Acessibilidade / Reportar erro

Tempo de cocção de grãos de feijão em função do tipo d'água

Cooking time of dry bean grains according to water type

Resumos

O feijão constitui-se em uma importante fonte de proteína e minerais, mas apresenta atualmente baixo consumo devido ao longo tempo requerido para hidratação e cocção, a qual aumenta a digestibilidade. Objetivou-se, na pesquisa, estudar o efeito do tipo de água sobre o tempo de cocção em grãos de feijão, em água ultrapura, destilada, torneira e mineral durante o processo de cocção. Os grãos da cultivar BRS-Valente foram hidratados por 21 horas em água ultra pura, e em intervalos de uma hora procedeu-se à cocção em água destilada e da torneira até o último tempo de hidratação. Apenas no tempo de 6 horas de hidratação procedeu-se à cocção nas águas ultrapura, destilada, torneira e mineral. O aumento no tempo de hidratação favoreceu o menor tempo de cocção, mas essa alta correlação (-0,9), foi explicada principalmente pela queda acentuada no tempo de cocção, nas duas primeiras horas de hidratação. Assim, a correlação geral não explicou o real comportamento dos resultados obtidos, mas sim a análise conjunta através da regressão linear segmentada. Conclui-se que o rápido tempo de hidratação foi um indicativo do menor tempo de cocção para a cultivar BRS-Valente, desde que o grão apresentasse um porcentual de 69% de hidratação, no tempo de 2 horas de hidratação. O uso da água ultrapura e destilada durante o processo de cocção proporcionou um nível normal de resistência à cocção (23 e 30 minutos), a água da torneira diferiu das demais e causou um nível resistente à cocção (±37 minutos), enquanto que na água mineral o tempo de cocção foi muito elevado (>300 minutos).

Phaseolus vulgaris; qualidades culinárias; tempo de hidratação; regressão linear segmentada


Beans are an important source of protein and minerals, but they are underutilized because of the long hydration and cooking times required for the digestibility by humans. The aim of this work was to evaluate the water quality in the cooking time of grains of common beans using ultra-pure, distilled, tap and, mineral water. The grains of the BRS-Valente cultivar were hydrated 21 hours in ultra-pure water. In intervals of one hour they were cooked in distilled water and tap water until the last hydration time. Only the beans hydrated for 6 hours were cooked in ultra-pure, distilled, tap and mineral water. The increase in the hydration time provided a decrease in the cooking time, but the higher correlation (around -0.9) was negative because the decrease of cooking time in the first two hours of hydration. Thus, the general correlation did not explain the trend of the results, but rather the whole set of analysis, through the segmented linear regression. The conclusion was that the fast hydration time was an indicative of the low cooking time for BRS-Valente, since the grain showed 69% of hydration in two hours of hydration. The use of ultra-pure water throughout the cooking process provided normal level of cooking resistance (23 to 30 minutes), tap water was different from all waters and provided average resistance level of cooking (±37 minutes), while the mineral water showed very high (>300 minutes) cooking time.

Phaseolus vulgaris; cooking quality; hydration time; segmented linear regression


CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS

Tempo de cocção de grãos de feijão em função do tipo d'água

Cooking time of dry bean grains according to water type

Cileide Maria Medeiros CoelhoI; Luiz Carlos BordinII; Clovis Arruda SouzaIII; David José MiquellutiIV; Altamir Frederico GuidolinV

IEngenheira Agrônoma, Doutora em Ciências, PhD - Departamento de Agronomia - Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC - Av. Camões, 2090 - 88520-000 - Lages, SC - a2cmm@cav.udesc.br

IIGraduação em Agropecuária, Mestre em Produção Vegetal - Escola Agrotécnica Federal de Rio do Sul - Estrada do Redentor, 5665 - Canta Galo - 89160-000 - Rio do Sul, SC - a2cmm@cav.udesc.br

IIIEngenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências - Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC - Cx. P. 281 - 88502-970 - Lages, SC - souza_clovis@cav.udesc.br

