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PROGRAMA TALENTO MATEMÁTICO MEXICANO (TAMME) - ATIVIDADES DE ENRIQUECIMENTO PA RA ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO1

MEXICAN MATHEMATICAL TALENT PROGRAM (TAMME) - ENRICHMENT ACTIVITIES FOR ELEMENTARY AND HIGH SCHOOL STUDENTS

RESUMO

Este estudo teve como objetivos identificar estudantes com talento matemático no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, no que se refere ao sistema numérico maia e babilônico para o Ensino Fundamental e ao pensamento computacional, com o uso do Scratch, para o Ensino Médio; projetar e implementar um programa de enriquecimento extraescolar com alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio; estudar a evolução das ideias matemáticas, trabalhadas no programa de enriquecimento extracurricular. O aporte teórico foi baseado no Modelo de Enriquecimento para toda a Escola (School Wide Enrichment Model - SEM). Esse modelo teve origem no Modelo Triádico de Enriquecimento de Renzulli. Os resultados apresentados referem-se às atividades de enriquecimento extracurricular, com numeração babilônica e o sistema numérico maia, e as atividades em ambiente Scratch. Os resultados do estudo mostraram que ambos os grupos de idade foram capazes de abordar as atividades propostas e desenvolveram experiências de aprendizado que lhes deram habilidades para resolver problemas matemáticos, tanto no ambiente a lápis e papel quanto na linguagem de programação Scratch. O grupo de alunos do Ensino Fundamental representou números no sistema maia e babilônico e realizou operações aritméticas; dessa forma, este trabalho os ajudou a compreender o sistema posicional; e os estudantes do Ensino Médio aprenderam a fazer animações de dois personagens (sprites) e aprenderam a programar.

PALAVRAS-CHAVE:
Talento matemático; Modelo Renzulli; Programa de enriquecimento extracurricular; Ensino Fundamental; Ensino Médio

ABSTRACT

The study aimed to identify students with mathematical talent in Elementary and High School, with regard to the Mayan and Babylonian numerical system for Elementary School and computational thinking, with the use of Scratch for High School; to design and implement an out-of-school enrichment program with Elementary and High School students; to study the evolution of mathematical ideas, worked on in the extracurricular enrichment program. Theoretical support was based on the School Wide Enrichment Model (SEM). This model is originated from Renzulli’s Triadic Enrichment Model. The results presented refer to extracurricular enrichment activities, with Babylonian numerals and the Mayan numerical system, and activities in the Scratch environment. The results of the study showed that both age groups were able to approach the proposed activities and developed learning experiences that gave them skills to solve mathematical problems, both in the pencil and paper environment and in the Scratch programming language. The group of Elementary School students represented numbers in the Mayan and Babylonian system and performed arithmetic operations; in this way, this work helped them to understand the positional system; and the High School students learned to make animations of two characters (sprites) and learned how to program.

KEYWORDS:
Mathematical talent; Renzulli model; Extracurricular enrichment program; Primary education; Secondary Education

1 INTRODUÇÃO

O interesse pela temática da inteligência, da superdotação e o talento têm sido objeto de estudo em diversas culturas e diferentes épocas. Por meio de registros literários, esse assunto era de interesse dos gregos, egípcios e romanos, antes de Cristo. No final do século XVI, em 1575, Juan Huarte de San Juan tratou do estudo da superdotação em sua obra intitulada Examen de Ingenios para las Ciencias.

Na literatura científica, sobre o tema da superdotação, há várias conceitualizações e modelos explicativos sobre a sua origem. Além disso, atualmente, há vários países interessados no estudo da superdotação, tais como: China, Espanha, Estados Unidos da América, Filipinas, Indonésia, Israel, Japão, Reino Unido, Cingapura, África do Sul, Brasil, México e outros. Também parece haver um consenso entre os especialistas, interessados em pesquisas sobre o tema, e eles concordam que os procedimentos e os instrumentos para a identificação de altas habilidades não devem se limitar apenas aos testes de inteligência, pois há outras variáveis importantes que devem ser consideradas, como características pessoais, ambiente familiar e escolar, entre muitas outras. Sob essa perspectiva, recomenda-se o uso de diferentes técnicas, procedimentos e instrumentos de pesquisa.

Nesse contexto, há várias definições do que se entende por dotação, alta habilidade e talento na educação. Nos dias atuais, a identificação de alunos com talentos específicos ou habilidades acima da média ainda está sendo discutida no campo das altas habilidades e da superdotação. Neste mesmo sentido, os talentos específicos aparecem diferenciados nas teorias mais atuais sobre a superdotação, sendo um deles o talento matemático. É relevante mencionar que importantes matemáticos refletiram sobre esse talento, por exemplo, Hadamard (1945)Hadamard, J. (1945). The psychology of invention in the mathematical field. Princeton University Press. e Poincaré (1963)Poincaré, H. (1963). Ciencia y Método. Espasa-Calpe, Colección Austral. observaram que os estudos sobre a identificação e a caracterização de crianças com talento matemático tiveram um aumento notável e, como apontam Marjoram e Nelson (1988)Marjoram, D., & Nelson, R. (1988). Talentos matemáticos. In J. Freeman (Ed.), Los niños superdotados. Aspectos Psicológicos y Pedagógicos (1ª ed., pp. 211-227). Santillana., eles têm um desenvolvimento relativamente recente, e a maioria das pesquisas se concentra na detecção de estudantes com talento matemático, com base em tarefas de resolução de problemas.

