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Nina Rodrigues: sua interpretação do evolucionismo social e da psicologia das massas nos primórdios da psicologia social brasileira

Nina Rodrigues: interpretation of social evolutionism and psychology of masses in the beginnings of brazilian social psychology

Resumos

O artigo aborda a influência de idéias advindas do Evolucionismo Biológico, Social e da Psicologia das Massas nos primórdios da Psicologia Social brasileira. No final do século XIX, formulações de Spencer e Darwin sobre as culturas e raças influenciaram na estruturação do paradigma do evolucionismo social, o qual foi impulsionado na Bahia por Nina Rodrigues. Ele elaborou descrições de aspectos culturais brasileiros e de tipos humanos e teorizou sobre o movimento social de Canudos. O racismo científico manteve-se hegemônico até a década de 1930. Perdeu terreno; entretanto, o racismo permaneceu como uma categoria ideológica. Na Psicologia Social contemporânea são escassos os estudos sobre o tema.

psicologia social; evolucionismo; psicologia das massas


The article is about the ideas that came upon the Biological and Social Evolutionism and from Psychology of Masses, during the early beginnings of Brazilian Social Psychology. By the end of the 19th century, Spencer’s and Darwin’s formulations about cultures and races influenced the way social evolutionism’s paradigm was structured, which was launched by Nina Rodrigues. He elaborated descriptions of Brazilian cultural aspects, of human types and theorized about the social movement of Canudos. The scientific racism kept itself hegemonic until the decade of 1930. It lost space, though the racism, maintained itself as an ideological category. In contemporary Brazilian Social Psychology, studies of this matter are scarce.

social psychology; evolutionism; psychology of masses


ARTIGOS

Nina Rodrigues: sua interpretação do evolucionismo social e da psicologia das massas nos primórdios da psicologia social brasileira

Nina Rodrigues: interpretation of social evolutionism and psychology of masses in the beginnings of brazilian social psychology

Evenice Santos Chaves

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Departamento de Psicologia Experimental, Universidade Federal do Pará. Mestre em Psicologia (UFPA)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Evenice Santos Chaves Av. Otávio Mangabeira, 11881, Módulo 4, apto. 4, Piatá CEP 41650-000, Salvador-BA E-mail: esc@cpgp.ufpa.br

RESUMO

O artigo aborda a influência de idéias advindas do Evolucionismo Biológico, Social e da Psicologia das Massas nos primórdios da Psicologia Social brasileira. No final do século XIX, formulações de Spencer e Darwin sobre as culturas e raças influenciaram na estruturação do paradigma do evolucionismo social, o qual foi impulsionado na Bahia por Nina Rodrigues. Ele elaborou descrições de aspectos culturais brasileiros e de tipos humanos e teorizou sobre o movimento social de Canudos. O racismo científico manteve-se hegemônico até a década de 1930. Perdeu terreno; entretanto, o racismo permaneceu como uma categoria ideológica. Na Psicologia Social contemporânea são escassos os estudos sobre o tema.

Palavras-chave: psicologia social, evolucionismo, psicologia das massas.

ABSTRACT

The article is about the ideas that came upon the Biological and Social Evolutionism and from Psychology of Masses, during the early beginnings of Brazilian Social Psychology. By the end of the 19th century, Spencer’s and Darwin’s formulations about cultures and races influenced the way social evolutionism’s paradigm was structured, which was launched by Nina Rodrigues. He elaborated descriptions of Brazilian cultural aspects, of human types and theorized about the social movement of Canudos. The scientific racism kept itself hegemonic until the decade of 1930. It lost space, though the racism, maintained itself as an ideological category. In contemporary Brazilian Social Psychology, studies of this matter are scarce.

Key words: social psychology, evolutionism, psychology of masses.

A descrição e a análise das primeiras construções científicas na Psicologia Social brasileira demandam uma abordagem histórica, e tal reconstrução necessita considerar o imbricamento entre contexto e atividade humana que ocorre no tempo, sempre ancorado no processo de desenvolvimento sociopsicológico.

Harris (1997), ao abordar a contextualização na história da Psicologia, afirma que sua reconstrução tem largamente ignorado a influência de fatores políticos e ideológicos na trajetória da disciplina, salientando que isto obscurece o modo através do qual o contexto influencia os temas orientadores de pesquisa e os conteúdos dos conhecimentos científicos produzidos.

Buscando compatibilizar tais considerações com a emergência da Psicologia Social brasileira, o presente artigo procura descrever a influência do colonialismo europeu na configuração do paradigma do Evolucionismo Social ou racismo científico, assim como situar o momento de emergência da Psicologia das Massas naquele continente, para que se possa compreender o papel do colonialismo científico, ou seja, a subjugação da primeira articulação brasileira em Psicologia Social às teorias estrangeiras que desqualificavam povos de outros continentes.

