimônio de 2.000:000$000 de réis constituído em apólices da dívida pública. Patrimônio formado por vários fundos diferentes da sociedade.

5 Materiais didáticos

Dos materiais necessários ao ensino dos meninos cegos, muitos eram importados, principalmente, vindos do Instituto de Paris. Conforme explica Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.:

Para a escrita no Sistema Braille, se necessitava de um aparelho especial e de um ponteiro, conhecido como punção, que podiam ser confeccionados aqui mesmo (no Brasil). O papel, que de especial só tinha a gramatura, deveria vir de fora, o que atesta a incipiência de nossa indústria (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p.110).

Além do papel, como exposto na Carta ao Ministro do Império, sobre os objetos vindos de Paris, escrita por Sigaud em 2 de outubro de 1854 (IIMC, 1854Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1854). Projeto de Regulamento do Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil assinado por José A. de Azevedo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1854. Projeto. Manuscrito. Cód.: AN IE5 2 de 1854, fl. 40., fl. 35), eram importadas tábuas de zinco para cálculo, “alfabetos em pontos” (Braille) e em caracteres romanos, livros e cartilhas em Braille, mapas em relevo, máquinas de escrever, entre outros. Em relatório de 31 de março de 1884 (IIMC, 1884Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1884). Relatório de 31 de março de 1884. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Relatório. Manuscrito. Cód. AN IE5 51 de 1884, fl. Sem número., fl. s/n), Benjamin Constant revela a variedade de recursos existentes para uso no Instituto; tais como: a guia, o lápis, o noetigrapho, a Máquina de Remingston, a de Foucault (que permitia aos cegos escreverem em sistema ordinário, em tinta ou a lápis) e a Diplographo (própria para escrita nos dois sistemas, o comum e o especial aos cegos).

No que diz respeito aos livros didáticos utilizados, foi recorrente, nos primeiros anos do Colégio, o pedido de importação do Espositor Portugues, a Grammatica Portugueza de Coruja, o Catechismo de Montpellie (em português), os Tratados de Aritmética e Elementos de Música de Francisco M. da Silva, todos em “pontos salientes” (ou seja, Braille), como consta na Carta enviada ao Ministro do Império em 8 de dezembro de 1853, assinada por Sigaud e Azevedo (IIMC, 1853Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1853). Projeto de Regulamento Geral do Instituto dos Jovens cegos assinado por Xavier Sigaud e José Alvares de Azevedo de 26 de dezembro de 1853. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1853. Projeto. Manuscrito. Cód.: AN IE5 2, fl. 06., fl. 12). Outro documento de 1856 (IIMC, 1856Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1856). Ofício sobre recebimento de caixa vinda de Paris. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Ofício. Manuscrito. Cód.: AN IE5 2 de 1856, fl. 36., fl. 36) acusa o recebimento de uma caixa vinda com 50 exemplares do Catecismo resumido de Montpellie, fazendo referência, também, à necessidade dos demais livros citados. Em geral, era afirmado que em todos os anos se necessitava mandar comprar ao estrangeiro objetos precisos ao progresso da instrução dos alunos no Instituto (IIMC, 1863Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1863). Relatório de 1º de janeiro de 1863. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Relatório. Manuscrito. Cód.: AN IE5 5 de 1863, fls. 11-17., fl. 214).

Zeni (2005, p. 159)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. refere que “a biblioteca do Instituto estava se formando lentamente com livros mandados vir da Europa e dos Estados Unidos, além daqueles copiados pelos próprios alunos. Esta biblioteca se iniciou com as doações feitas pelo pai de José Álvares de Azevedo”. Segundo a Carta de 31 de maio de 1854 enviada ao Ministro Luiz Pedreira de Couto Ferraz e escrita por Manoel Álvares de Azevedo (IIMC, 1854Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1854). Projeto de Regulamento do Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil assinado por José A. de Azevedo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1854. Projeto. Manuscrito. Cód.: AN IE5 2 de 1854, fl. 40., fl. 19-20), foram doados ao Instituto, após a morte de Azevedo, 64 volumes de diferentes obras escritas em relevo e 62 volumes da História da Instituição dos Cegos de Paris, traduzidos por José Álvares de Azevedo, além de uma série de outros materiais úteis para o ensino dos alunos com deficiência visual. Com o passar do tempo, vários outros exemplares foram compondo essa biblioteca, provenientes de doações ou de compras vindas de Paris.