Entre as pesquisas relacionadas à identificação de estudantes com talento matemático, podemos citar Krutetskii (1976)Krutetskii, V.A. (1976). The psychology of mathematical abilities in school children. Chicago Press., Ellerton (1986)Ellerton, N. (1986). Children’s made-up mathematics problems - a new perspective on talented mathematicians. Educational Studies in Mathematics, 17, 261-271. https://doi.org/10.1007/BF00305073
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, Benito (1996)Benito, Y. (1996). Capacidad metacognitiva y estrategias cognitivas de resolución de problemas matemáticos y de transformación y de inducción de estructuras en superdotados. Ideación, 7, 25-33., Niederer e Irwin (2001)Niederer, K., & Irwin, K. (2001). Using problem solving to identify mathematically gifted students. In M. van den Heuvel-Panhuizen (Ed.), Proceeding of the 25th Conference of the International Group for the Psychology of Mathematics Education (v. 3, pp. 431-438). Utrecht University. e Niederer et al. (2003)Niederer, K., Irwin, R. C., Irwin, K. C., & Reilly, I. L. (2003). Identification of Mathematically Gifted Children in New Zealand. High Ability Studies, 14(1), 71-84. http://dx.doi.org/10.1080/13598130304088
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. As pesquisas sobre talentos matemáticos começaram por volta de meados do século XX. Krutetskii, na Rússia, entre 1955 e 1966, conduziu pesquisas com estudantes entre 6 e 16 anos de idade e observou seus processos cognitivos, enquanto trabalhavam por meio de uma série de problemas matemáticos, e detectou uma tendência dos estudantes superdotados a preferirem formas de pensamento visual-espacial ou uma forma lógica analítica. Ademais, também descobriu que os estudantes podiam fazer generalizações, tinham raciocínio abreviado e estruturas generalizadas abreviadas e que, além disso, esses alunos pensavam sobre a matemática de uma forma qualitativamente diferente e tinham destrezas para resolver problemas matemáticos. Krutetskii (1976)Krutetskii, V.A. (1976). The psychology of mathematical abilities in school children. Chicago Press. listou algumas características tipicamente encontradas em crianças matematicamente dotadas, relacionadas à capacidade de: 1. Perceber e empregar informação matemática, 2. Captar a estrutura interna dos problemas, 3. Pensar clara e economicamente na solução de um problema, 4. Usar símbolos com facilidade e flexibilidade, 5. Reverter facilmente seu processo de pensamento matemático, 6. Lembrar de informação matemática geral, métodos de resolução de problemas e princípios de abordagem.

Os estudos de Krutetskii (1976)Krutetskii, V.A. (1976). The psychology of mathematical abilities in school children. Chicago Press. trouxeram como resultado uma descrição das possíveis características que podem ser encontradas em estudantes matematicamente talentosos, com base em seu desempenho na resolução de problemas incomuns. Esta ideia promoveu outras pesquisas, como a de Niederer e Irwin (2001Niederer, K., & Irwin, K. (2001). Using problem solving to identify mathematically gifted students. In M. van den Heuvel-Panhuizen (Ed.), Proceeding of the 25th Conference of the International Group for the Psychology of Mathematics Education (v. 3, pp. 431-438). Utrecht University. como citado em Butto Zarzar et al., 2016Butto Zarzar, C., Andrade González, A., & Lanz Ovando, M. Y. (2016). Identificación de estudiantes con altas capacidades matemáticas en educación primaria. Revista Horizontes Pedagógicos, 18(2), 66-85.), que descreveu o talento matemático a partir da resolução de problemas matemáticos.

Niederer e Irwin (2001Niederer, K., & Irwin, K. (2001). Using problem solving to identify mathematically gifted students. In M. van den Heuvel-Panhuizen (Ed.), Proceeding of the 25th Conference of the International Group for the Psychology of Mathematics Education (v. 3, pp. 431-438). Utrecht University. como citado em Butto Zarzar et al., 2016Butto Zarzar, C., Andrade González, A., & Lanz Ovando, M. Y. (2016). Identificación de estudiantes con altas capacidades matemáticas en educación primaria. Revista Horizontes Pedagógicos, 18(2), 66-85.) mencionam seis maneiras de identificar o talento matemático: usando testes de inteligência, nomeação de professores, nomeação de pais, autonomeação de estudantes, nomeação de colegas e capacidade de resolução de problemas dos estudantes. Os autores mencionam que a resolução de problemas é uma maneira mais eficaz de identificar talentos matemáticos do que outras técnicas tradicionais. Especificamente, eles comparam a resolução de problemas com um teste matemático de múltipla escolha padronizado, o Progressive Achievement Test (PAT), com a nomeação de professores, a autonomeação, e concluem que a resolução de problemas é um instrumento eficaz para identificar talentos matemáticos.

Esses estudantes têm um conjunto de características cognitivas e afetivas específicas para crianças com talento matemático: 1. Têm uma percepção formal da matemática; 2. São capazes de resolver problemas complexos; 3. Realizam um raciocínio lógico sobre as relações quantitativas e espaciais; 4. Pensam com símbolos matemáticos e seu pensamento é flexível; 5. Generalizam as relações e as operações de forma rápida e ampla; 6. Simplificam o raciocínio matemático; 7. Podem realizar construções rápidas de processos mentais e mostrar reversibilidade no raciocínio matemático; 8. Têm memória matemática para relações, argumentações, demonstrações e aspectos de resolução de problemas; 9. Têm energia, persistência e concentração; 10. Organizam dados para observar padrões ou relações; 11. Analisam os problemas, consideram alternativas; 12. Aprendem conceitos e processos matemáticos mais rapidamente do que outros alunos; 13. São habilidosos ou capazes de verbalizar conceitos, processos e soluções matemáticas; 14. Gostam de problemas difíceis, quebra-cabeças e problemas de lógica, desenvolvem associações únicas e empregam métodos originais para soluções, às vezes resolvem problemas intuitivamente e podem não ser capazes de explicar por que a solução é correta.

Em relação ao desenvolvimento do talento matemático, Montejo-Gámez et al. (2020)Montejo-Gámez, J., Fernández-Plaza, J. A., & Ramírez, R. (2020). Talento matemático en la resolución de un problema de generalización. In E. Castro-Rodríguez, E. Castro, P. Flores, & I. Segovia (Coords.), Investigación en educación matemática. Homenaje a Enrique Castro (1ª ed., pp. 121-138). Octaedro. mencionam que vários autores concordam que uma das características dos alunos talentosos é a capacidade de generalizar. O estudo envolveu um grupo de alunos do Ensino Médio de Granada, México. Após analisar o trabalho individual e em dupla, realizado pelos estudantes, descobriu-se que as estratégias utilizadas pelos estudantes incluíam a criatividade na resolução dos problemas, o uso eventual de sua própria notação e a busca espontânea de soluções gerais.