Rodrigues (1939)1 1 Na verdade, a maioria dos trabalhos realizados por Rodrigues, que constituem o livro publicado em 1939, foram realizados e socializados, respectivamente, nos anos de 1890, 1897 e 1898. Apenas no último capítulo da obra, "os mestiços brasileiros", não há alusão ao ano em que foi redigido ou publicado. Nina Rodrigues faleceu no ano de 1906. aplicou o paradigma ao contexto social baiano no final do século XIX, produzindo conhecimentos sobre aspectos do ambiente cultural, de tipos humanos, do comportamento de grupos e de pessoas envolvidas no movimento social de Canudos. Salientamos que não temos a pretensão de esgotar o assunto, porém oferecer uma contribuição à compreensão da emergência da Psicologia Social brasileira.

Os conteúdos sobre os temas acima abordados serão apresentados na seguinte seqüência: do evolucionismo biológico ao evolucionismo social; Nina Rodrigues e o evolucionismo social; Nina Rodrigues e a Psicologia das Massas; Considerações finais.

DO EVOLUCIONISMO BIOLÓGICO AO EVOLUCIONISMO SOCIAL

Enfocando a questão do paradigma científico, Montero (2001) o conceituou como um modelo científico que incorpora tanto a concepção do sujeito construtor do conhecimento sobre o fenômeno em estudo, quanto uma visão do mundo em que as pessoas vivem e das relações sociais decorrentes. A pesquisadora salientou, então, que o paradigma sistematiza um conjunto de idéias e procedimentos práticos de interpretação sobre a atividade humana.

Herbert Spencer (1820-1903) pode ser considerado o fundador do racismo científico, a partir de suas elaborações sobre o que denominou de evolucionismo social, quando transplantou, do mundo biológico ao mundo cultural, o modelo das tipologias e dos sistemas classificatórios, implementando a noção de diferenças entre os povos e as sociedades.

Discorrendo sobre o evolucionismo, Spencer (1862/1904) afirmou que os elementos constitutivos da vida passam por modificações, propiciadas pela redistribuição da matéria e do movimento, gerando mudanças que operavam em um continuum do menos ao mais complexo, através de diferentes estágios. Ressaltou que este processo era universal, englobando os organismos e as sociedades.

Spencer (1862/1904) categorizou os povos como superiores e inferiores: os primeiros eram constituídos pelos europeus e os segundos, por indianos e indígenas. Classificou as sociedades, considerando a industrial como civilizada e mais evoluída, devido às suas formas de organização e divisão do trabalho. Nomeou as demais de primitivas, especificando-as como homogêneas, graças à incapacidade dos seus membros de alterar artificialmente as condições de existência e desse modo promover diferenciações econômicas.

Spencer (1862/1904), ao defender a existência de transformações em todas as sociedades e em todas as espécies, assegurou que, nas raças humanas, nem todas as mudanças implicavam em progresso.

Além disso, o autor afirmou que, no processo de evolução social, existia uma luta pela supremacia entre os povos ou entre as pessoas, a qual estabelecia, de forma natural, a superioridade, a persistência do mais forte e a subordinação do mais fraco.

Darwin (1871-1974), influenciado por aspectos da obra de Spencer, elaborou teorizações evolucionistas que demarcavam, naquela época, as noções de superioridade cultural e racial, constitutivas do paradigma vigente.

Ressalta-se que a ciência contemporânea se contrapõe às diferenciações calcadas nessa perspectiva, privilegiando a concepção de realidade múltipla e do respeito à diversidade. Ferreira, Calvoso e Gonzalez (2002) acentuam que, na atualidade, o conhecimento, o seu objeto e o sujeito que o formula são concebidos como construções sócio-históricas, que, por isto mesmas, modificam-se no tempo e no espaço.

Não obstante, Santos (1996) assegura que, na atualidade, tanto na antropologia física norte-americana como na brasileira, há uma vertente de investigações cujo enfoque metodológico privilegia marcadores de “raça”, como, por exemplo, grupos sangüíneos, que em muito se aproximam do enfoque tipológico classificatório do paradigma racista do século XIX.

Retomando Darwin, Blanc (1990/1994) discorreu sobre o caráter racista do livro “A Origem do Homem e a Seleção Sexual”, de 1871: nesta obra o autor considerou a existência de raças humana divididas em duas categorias. A primeira, composta pelos europeus, conformava a raça dos civilizados e dos povos superiores, enquanto os negros, indianos e indígenas, considerados como selvagens, compunham as raças inferiores.

Além disso, Darwin (1871/1974) salientou que a análise comparativa entre as raças era indicativa de diferenças entre as mesmas na constituição, na aclimatação, na suscetibilidade a determinadas doenças, na capacidade mental e no plano emocional. Enfim, o pano de fundo racista, biologizado, foi bem explicitado pelo autor:

Por conseguinte, quando os selvagens de qualquer raça foram constrangidos inesperadamente a mudar de modo de vida, tornaram-se mais ou menos estéreis e a saúde de seus filhos ficou afetada da mesma maneira e pelas mesmas causas que a dos elefantes e do leopardo da Índia, de muitos símios americanos e de uma quantidade de animais de todos os tipos, arrancados de suas condições naturais... Seguramente as raças civilizadas podem suportar mudanças de todos os gêneros muito melhor do que os selvagens e sob este aspecto fazem lembrar os animais domésticos, pois embora estes últimos às vezes sejam prejudicados em seu estado físico (ex. o cão europeu na Índia), só raramente se tornam estéreis. (Darwin,1871/ 1974, p. 226-227).

