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Identidade, narrativa e desenvolvimento na adolescência: uma revisão crítica<A NAME="n1"></A>

Identidad, narrativa y desarrollo en la adolescencia: una revisión crítica

Identity, narrative and development in adolescence: a critical review

Resumos

O presente artigo é um estudo teórico que parte da análise da construção histórica da categoria de adolescência como objeto da Psicologia do Desenvolvimento. O argumento central é que a abordagem da adolescência ora como dominada por paixões e tormentas, ora como expressão superior de racionalidade, contribuiu para que a Psicologia do Desenvolvimento se afastasse da problemática dos adolescentes reais, disseminando um visão normativa da adolescência. O objetivo do trabalho é, pois, a reflexão crítica acerca dessa fase da vida, visando à consolidação de uma nova epistemologia da adolescência, no diálogo com perspectivas contemporâneas do enfoque da subjetividade, tais como a psicologia narrativa e a perspectiva do self dialógico.

adolescência; desenvolvimento do self; identidade; narrativa


Este artículo es un estudio teórico que parte del análisis de la construcción histórica de la categoría de la adolescencia como objeto de Sicología del Desarrollo. El argumento central es que el enfoque de la adolescencia, ora como dominada por pasiones y tormentas, ora como expresión superior de la racionalidad, contribuyó para que la Sicología del Desarrollo se alejara de la problemática de los adolescentes reales, diseminando una visión normativa de la adolescencia. El objetivo del trabajo es la reflexión crítica acerca de esa fase de la vida, objetivando la consolidación de una nueva epistemología de la adolescencia, en el diálogo con perspectivas contemporáneas del enfoque de la subjetividad, tales como la sicología narrativa y la perspectiva del self dialógico.

adolescencia; desarrollo del self; identidad; narrativa


This paper is a theoretical essay that analyzes the historical development of the category of adolescence as a subject of Developmental Psychology. The core argument is that adolescents have been approached at a time, as passionate and unstable beings, and at the other, as rational selves. As a consequence of that approach, most of the meaningful questions regarding adolescence had been kept out of focus, and a normative picture of adolescence have dominated the field. The aim of this study is to offer a critical analysis on adolescence, adding a 'brick' to the construction of a novel epistemology of adolescence fertilized by critical approaches on self and identity such as, discursive psychology and the perspective of the dialogical self.

Adolescence; development of the self; identity; narrative; contemporary age


ARTIGOS

Identidade, narrativa e desenvolvimento na adolescência: uma revisão crítica1 1 Apoio: CNPq.

Identity, narrative and development in adolescence: a critical review

Identidad, narrativa y desarrollo en la adolescencia: una revisión crítica

Maria Claudia Santos Lopes de Oliveira

Pós-doutora. Professora da Pós-graduação e do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da Universidade de Brasília

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Claudia Santos Lopes de Oliveira. SQSW 504 – Bloco G, apto. 512, CEP 70673-507, Brasília–DF. E-mail: claudia@unb.br

RESUMO

O presente artigo é um estudo teórico que parte da análise da construção histórica da categoria de adolescência como objeto da Psicologia do Desenvolvimento. O argumento central é que a abordagem da adolescência ora como dominada por paixões e tormentas, ora como expressão superior de racionalidade, contribuiu para que a Psicologia do Desenvolvimento se afastasse da problemática dos adolescentes reais, disseminando um visão normativa da adolescência. O objetivo do trabalho é, pois, a reflexão crítica acerca dessa fase da vida, visando à consolidação de uma nova epistemologia da adolescência, no diálogo com perspectivas contemporâneas do enfoque da subjetividade, tais como a psicologia narrativa e a perspectiva do self dialógico.

Palavras-chave: adolescência, desenvolvimento do self, identidade, narrativa.

ABSTRACT

This paper is a theoretical essay that analyzes the historical development of the category of adolescence as a subject of Developmental Psychology. The core argument is that adolescents have been approached at a time, as passionate and unstable beings, and at the other, as rational selves. As a consequence of that approach, most of the meaningful questions regarding adolescence had been kept out of focus, and a normative picture of adolescence have dominated the field. The aim of this study is to offer a critical analysis on adolescence, adding a 'brick' to the construction of a novel epistemology of adolescence fertilized by critical approaches on self and identity such as, discursive psychology and the perspective of the dialogical self.