Escrivá et al. (2017)Escrivá, M. T., Jaime, A., Gutiérrez, A., & Beltrán-Meneu, M. J. (2017). Geometría 3D y talento matemático. UNO Revista de Didáctica de las Matemáticas, 77, 7-13. referem que a capacidade de visualização é uma habilidade inerente aos estudantes com talento matemático, de acordo com Del Grande (1990)Del Grande, J. (1990). Spatial sense. Arithmetic Teacher, 37(6), 14-20. https://doi.org/10.5951/AT.37.6.0014
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e Van Garderen (2006)Van Garderen, D. (2006). Spatial visualization, visual imagery, and mathematical problem solving of students with varying abilities. Journal of Learning Disabilities, 39(6), 496-506. https://doi.org/10.1177/00222194060390060201
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. Seguindo essa linha, Escriva et al. (2017) realizaram uma experiência de ensino focada na manipulação de cubos. O objetivo era analisar as habilidades de visualização e as características do talento matemático. Eles descobriram que os estudantes que utilizaram o raciocínio geométrico/visualizador conseguiram resolver as atividades propostas, além disso, também comentaram que existe uma correlação entre a presença de características de talento matemático e uma alta capacidade de visualização. Eles concluíram que o uso de atividades de geometria espacial que favoreça o desenvolvimento de habilidades de visualização deve ser promovido nas salas de aula, a fim de desenvolver as habilidades matemáticas de todos os alunos e, ao mesmo tempo, identificar os alunos com talento.

No que se refere ao desenvolvimento das altas habilidades com o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), García-Perales e Almeida (2019)García-Perales, R., & Almeida, L. S. (2019). Programa de enriquecimiento para alumnado con alta capacidad: Efectos positivos para el currículum. Comunicar: Revista Científica de Comunicación y Educación, 27(60), 39-48. https://doi.org/10.3916/C60-2019-04
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, na Espanha, realizaram um estudo com desenho pré e pós-teste e aplicaram o Programa de Enriquecimento Horizontal para Alunos com Altas Habilidades, no qual são trabalhadas as seguintes áreas: linguística, científica, socioemocional e artística. Nesse estudo, participaram estudantes do Ensino Fundamental, com idades entre 7 e 12 anos. O programa de enriquecimento foi realizado durante as aulas, utilizando atividades específicas de extensão horizontal para cada uma das áreas acima mencionadas, tutoria, uso das TIC (Padlet, Socrative, Edpuzzle, Kahoot! e Genially, Geogebra e Pixton) e recursos bibliográficos. Eles concluem que uma atenção educativa diferenciada em sala de aula favorece sua adaptação e aprendizagem, assim como o aconselhamento sobre o uso das TIC dentro dos processos de intervenção.

Terroba et al. (2021)Terroba, M., Ribera, J., & Lapresa, D. (2021). Cultivando el talento matemático en educación infantil mediante la resolución de problemas para favorecer el desarrollo del pensamiento computacional. Contextos educativos, 26(2-3), 65-85. http://doi.org/10.18172/con.5008
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realizaram a elaboração e a aplicação de uma trajetória de resolução de problemas matemáticos abertos, com progressiva dificuldade, na qual trabalharam o pensamento computacional, com a participação de 71 estudantes de Educação Infantil com idades entre 3 e 5 anos, porém nenhum desses estudantes havia sido previamente identificado como tendo talento matemático. Eles concluíram que o desenvolvimento de estratégias que trabalham o pensamento computacional é útil para trabalhar com estudantes com talento matemático.

2 PROGRAMA DE TALENTOS MATEMÁTICOS MEXICANOS

O Projeto Talento Matemático Mexicano (TAMME) é um programa de enriquecimento extracurricular para o desenvolvimento de talentos matemáticos com alunos, professores e pais de alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio das escolas públicas da Cidade do México e no Estado do México. O programa de enriquecimento foi desenvolvido por meio de atividades do Tipo I, de acordo com o modelo de Renzulli (2008)Renzulli, J. (2008). La educación del sobredotado el desarrollo del talento para todos. Revista de Psicología, 26(1), 23-42. https://doi.org/10.18800/psico.200801.002
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. Simultaneamente, são oferecidas oficinas experimentais para pais, ministrados por um professor e um psicoterapeuta profissional da Universidad Pedagógica Nacional (UPN) -Ajusco. As sessões são realizadas quinzenalmente nas sextas-feiras e nos sábados alternados, tendo duração de aproximadamente duas horas e meia, nas instalações da UPN-Ajusco. O objetivo desse programa é aprimorar as habilidades matemáticas e desenvolver a curiosidade científica. O trabalho foi realizado com alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, no âmbito do projeto TAMME.

Para a realização das oficinas direcionadas aos estudantes e aos pais, disponibilizam-se os seguintes espaços: uma sala de aula para cada grupo de alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio; uma sala de informática para estudantes do Ensino Médio; e um espaço para oficinas para os pais.

2.1 APORTE TEóRICO: MODELO DE ENRIQUECIMENTO ESCOLAR (SEM)

O Programa TAMME baseia-se no Modelo de Enriquecimento Escolar (SEM, em inglês - School Wide Enrichment Model), o qual teve sua origem no Modelo Triádico de Enriquecimento de Renzulli e Reis (1985)Renzulli, J. S., & Reis, S. M. (1985). The Schoolwide Enrichment Model: A comprehensive plan for education excellence. Creative Learning Press. e Renzulli (2008)Renzulli, J. (2008). La educación del sobredotado el desarrollo del talento para todos. Revista de Psicología, 26(1), 23-42. https://doi.org/10.18800/psico.200801.002
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. Seu objetivo é fomentar e desenvolver a produtividade criativa. Nele, o talento é representado por três anéis, que definem comportamentos talentosos, em vez de indivíduos talentosos. O modelo tem três componentes inter-relacionados: traços humanos-habilidade média superior, altos níveis de comprometimento nas tarefas e altos níveis de criatividade. Os indivíduos que desenvolvem um comportamento talentoso são capazes de desenvolver esse complexo conjunto de características humanas e aplicá-las a uma determinada área, como mostrado na Figura 1.