IVEngenheiro Agrônomo, Doutor em Estatística e Experimentação Agrícola - Departamento de Solos e Recursos Naturais - Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC - Av. Camões, 2090 - Cx. P. 281 - 88502-970 - Lages, SC - a2djm@cav.udesc.br

VEngenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências - Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC - Av. Camões, 2090 - 88520-000 - Lages, SC - guidolin@cav.udesc.br

RESUMO

O feijão constitui-se em uma importante fonte de proteína e minerais, mas apresenta atualmente baixo consumo devido ao longo tempo requerido para hidratação e cocção, a qual aumenta a digestibilidade. Objetivou-se, na pesquisa, estudar o efeito do tipo de água sobre o tempo de cocção em grãos de feijão, em água ultrapura, destilada, torneira e mineral durante o processo de cocção. Os grãos da cultivar BRS-Valente foram hidratados por 21 horas em água ultra pura, e em intervalos de uma hora procedeu-se à cocção em água destilada e da torneira até o último tempo de hidratação. Apenas no tempo de 6 horas de hidratação procedeu-se à cocção nas águas ultrapura, destilada, torneira e mineral. O aumento no tempo de hidratação favoreceu o menor tempo de cocção, mas essa alta correlação (-0,9), foi explicada principalmente pela queda acentuada no tempo de cocção, nas duas primeiras horas de hidratação. Assim, a correlação geral não explicou o real comportamento dos resultados obtidos, mas sim a análise conjunta através da regressão linear segmentada. Conclui-se que o rápido tempo de hidratação foi um indicativo do menor tempo de cocção para a cultivar BRS-Valente, desde que o grão apresentasse um porcentual de 69% de hidratação, no tempo de 2 horas de hidratação. O uso da água ultrapura e destilada durante o processo de cocção proporcionou um nível normal de resistência à cocção (23 e 30 minutos), a água da torneira diferiu das demais e causou um nível resistente à cocção (±37 minutos), enquanto que na água mineral o tempo de cocção foi muito elevado (>300 minutos).

Termos para indexação:Phaseolus vulgaris, qualidades culinárias, tempo de hidratação, regressão linear segmentada.

ABSTRACT

Beans are an important source of protein and minerals, but they are underutilized because of the long hydration and cooking times required for the digestibility by humans. The aim of this work was to evaluate the water quality in the cooking time of grains of common beans using ultra-pure, distilled, tap and, mineral water. The grains of the BRS-Valente cultivar were hydrated 21 hours in ultra-pure water. In intervals of one hour they were cooked in distilled water and tap water until the last hydration time. Only the beans hydrated for 6 hours were cooked in ultra-pure, distilled, tap and mineral water. The increase in the hydration time provided a decrease in the cooking time, but the higher correlation (around -0.9) was negative because the decrease of cooking time in the first two hours of hydration. Thus, the general correlation did not explain the trend of the results, but rather the whole set of analysis, through the segmented linear regression. The conclusion was that the fast hydration time was an indicative of the low cooking time for BRS-Valente, since the grain showed 69% of hydration in two hours of hydration. The use of ultra-pure water throughout the cooking process provided normal level of cooking resistance (23 to 30 minutes), tap water was different from all waters and provided average resistance level of cooking (±37 minutes), while the mineral water showed very high (>300 minutes) cooking time.

Index terms: Phaseolus vulgaris, cooking quality, hydration time, segmented linear regression.

INTRODUÇÃO

O feijão (Phaseolus vulgaris L.) constitui-se numa das fontes de proteína e minerais de menor custo na dieta alimentar do brasileiro (COSTA et al., 2006). Contudo, devido aos hábitos alimentares da vida moderna, o consumo de feijão tem diminuído (OLIVEIRA et al., 2005),principalmente devido ao limitado tempo para o preparo das refeições. O tratamento térmico do grão de feijão tem implicações de ordem nutricional, pois promove o desenvolvimento do sabor e textura adequados para o consumo, e inativa fatores antinutricionais, mas os tempos prolongados de cozimento causam a perda de minerais vitaminas e proteínas (PUJOLA et al., 2007; RAMÍREZ-CÁRDENAS et al., 2008).

