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Brincar em unidades de atendimento pediátrico: aplicações e perspectivas<A NAME="n1"></A>

Play in pediatric care units: applications and perspectives

Resumos

O presente estudo investigou a influência do brincar em crianças internadas em unidades pediátricas, buscando estabelecer correlações entre o comportamento lúdico e a estruturação do ambiente hospitalar. Participaram 50 crianças da faixa etária entre 2 e 10 anos, portadoras de diferentes patologias clínicas. Dessas crianças, 25 foram observadas em uma instituição hospitalar que dispunha de um ambiente físico estruturado, que incentivava o desenvolvimento de atividades lúdicas; e as demais, em uma instituição que não possuía tal ambiente. Os resultados mostraram que na primeira instituição as crianças agiam de forma independente na escolha do material lúdico e na livre inserção em um grupo; contudo, na segunda instituição as atividades não variavam muito, além de o local ser pouco freqüentado. Assim, ao se compararem as instituições, observou-se que um ambiente estruturado estimula a ação lúdica, além de influir nas formas de interação e no tipo de brincadeira desenvolvidos pelas crianças em unidades pediátricas.

brincar; saúde; ambiente hospitalar


The present study aimed to investigate the influence of play on children hospitalized in pediatric units, in order to establish correlation between the play behavior and the structure of the hospital environment. Fifty children, between 2 and 10 years of age, carriers of different clinical pathologies were studied. Half of the children were observed in an hospital equipped with a well-structured physical environment, that encourages play activities, and the other half was in an institution that did not offer such facilities. The results showed that in the first pediatric unit, the children acted independently when choosing a toy and when introducing themselves in new groups. However, in the institute not equipped with a well-structured environment, the play activities did not present much variation, and it did not call much the attention of the patients. Thus, it was verified, with the comparison of the hospitals, that a well-structured and play-stimulating environment has influence in the ways of interaction and the types of play.

Play; health; hospital environment


ARTIGOS

Brincar em unidades de atendimento pediátrico: aplicações e perspectivas1 1 Apoio CNPq.

Play in pediatric care units: applications and perspectives

Alysson Massote CarvalhoI; Juliana Giosa BegnisII

IPós- Doutor pela The University of North Caroline at Greensboro e professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais

IIGraduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais e Bolsista de Iniciação Cientifica

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Alysson Massote Carvalho Rua Engenheiro Vicente Assunção, 77, Bairro Itapoã, CEP 31710-090, Belo Horizonte-MG E-mail: alysson@ufmg.br

RESUMO

O presente estudo investigou a influência do brincar em crianças internadas em unidades pediátricas, buscando estabelecer correlações entre o comportamento lúdico e a estruturação do ambiente hospitalar. Participaram 50 crianças da faixa etária entre 2 e 10 anos, portadoras de diferentes patologias clínicas. Dessas crianças, 25 foram observadas em uma instituição hospitalar que dispunha de um ambiente físico estruturado, que incentivava o desenvolvimento de atividades lúdicas; e as demais, em uma instituição que não possuía tal ambiente. Os resultados mostraram que na primeira instituição as crianças agiam de forma independente na escolha do material lúdico e na livre inserção em um grupo; contudo, na segunda instituição as atividades não variavam muito, além de o local ser pouco freqüentado. Assim, ao se compararem as instituições, observou-se que um ambiente estruturado estimula a ação lúdica, além de influir nas formas de interação e no tipo de brincadeira desenvolvidos pelas crianças em unidades pediátricas.

Palavras-chave: brincar, saúde, ambiente hospitalar

ABSTRACT

The present study aimed to investigate the influence of play on children hospitalized in pediatric units, in order to establish correlation between the play behavior and the structure of the hospital environment. Fifty children, between 2 and 10 years of age, carriers of different clinical pathologies were studied. Half of the children were observed in an hospital equipped with a well-structured physical environment, that encourages play activities, and the other half was in an institution that did not offer such facilities. The results showed that in the first pediatric unit, the children acted independently when choosing a toy and when introducing themselves in new groups. However, in the institute not equipped with a well-structured environment, the play activities did not present much variation, and it did not call much the attention of the patients. Thus, it was verified, with the comparison of the hospitals, that a well-structured and play-stimulating environment has influence in the ways of interaction and the types of play.