Figura 1
Modelo Triádico de Enriquecimento de Renzulli

O Modelo Triádico consiste em três tipos de atividades de enriquecimento: Tipos I, II e III (Figura 2). O enriquecimento Tipo I pode ser dado a grupos gerais ou estudantes que tenham expressado interesse em um tópico ou área. O enriquecimento Tipo II é dado aos grupos de estudantes em suas aulas ou em programas de enriquecimento. Inclui o desenvolvimento de pensamento criativo e resolução de problemas, pensamento crítico e processos afetivos; uma ampla gama de habilidades específicas de aprendizagem, bem como habilidades no uso de materiais de referência de nível avançado; e comunicações escritas, orais e visuais. O enriquecimento Tipo III envolve estudantes que estão interessados em uma área específica e engajados na aquisição de conteúdo avançado. Neste tipo de atividade, eles assumem o papel de indagadores.

Figura 2
Modelo de Enriquecimento para toda a Escola de Renzulli (SEM)

Esta pesquisa apresenta os resultados de um programa de enriquecimento extracurricular para o desenvolvimento do talento matemático com alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Os alunos eram provenientes de escolas públicas da Cidade do México e do Estado do México. Os alunos participavam de oficinas de matemática realizadas fora da escola. Os pais também participavam de oficinas com um psicoterapeuta, que lida com a comunicação e o relacionamento com seus filhos.

As seguintes atividades descritas no programa correspondem ao trabalho realizado com o sistema de numeração babilônico e maia e com o pensamento computacional, respectivamente.

2.2 OBJETIVOS

  • Identificar estudantes com talento matemático no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, com relação ao sistema numérico babilônico e maia (Ensino Fundamental) e Pensamento Computacional usando Scratch (Ensino Médio).

  • Projetar e implementar um programa de enriquecimento extraescolar para alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

  • Estudar a evolução das ideias matemáticas, trabalhadas no programa de enriquecimento extracurricular.

2.3 PARTICIPANTES

Participaram do programa 24 alunos do Ensino Fundamental e 28 alunos do Ensino Médio de escolas públicas da Cidade de México e do Estado de México, com idades entre 9 e 16 anos. Alunos e pais participaram de oficinas realizadas fora da escola. Os estudantes procediam de um baixo nível socioeconômico.

2.4 MODELO DA PESQUISA

O programa utilizou um modelo longitudinal não experimental com uma modalidade de painel, pois foram estudados grupos de indivíduos (Ensino Fundamental e Ensino Médio) e estes foram os mesmos ao longo de dois anos. O modelo não experimental é um estudo que é realizado sem manipulação deliberada de variáveis, pois o objetivo é observar fenômenos em um ambiente natural e depois analisá-los. Esta pesquisa se concentrou em analisar as mudanças ao longo do tempo em uma comunidade e seus processos. Nesse tipo de modelo, realiza-se uma coleta de dados única, pois abrange diferentes grupos (Ensino Fundamental e Ensino Médio), de dois tipos de comunidades (escolas públicas na Cidade de México e no Estado de México).

A pesquisa apresenta dados quantitativos e qualitativos que foram comparados e analisados. A primeira etapa do estudo foi composta de informações, coletadas por meio de um questionário sobre sistemas numéricos, entrevista clínica individual, questionário sobre estilos de aprendizagem, Escala de Apoio Familiar (versões do aluno e dos pais), nomeação de colegas e professores e notas de matemática. Com esses dados das escalas e dos questionários, procuramos observar a relação entre o apoio familiar, os estilos de aprendizagem, a indicação de colegas e professores e as notas em matemática. Para a segunda fase da análise, procuramos observar as estratégias de resolução de problemas usadas na fase de implementação das oficinas, tanto com os sistemas numéricos babilônicos e maias quanto com o pensamento computacional.

2.5 DESCRIÇÃO DAS ETAPAS DO ESTUDO

Nesta seção, discorremos sobre as duas Etapas deste estudo: 1) Identificação de alunos com talento matemático em alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio para os sistemas babilônicos e maias e o pensamento computacional; 2) Concepção e implementação de um programa de enriquecimento extracurricular com alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

2.5.1 ETAPA 1 – IDENTIFICAÇÃO DE ALUNOS COM TALENTO MATEMÁTICO EM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO PA RA OS SISTEMAS BABILÔNICOS E MAIAS E O PENSAMENTO COMPUTACIONAL

Foram administrados um questionário inicial sobre sistemas de numeração, uma entrevista clínica individual, um questionário sobre estilos de aprendizagem, uma escala de apoio familiar, nomeação de colegas e professores e notas de matemáticas.

  1. Questionário sobre sistemas de numeração: O questionário explorou as propriedades e as características dos sistemas de numeração. Foi aplicado no início das oficinas de matemática ministradas aos alunos do Ensino Fundamental. O objetivo do instrumento foi explorar a concepção que os estudantes tinham de certos conteúdos matemáticos.

  2. Entrevista clínica individual: O propósito do instrumento foi investigar sobre os processos usados pelos estudantes para responder ao questionário sobre os conteúdos matemáticos explorados nas oficinas.

  3. Questionário de estilos de aprendizagem: Ele foi aplicado com o propósito de reconhecer os estilos de aprendizagem dos estudantes. O questionário foi composto de 80 itens organizados em grupos de 20 cada um, de acordo com estilos de aprendizagem, classificados em: ativo, reflexivo, teórico e pragmático. O questionário foi proposto por Alonso et al. (2007)Alonso, C., Gallego, D., & Honey, P. (2007). Los estilos de aprendizaje. Procedimientos de diagnóstico y mejora. Ediciones Mensajero., e o estudante responde se concorda ou não com a declaração apresentada a ele.

  4. Escala de Apoio Familiar (versões para o aluno e pais), de Bazán Ramírez et al. (2007)Bazán Ramírez, A., Sánchez Hernández, B. A., & Castañeda Figueiras, S. (2007). Relación estructural entre apoyo familiar, nivel educativo de los padres, características del maestro y desempeño en lengua escrita. Revista Mexicana de Investigación Educativa, 12(33), 701-729.. Seu objetivo foi obter informações relacionadas ao apoio que os pais dão a seus filhos nas disciplinas de espanhol e matemática. Há duas versões do instrumento: uma para pais e outra para alunos que utilizam os mesmos indicadores e as mesmas perguntas. O instrumento é baseado em uma escala Likert com cinco opções que medem a frequência dos comportamentos analisados: a) nunca; b) quase nunca; c) às vezes; d) quase sempre; e e) sempre, com exceção de um dos itens (tempo dedicado pelos pais ao apoio nas tarefas escolares). Os resultados fornecem uma faixa de valores entre 0 e 4 que podem ser analisados como um indicador da frequência percebida com que os pais fornecem algum tipo de apoio aos filhos. Além disso, é calculada uma média geral para cada uma das quatro dimensões de apoio.