O tempo de cocção pode ser reduzido com a obtenção de novas cultivares, mas esse processo é demorado, e sofre influências da época de produção dos grãos (CARBONELL et al., 2003) e das condições de armazenamento (COELHO et al., 2007). Assim, outra forma de reduzir-se o tempo de cocção está em entender e utilizar fatores que influenciam mais significativamente o processo de cocção.

O elevado tempo de cocção nos grãos de feijão pode ser devido a menor permeabilidade do tegumento do feijão, que pode promover resistência à circulação da água, causando hidratação mais lenta durante o cozimento (STANLEY & AGUILERA, 1985), principalmente em relação ao teor de cálcio na casca (PUJOLA et al., 2007) ou ainda ser devido à impermeabilidade dos cotilédones à água, em razão das modificações químicas que ocorrem antes do cozimento (COELHO et al., 2007).

As características de hidratação e cocção normalmente estão inter-relacionadas, visto que muitos autores relacionam a maior capacidade de absorção de água pelos grãos com o menor tempo de cocção (PÉREZ HERRERA et al., 2002; RODRIGUES et al., 2005b), mas esta relação não é regra, pois nem sempre a maior capacidade dos grãos hidratarem indica menor tempo de cocção (CARBONELL et al., 2003; DALLA CORTE et al., 2003).

Portanto, é necessário entender como o processo de hidratação relaciona-se com o tempo de cocção, ou seja, até que ponto a hidratação prévia ao cozimento é importante para diminuir o tempo de cocção mais prolongado. As divergências encontradas na literatura sobre a relação entre hidratação e cocção podem ser devido à falta de padronização metodológica, desde a umidade inicial dos grãos, pois a velocidade de hidratação vai ser mais rápida devido ao baixo potencial matricial da semente (MARCOS FILHO, 2005), ou ainda à diferença de temperatura da água durante a hidratação, a qual acelera esse processo e promove maior porcentual de hidratação (COELHO et al., 2008), além do efeito do genótipo e época de cultivo, que são amplamente discutidas na literatura (CARBONELL et al., 2003; DALLA CORTE et al., 2003; LEMOS et al., 2004; RODRIGUES et al., 2005a).

Além de todos os aspectos mencionados, outro fator poderia ser o tipo de água usada durante o processo de cocção. Segundo alguns autores, elevados níveis de cátions divalentes na água de cocção podem elevar acentuadamente o tempo de cocção, ou seja, os valores não poderiam ser superiores a 100 mg.L-1 (KYRIAKIDIS et al., 1997). Outros autores relacionam que os cátions, cálcio e magnésio participam na estabilização da molécula de pectina, resultando no endurecimento do tegumento ou ainda na composição de amido e proteína (PUJOLA et al., 2007; SÃO JOSÉ et al., 1986).

Objetivou-se, no presente trabalho, relacionar as características de hidratação com o processo de cocção em diferentes tipos de água: torneira, destilada, ultrapura e mineral.

MATERIAL E MÉTODOS

Os grãos da cultivar BRS-Valente foram obtidos de um experimento conduzido no ano agrícola 2006/2007, em Lages, Planalto Sul de Santa Catarina. As coordenadas geográficas desse município são 27º 52'30'' de latitude sul e 50º 18'20'' de longitude oeste, com altitude média de 930 m e caracterizado pela presença de verões brandos com chuvas bem distribuídas (EPAGRI, 2007). A adubação, densidade e época de semeadura, tratos culturais e controle de pragas foi conforme recomendado para a cultura feijão (ARAÚJO et al., 1996).