Key words: Play, health, hospital environment.

Contemporaneamente, tem havido uma preocupação crescente com os efeitos do contexto ambiental sobre o desenvolvimento, particularmente sobre o desenvolvimento infantil. Entre os diversos contextos que têm sido objeto dessa preocupação encontra-se o contexto hospitalar. Nele, a criança encontra-se afastada de seu ambiente familiar, de seus amigos, da escola e de seus objetos pessoais, perdendo assim grande parte de suas referências. Além disso, há a possibilidade de ter seu corpo submetido a processos dolorosos e desagradáveis. Dessa forma, a atmosfera do hospital pode se tornar estressante, com impacto sobre o estado psicológico da criança. Nesse sentido são comuns algumas manifestações da criança através de regressões, diminuição no ritmo do desenvolvimento, desordens do sono e da alimentação, dependência, agressividade, apatia, negativismo e uma variedade de transtornos e disfunções (Bar-Mor, 1997).

World Health Organization -1978- Constituição da OMS) define saúde como um completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente como ausência de doenças ou enfermidades orgânicas (Soares & Zamberlan, 2003). Dessa forma, é importante que se propicie um ambiente que permita a continuidade do desenvolvimento infantil ainda que em um contexto restritivo como o hospitalar. Assim, todas as instituições voltadas para cuidados com a criança devem ser reconhecidas como espaços de desenvolvimento integral. Neles, a criança é co-construtora de seu processo de desenvolvimento e co-produtora de um contexto histórico e cultural, no qual o brincar é o meio de expressão por excelência (Ortega & Rossetti, 2000). É também um componente indispensável ao crescimento e desenvolvimento da criança, servindo de auxílio na formação e consolidação da identidade pessoal (Mitre & Gomes, 2004). No que se refere ao contexto hospitalar, o brincar tem sido reconhecido pela sua função terapêutica, que atua na modificação do ambiente, do comportamento e, principalmente, da estrutura psicológica da criança, no transcurso de seu tratamento.

Na hospitalização, muitas vezes, a criança convive com o risco de morte e com restrições devido ao seu quadro clínico; no entanto, o sofrimento e as possíveis seqüelas causadas por uma internação podem ser minimizados quando se oferece um ambiente estruturado especificamente para favorecer o desenvolvimento das crianças. Esse tipo de ambiente deve contemplar uma equipe de profissionais especializados e conscientes das necessidades globais destes pequenos pacientes (Mitre & Gomes, 2004; Soares, & Zamberlan, 2003).

Dentro dessa conjuntura a atividade lúdica vem ganhando espaço, uma vez que, mesmo doente, a criança sente necessidade de brincar. É por intermédio dessa ação que ela poderá aproveitar os recursos físicos e emocionais disponíveis naquele contexto específico para elaborar uma nova situação (Mello & cols., 1999). Por meio da brincadeira a criança recria regras, deixa a imaginação e os sentimentos livres, e, como resultado, é capaz de expressar experiências desagradáveis, atingindo um senso de controle sobre os eventos ocorridos e aprimorando sua auto-estima. O lúdico também auxilia na revelação de sentimentos e pensamentos através de comportamentos expressos. Uma criança que é capaz de expressar e interpretar seus sentimentos negativos com sucesso, verbalmente ou não, irá mostrar menor impacto psicológico negativo resultante da doença e da internação (Hart, Mather, Slack & Powell, 1992).

A utilização de recursos lúdicos no contexto hospitalar tem-se mostrado um catalisador no processo de recuperar a capacidade de adaptação da criança, diante de transformações que ocorrem a partir de sua admissão na instituição. Serve como fator de proteção, aumentando assim a resiliência da criança. O brincar é efetivo na redução de tensão, raiva, frustração, conflito e ansiedade (Soares, 2003).

Promover saúde não se restringe à ordem curativa e redução do tempo de permanência no hospital. É necessário que se tente ajudar a criança a atravessar a situação de hospitalização ou de doença com mais benefícios que prejuízos. Esse tipo de postura pode fazer com que esta situação não seja somente de dor e sofrimento, mas também rica em conteúdos a serem significados e ressignificados, contribuindo para a saúde da criança, no sentido amplo do termo (Mello & cols., 1999; Oliveira e cols., 2003).