  5. Nomeação de colegas e professores: É um procedimento na qual o professor e os colegas do grupo nomeiam um colega que se sobressai na matemática.

  6. Notas de matemática: As notas dos alunos foram consideradas como um sinal de talento matemático.

2.5.2 ETAPA 2 - CONCEPÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO EXTRACURRICULAR COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E DO ENSINO MéDIO

As atividades descritas no programa de enriquecimento extracurricular corresponderam ao trabalho feito com o aprendizado do sistema de numeração babilônico, maia e pensamento computacional.

2.5.2.1 PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO EXTRACURRICULAR COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

O programa de enriquecimento extracurricular teve como objetivo desenvolver habilidades matemáticas em estudantes com talento matemático. Nessa fase, as atividades de enriquecimento Tipo I foram projetadas, de acordo com a proposta de Renzulli. Os estudantes trabalharam nas oficinas de matemática do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. As atividades descritas no programa de enriquecimento extracurricular correspondem ao trabalho realizado com o sistema numérico maia mexicano e babilônico com alunos do Ensino Fundamental.

2.5.2.2 ATIVIDADES DE ENRIQUECIMENTO PARA ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL

Como parte das estratégias de enriquecimento para o grupo de alunos do Ensino Fundamental, realizaram-se duas atividades para que eles pudessem aprender sobre dois antigos sistemas de numeração posicional, compará-los e descobrir o valor posicional. Eles trabalharam com o cuneiforme babilônico e os sistemas mexicanos maias.

2.5.2.3 ATIVIDADES DE ENRIQUECIMENTO DA NUMERAÇÃO BABILÔNICA COM ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL

Inicialmente, foram apresentadas imagens de tabletes de argila com incisões cuneiformes babilônicas para familiarizar os estudantes com a escrita numérica (Figuras 3 e 4). Nas mesas de trabalho, trabalhando em trios, foram colocadas barras retangulares de plasticina e palitos de picolé em forma de prisma com uma base quadrada, para que com o canto do palito pudessem fazer incisões em forma de cunha sobre a barra de plasticina, tentando imitar a escrita cuneiforme de alguns números. Anteriormente, eles experimentavam outros objetos com os quais podiam ser feitas incisões cuneiformes (Figura 5). Os estudantes experimentaram fazendo cunhas para representar os números 1 a 9, e, depois, apreciaram a conveniência de representar o número 10 por uma cunha em posição vertical. Após isso, com as novas unidades de dez representadas por cunhas verticais, representaram os números 20, 30, 40, 50 e combinações tais como 23 decomposto como 20 e 3.

Figura 3
Imagem de um tablete babilônico e seu esquema para uma melhor interpretação

Figura 4
Imagem de um tablete babilônico e seu esquema para uma melhor interpretação

Figura 5
Material usado na atividade de numeração Babilônica

2.5.2.4 ATIVIDADES DE ENRIQUECIMENTO: ARITMÉTICA MAIA COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Com a ajuda de uma lousa como mostrado na Figura 6, é possível realizar somas de quantidades que são surpreendentemente fáceis com o sistema de numeração posicional maia. Em um tabuleiro de papelão, uma matriz 3 x 3 é marcada, com as fileiras marcadas com fita preta. Os períodos ou níveis são representados pelas fileiras. O nível mais baixo corresponde a unidades, 200, o próximo nível a unidades de 201, e o terceiro nível a unidades de 202. Os valores de posicionamento absoluto dos níveis, 1, 20 e 400 estão escritos na coluna da direita. As duas colunas restantes são utilizadas para representar as quantidades a serem adicionadas. Para representar uma quantidade em uma coluna, foram utilizadas pequenas pedras para as unidades e palitos de picolé para os quintetos. O zero foi representado por uma concha. Inicialmente, as crianças receberam “desafios” para representar números pequenos a fim de se familiarizarem com as pedras e os palitos - para representar números entre 1 e 19 -, usando a regra “não mais que 4 pedrinhas, para colocar 5, você usa um palito”. Em seguida, foi enfatizada a representação de 20 como uma unidade do nível superior. Posteriormente, “desafios” de complexidade crescente foram definidos até que o terceiro nível fosse utilizado, que diz respeito a números na ordem de centenas ou milhares.

Figura 6
Materiais para a atividade de numeração maia: tabuleiro de papelão, palitos planos de picolé, pedras e concha para representar o zero - atividades com lápis, papel e lousas

Uma vez que os alunos representaram os números com alguma familiaridade, eles procederam a somar duas quantidades. Cada soma foi representada nas duas primeiras colunas do tabuleiro. Para somá-las, foi utilizado o princípio básico de união, começando com o nível das unidades, juntaram-se pedras ou palitos do primeiro nível de cada somando, e cada vez que se ultrapassaram quatro pedrinhas, elas foram “trocadas” por um palito. O resultado foi colocado no nível das unidades na terceira coluna. Se o total excedia 19 unidades, então uma concha era colocada no nível das unidades, e uma pedrinha, no nível das vintenas. Os alunos então fizeram “desafios” de somar várias quantidades, propostas por um instrutor.