6 Corpo discente

Quanto ao número dos alunos no Instituto, este sempre fora reduzido, não só pelas poucas vagas que eram oferecidas, como também pelas barreiras sociais, geográficas e burocráticas que eram impostas. Conforme o Relatório dos dados estatísticos até hoje fornecidos a este Instituto, dos meninos cegos existentes, e carecidos de instrução, de 1857 (IIMC, 1857Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1857). Relatório dos dados estatísticos até hoje fornecidos a este Instituto, dos meninos cegos existentes, e carecidos de instrução. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Cód.: AN IE5 2 de 1857, fl. 40., fl. 40), havia um número de 299 cegos contabilizados e enviados ao instituto pelas províncias do Pará, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e no município neutro do Rio de Janeiro. Segundo o relatório, a última estatística feita relatava um número total de 7.677.800 habitantes no Brasil e considerava-se que haveria um cego a cada mil habitantes. O Império, então, possuiria 7.678 cegos em todo o seu território. No relatório, Cláudio Luís da Costa, portanto, indica: “supondo que a metade serão escravos, ficarão 3.839, deduzindo-se 1/3 dos maiores de 14 anos e outro dos menores de seis (posto que os maiores sejam muito mais numerosos), fica o número de 1279 meninos cegos livres e carecidos de instrução” (IIMC, 1857Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1857). Relatório dos dados estatísticos até hoje fornecidos a este Instituto, dos meninos cegos existentes, e carecidos de instrução. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Cód.: AN IE5 2 de 1857, fl. 40., fl. 40).

Apesar dos esforços para a abstração de tais dados, esses números expostos por Cláudio Luís devem, contudo, ser relativizados devido à falta de metodologias censitárias da época. Somando-se a esses dados, Zeni (1997)Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. revela que, durante a gestão de Xavier Sigaud (1854-1856), o diretor recebeu estatísticas que confirmavam a existência de 148 cegos adultos vivendo no Rio de Janeiro; destes, haveria ainda 19 cegos de nascença. Entretanto, o autor reflete que “148 cegos, mesmo para aqueles dias, era um número reduzido, ainda mais quando se consideram as precárias condições higiênicas e sanitárias do Rio de Janeiro de então, em comparação com o que temos hoje que também deixa bastante a desejar” (Zeni, 1997Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 76). Em geral, esses dados acabavam sendo arbitrários, pois ainda não havia mecanismos bem estruturados para contabilizar essa população; a própria administração das províncias não contava com estimativas precisas da condição dos seus habitantes. Somente em 1872, com o censo nacional, é que houve uma maior organização na coleta desses dados, onde foram estimados 13.344 cegos livres e 2.504 cegos escravos (Recenseamento do Brazil de 1872).

Para que as pessoas com deficiência visual pudessem usufruir da educação no Imperial Instituto dos Meninos Cegos, havia uma série de condições a fim de realizar a matrícula. Como consta no Regulamento Provisório de 1854 (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.), o número de alunos não poderia exceder a 30 nos três primeiros anos. Dentre estes, poderia haver 10 gratuitos reconhecidamente pobres, e os que não fossem reconhecidos pobres deveriam pagar uma pensão anual decidida pelo Governo, a qual não poderia exceder de 400$000 réis. Além disso, deveriam pagar uma joia, no ato de entrada, de até 200$000 réis. Caberia ao Governo fornecer sustento, vestuário e curativo aos estudantes.