A questão da má qualidade do atendimento no hospital, principalmente em relação à criança, é um problema recorrente em vários países do mundo, apontando para questões de ordem paradigmática existentes no próprio conceito de atendimento à saúde (Chiattone, 1998). Contudo, os hospitais têm mudado gradativamente suas políticas, estimulando os pais a participarem de maneira integral da internação de seus filhos, além de oferecerem serviços como assistência psicológica e social, acompanhamento escolar e atividades lúdicas às crianças.

Um exemplo de mudanças significativas no atendimento às crianças hospitalizadas, o qual não demandou alto investimento financeiro, deu-se no Royal Hobart Hospital, localizado na Tasmânia, Austrália, durante a década de 1970. Essa instituição passou a incentivar a permanência dos pais no hospital durante o tratamento da criança, a disponibilizar professores para que elas dessem continuidade a seus estudos, além de oferecer atividades recreativas. Outra proeminente medida, porém de maior demanda monetária, está sendo implantada no Schneider Children's Medical Center of Israel (SMCI), onde, segundo Haiat, Bar-Mor e Shochat (2003), o foco do trabalho é centrado no brincar, considerando-se que o paciente é primeiro e, principalmente, uma criança. Neste hospital a equipe investe no bem-estar psíquico, ajudando o paciente e os seus pais a lidarem melhor com a doença e com a hospitalização. Essa instituição oferece um centro de atividades educacionais, possibilitando a continuidade dos estudos pelas crianças. A conexão entre o paciente pediátrico, seus colegas de classe e sua professora, de forma a tentar manter uma rotina regular de estudos, mesmo durante a hospitalização, é feita por meio de um avançado software.

No Brasil, desde a homologação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, os hospitais são obrigados a proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsáveis nos casos de hospitalização infantil. Mais recentemente, o governo federal implantou uma política nacional de humanização das instituições públicas de atendimento e promoção à saúde. Este projeto, denominado Humaniza-SUS, busca aprimorar as relações entre os usuários, profissionais e comunidade, favorecendo a autonomia e co-responsabilidade dos gestores para otimizar o atendimento, tornando-o mais acolhedor e ágil. Espera-se com esta política alcançar maior valorização da subjetividade e dos aspectos sociais envolvidos nas práticas de atenção à saúde, bem como reduzir as filas e o tempo de espera para atendimento. Especificamente sobre brinquedotecas, a Lei nº 11.104, de 21/03/2005, tornou obrigatória a sua instalação nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação. Apesar desses esforços, ainda se encontram equipes despreparadas e desmotivadas que centram o atendimento na relação queixa-conduta.

Os exemplos da inclusão do lúdico no hospital demonstram que a forma de atendimento em unidades hospitalares e de promoção à saúde atravessa um momento de transformação, no qual se deixa de focalizar apenas a doença para enxergar o indivíduo como um todo, englobando, na prestação de assistência, cuidados com os aspectos psicológicos, sociais e culturais, além dos físicos. Este processo tem sido lento e gradativo, mas algumas experiências, como as citadas anteriormente (Haiat, Bar-Mor & Shochat, 2003, Mello & cols., 1999), comprovam que ações criativas, com foco mais na conscientização da equipe profissional do que nos recursos financeiros, são capazes de produzir resultados recompensadores não só para os pacientes, mas também para os trabalhadores da instituição. Esses, por sua vez, passam a conviver em um ambiente mais harmônico, diminuindo assim a angústia da confrontação diária com a doença e a possibilidade de morte. Dessa forma, a atividade lúdica pode ser benéfica também ao profissional, promovendo sentimentos positivos e de relaxamento ao paciente e à equipe hospitalar (Soares & Zamberlan, 2001).

O sistema de crenças dos profissionais de saúde interfere na forma de lidar com o brincar nas unidades pediátricas. Muitas vezes, as crianças hospitalizadas sofrem restrições desnecessárias, que poderiam ser evitadas se o nível de informação sobre essa temática fosse maior. Faz-se necessário, então, investigar as concepções e as atitudes que estas pessoas têm em relação ao brincar, buscando-se refletir sobre o tema de forma que propicie uma evolução em seu entendimento, com repercussão positiva para as crianças hospitalizadas.