2.5.2.5 ATIVIDADES DE ENRIQUECIMENTO COM SCRATCH PARA ESTUDANTES DO ENSINO MéDIO

Os alunos do Ensino Médio tiveram uma sessão de familiarização com Scratch em uma sala de informática onde cada aluno teve acesso a um computador conectado à internet. Eles trabalharam, desse modo, com a versão on-line do Scratch. Um pequeno documento foi preparado no Word, além disso, eles receberam planilhas com o objetivo de dar indicações mais explícitas, explicando como o Scratch funciona. A imagem da primeira página é mostrada nas Figuras 9 e 10, mais adiante. O objetivo da atividade foi animar dois sprites, um tubarão e um caranguejo em movimento no fundo do mar. O tubarão deveria mover-se ao longo do fundo, seguindo as datas na direção vertical/horizontal e direita/esquerda para perseguir o caranguejo. O caranguejo tinha de viajar por todo o fundo, saltando cada vez que tocava as paredes. A Figura 10 mostra os blocos necessários para a construção do sprite do tubarão. As crianças trabalharam por cerca de uma hora e, ao final da sessão, as simulações feitas pelos alunos foram projetadas na tela principal da sala. O Quadro 1 apresenta cada uma das sessões das oficinas e os processos de pensamento computacional que foram explorados nas sessões de trabalho com os alunos. Os conteúdos matemáticos das sessões está resumido no Quadro 1. O objetivo original do Scratch é desenvolver uma abordagem de programação baseada na experiência prática usando a Linguagem de Programação Scratch. O Scratch é uma linguagem de programação visual, na forma de blocos de código. Essa linguagem é usada para programar histórias interativas, jogos, animações e simulações para os usuários, que podem ser compartilhadas com os colegas.

Quadro 1
Descrição das sessões de trabalho com Scratch

Figura 7
O número 25 representado no tabuleiro

Figura 8
Atividade que representa a quantidade 1000 (segunda coluna no tabuleiro) e o número 525 (primeira coluna no tabuleiro) a serem somados

Figura 9
Sprite do caranguejo construído por estudantes em Scratch

Figura 10
Captura de tela de uma das animações do Sprite do tubarão em Scratch

3 ANÁLISE DO ESTUDO

Nesta seção, analisamos as duas etapas do estudo. A primeira envolve os resultados do questionário de apoio da familia e do questionário de estilos de aprendizagem. A segunda comprende as atividades do sistema de numeração maia com estudantes do Ensino Fundamental e as atividades com Scratch com estudantes de Ensino Médio.

3.1 ANÁLISE DA PRIMEIRA ETAPA DO ESTUDO

Esta pesquisa apresenta os resultados de um programa de enriquecimento extracurricular para o desenvolvimento de talentos matemáticos com estudantes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio sob a estrutura teórica de Renzulli. O programa foi realizado por meio de oficinas de matemática para estudantes. A seguir, apresentamos os resultados da primeira etapa do estudo, correspondendo ao questionário sobre estilos de aprendizagem, nomeação de colegas e professores, e as notas de matemáticas.

A análise das informações da primeira etapa do estudo foi realizada com o uso do pacote estatístico SPSS, versão. 2.0. A estatística descritiva foi utilizada para descrever o comportamento das variáveis analisadas na amostra.

3.1.1 RESULTADOS DO QUESTIONÁRIO DE APOIO FAMILIAR

Para o questionário de apoio familiar (PAF), foi realizada uma análise da consistência interna do instrumento para verificar a validade dos dados apresentados. A escala de apoio familiar (PAF) obteve um alfa de Cronbach de 0,945, indicando que o instrumento tinha uma validade interna considerável.

3.1.2 RESULTADOS DO QUESTIONÁRIO DE ESTILOS DE APRENDIZAGEM

Os resultados obtidos no questionário de estilos de aprendizagem classificaram os alunos em dois estilos preferidos, os estilos de aprendizagem reflexivo e teórico. A partir dos resultados, pudemos ver que os alunos com um estilo de aprendizagem reflexivo são muito atentos e também analíticos, observadores e gostam de investigar por conta própria, enquanto os alunos com um estilo de aprendizagem teórico são metódicos, lógicos, muito críticos e estruturados, além de questionarem os procedimentos que aprendem e, em várias ocasiões, propõem novos procedimentos. Além disso, o questionário de estilos de aprendizagem obteve um alfa de Cronbach de 0,879, indicando que o instrumento tinha uma validade interna considerável.

Nomeação de colegas e professores: Em termos de indicação de pares e professores, os alunos que participaram do programa foram indicados como alunos de destaque em matemática. A indicação foi correspondida tanto por seus colegas de classe quanto pelo professor.

Notas matemáticas: As notas dos alunos foram analisadas como um dos fatores que a literatura especializada sobre o assunto indica como um dos fatores importantes para determinar o talento matemático.

3.2 ANÁLISES DA INFORMAÇÃO DA SEGUNDA ETAPA DO ESTUDO

A análise das informações da segunda etapa do estudo foi feita por meio das planilhas. Os alunos trabalharam em duplas e trios e resolveram as atividades propostas nas oficinas de matemática. A análise dos dados dessa etapa consistiu na análise das respostas dos alunos às atividades propostas.

3.2.1 ATIVIDADES DO SISTEMA DE NUMERAÇÃO MAIA COM ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL

Os estudantes se familiarizaram na representação de números até 19 na lousa usando a regra “não mais que quatro pontos” ou “não mais que quatro palitos”. No primeiro desafio, eles trocaram cinco pedras por um palito de madeira para representar os quintetos. No segundo desafio, eles representam uma pontuação como uma unidade do nível superior. A Figura 7 mostra um aluno representando na lousa o número 20, que os outros alunos então representam no tabuleiro. Também mostra como eles representavam o número 25 como uma unidade de pontuação e um palito de quinteto.

Os estudantes passaram a representar o número na ordem de centenas que precisam usar no terceiro nível de potência 203 = 400 e somar números dessa ordem. A Figura 8 mostra dois instantes capturados no vídeo do desafio “somar 1000 + 525”. Vemos o número 1000 corretamente representado na segunda coluna como 2·202 + 2·5·20+0 = 800+200 = 1000, em que o zero no nível mais inferior é reconhecido como a concha. Na coluna mais à esquerda, a criança está prestes a representar o número 525. Ela já colocou no tabuleiro 1·202 = 400 no nível maior das unidades de 202 = 400 (uma pedrinha), e no nível das unidades de 201 tem representada a quantidade 5·201 +1·201 = 100+20=20 (uma barrinha e uma pedrinha); no nível das unidades 200 tem representada a quantidades 5·200. Finalmente, representa corretamente no tabuleiro 1·202 + 5·201 +1·201 + 5·200 = 400 + 100 + 20+5 = 525.