Eram admitidos somente meninos e meninas livres, com idade entre seis e 14 anos. A admissão no Instituto dependia da autorização do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, sendo necessária a apresentação de certidão de batismo, ou justificação de idade; atestado do médico do estabelecimento, do qual constasse ser total sua cegueira; e, no caso de ser gratuito, um atestado do pároco e de duas autoridades do lugar da residência do aluno, provando sua indigência. Além disso, era necessário que o médico do estabelecimento averiguasse que o aluno fora vacinado e que não sofresse de enfermidade contagiosa.

Quanto à permanência de meninas no Imperial Instituto dos Meninos Cegos, caso peculiar para as escolas da época, cuja educação era separada pelo gênero, foi determinado pelo Regimento Interno (Aviso de 18 de dezembro de 1854Aviso de 18 de dezembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. III. (p. 270-288). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.) que elas deveriam ser completamente desassociadas dos meninos, tendo aulas à parte, casa de trabalho, lugar de recreação e passeio, refeitório e dormitório. As turmas, de gênero distinto, deveriam ser separadas entre si, cada uma tendo, em regra, dormitório e refeitório à parte.

Em geral, as meninas eram educadas por mestras nas disciplinas elementares, nas línguas e oficinas consideradas “próprias ao seu sexo”, relacionada ao trabalho com costura, agulha e lã, em consonância com o que ocorria no município da Corte, onde eram ensinados “bordados e trabalhos de agulha mais necessários” (Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 45). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.). Os meninos seguiam o currículo usual, sendo estes ensinados pelos mestres, ocorrendo uma separação física dos gêneros na educação científica e nas artes manuais.

Os alunos do Instituto eram ainda classificados de acordo com seu Regimento Interno (Aviso de 18 de dezembro de 1854Aviso de 18 de dezembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. III. (p. 270-288). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.), em relação ao seu estado: contribuintes e gratuitos; em relação à idade e em relação ao ensino, em duas classes: a primeira, dos que frequentavam as aulas dos primeiros três anos; a segunda, dos que tiverem concluído com aproveitamento o referido triênio. Na data de sua instalação oficial, o Imperial Instituto contava com 10 alunos (oito meninos e duas meninas), sendo três considerados com recursos e sete pobres (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.). Inicialmente, o Dr. Sigaud chegou a apresentar algumas das causas do número reduzido de alunos, referindo-se às distâncias, à recusa dos pobres, às dificuldades com o tempo e à oposição dos pais abastados (Zeni, 1997Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.), que, provavelmente, viam com desdém o ensino profissionalizante. Esse número, entretanto, foi crescendo com os anos.

Após retiradas e falecimentos, somente em 22 de agosto de 1862, teve o Instituto 30 alunos internos efetivamente matriculados, sendo 26 na classe dos gratuitos e quatro na dos contribuintes (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.). Em Relatório de 1 de janeiro de 1863 (IIMC, 1863Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1863). Relatório de 1º de janeiro de 1863. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Relatório. Manuscrito. Cód.: AN IE5 5 de 1863, fls. 11-17., fl.11-17), dos 21 meninos e nove meninas, a maioria, 10, vinha da Corte, cinco eram do Rio de Janeiro, três de Minas Gerais, três da Bahia, três de Santa Catarina, dois do Ceará, um de São Paulo, um do Espírito Santo, um de Montevidéu e um vindo da Prússia. O Relatório de 1864 (IIMC, 1864Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1864). Relatório de 18 de junho de 1864. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Relatório. Manuscrito. Cód.: AN IE5 5 de 1864, fls. 300-311., fl. 300-311) revela um número de 29 alunos; destes, 28 eram internos e um externo. Nesse relatório, afirma-se, ainda, que “muitos alunos estão prontos no que se chama nas escolas videntes de primeiras letras”.