Darwin, na sua teorização sobre povos e cultura, ignorou totalmente o papel do processo colonizador a que os povos africanos, indianos e indígenas foram submetidos e sua influência nos modos de vida das populações colonizadas.

A noção de superioridade cultural perpassou a Antropologia, uma ciência em via de estruturação: o antropólogo inglês Tylor (citado por Thompson, 1990/1998), professor da Universidade de Oxford, publicou, em 1871, a obra Primitive Culture, com características oriundas do evolucionismo, afirmando que o confronto entre os elementos de diferentes culturas, a partir da metodologia empregada na biologia, fornece o caráter científico ao estudo antropológico da cultura. Possibilita, também, a reconstrução do processo de desenvolvimento das espécies humanas, com o objetivo de desvendar os elos que as fizeram evoluir da selvageria à vida civilizada.

Segundo Schwarcz (2000), como um desdobramento das idéias iniciais, a Antropologia estabeleceu o princípio de que o desenvolvimento humano processava-se em etapas, as quais obedeciam a uma rígida seqüência, da mesma forma que os elementos constituintes da cultura e da tecnologia. Construiu também a noção de estágios de desenvolvimento tecnológico, empregando-a como critério para a comparação entre diferentes sociedades.

Tais realizações científicas permitiram dividir a humanidade em graus de maior ou menor desenvolvimento e rotulá-la com uma “base científica”, haja vista o paradigma eurocêntrico dominante naquela época. Desse modo, naquele período, a justificativa científica para a dominação e a imposição de padrões europeus estava garantida.

A Sociologia também tomou o evolucionismo como fundamento. Schwarcz (2000) sublinhou que, na França, este campo científico destacou a noção de que a evolução da humanidade ocorria nos diferentes estágios de modos de pensar, todos pré-determinados.

Em suma, o cientificismo racista do século XIX não contemplou o processo de opressão e de exploração, nem as implicações sociopsicológicas do colonialismo. A divisão ideológica da humanidade foi ignorada em favor de uma explanação biológica dos fenômenos sociais. Isto mascarou os condicionantes sócio–históricos enquanto fatores responsáveis por diferenças entre culturas, pessoas, inserções e participação humana na vida social.

Conforme Blanc (1990/1994), o pressuposto básico do evolucionismo social, ou darwinismo social, é o de que os sujeitos humanos são desiguais por natureza, dadas as diferentes aptidões inatas que fazem de alguns superiores e de outros inferiores.

Schwarcz (2000) afirmou que o referido paradigma produziu a qualificação das diferenças e a emergência do tema raça como objeto de investigação científica, com os partidários do enfoque classificados em dois grupos: os deterministas raciais, orientados pela suposição de que um grupo racial, e cada indivíduo que dele fazia parte, constituía um agregado de elementos, tanto morais quanto físicos, inerentes à raça da qual faziam parte; os deterministas geográficos, cuja sustentação básica relacionava o futuro de uma civilização a fatores geográficos como o solo, a vegetação e o clima.

Notamos que a concepção de raça subsidiou as formulações científicas, entretanto nenhum dos autores acima citados conceituou o termo. Contudo, podemos inferir que raça significava um grupo humano enquanto variação dentro da espécie, cujas diferenciações denotavam superioridade ou inferioridade em diversos atributos.

Conforme Schwarcz (2000), no final do século XIX, grande parte da intelectualidade brasileira discutia e compreendia questões nacionais a partir do ponto de vista racial e individual.

Ressaltamos que naquele momento da história brasileira ocorriam embates abolicionistas (Mendonça, 1996), bem como a implantação da República e a efetivação de aspectos legais de construção da cidadania (Menezes, 1997), acontecimentos que envolviam os negros e a sua exclusão social.

Podemos citar a própria condição de escravo desde os primórdios do Brasil até o final do século XIX, quando o negro foi incluído na nossa sociedade como mercadoria (Mattoso,1982/1990) e excluído como cidadão.

Menezes (1997) aponta a unidade exclusão/inclusão como fenômeno contraditório, na medida em que a inclusão do negro deu-se através de legislações que os excluíam de processos de participação social e expressão de aspectos constitutivos da sua cultura. Cita como exemplo a proibição do direito de votar, só contemplado em 1985, e a do culto religioso e do toque de tambores durante as cerimônias, oficialmente permitidos apenas em 1976, graças à organização dos negros e suas reivindicações (Menezes, 1997). As privações geraram movimentos sociais que visavam à inserção: obtenção de direitos e o exercício da cidadania (Machado, 1994; Mendonça, 1996).