3.2.2 ATIVIDADES COM SCRATCH COM ESTUDANTES DO ENSINO MéDIO

Para o programa de enriquecimento extracurricular com alunos do Ensino Médio, o pensamento computacional foi trabalhado com atividades em lápis e papel e na linguagem de programação Scratch. O programa tinha como objetivo desenvolver o talento matemático e foram elaboradas atividades de enriquecimento do tipo I.

Os estudantes se familiarizaram com os comandos básicos em Scratch para animar o sprite do tubarão. Na folha de trabalho fornecida, experimentaram o início do programa (“ao pressionar a bandeira verde”) e “ao pressionar a tecla”, ambos blocos na paleta de “Eventos”. A folha de trabalho mostra cinco fios (threads) ou processos que correm em paralelo. O principal é um loop infinito de espera de 0,1 segundos e exibindo a “próxima fantasia” para que o sprite do tubarão avance indefinidamente. Os quatro fios restantes respondem ao evento “pressionar tecla” com argumentos “seta para cima”, “seta para a direita”, “seta para a esquerda”, “seta para baixo”. Os argumentos são controlados por dois blocos de movimento de “apontar na direção” + argumento e “mover passos” + argumento, em que o argumento são os valores das variáveis de direção e de avanço que os alunos experimentaram. A construção do sprite do caranguejo foi deixada como um projeto aberto para os estudantes. Alguns conseguiram completá-lo, outros não, mas, ao final da sessão, foi mostrada uma das animações que funcionaram. As Figuras 9 e 10 mostram capturas de tela da projeção de duas simulações realizadas pelos estudantes.

4 SISTEMAS DE NUMERAÇÃO

Nesta seção, dissertamos, com mais detalhes, sobre o sistema de numeração babilônico, o sistema de numeração maia e o pensamento computacional.

4.1 SISTEMA DE NUMERAÇÃO BABILÔNICO

Ao tratarmos do sistema de numeração babilônico, inicialmente, é necessário dizermos que os sumérios produziram a escrita, inclusive, antes da criação da matemática. Dessa forma, os babilônios empregaram a matemática dos sumérios, cuja base não era dez, mas, sim, sexagesimal, ou seja, base 60, sabendo-se ainda que o valor posicional muda seu valor. Esse sistema de numeração era conhecido desde os mais antigos registros babilônicos antes de Cristo. O referido sistema possui frações sexagesimais, semelhantes aos nossos décimos, centésimos e milésimos, além dos números inteiros.

O Sistema de numeração babilônico era um sistema de numeração cuneiforme, tendo como base o sistema sumério, os babilônios consolidavam a base sexagesimal, em que o primeiro agrupamento de base 10 era limitado à repetição de marcas cuneiformes até que a seguinte ordem fosse alcançada. Os babilônios economizaram na escrita, usando apenas dois símbolos em forma de cunha, distinguidos por sua posição horizontal ou vertical, que chamaremos de prego (vertical) e cunha (horizontal), embora seja digno de nota que o estilo de representação pode variar ligeiramente. A exemplo, temos o número 32 (Figura 11), que em sua notação desenvolvida seria (3·10) + (2·1). Os babilônios escreviam da esquerda para a direita, primeiro as dezenas e depois as unidades. Além disso, a escrita era apresentada em agrupamentos, os pregos representando as unidades eram unidos em uma de suas extremidades com uma configuração máxima de 3·3, enquanto as cunhas representando as dezenas eram unidas no centro, em uma configuração triangular; dessa forma, a interpretação dos números era feita da mesma forma que reconhecemos atualmente, o número nos pontos de um dado.

Figura 11
O número babilônico 32

Com apenas dois símbolos para representar todas as quantidades, ao atingir a base sexagesimal, o símbolo do prego era repetido. É aqui que a grande contribuição dos babilônios reside, na consolidação da ideia de valor posicional, pois um símbolo ou um número não só representava seu valor em si, mas também o valor da posição que ocupa no digito; uma posição à esquerda comunica o poder da base de cada sistema. Nesse sentido, ao contrário dos egípcios, que não estabeleceram uma regra para a ordem e direção da escrita, na escrita numérica babilônica, a ordem e a direção da escrita garantiam o valor posicional do símbolo do prego, como mostrado na Figura 12.

Figura 12
O número babilônico

Contudo, os babilônios tiveram de enfrentar um problema. Embora o valor do lugar resolvesse a representação do número da próxima ordem, como seria possível diferenciar a escrita do símbolo do prego da primeira ordem, com o símbolo do prego da segunda ordem, quando a posição das unidades estava vazia, como mostra a Figura 13, representando tanto o número 60 como o número 1?

Figura 13
O número babilônico 60 e 1

Nessa figura, é mostrada a escrita para o número 60 e para o número 1. Observando que não há diferença entre eles, quando o símbolo do prego estava à esquerda de uma escrita de valor superior, como a cunha representando dez unidades, era evidente que podia ser interpretado com seu valor posicional, ou seja, 60. Entretanto, sem um símbolo representando a primeira coluna de poder, não havia diferença entre a escrita do número 60 e do número 1. A invenção de um símbolo para uma quantidade vazia apareceu mais tarde com outras civilizações, sendo incorporado no sistema babilônico até o século III, por meio de dois pregos inclinados.

4.2 SISTEMA DE NUMERAÇÃO MAIA

Os maias estabeleceram um sistema de numeração com base 20. As unidades eram representadas por pontos agrupados em blocos, com um máximo de quatro, substituindo cinco pontos por uma linha horizontal. As linhas se empilhavam até um máximo de quatro novamente. A Figura 14 mostra os primeiros números maias de 1 a 19.

Figura 14
Numeração maia

O número 20 foi construído com uma unidade no seguinte nível (ou seja, as vintenas), que foi colocada em uma posição acima das anteriores. A posição vazia das unidades foi então representada por um caracol (Figura 15).

Figura 15
Número 20

Em outro exemplo, o número 58 foi representado como duas unidades do segundo nível, ou seja, duas vintenas e 18 unidades, que, por sua vez, se decompõem em três quintetos e três unidades no primeiro nível (Figura 16).