Após a mudança do edifício em 1866, “Cláudio Luís começou uma prática que foi muito utilizada por Benjamin Constant, a de admitir candidatos à espera de matrícula, já residindo no Instituto, o que, de direito, não feria o Regulamento e a lei orçamentária por não se tratar de alunos” (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 201). Isso resultava em uma pressão para o aumento do número de matrículas. Na gestão de Benjamin Constant, o número de alunos sobe para 57 (15 meninas e 42 meninos) (IIMC, 1884Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil. (1884). Relatório de 31 de março de 1884. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Relatório. Manuscrito. Cód. AN IE5 51 de 1884, fl. Sem número., fl. s/n). O Diretor lutou constantemente para uma maior ampliação dessas matrículas (para 150), justificando-se com os dados do censo de 1872.

No projeto de Reorganização do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1873), desenvolvido por Benjamin Constant, aprovado pela Câmara em 1875 e rejeitado pelo Senado, em 1877, por motivos orçamentários, estavam previstas: a mudança do edifício do educandário, o aumento do número de alunos, criação de novas oficinas técnicas, a disseminação do Instituto por quase todo o Império e a criação de casas de trabalho e de asilos para os idosos e “inválidos”.

Também o projeto de criação da Sociedade Protetora dos Cegos Desvalidos, proposto por Benjamin Constant em 1874, vinculava-se à ideia de expandir a Instituição. Contudo, tal proposta não foi atendida. O fato é que o número de alunos contribuintes sempre fora reduzido e a administração não criara distinção entre os alunos, o que arcava em gastos para a Instituição. De acordo com Zeni (1997)Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., diferentemente de Sigaud, Cláudio Luís da Costa reconheceu que a maior parte dos cegos era originária da classe pobre, o que fez o Governo abrir mais sete vagas para os pobres além da prevista, apenas três eram contribuintes.

Constava, ainda, no Regulamento Provisório (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.) que os alunos pobres, após completarem seus estudos, se não fossem empregados como repetidores, teriam o destino que o Governo julgasse conveniente. Entretanto, as poucas tentativas feitas e sem sucesso de trabalho fora do Instituto mostraram a sua tendência “totalizante e assistencial” (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.). Em Projeto de Lei destinado à Câmara, Benjamin Constant afirma que a sorte dos educandos ao deixarem o Instituto era um verdadeiro problema a se resolver e que o educandário era uma casa de educação e de instrução e não um asilo de cegos. Segundo Constant, “não basta educar e instruir o cego. A solicitude do poder público não o deve abandonar, desprotegido, as peníveis eventualidades da vida” (Reorganização do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, 1873, p. 7). Por isso, a sua desenvoltura para criar uma sociedade protetora dos cegos aos moldes franceses, que atuariam sobre os indivíduos formados no Instituto.

O Regulamento também previa o acesso de ex-alunos ao magistério do estabelecimento, o que acabou por fazer com que estes ficassem “duradouramente” vinculados a ele. Já era muito comum “os alunos mais adiantados ajudarem gratuitamente os professores como repetidores, o que aproxima o ensino do Instituto do Método Lancasteriano ao colocá-los na condição de monitores” (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 144). Além disso, “apesar da ‘especialidade’ da educação dos cegos, os professores do Instituto não receberam qualquer formação especial, mesmo quando não fossem cegos, até porque não havia qualquer dispositivo os obrigando a aprender o Sistema Braille” (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 143).

Ao criarem o Instituto, havia a intenção, por parte de José Álvares de Azevedo e de José Francisco Xavier Sigaud, de trazer mestres cegos vindos da França para educar os alunos. Entretanto, Cláudio Luís da Costa não concordava com a ideia de que os cegos deveriam ser ensinados por cegos, pois, para o Diretor, os que viam ensinariam melhor (Zeni, 1997Zeni, M. (1997). O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o assistencialismo (segunda metade do século XIX) (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.). Essa posição generalizada sobre a incapacidade gerada pela cegueira resultou em uma dificuldade dos repetidores cegos em se tornarem professores, “somente com Benjamin Constant já na década de 1880, é que os cegos foram, de fato, preferidos para professores, sugerindo-se mesmo a descontratação de alguns ‘videntes’” (Zeni, 2005Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., p. 144).