Key words: Adolescence, development of the self, identity, narrative, contemporary age.

RESUMEN

Este artículo es un estudio teórico que parte del análisis de la construcción histórica de la categoría de la adolescencia como objeto de Sicología del Desarrollo. El argumento central es que el enfoque de la adolescencia, ora como dominada por pasiones y tormentas, ora como expresión superior de la racionalidad, contribuyó para que la Sicología del Desarrollo se alejara de la problemática de los adolescentes reales, diseminando una visión normativa de la adolescencia. El objetivo del trabajo es la reflexión crítica acerca de esa fase de la vida, objetivando la consolidación de una nueva epistemología de la adolescencia, en el diálogo con perspectivas contemporáneas del enfoque de la subjetividad, tales como la sicología narrativa y la perspectiva del self dialógico.

Palabras-clave: adolescencia, desarrollo del self, identidad, narrativa.

A CONSTRUÇÃO DA ADOLESCÊNCIA COMO OBJETO DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A análise da construção histórica da categoria de adolescência na psicologia do desenvolvimento revela a alternância de posições em que o adolescente foi visto ora como dominado por paixões e tormentas, ora como sujeito pleno de racionalidade. O objetivo deste trabalho é a reflexão crítica acerca dessas concepções normativas sobre a adolescência, no diálogo com perspectivas contemporâneas do enfoque da subjetividade, tais como a psicologia narrativa e a perspectiva do self dialógico.

O ponto de partida de nossa reflexão é que a adolescência permanece como objeto secundário do interesse da psicologia do desenvolvimento. Na ausência de uma reflexão consistente interna ao campo, a compreensão do adolescente tem sido mediada por perspectivas teórico-metodológicas apropriadas de outras áreas – como a área médica e os estudos demográficos – sem que se tenha muitas vezes o cuidado de promover o diálogo interdisciplinar. Essa tendência tem contribuído para a naturalização de processos humanos constituídos na trama sociocultural, assim como para a difusão de perspectivas nas quais a adolescência é divorciada das práticas sociais que a caracterizam (Brown & Larson, 2002).

Nossa compreensão é a de que esta visão foi sendo consolidada, em parte, como efeito das tendências epistemológicas dominantes na Psicologia do Desenvolvimento (Castro & Souza, 1994) e, em parte, como conseqüência do lugar menor ocupado pela adolescência na compreensão do ciclo de desenvolvimento humano, o que favoreceu a proliferação de mitos. A obra de Stanley Hall (1904), identificada como a primeira a tematizar a adolescência em Psicologia, inaugura esta tendência. Nesse texto, o período é representado como de emotividade e estresse aumentados, no qual ocorrem expressões exacerbadas ora de irritação, ora de excitação, alternadas com episódios de depressão. Este trabalho veio revestir de modernidade um enquadre negativo da adolescência e juventude, o qual se manteve basicamente intacto desde Aristóteles, passando por Rousseau, até chegar a Hall e a muitos dos psicólogos da atualidade.

O filósofo grego já acusava os jovens de serem apaixonados e capazes de se deixar arrebatar por impulsos, mesmo quando se imaginavam guiados por aspirações nobres (Cole & Cole, 2003). Semelhante orientação está presente no pensamento de Rousseau (s/d), cuja obra Emile é um verdadeiro tratado sobre a adolescência. Rousseau (s/d) também identificava nesse período da vida a ocorrência de grande instabilidade e conflito. Sua descrição da passagem da infância à adolescência compara-a à transição da bonança à tempestade, advertindo-nos sobre "as mudanças de temperamento, acessos freqüentes de raiva, uma mente constantemente inquieta, [que] tornam a criança quase incontrolável" (versão online).