No contexto do final do século XIX, segundo Schwarcz (2000), as escolas de medicina2 2 Schwarcz (1993) informa que as Faculdades de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro foram criadas em 1808. Weber (1998) relata que a Faculdade Livre de Medicina e Farmácia de Porto Alegre foi fundada em 1898, mas sua equiparação às duas anteriormente citadas só foi efetivada pelo governo federal em 1900. ganharam destaque, no que concerne à produção, difusão e aplicação dos conhecimentos científicos em diferentes instituições brasileiras, cada qual desempenhando papel relevante na abordagem de diferentes questões, de modos diversos, porém entrelaçados. Schwarcz relatou que coube ao Rio de Janeiro uma atuação centrada na doença, ou seja, em sua erradicação e promoção da saúde (Reis, 2000) e, à Bahia, a atuação centrada no doente, que, segundo Corrêa (1998/2001), significava um enfoque circunscrito ao indivíduo, a partir do qual generalizava-se para o grupo social e se inferia sobre a contaminação social.

Conforme Schwarcz (2000), a Escola de Medicina do Rio de Janeiro, partindo das questões de saúde que incomodavam as elites brasileiras, realizou pesquisas vinculadas à higiene pública. Ainda mencionou o combate à miscigenação, sustentado na afirmação de que o adoecimento tinha origem na África e o processo de enfraquecimento da população brasileira era de cunho biológico, decorrente da mestiçagem.

Constatamos que, na Bahia, a Escola de Medicina, a partir da liderança de Nina Rodrigues, teve como um de seus objetos de investigação os movimentos de massa e a figura do seu condutor.

Rodrigues (1939), tomando por base os pressupostos do evolucionismo social e a Escola de Criminologia Italiana representada por Scipio Sighele (1868-1913), bem como a Psicologia das Massas, sistematizada pelo francês Gustave Le Bon (1841-1931), produziu estudos relacionando idéias do racismo científico, tipologias, patologias e sistemas classificatórios, para descrever o perfil da população mestiça brasileira, especificar características culturais e raciais dos mestiços e explicar, cientificamente, movimentos de massa a partir do seu condutor, o “doente”.

NINA RODRIGUES E O EVOLUCIONISMO SOCIAL

Em 1890, a partir do olhar antropológico evolucionista social, Nina Rodrigues3 3 Corrêa (1998/2001) reconstrói aspectos da biografia de Nina Rodrigues (1862-1906), ressaltando as dificuldades para a realização da mesma. Informa que era maranhense, de família abastada, médico diplomado pela Escola de Medicina do Rio de Janeiro, cidade onde iniciou a sua vida profissional. Todavia, fixou residência em Salvador, onde foi professor e pesquisador da Faculdade de Medicina, exercendo uma grande influência, que culminou com a articulação da denominada Escola de Nina Rodrigues. , no Terceiro Congresso Médico Brasileiro, realizado em Salvador (Rodrigues, 1939), descreveu os motivos pelos quais a sociedade baiana estava decadente e reinava uma epidemia de beribéri, denominada na época de abasia choreiforme.

A mudança da capital para o Rio de Janeiro em 1763, e, posteriormente, a proibição do tráfico atlântico, a configuração do tráfico interno e os ciclos econômicos que tomaram lugar em outras regiões do país, propiciando a emigração de escravos e o enfraquecimento da economia baiana (Mattoso,1982/1990), foram desconsiderados por Rodrigues (1939), quando delegou o retrocesso econômico da Bahia à predominância da raça negra e aos mestiços, que, com suas doenças, costumes e religião, influenciavam a população.

Rodrigues (1939) assegurou que os intitulados de mestiços ou pardos não conformavam uma raça, porém produto da fusão das raças negra, indígena e branca, ao tempo em que os classificou como um grupo composto de mulatos, decorrente da miscigenação entre o branco e o negro; mamelucos, descendentes dos mestiços do branco com o índio ou do branco com o mulato portador de mais características do negro. Os concebeu, do ponto de vista do racismo científico, como seres inferiores, dada a influência de seus ancestrais selvagens: os negros e os povos indígenas.

Concluiu que tanto a decadência do Estado quanto o caráter epidêmico da doença conformavam uma enfermidade, decorrente de uma predisposição vesânica ou neuropata, transmitida pelo contágio por imitação, a qual operava em um meio caracterizado por circunstâncias múltiplas: meteorológicas, étnicas, político-sociais e patológicas.

Ainda referenciando-se no Evolucionismo Social, Rodrigues (1939) abordou a diversidade religiosa dos negros e mestiços, qualificando-a como inferior e contaminadora da população branca.

Citou que o monoteísmo, característico do europeu, socialmente mais evoluído, entrava em conflito com o feitiço dos africanos e com a astrolatria dos indígenas. Rodrigues (1939) afirmou que a própria catequese, cujo interesse era a conversão religiosa dos povos ditos inferiores, apenas gerava conflitos perenes entre a necessidade de manifestação de sentimentos religiosos inferiores e o constrangimento decorrente de uma perspectiva educativa assentada em idéias abstratas, muito superiores ao alcance da capacidade mental dos denominados de inferiores.

Em artigo originalmente publicado no ano de 1897, na Revista Brasileira, Rodrigues (1939) voltou a fazer alusão aos mestiços brasileiros, desta vez especificando um tipo, os jagunços. Conceituando-os como todos os guerrilheiros habitantes dos sertões do Brasil, aquele pesquisador desenvolveu um sistema classificatório que diferenciava os mestiços habitantes das zonas rurais dos mestiços residentes no litoral.