7 Considerações finais

A pesquisa desenvolvida, ao trazer documentos e reflexões até então inéditas, sobre a primeira instituição escolar destinada às pessoas com deficiência no Brasil, com seu nível de detalhamento acerca da proposta pedagógica e configuração ampla da educação de cegos nos anos de 1800, confere ao campo uma perspectiva inovadora, uma vez que foi explicitado um mosaico de possibilidades para o entendimento de como as questões relativas à instrução e formação foram estabelecidas para estudantes cegos do período. Mosaico este que construiu os alicerces pedagógicos e organizacionais para as posteriores instituições de educação especial brasileiras fundadas no decorrer dos séculos XIX e XX. Além disso, apesar desta proposta de análise e reflexão histórico-documental considerar a importância de agentes como José Álvares de Azevedo, Xavier Sigaud e D. Pedro II na constituição do Instituto, traz novas perspectivas para se pensar a criação do educandário para cegos, uma vez que se distancia de uma História personalista divulgada, hoje, pela própria instituição e agrega ao debate as intenções de caráter público com viés modernizador que atingiu as instituições do Rio de Janeiro durante o século XIX, embasadas em concepções do que era moderno e inovador nos países europeus da época, em especial na França.

Por meio dos estudos, vislumbramos os esforços emanados pelos três diretores para o estabelecimento e a manutenção do Imperial Instituto dos Meninos Cegos no recorte temporal definido. Além da educação literária, o encaminhamento profissional também foi planeado, apesar das dificuldades que se apresentaram, com o fito de tornar o sujeito cego menos “oneroso” a sociedade vigente.

De maneira geral, como afirma Araújo (1993)Araujo, S. M. D. de. (1993). Elementos para se pensar a educação dos indivíduos cegos no Brasil: A história do instituto Benjamin Constant (Dissertação de Mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., havia a oportunidade de educar os cegos para a obtenção de um título socialmente reconhecido e oferecido pela instituição, mas que só lhes serviam nos limites dos muros escolares, corroborando com uma condição passiva que foi reforçada por muitas décadas. Diferentemente do ensino secundário, que “se destinava fundamentalmente aos filhos da elite, quer para ocuparem cargos político-administrativos, quer para ingressarem nos cursos superiores” (Veiga, 2007Veiga, C. G. (2007). História da Educação. São Paulo: Ática., p. 188), o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, apesar de apresentar um currículo que seguia o modelo da época, tinha mais uma característica de instituição de caridade do que de espaço escolar de formação de cidadãos. O Instituto acabava por manter seus internos por mais tempo que o próprio Asilo dos Meninos Desvalidos, que, também sendo um educandário, dava instrução primária e profissionalizante, e mantinha seus internos até os 18 anos de idade.

Os professores do Imperial Instituto eram mal pagos e, como dizia Costa (1858, p. 13)Costa, C. L. da. (1858). Exposição do Estado do Imperial Instituto dos meninos cegos no ano de 1858 pelo seu diretor Dr. Cláudio Luiz da Costa. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Const. De J. Villeneuve., “a exiguidade de seus ordenados é tal, que para alguns não basta cobrir as despesas com os seus transportes ao instituto”, situação delicada se seus ordenados fossem comparados com os dos professores das escolas públicas dos videntes, cujo magistério era considerado pelo diretor como “inquestionavelmente muito menos trabalhoso”. Era, portanto, tarefa árdua para seus gestores convencerem os setores ilustrados, o próprio Governo e a sociedade de que o Instituto era um educandário e não uma instituição de caridade.