Os grãos recém-colhidos foram previamente padronizados para 12% de umidade e armazenados em geladeira (5ºC), em sacos plásticos hermeticamente fechados, para evitar o envelhecimento acelerado (COELHO et al., 2007), por 30 dias, tempo suficiente para condução das análises, quanto ao tempo de hidratação e porcentual de hidratação em água ultrapura, e o tempo de cocção nos 4 diferentes tipos de água: torneira, destilada, mineral e ultrapura.

O tempo de hidratação foi determinado com a pesagem de 16 g de grãos, que foram imersos em 100 mL de água ultrapura (MilliQ), na proporção de 1:6,25 respectivamente, e levadas para banhos-maria, com temperaturas controladas à 25ºC (COELHO et al., 2007). Em intervalos de 1 hora, os grãos foram pesados, e consideraram-se grãos completamente hidratados quando estabilizou a massa, num intervalo de três medidas consecutivas. O valor de absorção de água nos grãos foi expresso em porcentagem de água absorvida e calculado como gramas de água absorvida por 100 g de grãos considerando-se a seguinte fórmula: [(massa do grão hidratado - massa do grão seco)/massa do grão seco] x 100 (BERRIOS et al., 1999).

Os grãos previamente hidratados foram submetidos ao teste de cozimento, com o uso do cozedor de Mattson (MATTSON, 1946), modificado por (PROCTOR & WATTS, 1987), composto de 25 hastes verticais, cada uma com ponta de 1 mm de diâmetro e peso padrão de 90 gramas, as quais permaneceram apoiadas nos grãos de feijão durante o cozimento sob água destilada fervente. O tempo de cozimento foi considerado quando 13 unidades de hastes perfuraram os grãos. Tanto os testes de hidratação quanto os de cocção foram repetidos três vezes.

No caso da água destilada e da torneira, as medidas de tempo de cocção foram respectivamente antes dos grãos hidratarem, e após cada uma hora de hidratação. Nessa situação, para efeito de análise estatística foi considerado um experimento em delineamento inteiramente casualizado com arranjo fatorial (Tempo vs. Tipo de água de cocção), com duas repetições.

Os resultados foram submetidos à análise de variância, utilizando-se o teste F para testar as hipóteses relativas aos efeitos principais e à interação entre os dois fatores (tempo de hidratação e tipos de água de cocção) sobre o porcentual de hidratação e tempo de cocção. Também foram efetuadas análises de correlação linear de Pearson, de correlação parcial e de regressão entre as variáveis (MEAD et al., 2003). A análise da relação entre o tempo de hidratação e o tempo de cocção foi efetuada através do ajuste de regressão linear segmentada (PEIXOTO & SILVA, 1985).

Considerou-se o tempo de 6 horas de hidratação em água ultrapura como referência para realizar as demais comparações entre os tempos de cocção com a água destilada, torneira, ultrapura e mineral. Os dados para esse caso foram tratados estatisticamente através de um experimento em delineamento inteiramente casualizado, com quatro repetições.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após análise de variância, observou-se efeito principal do tempo de hidratação e do tipo de água, e a interação entre ambos sobre o tempo de cocção. Também observou-se efeito significativo do tempo de hidratação sobre o porcentual de hidratação.

O porcentual de hidratação aumentou gradativamente até atingir um ponto de máxima de 90% (p/ v) no tempo de 18h33min, e permaneceu constante até o tempo final de 21 horas de hidratação (Figura 1). Uma correlação significativa (p<0,01) foi observada entre o tempo e porcentual de hidratação, isso significa que, quanto maior o tempo de permanência dos grãos na água de hidratação maior foi o porcentual de água absorvido pelos mesmos ,mas até 18h33min, quando ocorreu a estabilização. Uma variação semelhante, de 85 a 99%, foi encontrada por outros autores, com 25ºC de temperatura da água de hidratação (RAMOS JUNIOR et al., 2005) Uma ampla variação (15 a 115%) entre cultivares em relação à absorção de água também foi observada quando o grão foi hidratado apenas por 4 horas (COSTA et al., 2001). As características dos genótipos em apresentarem esse comportamento diferencial podem estar associadas à rigidez do tegumento (menor espaços intracelulares), aderência dos cotilédones (deposição de pectados de cálcio na lamela média), elasticidade, porosidade e propriedades coloidais na absorção de água pelos grãos (ESTEVES et al., 2002; PUJOLA et al., 2007).