Em décadas mais próximas, a associação entre adolescência e crise ganhou maior fôlego com a proliferação de trabalhos de base psicanalítica. Tanto nos textos originais de Freud (1978, 1995) quanto nas contribuições de psicanalistas contemporâneos, entre os quais Aberastury (1983), Aberastury e Knobel (1988), Blos (1998), Knobel, Uchoa e Perestrello (1981), Levisky (1997, 2002), o campo da psicanálise tem dedicado grande atenção aos problemas da adolescência. Por outro lado, este campo também tem contribuído para a fixação de características e a mistificação dessa etapa do ciclo de vida por meio de estratégias tais como reduzir processos afetivos a suas bases fisiológicas (Freud, 1905/1972); modelar o desenvolvimento humano a partir de inferências clínicas (Freud, 1995); pensar a adolescência a partir do mundo adulto, reduzindo o adolescer à turbulência que precede a tranqüilidade da inserção nos valores adultos (Aberastury, 1983; Aberastury & Knobel 1988; Blos, 1998).

Embora psicanalista de formação, diferente parece ser o modelo de Erik Erikson (1971, 1976). Aliando a psicanálise ao campo da antropologia cultural, Erikson constrói o triângulo pai-mãe-filho, através de um modelo que reúne em um vértice a família, no segundo a dimensão tempo-sociedade-cultura e no terceiro o próprio indivíduo. Em outras palavras, coloca as dimensões institucional, sociocultural, histórica e biológica em interação (Carvalho, 1996; Gallatin, 1978). No entrecruzamento dessas influências, Erikson (1976) elaborou oito etapas de desenvolvimento psicossocial para representar momentos diferentes de investimento da energia psíquica. Cada etapa é marcada por um tema central, que é vinculado, de um lado, às condições evolutivas do ego e, de outro, às exigências sociais específicas.

A adolescência corresponde à quinta crise normativa, definida em torno do conflito entre identidade e difusão de papéis. Segundo Carvalho (1996), é uma etapa que impele o indivíduo a uma redefinição da própria identidade, ao avaliar sua inserção no plano espaço-temporal, integrando o passado, com suas identificações e conflitos, ao futuro, com suas perspectivas e antecipações. Erikson insiste na necessidade de o adolescente fazer uma integração de seu passado e futuro, através de um processo de recapitulação e antecipação. Em suma, ao enfatizar a singularidade, criticando a hipótese de uma adolescência universal e enfatizando as dimensões de contexto, Erikson (1976) se coloca como uma alternativa à teoria da "tempestade e tormenta", que predominava entre as demais correntes.

Ao mesmo tempo em que a psicanálise se desenvolvia na Europa, também se consolidava ali a perspectiva de Jean Piaget (Piaget, 1994, 1995; Piaget & Inhelder, 1976, 1999). A atenção concedida por Piaget aos processos de desenvolvimento psicogenético na infância e adolescência expressava seu claro interesse na formação do sujeito epistemológico. Ele toma a adolescência como palco da potencialização de duas conquistas nessa direção: a do pensamento hipotético-dedutivo e a da moral autônoma. Deve-se ressaltar que as concepções de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo exploram a unidade funcional entre as dimensões cognitiva, lúdica, afetiva, social e moral da pessoa, enfatizando que todas as demais estão subordinadas à primeira. É na adolescência que o sujeito pode alcançar a forma mais evoluída de desempenho cognitivo, dada a capacidade para as operações mentais formais. Isso exige a descentração do pensamento, sua virtualização e construção de representações em diferentes linguagens, tendo como norte a perspectiva do outro. Por outro lado, as conquistas do adolescente no campo moral (Piaget, 1994) significam a consolidação da capacidade de subordinar a ação moral ao julgamento moral, avaliando-a e posicionando-se com base em critérios independentes da própria situação.

As perspectivas psicanalítica e psicogenética são típicos exemplos dos sistemas teóricos que informam a reflexão dominante ainda hoje na psicologia do desenvolvimento da adolescência, os quais enfocam os processos de desenvolvimento segundo critérios normativos, e se resumem à prescrição de comportamentos que qualificariam a chamada adolescência normal, em lugar de se ocupar da descrição e compreensão das práticas sociais que constituem o ser adolescente em dado contexto (Castro & Souza, 1994; Castro, 1998). A mudança de uma à outra orientação é o que deve nortear a nova epistemologia da adolescência.