O brincar pode servir também como elo entre a criança e os profissionais de saúde, enfocando não apenas a atividade desenvolvida, mas o tipo de relação estabelecida. Lindquist (1993) atenta para a necessidade de uma equipe profissional bem formada, coesa, que compreenda a importância das atividades lúdicas para crianças e adolescentes hospitalizados.

Concomitantemente, o lúdico exerce efeitos terapêuticos sobre os pais, pois proporciona uma oportunidade de reorganização e de descanso. Nesse sentido, mesmo que estejam ativamente brincando com seus filhos, eles deslocam por algum tempo o foco do seu pensamento para algo além da doença. Adicionalmente, os pais se sentem confortados quando vêem suas crianças doentes participando de uma brincadeira, esquecendo por um tempo os efeitos negativos gerados pela hospitalização. Além disso, muitos deles gostam de brincar com suas crianças e entendem o brincar como um momento para se divertirem juntos e, o mais importante, para se sentirem um pouco aliviados. Essa outra face do brincar no hospital possibilita uma melhor interação entre pais e filhos diante da situação que estão enfrentando, ajudando-os a lidar melhor com a internação.

A existência de um espaço dedicado ao brincar dentro de um hospital reflete a preocupação com o bem-estar global do indivíduo, proporcionando maior confiança nos pacientes e em seus familiares. Contribui também para a desmistificação do ambiente hospitalar, comumente percebido como hostil, uma vez que a possibilidade de brincar no hospital permitiria a visão desse ambiente como bom e agradável. Por conseguinte, quando as pessoas experienciam situações de hospitalização, a qualidade do ambiente pode afetar diretamente o processo de recuperação. Neste sentido, as intervenções no contexto hospitalar devem visar à promoção de condições favoráveis à reabilitação dos efeitos de experiências adversas ao desenvolvimento das crianças. O ambiente deve incentivar a saúde e deve ser organizado de maneira que atenda melhor às necessidades dos pacientes (Soares & Zamberlan 2001), considerando aspectos psicológicos, pedagógicos e sociológicos da criança e de sua família.

A partir dessa importância atribuída ao brincar, reconhecendo-se a influência da estruturação ambiental e da visão dos profissionais da saúde sobre o comportamento de brincar das crianças hospitalizadas, foi proposta a pesquisa que é objeto deste artigo. Ela procurou contribuir para o aumento da qualidade do atendimento nas unidades pediátricas, fornecendo dados para subsidiar a organização e adequação do espaço lúdico. Buscou, ainda, oferecer suporte aos profissionais de saúde dessas unidades, incorporando, com fundamentação, o brincar como elemento importante para a saúde das crianças internadas.

MÉTODO

O modelo de investigação foi do tipo estudo exploratório-descritivo, por permitir a observação e descrição do brincar em unidades pediátricas.

Os participantes dessa investigação foram 50 crianças de ambos os sexos, da faixa etária entre 2 e 10 anos, que estiveram internadas no setor pediátrico das instituições por um tempo mínimo de três dias e que eram portadoras de diferentes patologias clínicas, crônicas ou agudas. Das crianças selecionadas, 25 foram observadas em uma instituição hospitalar possuidora de um ambiente estruturado para o desenvolvimento de atividades lúdicas, e 25 em outra instituição hospitalar, que não dispunha desse tipo de estruturação.

O procedimento de coleta de dados consistiu em uma observação sistemática, direta e não participante das crianças selecionadas durante a realização de atividades livres e/ou programadas. As sessões de observação tiveram a duração média de 21 minutos e a coleta de dados foi realizada em duplas, utilizando-se a técnica de sujeito focal associada à varredura com registro cursivo tipo lápis e papel. Os pais ou responsáveis legais dos pacientes, mediante assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, permitiram a participação das crianças na pesquisa. Antes do início dos registros dos dados, houve um tempo de acomodação dos observadores à situação, para que se familiarizassem com os participantes do estudo e, principalmente, para que as crianças se acostumassem com a presença dos observadores, minimizando, assim, possível interferência nos comportamentos observados.