A análise da relação entre o tempo de hidratação e o tempo de cocção foi efetuada através do ajuste de regressão linear segmentada. A equação ajustada pode ser visualizada na Figura 2. Para seleção do ponto de corte além de considerações físico-químicas, levou-se em conta o modelo com menor quadrado médio residual. Observou-se nas primeiras 2 horas, tanto para água destilada como para água da torneira, um aumento acentuado no porcentual de hidratação (Figura 1), o que coincide com um decréscimo no tempo de cocção. Procedendo-se o desmembramento do modelo nos seus dois segmentos, obtém-se para o tempo de hidratação menor ou igual a 2 horas, para água destilada, y(d) = 61,15-18,93x e para água da torneira y(t) = 78,25-23,74x.


Nessa fase inicial, o grão encontra-se com alta proporção solutos/água, portanto a absorção de água pelo grão ocorre rapidamente. Um aspecto interessante foi que os grãos com 69% de hidratação (2 horas) apresentaram um tempo de 23 e 30 minutos de cocção, o qual é considerado pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical - CIAT (PROCTOR & WATTS, 1987), como nível de resistência à cocção, normal à média, que fica na faixa de 21 a 32 minutos.

Quando o tempo de hidratação foi superior a 2 horas, notou-se tendência de aumento no tempo cocção, com y(d) = 22,19+0,54x e y(t) = 29,54-0,62x (Figura 2). Não é citado na literatura o porquê desse efeito, mas sabe-se que, tempos de hidratação superiores a 12h49min (RODRIGUES et al., 2005b) e 16 horas (DALLA CORTE et al., 2003), causaram um aumento no tempo de cocção. Uma possível explicação para esse aumento no tempo de cocção poderia estar relacionada com a composição química da semente, visto que quanto maior tempo o grão permanecer em água, maior é a lixiviação de minerais e proteínas, os quais podem favorecer a lignificação da lamela média (REYES-MORENO & PAREDEZ-LOPEZ, 1993).

Ao fazer o estudo de correlação parcial entre tempo de hidratação e tempo de cocção, retirando-se o efeito do porcentual de hidratação, observou-se uma correlação negativa significativa de -0,90 para água destilada e -0,87 para a água da torneira. O aumento no tempo de hidratação favoreceu o menor tempo de cocção, no entanto essa alta correlação, provavelmente deve-se à queda acentuada no tempo de cocção, nas duas primeiras horas de hidratação (Figura 2).

Esse mesmo comportamento ocorre entre o porcentual de hidratação e tempo de cocção, pois ao se retirar o efeito do tempo de hidratação obteve-se um coeficiente de correlação de -0,96 para água destilada e de -0,95 para a água da torneira. Desse modo, fica evidente que a correlação apenas não explica o comportamento dos resultados obtidos, mas sim se considerada juntamente com a regressão linear segmentada. Essa correlação negativa entre o porcentual de hidratação e tempo de cocção já foi citada por outros autores (CASTELLANOS et al., 1995; ELIA et al., 1997; RODRIGUES et al., 2005a,b), mas não foi explorado o porquê dessas correlações serem negativas

Apesar do comportamento semelhante entre tempo de hidratação e tempo de cocção para água destilada e da torneira, verificou-se pelo teste F que o tempo de cocção foi significativamente superior para água da torneira em todos os respectivos tempos de hidratação (Tabela 1). Esse fato pode ser explicado pela composição da mesma, considerando que a água da torneira pode apresentar maior concentração de cátions, essa explicação estaria coerente com a literatura que cita que elevados níveis de cátions divalentes na água de cocção podem elevar acentuadamente o tempo de cocção, com valores não superiores a 100 mg.L-1 (KYRIAKIDIS et al., 1997) e que uma possível explicação para esse efeito estaria relacionado que os cátions, cálcio e magnésio participam na estabilização da molécula de pectina, resultando no endurecimento do tegumento (SÃO JOSÉ et al., 1986).