Aos primeiros qualificou como guerreiros e incultos, dado o ambiente em que residiam, a herança cultural e a herança biológica. Os litorâneos, apesar de viverem em ambientes mais intelectualizados das cidades, também foram considerados como inferiores: conformavam um tipo não viril e imprestável, que abarcava os patológicos, os degenerados inferiores, assim como os talentos superficiais e retóricos, dotados de uma fácil e transitória inteligência. Após realizar tal classificação, Rodrigues (1939) estudou o mestiço sertanejo.

Retomando os sertões, Rodrigues (1939) descreveu o espaço rural onde a população interiorana residia como aquele que prescindia da civilização européia e se encontrava em estágio mais atrasado de evolução cultural. Quanto à população, classificou-a como composta pela burguesia, comprometida com tendências ao feudalismo e pela massa popular, empenhada nas lutas de represálias selvagens, oriundas das tribos bárbaras.

Adicionou que neste contexto surgiu um mestiço, o jagunço, reprodutor, em sua compleição física, de características antropológicas combinadas das raças que o originaram. Enfim, Rodrigues (1939) caracterizou o jagunço como produto do hibridismo, que articulava as qualidades viris de antepassados selvagens às características de uma civilização rudimentar, simplificando, de forma racista, a caracterização psicossocial de tal grupo humano.

Estava delineada a descrição antropológica que daria sustentação à sua análise de movimentos sociais.

NINA RODRIGUES E A PSICOLOGIA DAS MASSAS

Matamala (1980) explicita que na Europa o interesse pelo estudo das massas contextualizava-se nas conseqüências das transformações políticas e tecnológicas decorrentes da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. Como desdobramento surgiram as aglomerações urbanas, as fábricas, os movimentos operários e um novo tipo de comportamento: o coletivo.

Rodrigues (1939), inspirando-se na produção científica de europeus que tornava patológicos os conflitos da vida cotidiana, situou os seus estudos sobre movimentos de massa como constitutivo da Psicologia Social.

Da Escola de Criminologia Italiana elegeu Scipio Sighele, considerando-o precursor da Psicologia das Massas. Construindo suas teorias a partir dos conflitos decorrentes da Revolução Francesa, Sighele (citado por Rodrigues, 1939) abordou o fenômeno das multidões como produtor de um estado psicológico coletivo, o qual despersonalizava cada um dos seus constituintes.

Matamala (1980) menciona que a Escola de Criminologia Italiana, ao estudar a reatividade das pessoas quando faziam parte das massas, e afirmar que elas se transformavam coletivamente em violentas, atacando, matando ou saqueando, qualificou o termo massa de forma pejorativa, sempre ligando-o à patologia.

Para Sighele (citado por Rodrigues, 1939), a multidão resultava da aglomeração de pessoas, de onde emergia o contágio coletivo da cólera, transformador dos sentimentos: da irritação ao estado de furor, com a emoção da cólera irradiando-se para todos, através do contato face a face. A multidão, considerada como sensível à emoção comunicada por seu chefe, através da gesticulação, da palavra ou das atitudes, transformava-se em passional. Todavia, Sighele (citado por Rodrigues, 1939), não situou a passionalidade como um estado de loucura inerente à multidão ou ao seu condutor.

Neste ponto, Nina Rodrigues discordou do autor italiano e incorporou aos seus estudos tanto o trabalho publicado por Le Bon sobre a Psicologia das Massas, quanto os sistemas classificatórios da loucura característicos da psiquiatria francesa da época.

Gustave Le Bon (citado por Matamala, 1980) enfocou o tema das massas numa perspectiva psicossociológica, fundamentando-o a partir do comportamento das pessoas em determinadas circunstâncias. Acrescentou que na produção de Le Bon o conceito central era a “alma da massa”, significativo da despersonalização das pessoas que a constituíam.

Para Le Bon (citado por Matamala, 1980), “a alma da massa” era o espírito coletivo, onde as mentes pessoais davam lugar à mente coletiva, retirando de cada um a individualidade. Em decorrência, as pessoas transformavam-se em sujeitos sem vontade própria, sendo portadores das mesmas intenções e emoções do seu condutor. No processo, os seres humanos perdiam o controle sobre os instintos mais primários e passavam a reagir irracionalmente, emotivamente, de modo extremo, irresponsável e irritável.

De acordo com Le Bon (citado por Matamala, 1980), devido a tais características as massas tinham natureza feminina. Não é demais acrescentarmos que Darwin (1871/1974) defendeu a superioridade racional e intelectual masculina, qualificando a mulher como ser portador de mais emocionalidade e irracionalidade e menor inteligência.

Fundamentado em tais ingredientes, Nina Rodrigues, em 1897, elaborou sua interpretação sobre os fenômenos de massa.

Segundo Rodrigues (1939), existe uma loucura que raciocina, e, na loucura das multidões, existe um louco que a conduz, cuja lucidez, convicção e semelhança em seus delírios faz com que as pessoas normais a ele se associem. A loucura, então, é um estado psicológico característico da multidão e esta, mais que uma reunião de pessoas, é uma associação psicológica.