METODOLOGIA

Uma perspectiva epistemológica que busque avançar na direção de uma abordagem situada do desenvolvimento humano, rompendo com as visões hegemônicas e contribuindo para a construção de novas perspectivas na abordagem da pessoa, deve se posicionar claramente diante das seguintes questões:

• Como ultrapassar o modelo de subjetividade auto-referenciada, autocontida, típico da modernidade, para alcançar uma nova abordagem, coerente com as demandas da contemporaneidade?

• Como compreender os processos de desenvolvimento, a partir de uma outra perspectiva acerca do tempo e da interação biologia/cultura?

Partindo dos argumentos de que a psicologia do desenvolvimento tem colaborado para uma visão normativa da pessoa e que a psicologia da adolescência não interpreta os processos adolescentes partir de suas problemáticas reais, o trabalho em tela visa contribuir para a superação desses limites epistemológicos do campo da psicologia do desenvolvimento da adolescência. Para tanto, apresenta discussões teórico-conceituais sobre a adolescência, erguidas no diálogo com perspectivas contemporâneas críticas no estudo da subjetividade, tais como a psicologia discursiva e a perspectiva dialógica.

A PERSPECTIVA NARRATIVISTA-DIALÓGICA E O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO

Temos buscado refletir acerca do desenvolvimento psicológico à luz da perspectiva que vimos denominando de abordagem narrativista e dialógica do desenvolvimento humano. Essa perspectiva expressa uma tendência epistemológica em gênese, uma trama teórico-conceitual cujos fios se originam de diferentes pontos, como a guinada lingüística em Filosofia e nas ciências humanas e sociais e as reflexões proporcionadas pelo pós-estruturalismo e pelo construcionismo social, em diálogo com desdobramentos contemporâneos da Psicologia Histórico-Cultural.

O movimento conhecido como a guinada lingüística em Filosofia se deu na segunda metade do século XX, sob a influência de filósofos da linguagem ordinária, tais como Gadamer (1981), Ricoeur (1986) e Wittgenstein (1979). Também foi impulsionado pelos lingüistas vinculados à Escola de Oxford (Austin,1946/1989, 1990; Ryle, 1953/1989; Searle, 1981). Colaborou para uma mudança de perspectiva na abordagem da linguagem no seio do debate filosófico. Antes tomada como um processo mental encarregado da representação e da comunicação do pensamento, por meio dos códigos sociais, a linguagem passa a ser compreendida como aspecto nuclear da constituição subjetiva da pessoa, à medida que estabelece o elo entre a ordem do psicológico e a da cultura, por meio dos significados (Taylor, 1986). Dessa forma deixa de figurar como uma função cognitiva para constituir um meio para a ação, a ferramenta por excelência dos processos interdependentes de interação social e formação pessoal (Bamberg, 2004a).

Também a Psicologia viveu, em torno dos anos 1980, a chamada guinada lingüística (Bamberg, 2004a, Bruner, 1997). A maior atenção dada à linguagem e, mais especificamente, às narrativas, aproximou o debate psicológico de questões antes apontadas pela reflexão filosófica e das ciências sociais e promoveu uma mudança de rumo nas pesquisas da área, que Bruner (1997) iria denominar a "segunda revolução cognitiva": enquanto a primeira fez migrar a atenção dos comportamentos para o pensamento, a segunda retira o foco das explicações psicológicas dos pensamentos (internos) para a linguagem (social) em ação nas comunidades de prática. A guinada lingüística na Psicologia agrega ainda contribuições dos estudos feministas, pós-estruturalistas e do construcionismo social.

Por outro lado, integram esta trama ainda os desdobramentos teóricos mais recentes da perspectiva histórico-cultural em Psicologia, decorrentes de sua apropriação pelo cenário acadêmico norte-americano e internacional. Tendo como pilares as idéias originais de Leontiev (s/d), Luria (1987), Vygotsky (2000, 2001, 2002), e Bakhtin (1981, 1988, 1997), entre outros, cujas elaborações teóricas são complementares e introduzem diferentes elementos na perspectiva, a base do pensamento histórico-cultural em Psicologia é a visão de que o fenômeno psicológico deve ser compreendido em sua gênese, no processo de sua formação e transformação, na linha do tempo (Leontiev, s/d; Valsiner, 1989; Vygotsky, 2000, 2002). O desenvolvimento dos processos psicológicos tipicamente humanos é parte vital do desenvolvimento integral do homem, que se estende por todo o ciclo de vida, em contextos interpessoais e socioinstitucionais específicos, pela mediação de sugestões sociais ocorridas em diferentes práticas da cultura. A cultura apresenta-se organizada em sistemas semióticos, os quais se expressam, consolidam e modificam no contexto concreto das práticas sociais e da comunicação intersubjetiva.