Para dar mais sustentação a essa hipótese, testaram-se outros tipos de água, considerando o tempo de hidratação de 6 horas, onde o tempo de cocção apresentou-se numa faixa considerada resistência média à cocção (PROCTOR & WATTS, 1987). Para essa comparação testaram-se contrastes específicos através do teste F, os quais mostraram efeito significativo (P<0,01) entre água mineral com água da torneira, destilada e ultrapura. O contraste que faz a comparação entre água da torneira com água destilada e ultrapura foi significativo, a 5%. A comparação entre água destilada e ultrapura não apresentou efeito significativo (P>0,05) (Tabela 2). Esses resultados indicam que a água destilada e a ultrapura proporcionaram os menores tempo de cocção, e que a água mineral (rica em carbonatos de cálcio e magnésio) apresentou efeito acentuado no aumento do tempo de cocção. Os resultados obtidos sustentam a hipótese de que o nível de cátions afeta o tempo de cocção, e que os valores podem ser inferiores a 100 mg.L-1 (KYRIAKIDIS et al., 1997), pois a composição da água mineral (rótulo da embalagem) quanto aos níveis de cálcio foi de 25,68 mg.L-1 e magnésio de 6,56 mg.L-1; associado a elevados níveis de bicarbonato igual a 126,16 mg.L-1 proporcionaram elevados tempos de cocção, superiores aos máximos valores citados por Proctor & Watts (1987), que considera nível muito resistente para tempo de cocção superior a 36 minutos.

CONCLUSÕES

O rápido tempo de hidratação (2 horas), tanto para a água da torneira como para a água destilada foram um indicativo do menor tempo de cocção para a cultivar BRS-Valente, desde que o grão apresente um porcentual mínimo de 69% de hidratação.

O tempo superior a 2 horas de hidratação e o maior porcentual de hidratação (> 69%) não foram indicativos de menor tempo de cocção para a cultivar BRS-Valente .

Os grãos cozidos em água ultrapura e destilada não diferiram no tempo de cocção, e apresentaram um nível normal de resistência (<30 minutos). A água da torneira diferiu das demais e causou um nível resistente à cocção (±37 minutos), enquanto que na água mineral o tempo de cocção foi muito elevado (>300 minutos).

AGRADECIMENTOS

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pelo apoio financeiro via PRODOC (Programa de Apoio a Projetos Institucionais), concedido ao primeiro autor (C.M.M. Coelho).

(Recebido em 2 de julho de 2007 e aprovado em 15 de setembro de 2008)