Outra especificidade da multidão que Rodrigues (1939) delimitou foi a sua individualidade, decorrente da coletividade: esta difere da constituição mental de cada pessoa em separado, permitindo que, no coletivo, além da dissolução da pessoalidade, desapareçam também as desigualdades, as diferenças, e se forme uma unidade psicológica, caracterizada pela impulsividade primitiva e pela inconstância.

Para além da multidão, Rodrigues (1939) formulou o conceito de estado da multidão como o estado passional de exaltação coletiva, cuja especificidade era a de fazer submergir o controle cerebral, a personalidade e o discernimento. Tal estado, deflagrado pelo contágio mental e pela excitação de um dado momento, requeria uma causa próxima para eclodir: “o meneur”, chefe, diretor da multidão. Também ressaltou que na multidão existiam os mais exaltados e sensíveis às sugestões que, inconscientemente, ajudavam a conduzi-la. O estado seria transmissível com facilidade às pessoas predispostas, pois estas não eram capazes, naquela situação, de avaliar as conseqüências dos seus atos.

Acerca da dinâmica das multidões, Rodrigues (1939) enfatizou que a violência poderia produzir um estado delirante transitório e, como conseqüência, as emoções violentas modificavam-se, dando lugar a estados mórbidos. O crescimento das aglomerações, a intensidade das emoções e a repercussão da sugestão dos sentimentos propiciavam a transformação da cólera dos “meneurs” em um estado patológico. Na dinâmica, os chefes transmitiam à multidão, por contágio, a loucura e os sentimentos decorrentes.

A partir do exposto, perguntamos: qual a relevância deste aporte teórico para a sociedade brasileira do final do século XIX?

NINA RODRIGUES E O ESTUDO DO MOVIMENTO SOCIAL DE CANUDOS

Na história brasileira, o advento da República instaurou a separação entre a Igreja e o Estado e a secularização dos cemitérios e instituiu o casamento civil, com o clero postando-se contra as reformas (Rodrigues, 1939).

Rodrigues (1939) relatou que as instituições edificadas pelo governo do final do século XIX, como o governo municipal autônomo e o funcionamento dos tribunais, foram ignoradas nas regiões sertanejas. O compromisso da burguesia continuou a ser com a organização feudal e o da massa popular com as lutas selvagens.

Neste panorama político, tomou lugar, nos sertões da Bahia, a luta de Canudos, dirigida por Antônio Conselheiro. Rodrigues (1939) observou que foi a primeira realizada no Brasil contra a proclamação da República e, conseqüentemente, a favor da monarquia.

Nina Rodrigues estudou o fenômeno, classificando sua produção como inerente à Psicologia Social, o que era compatível com o enfoque psicossocial da Psicologia das Massas européia. Incorporou suas idéias evolucionistas sociais sobre a cultura e os mestiços dos sertões, além da sua versão sobre a Psicologia das Massas.

Orientado por uma perspectiva que deveria explicar o movimento social através da figura do seu condutor, dadas as suas próprias características evolutivas, assim como as dos seus seguidores, Rodrigues (1939) atribuiu a Antônio Conselheiro a condição de louco, justificando-a a partir do que ouvira falar sobre ele e a sua família.

Apoiando-se nisto, ressaltou que, apesar de ter informações confusas, o estado de loucura que atribuiu a Conselheiro era plenamente diagnosticável enquanto psicose primitiva, identificada em três estágios – período de organização do delírio crônico de perseguição; período de delírio religioso e período de delírio político – e em três fases de sua vida – do nascimento à separação conjugal; a fase de missionário e da fase de postar-se contra os maçons e a igreja, que havia reatado com a República.

Após a morte de Conselheiro, juntamente com um colega, Rodrigues (1939) realizou sua craniometria4 4 Corrêa (1998/2001) conceitua a craniometria como a utilização de mensurações cefálicas para a análise antropométrica. Expõe que a interpretação de índices cranianos obtidos através do emprego desta técnica fundamenta-se na concepção de evolução mental, propiciadora do translado de dados morfológicos para a dimensão psicológica do ser humano. , concluindo que, apesar de os índices craniométricos serem normais, o crânio denotava a sua condição de mestiço.

Em sua explanação científica, Rodrigues (1939) perpassou o contexto do campo, a loucura de Antônio Conselheiro e a contaminação das massas, na explicação do movimento social, sempre fundamentando-se no evolucionismo social, como se segue:

No campo, as elites burguesas estão longe do estágio de civilização e de desenvolvimento mental característico da raça européia, o mesmo ocorrendo com as massas mestiças de onde emerge o jagunço, intelectualmente inferior e movido por instintos primitivos herdados de seus antepassados. Esta era a etapa evolutiva por que passavam as populações sertanejas, guerreiras e nômades.

Nos sertões travava-se uma luta entre os que detinham o poder e aqueles que o almejavam. Pelo próprio estágio evolutivo em que se encontravam, os jagunços eram, religiosamente falando-se, politeístas. Tais especificidades caracterizavam a crise social e religiosa que atravessavam.