O contexto da formação do self é a interação comunicativa, como parte das transações entre sujeitos coparticipantes de uma dada realidade social, na qual conhecimento e subjetividade se produzem mutuamente, de acordo com influências exercidas por sujeitos que agem e negociam significados em contextos socioculturais concretos (Lopes de Oliveira, 2003).

SELF, IDENTIDADE E NARRATIVA

No campo da Psicologia, noções como as de self, identidade e subjetividade remetem-nos a modelos teóricos voltados à totalidade da pessoa, e não a comportamentos ou funções mentais isoladas (McAdams & Marshall, 1996; Rey, 2004). A visão do self mais freqüente na Psicologia, no entanto, remete à tradição filosófica que vai de Descartes a Kant e Piaget: o self como o si mesmo, a tomada de consciência de que se é uma entidade independente e autônoma do outro. Apesar de apresentar perfeita consonância com o enquadre racionalista do psiquismo, esta noção de self expressa uma concepção individualista e autocontida da unidade psíquica, incongruente com as perspectivas defendidas por Lopes de Oliveira (2003), Nelson (2000) e Sinha (2005), aqui reiteradas.

Nossa visão é que a subjetividade se reorganiza interna e externamente na relação com o outro e com a cultura (Rey, 2003, 2004). O contexto cultural tem o papel de regular as condições sociais de constituição do senso de si. Conforme Lerner e Castellino (2002), as práticas socioculturais medeiam a formação da auto-imagem e das significações acerca de si. Destaca-se aí a centralidade das narrativas como instrumento de organização auto-epistêmica da experiência subjetiva e social, conseqüentemente, da vida mental (Bamberg, 2004a, 2004b; Bruner, 1997; Chandler, 2000; Wortham, 2000), ponto ao qual retornaremos na seqüência.

A integração dinâmica desses aspectos resulta numa subjetividade de natureza plural e polifônica (Hermans 2001; Lopes de Oliveira, 2003), que se contrapõe à perspectiva de um self individuado e autocontido. Em suma, o que defendemos é uma visão crítica das perspectivas metafísicas acerca da subjetividade e do self, declarando a adesão a uma compreensão da unidade psíquica interdependente em relação ao outro, bem como das interações sociais ocorridas em contextos socioinstitucionais concretos, e tendo como principal meio de organização a linguagem humana em ato (Lopes de Oliveira, 2003).

O self compreende a totalidade subjetiva que se organiza na linha do tempo, a partir dos processos de significação apoiados na matriz de sugestões socioculturais (Branco & Valsiner, 1997). Segundo Valsiner (1989),

o "self" pode ser definido como o sistema integrado da cultura pessoal construída segundo as sugestões sociais que incidem sobre seu estilo idiossincrático. A cultura pessoal inclui a unidade de afeto e racionalidade. No self, toda idéia racional tem seu contexto afetivo e todo sentimento está intrinsecamente ligado a alguma forma de pensamento sobre a pessoa ou sobre o mundo ( p. 366).

Os estudos que procuram aliar a compreensão da subjetividade em formação à análise narrativa compartilham a visão de que a linguagem tem um papel central como expressão da identidade e como constitutiva de nossa experiência de mundo (De Finna, 2003). O senso de identidade se expressa na forma de histórias – vividas, contadas, recontadas e intersubjetivamente transformadas. Esse caráter "historiado" da identidade permitiria referir-nos a ela como identidade narrativa (Windershoven, 1994). As histórias contadas por uma pessoa são simultaneamente uma prática social (dirigidas a uma audiência, estruturadas com base numa língua pela qual a pessoa torna pública a experiência privada, e contendo crenças, valores e ideologias provenientes do contexto sociocultural), e uma atividade auto-epistêmica (Wortham, 2000), por meio da qual o sujeito se reconhece e se transforma, ao engendrar novos significados e comportamentos e ao tomar posição frente a eles, numa perspectiva ética.