Figura 16
Número maia para 58

Ao contrário dos babilônios, com os quais compartilharam características similares em seus sistemas de numeração, os maias ofereceram uma grande contribuição para a matemática. Com a incorporação de zero, eles resolveram dois importantes conflitos: a representação de uma ausência de quantidade e a marcação de um valor posicional. A Figura 17 é um exemplo do primeiro conflito.

Figura 17
Número maia para 413

A escrita do número maia em sua notação desenvolvida seria 2·202 + 0·201 + 13·200, na segunda posição há uma quantidade vazia, que é representada pelo zero ou concha. Enquanto em outras civilizações foi deixado um espaço, e isso dificulta a interpretação das quantidades, a escrita do zero maia ajudou a distinguir os números 413 e 33, como mostrado na Figura 18.

Figura 18
Número maia para 413 e 33

Se a escrita do zero ou da concha fosse omitida (como seria feito na numeração babilônica), ambos os números gerariam confusão. No entanto, com a adição do zero no espaço de uma das potências, nesse caso na segunda posição, a diferença entre esses números tornou-se clara.

1.3 PENSAMENTO COMPUTACIONAL

O Scratch (Figura 19) é uma linguagem de programação visual, desenvolvida pelo Grupo Lifelong Kindergarten do MIT Media Lab5 5 Laboratório de pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (MIT). . Essa linguagem de programação é uma combinação dos paradigmas de programação orientada a objetos e ao modelo de programas em forma de fluxo (workflow). Este tem sido amplamente utilizado no currículo para apoiar o aprendizado da matemática por meio da programação para crianças de 9 a 12 anos de idade (Benton et al., 2017Benton, L., Hoyles, C., Kalas, I., & Noss, R. (2017). Bridging primary programming and mathematics: Some findings of design research in England. Digital Experiences in Mathematics Education, 3(2), 115-138. https://doi.org/10.1007/s40751-017-0028-x
https://doi.org/10.1007/s40751-017-0028-...
). Mais recentemente, o Scratch e outras iniciativas foram incorporadas dentro de uma estrutura conceitual paralela ao pensamento matemático, conhecido como Pensamento Computacional, com a confluência de novos desenvolvimentos importantes, como a inteligência artificial (Gadanidis, 2017Gadanidis, G. (2017). Artificial intelligence, computational thinking, and mathematics education. The International Journal of Information and Learning Technology, 34(2), 133-139. https://doi.org/10.1108/IJILT-09-2016-0048
https://doi.org/10.1108/IJILT-09-2016-00...
).

Figura 19
O ambiente Scratch - imagem do documento “Vamos nos familiarizar com o Scratch”

5 CONCLUSÕES

Esta pesquisa teve como objetivos: 1. Identificar estudantes com talento matemático no Ensino Fundamental e no Ensino Médio com relação ao sistema numérico babilônico e maia (Ensino Fundamental) e pensamento computacional usando Scratch (Ensino Médio); 2. Projetar e implementar um programa de enriquecimento extraescolar para alunos selecionados do Ensino Fundamental e do Ensino Médio; e, por fim, estudar a evolução das ideias matemáticas, trabalhadas no programa de enriquecimento extracurricular. Trabalhamos com 24 alunos do Ensino Fundamental e 28 alunos do Ensino Médio de escolas públicas da Cidade de México e do Estado de México, com idades entre 9 e 16 anos. Os alunos participaram de oficinas de matemática realizadas fora da escola.

Nesse programa, as atividades extracurriculares para alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio foram abordadas com atividades de enriquecimento. Dois tipos de atividades foram descritos nos dois grupos: no grupo do Ensino Fundamental, foram trabalhados os conteúdos abordados em relação a alguns sistemas de numeração antigos, particularmente o sistema cuneiforme babilônico e o sistema posicional maia. Em ambas as abordagens, a ênfase foi colocada no caráter posicional de ambos os sistemas, mas a falta do zero no primeiro e como a ambiguidade do sistema babilônico foi resolvida com a introdução do zero representado por uma concha. Inspirado nisso, foi desenvolvido um material didático no qual os alunos aprenderam a representar números até a ordem de milhares no sistema maia e a realizar operações aritméticas como a soma.

Para o grupo do Ensino Médio, os alunos trabalharam com o programa Scratch. Durante as atividades propostas, as crianças elaboraram um programa simples de animação de dois caracteres (sprites) e aprenderam a programar com base em blocos de comando, instruções como iniciar um fio e loops. Além disso, os estudantes foram capazes de desenvolver experiências de aprendizagem, capazes de fornecer-lhes habilidades na resolução de problemas, criatividade, planejamento, organização de projetos em equipe, bem como tornarem-se fluentes no uso de ferramentas tecnológicas, por exemplo, a atividade de programação a partir do desenvolvimento do pensamento computacional. Nesse sentido, o pensamento computacional é um conceito emergente que pode ser entendido como uma forma de pensar além da programação; além disso, os alunos aprendem não apenas técnicas de resolução de problemas, mas também aprendem a raciocinar logicamente e algoritmos. Ademais, eles podem expressar suas ideias, projetar e compartilhar soluções. Isso também ajuda a resolver várias situações, como a solução de problemas ou a análise dos recursos envolvidos na sua solução. Além disso, o trabalho com o pensamento computacional permite o trabalho transversal na sala de aula, além de possibilitar que os alunos participem ativamente de seu aprendizado.

É preciso desenvolver uma ação transversal não apenas no ensino regular, mas também na Educação Especial, a fim de garantir que os alunos tenham mais apoio em termos de conhecimento especializado para que possam acessar, participar e avançar no sistema escolar. Nesse sentido, o uso de tecnologias digitais, especialmente a linguagem de programação, aprimora e amplia o conhecimento dos alunos.

É importante promover a elaboração de propostas de enriquecimento curricular com conteúdo de acordo com as necessidades gerais e particulares dos alunos. A esse respeito, são feitos comentários sobre a inclusão-segregação, com programas de monitoramento (tracking) e detracking, sendo o detracking recomendado, pois coloca os alunos em classes heterogêneas com diferentes habilidades, a fim de direcionar uma educação baseada nas diversas necessidades dos alunos.

  • 5
    Laboratório de pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2023
  • Revisado
    09 Jun 2023
  • Aceito
    16 Jun 2023
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