Para Zeni (2005)Zeni, M. (2005). Os cegos no Rio de Janeiro do segundo reinado e começo da república (Tese de Doutorado). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil., essa conotação de asilo se expressava não só pela marginalização advinda da deficiência, mas também pelos alunos serem, em sua maioria, oriundos de classes subalternas, o que lhes dava certo grau de inferioridade e recusa dos pais mais abastados em colocar seus filhos cegos na instituição. Em geral, a educação dos pobres deveria prepará-los para um ofício honesto e não para serem sábios (currículo utilitário), “esta distinção seria tida como uma regra e a sua transgressão geraria uma mistura iníqua ou um amálgama monstruoso (pobres e ricos recebendo a mesma instrução)” (Penna, 2008Penna, F. de A. (2008). Sob o nome e a capa do Imperador: a criação do colégio de Pedro Segundo e a construção do seu currículo (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., p. 130).

A imposição dessa educação sobre o cego e a impossibilidade de seguir carreira em outra instituição caracterizava o aspecto asilar do Instituto. Entretanto, ainda que viver, estudar e trabalhar no Instituto fosse um reflexo da submissão desses grupos aos papéis da pessoa com deficiência impostas pela sociedade, ser professor do Instituto de Cegos, de acordo com as possibilidades disponíveis, poderia ser uma das formas de resistir e de se colocar diante de um contexto de forte apartação e discriminação social.

Em uma sociedade em que a população escravizada não tinha acesso à educação formal e a população pobre lidava com a oferta de poucas escolas, cuja atividade se restringia à instrução elementar (ler, escrever e contar); em que os dados da época revelam que apenas 10% da população em idade escolar estavam matriculados nas escolas primárias no ano de 1867 (Aranha, 2006Aranha, M. L. de A. (2006). História da educação e da pedagogia: geral e do Brasil. (3. ed.). São Paulo: Moderna.); a divergência entre o Imperial Instituto dos Meninos Cegos e as escolas cujos alunos eram provenientes da elite, tal como o Colégio Pedro II (de caras mensalidades, destinado a poucos privilegiados e que contava com um currículo erudito de ordem humanística e científica); temos um exemplo claro da histórica desigualdade social calcada nas relações das instituições escolares.

  • 4
    Fontes que ainda não tiveram, aparentemente, um tratamento analítico, segundo Gil (2002)Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas..
  • 5
    Documentos que já passaram por um tratamento analítico (Gil, 2002Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas.).
  • 6
    O Regulamento Provisório do Imperial Instituto dos Meninos Cegos estava inserido na legislação de criação do colégio (Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1854. Vol. 1, pt. I. (p. 295). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.). Dispunha de cinco capítulos que versavam sobre: as finalidades do instituto e sua organização; as funções dos funcionários; o número e a forma de admissão dos alunos; as matérias de ensino, exames e prêmios; e algumas disposições gerais sobre o instituto. Tal regulamento vigorou até o dia 17 de maio de 1890.
  • 7
    O Regimento Interno do Imperial Instituto dos Meninos Cegos foi estabelecido pelo Aviso de 18 de dezembro de 1854. Organizado em 106 artigos, havia um maior detalhamento sobre algumas disposições do Instituto, tais como as funções de seus empregados; classificação, instrução, exames e rotina dos alunos; disciplina e vestuário; prêmios e penas aplicadas aos estudantes; administração e contabilidade do Instituto; além de questões relacionadas ao horário de funcionamento, alimentação e visitas aos internos.
  • 8
    Subsídio no valor de 15:000$ de réis segundo o Almanak Laemmert

Referências

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  • Decreto nº 2.771, de 29 de setembro de 1877 In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1877. Vol. 1, pt. I. (p. 38). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.
  • Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879 In Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879. Vol. 1, pt. II. (p. 196). Rio de Janeiro: Typographia Nacional.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2018
  • Revisado
    26 Jan 2019
  • Aceito
    02 Mar 2019
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