Dessa forma, nossa abordagem das práticas narrativas explora sua dimensão de criação de novidade, o narrar como ato de emergência, por oposição à linguagem como janela para a mente e à narração como ato de revelação de uma subjetividade preexistente. Da forma como as compreendemos, as narrativas constituem o contexto microgenético em que os sujeitos se apresentam publicamente e constituem, contra o pano de fundo dado pelo contexto socioinstitucional em que se insere a interação, um senso de si sustentado intersubjetivamente (Korobov & Bamberg, 2004a, 2004b). No contexto das interações discursivas, os sujeitos aprimoram estratégias retóricas que vão fornecer o suporte necessário para a constituição de um senso de si, ao mesmo tempo imaginário (apoiado em imagens sociais e pessoais) e discursivo. Estas estratégias visam ainda garantir que o outro social, no contexto intersubjetivo, interprete cada um de modo coerente com o projeto subjetivo dele (Bamberg, 2004a).

Como cenário do senso de si, as narrativas são o contexto do entrecruzamento de temporalidades, permanente tensão entre a ilusão de continuidade e coerência temporal e o tempo vivido, experiencial, cíclico, ilógico: de um lado, a ilusão de continuidade (identidade) preservando a noção de que se é uma mesma pessoa, apesar das profundas mudanças que cada um perpassa no ciclo de desenvolvimento; de outro, a passagem do tempo (desenvolvimento) como a própria condição de inteligibilidade da narrativa.

Para Habermas (1991), assim como para Chandler (2000), o paradoxo entre continuidade e mudança, na linha do tempo, é um ponto crucial dessa discussão, pois manter o senso de autocoerência é uma condição intrínseca ao self. Por outro lado, incorporar a dimensão do tempo não significa buscar o tempo linear, mas um tempo cíclico, de "mão dupla" (Castro & Souza, 1994, Mishler, 2002). Roth (2003) analisou os dispositivos imaginários e discursivos que são ativados pelos sujeitos a fim de sustentar o projeto de continuidade de si. A situação contraditória de necessitar de continuidade, mas estar eternamente sujeito à mudança no jogo social de diferenciação de si e do outro, faz da construção da identidade a "experiência irredutível, o encontro aberto com o mundo social e material, encontro que é mais denso que a mais densa descrição que se possa fazer dele" (versão online). McAdams e Marshall (1996, p. 435) salientam que "O processo de formação da identidade é influenciado por processos de tipo dialético, que envolvem incompatibilidade, inconsistência e conflito, seguidos da síntese e/ou resolução".

Apoiado em Flanagan (1996), Chandler (2000, p. 215) define que "O problema da persistência pessoal torna-se o problema hermenêutico de encontrar ou criar uma cadeia de significados compartilhados que costure diacronicamente os vários episódios transcorridos ao longo da existência do sujeito, na forma de uma história coerente". As perspectivas apresentadas tornam clara a interdependência entre narrativa, identidade e desenvolvimento humano. Os estudos sobre o desenvolvimento da narrativa em crianças reiteram esta interpenetração: Bamberg (1997) analisa a construção de posicionamentos do sujeito na narrativa, segundo três perspectivas: a primeira pessoa (o eu como autor da ação); a terceira pessoa (o eu como alvo da ação) e a do outro generalizado (externa à ação, na qual o eu não está presente no enredo). Seu objetivo é compreender como as formas lingüísticas são utilizadas ao longo do desenvolvimento, para cumprir a função de posicionar discursivamente a intencionalidade. Envolvendo crianças de 4 a 10 anos e adultos jovens, o estudo evidenciou que desde os três anos as crianças se engajam ativamente na reconstrução narrativa da realidade, tendo como núcleo a perspectiva da terceira pessoa. Em seguida, ao falar ou representar a identidade da personagem principal de uma história, a criança passa a levar em conta as intenções e disposições da personagem. Adiante, a criança passa a manifestar na narrativa uma apreciação moral do protagonista e, finalmente, uma posição pessoal moralizada frente ao interlocutor.