Para a análise dos dados relativos às observações das atividades lúdicas, utilizou-se como referencial o recorte dos episódios de brincar e sua posterior classificação em categorias, sendo estas definidas a priori com o intuito de facilitar o processo de delimitação e análise. Os registros realizados pelos dois observadores foram comparados e, a partir dessa comparação, foram selecionados apenas os episódios registrados por ambos. O recorte dos episódios foi feito tendo como referência a inclusão dos comportamentos observados em uma das categorias definidas. O índice mínimo de concordância entre os observadores foi de 80%. As categorias de análise definidas foram:

· Idade dos participantes

· Composição grupal: número de participantes envolvidos no episódio de brincar.

· uno: quando a criança brinca sem estabelecer contato com nenhuma outra criança ou com adulto;

· díade: quando o brincar ocorre entre duas crianças ou entre criança e adulto;

· tríade: quando o brincar ocorre entre três crianças ou entre crianças e adultos, totalizando três participantes;

· políade: quando o brincar ocorre entre quatro ou mais crianças ou entre crianças e adultos, com o envolvimento de quatro ou mais participantes.

· Gênero: o sexo dos participantes envolvidos no episódio de brincar.

· Masculino;

· Feminino;

· Misto.

· Relação estabelecida: é a maneira pela qual os participantes envolvidos no episódio de brincar estabelecem uma relação com outro participante.

· criança-criança: quando a brincadeira só envolve crianças;

· criança-adulto: quando um ou mais adultos participam da brincadeira com uma criança;

· criança-adulto-criança: quando duas ou mais crianças brincam com um ou mais adultos.

· Tipo de brincadeira:

· Faz-de-conta: é toda brincadeira que transcende o limite da realidade, ocorrendo dentro do contexto da fantasia. É aquela brincadeira em que há a transformação de um objeto por outro ou de uma pessoa por uma personagem, onde a criança utiliza sua criatividade e sua imaginação.

· Brincar de cuidar: é quando as crianças brincam com a finalidade de representar um cuidado efetivo, ou seja, alimentar a outra através de gesto representativo, como também vestir, ajudar, pentear, etc. Pode ser também aquela brincadeira em que as crianças assumem papéis típicos de cuidadores ou alvos de cuidados, como, por exemplo, mamãe/filhinha e médico/paciente, ou mesmo situações em que as crianças-alvo se comportam como animais de estimação;

· Brincar de fantasia: é quando as crianças brincam seja vestindo-se com fantasias, seja utilizando fantoches e/ou brinquedos (objetos) com a finalidade de representar uma personagem, seja pessoa seja animal, como também situações fictícias;

· Montagem com uso: é quando a criança monta seu próprio brinquedo, passando a usá-lo como instrumento na sua brincadeira de faz-de-conta, como, por exemplo, quando uma criança monta um avião com as peças de um lego e depois o conduz como se estivesse pilotando;

· Brincar de realidade: é quando as crianças brincam, imitando papéis sociais estabelecidos, por exemplo, professor, guarda, pai, mãe, filho, etc.; e quando também imitam situações da realidade, como mover um helicóptero de brinquedo, um carrinho pelo chão, sem envolver os aspectos descritos nas subcategorias “brincar de cuidar” e “brincar de fantasia”.

· Jogos: são conjuntos de brincadeiras que envolvem regras preestabelecidas.

· Movimento físico: são aquelas brincadeiras que envolvem movimentos físicos amplos como também coordenação motora, como, por exemplo, pular amarelinha, pular corda, jogar bola, girar bambolê, etc.

· Jogos cognitivos: são aquelas brincadeiras que exigem mais aspectos cognitivos do que aspectos físicos, tais como xadrez, dama, jogo-da-vida, baralho, banco imobiliário, etc.

· Acoplagem: são aqueles jogos compostos por peças que juntas formam um todo, uma figura preestabelecida estruturalmente, ou seja, quebra-cabeças em geral.

· Montagem sem uso: é quando a criança monta seu próprio brinquedo, porém não o utiliza em uma brincadeira de faz-de-conta.

· Artesanato: é o conjunto de brincadeiras que envolvem atividades artísticas:

· desenhos e pinturas;

· recortes e colagens.