Em ambiente propício, surgiu a loucura de Antônio Conselheiro, decorrente de uma predisposição hereditária, pois descendia de uma família com recursos, porém belicosa.

Sua loucura provocou a contaminação das massas, geradora de condições para a emergência das qualidades atávicas dos jagunços, ou seja, o espaço para a satisfação dos instintos guerreiros.

Rodrigues (1939) destacou a presença de Conselheiro como um sujeito ativo, criador de delírio, que impunha à multidão, representante do fator passivo do contágio. Porém, tal multidão, inicialmente passiva, reagia ao elemento ativo, graças à passionalidade e às emoções irracionais, numa coordenação com o delírio, compartilhado por todos.

O estudo realizado por Nina Rodrigues, apesar de levar em conta algumas questões político-sociais inerentes à vida no campo, as ignorou na análise da vida de Conselheiro e na explicação da luta de Canudos.

Ignorou, dentre outras coisas, o provável abalo na reputação social de Conselheiro, ao ter a mulher fugindo com outro e prováveis chacotas decorrentes. Será que esta não foi a condição que o levou a brigar com o cunhado e feri-lo, após a sua separação, e não a loucura, como explicou Rodrigues (1939)?

Ainda ignorou o uso que a Igreja fez de Conselheiro, quando lhe convinha, e o seu abandono por aquela instituição, a partir do momento em que não lhe era mais útil: o momento da sua reconciliação com o Estado, ao reconhecer a República.

A análise é reduzida à figura de Antônio Conselheiro, o que evidencia a concepção de ser humano como entidade, a desqualificação dos povos não-europeus, característica do Evolucionismo Social, bem como a desconsideração dos movimentos sociais, característica da Psicologia das Massas.

Galvão (2001) traça o panorama político-social da época e afirma que o massacre em Canudos foi apenas um caso de manipulação política.

O trabalho científico de Rodrigues (1939), aqui abordado, denuncia a sua posição ideológica compatível com a das elites políticas. Montero (1994) conceituou a ideologia como um modo de ocultar e distorcer questões da vida cotidiana, pela mediação da linguagem tanto científica quanto do senso comum. A autora sublinhou que a linguagem é a via de apoio dos argumentos que sustentam a ideologia, difundidas, mantidas, reformuladas ou transformadas nas práticas sociais.

Retomando Harris (1997), pode-se concluir que o enfoque elaborado por Rodrigues (1939), já descrito, demonstra, mais uma vez, o comprometimento contextual e ideológico das teorias. No presente caso o compromisso foi com as elites repressoras e opressoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corrêa (1998/2001) realizou um estudo sobre a trajetória e a obra de Nina Rodrigues, no qual aponta a amplitude dos temas que foram pesquisados pelo investigador na Bahia, como, por exemplo: as doenças que afetavam os baianos, notadamente o beribéri; os estudos de cunho psicopatológico sobre segmentos da população e propensões às doenças; aqueles relativos às características das denominadas raças que constituíam a população; o trabalho sobre Canudos; as investigações sobre os africanos no Brasil; a pesquisa sobre a religião dos africanos, sua influência na população branca e o sincretismo religioso.

Habilidoso em construir referenciais teóricos que possibilitassem a análise e a interpretação de fenômenos psicossociais, Rodrigues (1939) soube, muito bem, classificar o seu trabalho referente à Psicologia das Massas no campo da Psicologia Social.

Ramos (1936) oferece uma pista para a compreensão de tal pertinência: declarou que, ainda em 1936, era difícil definir o que seria Psicologia Social. Cita como uma das conceituações empregadas “um campo de estudos aplicados”(p.11).

Rodrigues (1939) provavelmente assim a concebia, pois, incorporando conteúdos europeus, realizou interpretações fundamentadas no evolucionismo social, acrescentando conteúdos da Escola de Criminologia Italiana, representada por Scipio Sighele, e da escola francesa, representada por Gustave Le Bon, para caracterizar os mestiços brasileiros, analisar e explicar o movimento social de Canudos.

Corrêa (1998/2001) aponta que a interpretação de Canudos por Nina Rodrigues não foi a única em sua época, citando a de Euclides da Cunha. Apesar das diferenças, ambas compartilham do determinismo geográfico, característico do evolucionismo social, identificável em Nina Rodrigues no trabalho realizado por Corrêa (1998/2001) e, em Euclides da Cunha naqueles de Lima (1998), Venâncio Filho (1998) e Santos (1998).

Rodrigues (1939) também adicionou a concepção de que a personalidade era objeto de estudo da Psicologia Social das Massas, enfocando a do seu condutor na luta de Canudos e a intitulada despersonalização da multidão que o acompanhava. Atribuiu a responsabilidade do movimento à loucura de Antônio Conselheiro, vitimizando a coletividade que o construiu, o que, do ponto de vista político e ideológico, redundou em uma concepção mascaradora de conflitos sociais brasileiros.