  • ARAÚJO, R. S.; RAVA, C. A.; ZIMMERMANN, M. J. O. Cultura do feijoeiro comum no Brasil Piracicaba: Potafós, 1996. 786 p.
  • BERRIOS, J. D. J.; SWANSON, B. G.; CHEONG, W. A. Physico-chemical characterization of stored black beans. Food Research International, Ottawa, v. 32, n. 10, p. 669676, Dec. 1999.
  • CARBONELL, S. A. M.; CARVALHO, C. R. L.; AZEVEDO FILHO, J. A. de; SARTORI, J. A. Qualidade tecnológica de grãos de genótipos de feijoeiro cultivados em diferentes ambientes. Bragantia, Campinas, v. 62, n. 3, p. 369-379, set./dez. 2003.
  • CASTELLANOS, J. Z.; GUZMAN-MALDONADO, H.; ACOSTA-GALLEGOS, J. A.; KELLY, J. D. Effects of hardshell character on cooking time of common beans grown in the semiarid highlands of Mexico. Journal of the Science of Food and Agriculture, London, v. 69, n. 4, p. 437-443, Dec. 1995.
  • COELHO, C. M. M.; BELLATO, C. M.; SANTOS, J. C. P.; ORTEGA, E. M. M.; TSAI, S. M. Effect of phytate and storage conditions on the development of the hard to cook phenomenon in common beans. Journal of the Science of Food and Agriculture, Easton, v. 87, n. 7, p. 1237-1243, May 2007.
  • COELHO, C. M. M.; SOUZA, C. A.; DANELLI, A. L. D.; PEREIRA, T.; SANTOS, J. C. P.; PIAZZOLI, D. Capacidade de cocção de grãos de feijão em função do genótipo e da temperatura da água de hidratação. Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v. 32, p.1080-1086 2008.
  • COSTA, G. E. A.; QUEIROZ-MONICI, K. S.; REIS, S. M. P. M.; OLIVEIRA, A. C. Chemical composition, dietary fibre and resistant starch contents of raw and cooked pea, common bean, chickpea and lentil legumes. Food Chemistry, v. 94, n. 3, p. 327-330, Feb. 2006.
  • COSTA, G. R.; RAMALHO, M. A. P.; ABREU, . de F. de B. Variabilidade para a absorção de água nos grãos de feijão do germoplasma da UFLA. Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v. 25, n. 4, p. 1017-1021, jul./ago. 2001.
  • DALLA CORTE, A.; MODA-CIRINO, V.; SCHOLZ, M. B. da S.; DESTRO, D. Environment effect on grain quality in early common bean cultivars and lines. Crop Breeding and Applied Biotechnology, Londrina, v. 3, n. 3, p. 193-202, Sept. 2003.
  • ELIA, F. M.; HOSFIELD, G. L.; KELLY, J. D.; UEBERSAX, M. A. Genetic analysis and interrelationships between traits for cooking time, water absorption, and protein and tannin content of Andean dry beans. Journal of the American Society for Horticultural Science, Alexandria, v. 122, n. 4, p. 512-518, July 1997.
  • EPAGRI. Atlas climatológico do Estado de Santa Catarina Florianópolis: EPAGRI/CIRAM, 2007. Disponível em: <http://ciram.epagri.rct-sc.br> . Acesso em: 22 abr. 2007.
  • ESTEVES, A. M.; ABREU, C. M. P. de; SANTOS, C. D. dos; CORRÊA, A. D. Comparação química e enzimática de seis linhagens de feijão (Phaseolus vulgaris L.). Ciência e Agrotecnologia, Lavras, v. 26, n. 5, p. 999-1005, set./out. 2002.
  • KYRIAKIDIS, N. B.; APOSTOLIDIS, A.; PAPAZOGLOU, L. E.; KARATHANOS, V. T. Physicochemical studies of hard-to-cook beans (Phaseolus vulgaris). Journal of the Science of Food and Agriculture, London, v. 74, n. 2, p. 186-192, Mar. 1997.
  • LEMOS, L. B.; OLIVEIRA, R. S. de; PALOMINO, E. C.; SILVA, T. R. B. da. Agronomic and technologic characteristics of common bean genotypes from Carioca commercial group. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 39, n. 4, p. 319-326, Apr. 2004.
  • MARCOS FILHO, J. Fisiologia de sementes de plantas cultivadas Piracicaba: FEALQ, 2005. 495 p.