· Outros: conjuntos de brincadeiras não pertencentes a nenhuma das categorias anteriormente estabelecidas.

· Estilo de interação: é o modo como os participantes interagem no episódio de brincar:

· solitário: quando a criança brinca longe de uma outra, concentrada no que faz, sem dar atenção ao que as outras crianças estão fazendo;

· independente: quando duas crianças ou mais estão brincando próximas umas das outras, não havendo a tentativa de influenciar a brincadeira do outro;

· assimétrico: quando duas ou mais crianças estão brincando separadamente, havendo uma tentativa de estabelecer algum contato entre elas, envolvendo ou não um terceiro, adulto, existindo uma tentativa de influência recíproca, porém sem complementaridade das ações;

· complementar: quando duas ou mais crianças estão brincando juntas havendo influência recíproca, envolvendo ou não um terceiro, adulto, onde a ação de uma é complementada pela ação de outra;

· Caráter social: abrange uma regulação mútua entre os organismos, ou seja, esses possuem a propriedade de regular e de serem regulados pelo seu co-específico.

· Agonístico: tipo de relação em que duas ou mais crianças, independentemente do contexto do brincar, desempenham ações de agressividade, lutas, disputas, etc.;

· pró-social: tipo de relação em que duas ou mais crianças, independentemente do contexto do brincar, desempenham ações que envolvem amizade, cumplicidade, confiança, afinidade, etc.

· Classificação das instituições:

Instituição 1: Nessa instituição foi elaborado um projeto para o desenvolvimento de atividades lúdicas. Esse projeto orientou a organização do espaço físico, a definição do tipo, variedade e quantidade de brinquedos, bem como o treinamento da equipe responsável pelo seu gerenciamento. É composto por uma sala com aproximadamente 18m2com livre acesso para as crianças. Assim, o espaço foi organizado de forma a propiciar maior grau de liberdade para a criança na escolha dos brinquedos. Esses, em um grande número, estão sempre à vista, para que as crianças possam, sem restrições, pegá-los. As estantes são baixas, o que facilita o alcance dos brinquedos. Soma-se a isso uma maior diversidade: mais jogos de tabuleiros, mais bonecas, maior número de quebra-cabeças, um videogame, velotróis, revistas em quadrinhos, filmes infantis, etc., compondo um leque mais rico de possibilidades para a prática de atividades lúdicas. Possui também a presença de estagiárias do curso de Terapia Ocupacional, responsáveis pelo atendimento nesse espaço. Esse tipo de estruturação tem, subjacente, uma concepção do lúdico como importante e estratégico para o desenvolvimento e recuperação das crianças hospitalizadas. Funciona, todos os dias, das 13 às 17 horas

Instituição 2: Nessa instituição existe um espaço para as crianças brincarem. É uma sala com aproximadamente 40m2. Todavia, ao contrário da Instituição 1, esse espaço não teve um planejamento específico para o seu uso. Os funcionários responsáveis por ele -, uma psicóloga e um artista plástico - foram deslocados de um outro setor do hospital, o qual fora fechado. Os brinquedos são, predominantemente, quebra-cabeças, bonecas, carrinhos e alguns jogos. Esses ficam guardados em armários, o que impede que as crianças os visualizem com facilidade. Além disso, alguns ficam nas prateleiras de cima, só podendo ser alcançados pelos adultos. As atividades nesse espaço não variam muito e a escassez de objetos lúdicos torna o lugar pouco atrativo, portanto, menos freqüentado. As atividades mais comuns são os jogos cognitivos, expressos pela repetição dos mesmos poucos jogos: banco imobiliário e imagem e ação. Fica aberto pela manhã e à tarde durante a semana.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foi possível identificar, em ambas as instituições, um total de 149 episódios de brincar, classificados a partir das categorias descritas anteriormente.

Como instrumento de análise foi utilizado um programa estatístico denominado CHAID (Detector Automático de Interação Baseado em Qui-Quadrado), que segmenta uma amostra em vários subgrupos com base no melhor preditor de uma variável dependente e depois os organiza hierarquicamente em níveis de profundidade. A segmentação é feita por ordem decrescente dos níveis de significância até que não haja mais nenhum preditor estatisticamente significativo. Para executar tal divisão, essa técnica constrói diagramas de árvores que representam graficamente os dados avaliados.