O paradigma do racismo científico manteve-se hegemônico até a década de 1930. Galvão (2001) esclarece que, a partir de 1950, novas pesquisas foram realizadas, as quais desacreditaram a interpretação de Nina Rodrigues. O acontecimento foi ressignificado como uma experiência que buscou implantar outra organização social. Compatível com esta afirmação, a autora observa que Monte Belo constituiu-se de uma comunidade administrada por Antonio Conselheiro, composta por diferentes pessoas: negros, índios, pequenos fazendeiros, comerciantes, curandeiros, artesãos e professora, as quais ocupavam diferentes postos, inclusive havendo os de chefe civil e militar.

Segundo Corrêa (1998/2001), Nina Rodrigues tomou o negro como objeto de estudo e suas pesquisas sobre este foram as mais bem-sucedidas na sua trajetória profissional.

Ribeiro (1995), por exemplo, demonstra que a concepção construída por Nina Rodrigues foi incorporada nas representações sociais de funcionários da justiça no Rio de Janeiro, entre os anos de 1900 a 1930, ao transformarem os atos em autos. Um dos resultados do seu estudo explicita que os homens pretos denunciados pela prática do assassinato contra brancos apresentavam maior probabilidade de serem condenados.

Ribeiro (1995) esclarece que as representações sociais dos funcionários eram compatíveis com afirmações de Nina Rodrigues sobre os negros: devido ao seu atraso cultural, tinham a tendência biológica para o crime. Acrescenta que o enfoque da Escola Positiva do Direito Penal, influenciada por Nina Rodrigues, ainda opera no cotidiano brasileiro.

A Psicologia brasileira não ficou imune às influências do evolucionismo social. O legado foi a produção de uma Psicologia branca. Bento (2002) relata que o embranquecimento colocou o branco como o sujeito representativo da humanidade e modelo universal da espécie humana. Assegura que este processo foi criado e é mantido pela elite branca brasileira, mas, contraditoriamente, a mesma afirma que o branqueamento é uma questão do negro.

A história da Psicologia nacional indica a ausência da realização de pesquisas sobre o racismo na primeira metade do século XX. Penna (1992) descreve um conjunto de trabalhos realizados naquele período, nomeando pioneiros que contribuíram para a consolidação da disciplina no nosso país. Discorre sobre o emprego de teorias psicológicas, sobre a elaboração de pesquisas orientadas pelo método experimental, sobre atividades práticas vinculadas às áreas da educação e do trabalho, porém seu estudo é indicativo de que a questão racial não foi contemplada.

Hasenbalg (1996) esclarece que, no Brasil, o período entre 1965 e o final da década de 1970 não foi propício para as investigações sobre relações raciais, porque a ditadura militar considerou a questão como de “segurança nacional” (p.239).

Ferreira (1999), já no final do século XX, analisou 4909 publicações que faziam parte dos acervos das bibliotecas de Psicologia da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, as quais cobriam o período de 1987 a 1998. O resultado do trabalho indicou a existência de apenas doze publicações “que incluíam a temática dos afro-descendentes” (p.73).

Jodelet (1999) argumentou que os psicólogos sociais necessitam se engajar em pesquisas sobre o racismo. Por que, no final do século XX, emerge um convite à realização de investigações sobre o tema na Psicologia Social? Certamente, devido à hegemonia da Psicologia branca, o problema ainda não faz parte da agenda de pesquisa privilegiada pela Psicologia Social. Necessário se faz incluí-lo.

Recebido em 23/04/2003

Aceito em 18/11/2003

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  • Endereço para correspondência

    Evenice Santos Chaves
    Av. Otávio Mangabeira, 11881, Módulo 4, apto. 4, Piatá
    CEP 41650-000, Salvador-BA
    E-mail:
  • 1
    Na verdade, a maioria dos trabalhos realizados por Rodrigues, que constituem o livro publicado em 1939, foram realizados e socializados, respectivamente, nos anos de 1890, 1897 e 1898. Apenas no último capítulo da obra, "os mestiços brasileiros", não há alusão ao ano em que foi redigido ou publicado. Nina Rodrigues faleceu no ano de 1906.
  • 2
    Schwarcz (1993) informa que as Faculdades de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro foram criadas em 1808. Weber (1998) relata que a Faculdade Livre de Medicina e Farmácia de Porto Alegre foi fundada em 1898, mas sua equiparação às duas anteriormente citadas só foi efetivada pelo governo federal em 1900.
  • 3
    Corrêa (1998/2001) reconstrói aspectos da biografia de Nina Rodrigues (1862-1906), ressaltando as dificuldades para a realização da mesma. Informa que era maranhense, de família abastada, médico diplomado pela Escola de Medicina do Rio de Janeiro, cidade onde iniciou a sua vida profissional. Todavia, fixou residência em Salvador, onde foi professor e pesquisador da Faculdade de Medicina, exercendo uma grande influência, que culminou com a articulação da denominada Escola de Nina Rodrigues.
  • 4
    Corrêa (1998/2001) conceitua a craniometria como a utilização de mensurações cefálicas para a análise antropométrica. Expõe que a interpretação de índices cranianos obtidos através do emprego desta técnica fundamenta-se na concepção de evolução mental, propiciadora do translado de dados morfológicos para a dimensão psicológica do ser humano.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      18 Nov 2003
    • Recebido
      23 Abr 2003
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