  • MATTSON, S. The cookability of yellow peas: a colloidchemical and biochemical study. Acta Agriculturae Scandinavica, Stockholm, v. 2, n. 1, p. 185-231, Jan. 1946.
  • MEAD, R.; CURNOW, R. N.; HASTED, A. M. Statistical methods in agriculture and experimental biology London: CRC, 2003. 472 p.
  • OLIVEIRA, M. A. S.; FARIA, A. L.; SEVERINO, F. Cultura do feijão. In: CONGRESSO NACIONAL DE FEIJÃO, 8., 2005, Goiânia, GO. Anais.. Santo Antônio de Goiás: Embrapa Arroz e Feijão, 2005. (Documentos, 182).
  • PEIXOTO, J. N.; SILVA, J. G. C. Aplicação de regressão linear segmentada em estudos da interação genótipo x ambiente. In: SIMPÓSIO DE ESTATÍSTICA APLICADA A EXPERIMENTAÇÃO AGRONÔMICA, 1., 1985, Campinas, SP. Anais.. Campinas: Fundação Cargill, 1985. p. 49-59.
  • PÉREZ HERRERA, P.; ESQUIVEL, G.; ROSALES SERNA, R.; ACOSTA-GALLEGOS, J. A. Caracterización física, culinaria y nutricional de frijol del altiplano subhúmedo de México. Archivos Latinoamericanos de Nutrición, v. 52, n. 2, p. 172-180, 2002. Suplemento 2.
  • PROCTOR, J. R.; WATTS, B. M. Development of a modified Mattson bean cooker procedure based on sensory panel cookability evaluation. Canadian Institute of Food Science and Technology Journal, Apple Hill, v. 20, n. 1, p. 9-14, Feb. 1987.
  • PUJOLA, M.; FARRERAS, A.; CASANAS, F. Protein and starch content of raw, soaked and cooked beans (Phaseolus vulgaris L.). Food Chemistry, v. 102, n. 4, p. 1034-1041, 2007.
  • RAMÍREZ-CÁRDENAS, L.; LEONEL, A. J.; COSTA, N. M. B. Efeito do processamento doméstico sobre o teor de nutrientes e de fatores antinutricionais de diferentes cultivares de feijão comum. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 28, n. 1, p. 200-213, jan./mar. 2008.
  • RAMOS JUNIOR, E. U.; LEMOS, L. B.; SILVA, T. R. B. Componentes da produção, produtividade de grãos e características tecnológicas de cultivares de feijão. Bragantia, Campinas, v. 64, n. 1, p. 75-82, jan./mar. 2005.
  • REYES-MORENO, C.; PAREDEZ-LOPEZ, O. Hard to cook phenomenon in common beans: a review. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 33, p. 227-286, 1993.
  • R FOUNDATION FOR STATISTICAL COMPUTING. R: a language and environment for statistical computing Vienna, 2007. Disponível em: <http://www.R-project.org >. Acesso em: 20 abr. 2007.
  • RODRIGUES, J. A.; RIBEIRO, N. D.; CARGNELUTTI FILHO, A.; TRENTIN, M.; LONDERO, P. M. G. Cooking quality of common bean grain obtained in differents sowing periods. Bragantia, Campinas, v. 64, n. 3, p. 369376, set./dez. 2005a.
  • RODRIGUES, J. A.; RIBEIRO, N. D.; LONDERO, P. M. G.; CARGNELUTTI FILHO, A.; GARCIA, D. C. Correlação entre absorção de água e tempo de cozimento em cultivares de feijão. Ciência Rural, Santa Maria, v. 35, n. 1, p. 209-214, jan./fev. 2005b.
  • SÃO JOSÉ, E. B.; GOMES, J. C.; MATSUOKA, K.; SILVA, D. J. da. Características do endurecimento do tegumento do feijão (Phaseolus vulgaris L.). Arquivos de Biologia e Tecnologia, Curitiba, v. 29, n. 4, p. 633-650, out. 1986.
  • STANLEY, D. W.; AGUILERA, J. M. A review of textural defects in cooked reconstituted legumes: the influence of structure and composition. Journal of Food Biochemistry, Westport, v. 9, n. 4, p. 277-323, 1985.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2009

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2007
  • Aceito
    15 Set 2008
Editora da Universidade Federal de Lavras Editora da UFLA, Caixa Postal 3037 - 37200-900 - Lavras - MG - Brasil, Telefone: 35 3829-1115 - Lavras - MG - Brazil
E-mail: revista.ca.editora@ufla.br