Para facilitar a análise comparativa interinstitucional, objetivo central deste estudo, fixou-se sempre como primeiro preditor significativo para as variáveis dependentes analisadas a categoria instituição.

Outra ferramenta estatística utilizada foi SPSS, e, a partir deste programa, realizou-se um teste não paramétrico (Teste de Mann-Whitney) para duas amostras independentes, onde a variável instituição foi avaliada em função das outras categorias preditoras (Tabela 1). O nível de significância considerado, tanto para o CHAID quanto para o Mann-Whitney, foi fixado em .05.

Com base na Tabela 1, as principais diferenças interinstitucionais foram aquelas referentes à composição grupal (p=0.012), à relação rstabelecida (p=0.006), ao tipo de brincadeira (p=0.026), ao estilo de interação (p=0.002) e ao caráter social (p=0.001).

Para o CHAID, o primeiro preditor significativo analisado foi composição grupal (p=0.012) (Tabela 2). Observou-se que, na instituição hospitalar possuidora de um ambiente físico e estruturado para a ludicidade (Instituição 1), em mais da metade dos episódios as crianças brincam sozinhas, ou seja, não estabelecem nenhum tipo de relação. Pelo fato de a brinquedoteca deste hospital ter um espaço reduzido e ser bastante freqüentada, ficando em alguns momentos extremamente cheia, esperava-se que a realização de atividades em grupo fosse mais freqüente, contudo isso não ocorreu, possivelmente porque, nesse ambiente, a criança pode agir de forma bem independente, seja na escolha dos brinquedos e brincadeiras, seja na livre inserção em um grupo. Soma-se a isso a possibilidade de poder freqüentar a salinha sem a necessidade do acompanhamento de pais ou responsáveis. As díades também eram freqüentes, sendo estabelecidas, normalmente, entre a criança e seu acompanhante, ou entre a criança e as estagiárias (graduandas em Terapia Ocupacional) responsáveis pela sala.

Na instituição hospitalar que não possui um ambiente físico e estruturado para a ludicidade (Instituição 2), era freqüente a composição de díades. A sala de brincar desta instituição, se comparada à anterior, possui dimensões bem maiores e é menos freqüentada, possivelmente pelo fato de uma das exigências para se brincar nesta sala é a presença de pelo menos um acompanhante, exceto no caso de crianças mais velhas (7 a 10 anos) e adolescentes, fazendo com que as crianças restrinjam suas atividades em relações complementares com os pais ou responsáveis. Ainda nesse hospital observou-se uma maior interferência nas escolhas dos brinquedos e brincadeiras da criança, ora sendo realizadas pelos acompanhantes, ora pela coordenadora da sala (a psicóloga da instituição).

Outro preditor significativo analisado foi o caráter social (p=0.001) (Tabela 3). Na Instituição 1, a maioria dos episódios de brincar observados não possui caráter social típico. Já na Instituição 2 o brincar solitário é menos freqüente, notando-se a preeminência do brincar pró-social, já que as relações estabelecidas são, em sua maioria, entre pais e crianças, envolvendo, geralmente, relações de amizade, cumplicidade, confiança e afinidade. O brincar agonístico em ambas as instituições aparece associado às díades (criança-criança) ou às políades, onde há pelo menos um adulto participando da brincadeira. Este brincar é prevalente nos jogos cognitivos, que são, em sua maioria, marcados pela competição. Entretanto, mesmo em jogos competitivos, onde ocorrem disputas, foram raros os episódios de conduta violenta por parte dos brincantes envolvidos.

É nítida a importância da criação de um ambiente que envolva amizade e confiança, seja entre as crianças e seus pais/acompanhantes, seja das crianças entre si, pois, como sugerem Hart, Mather, Slack e Powell (1992), é pelo brincar que a criança pode expressar e interpretar seus sentimentos e, como conseqüência, sofrer menor impacto psicológico negativo resultante da doença e da internação. Certamente, um ambiente saudável e acolhedor é um grande potencializador para a emergência do lúdico por parte do pequeno paciente. Todavia, observou-se que os profissionais brincam muito pouco com as crianças. Eles raramente freqüentam os ambientes destinados às brincadeiras, seja por falta de tempo, seja por real desinteresse pelas atividades. Uma prática que esteja voltada para a humanização do atendimento hospitalar deve estar atenta para as concepções e atuações desses profissionais (Lindquist, 1993).

No que se refere ao estilo de interação (p=0.002) (Tabela 4) e relação estabelecida (p=0.006) (Tabela 5), seguem-se as mesmas tendências das categorias analisadas anteriormente, isto é, a incidência do brincar solitário na Instituição 1 e das díades entre criança e adulto na Instituição 2. O estilo de interação prevalente nas atividades lúdicas, em ambas as instituições, é o complementar, aparecendo destacadamente associado a um grupo que possua a presença de pelo menos um adulto, sendo preponderante nos jogos cognitivos que necessitam de no mínimo dois jogadores para serem executados. Interações assimétricas e independentes ocorreram, nas duas instituições, com baixa freqüência.

Quanto ao tipo de brincadeira (p=0.026) (Tabela 6), a Instituição 1, apesar de possuir um ambiente mais reduzido, é mais estruturada para brincadeiras, uma vez que tem um maior número de brinquedos e seu espaço é organizado de forma a propiciar maior grau de liberdade para a criança na escolha dos seus objetos. Os brinquedos estão sempre à vista, para que as crianças possam, sem restrições, pegá-los, além de as estantes serem baixas, o que facilita serem alcançados. Soma-se a isso uma maior diversidade de equipamentos, tais como jogos de tabuleiro, bonecas, quebra-cabeças, revistas em quadrinhos, filmes infantis, etc. Já na Instituição 2, há um ambiente maior, contudo mal-aproveitado. Os brinquedos ficam guardados em armários ou no topo destes, o que impede que as crianças os visualizem com facilidade, sendo alcançados somente pelos adultos. As atividades não variam muito, a escassez de objetos lúdicos torna o local pouco atrativo e, por isso, menos freqüentado. As atividades mais comuns são jogos cognitivos expressos pela repetição dos mesmos, devido à pequena quantidade. O brincar de acoplagem, definido pela montagem de quebra-cabeças, também foi recorrente, contudo não mais de uma vez, as crianças reclamaram que já haviam montado repetidas vezes o mesmo brinquedo. As atividades artesanais aparecem com marcada diferença em relação à outra instituição, sendo as crianças incentivadas pela coordenadora da sala de brincar a desenhar e pintar, além de realizar dobraduras e recortes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comparação realizada entre as instituições mostrou diferenças significativas em relação às categorias analisadas, tanto no tipo de brincadeira como na forma de interação (composição grupal, caráter social, estilo de interação e relação estabelecida). A partir dessa análise, verificou-se que, em ambientes estruturados para a atividade lúdica, a criança tem mais independência na escolha dos brinquedos e no tipo de brincadeira, além de possibilitar a livre inserção em um grupo. Já em um ambiente não estruturado, as atividades são restritas, não havendo uma liberdade de escolha e de mobilidade.

Tendo em vista o conceito atual de saúde proposto pela OMS, bem como as políticas de saúde para atenção à criança, faz-se necessário proporcionar, no contexto hospitalar, um ambiente estruturado para as atividades lúdicas, que possibilite uma continuidade satisfatória no curso do desenvolvimento infantil. Esse tipo de recurso pode ser efetivo como fator de proteção, ao estimular a resiliência da criança.

Essa estruturação do ambiente propicia uma postura pró-ativa da criança, implicando em maior autonomia. Assim, ela pode se movimentar mais pelo local, tendo livre acesso ao brincar e aos materiais lúdicos. Esse tipo de interação mais autônomo com o ambiente pode repercutir de forma positiva em sua auto-estima e na sua capacidade de resolução de problemas. Assim, é fundamental que se atenda, além das necessidades clínicas, às necessidades psicossociais desses pequenos pacientes.

Recebido em 25/10/2004

Aceito em 04/02/2005

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  • Endereço para correspondência

    Alysson Massote Carvalho
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    Apoio CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Aceito
      04 Fev 2005
    • Recebido
      25 Out 2004
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