Nelson (2000) analisa o desenvolvimento da narrativa a partir dos primeiros anos da infância, observando como e quando a criança começa a forjar a experiência de si mesma, nas ações e nas interações com os pais e com os pares de idade. Informa ela que suas pesquisas sobre a "construção das memórias pessoais pela criança [...] indicam que as crianças aprendem sobre si e constroem suas próprias histórias por meio da experiência narrativa com o outro. Engajar-se na experiência narrativa é tomar uma perspectiva externalista sobre a experiência". (pp.191-2)

Ambos os trabalhos atribuem às narrativas um lugar central, tanto na construção do real quanto na experiência de alteridade (perspectiva externalista), na qual o outro passa a ter existência na condição de parceiro de trocas, em situações dialógicas. Ao mesmo tempo, as narrativas representam um contexto privilegiado para a construção do self e de seus registros, na forma de memórias pessoais. Desta forma, à visão de que no terceiro ano de vida emergem as narrativas simples (Bamberg, 1997), Nelson (2000) agrega a formação do senso narrativo de si, fazendo-nos refletir a respeito das funções das trocas narrativas que passam a ocorrer sob a mediação de contextos sociais e institucionais cada vez mais diferenciados, afetando o desenvolvimento do self, expresso no jogo dialético entre permanência e mudança na linha do tempo (Lerner & Castellino, 2002).

É possível supor que em tempos como os atuais, em que a velocidade das transformações sociais, nos planos tecnológico, cultural e econômico, torna-se vertiginosa, os sujeitos e, especialmente, os adolescentes, tenham ainda maior necessidade de dispositivos de sustentação de si, que forneçam a ancoragem aos diferentes posicionamentos do self, adotados segundo o sistema de atividade em foco (Bamberg, 2005; Hermans, 2001; Korobov & Bamberg, 2004a; 2004b).

DESENVOLVIMENTO DE SELF E IDENTIDADE NA ADOLESCÊNCIA CONTEMPORÂNEA: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NARRATIVA

Em trabalho anterior (Lopes de Oliveira & Vieira, 2006), propusemos caracterizar o self como a configuração dinâmica e singular, num dado corte temporal, entre o mundo subjetivo e o social. A negociação de sentidos entre pares de opostos, que podem assumir a forma dos dipolos sujeito-social, biologia-cultura, masculino-feminino ou eu-outro, destaca-se entre os processos de subjetivação na adolescência (McAdams & Marshall, 1996). Esta negociação se dá fundamentalmente na esfera das práticas sociais em situações comunicativas.

A configuração subjetiva do adolescente passa, num primeiro nível, pela coordenação entre fatores biológicos e fatores de ordem psicossocial e cultural. Nesse momento da trajetória de vida, os fatores biológicos estão associados à maturação sexual e às mudanças físicas. Mas estes fatores, embora universais à espécie, são também marcados pela cultura: cada grupo cultural insere o conjunto de fenômenos biológicos da puberdade em sistemas de significação, os quais são articulados às questões de gênero, às hierarquias familiares e sociais, bem como à assunção de uma identidade pessoal e social, construída contra o pano de fundo das relações sociais e institucionais. Diferentes constraints culturais podem acelerar ou retardar a menarca, a extensão da vida reprodutiva e a fertilidade, por exemplo. Em todos os casos, o sujeito se vê, quando da transição para a adolescência, na necessidade de negociar uma ampla pauta de reconstruções identitárias ditadas, num nível, pelo novo corpo e a nova auto-imagem que ele impõe, mas principalmente pelas mudanças de posicionamento subjetivo no jogo das relações sociais, que a condição adolescente traz. O self adolescente, assim, é o arranjo que se produz na internalização/externalização ativa de experiências capitalizadas em diferentes esferas da vida cultural e se expressa nas práticas narrativas.

Guardadas as diferenças de contexto, a adolescência traz significativas mudanças qualitativas e quantitativas nas esferas de atividade do sujeito. Aspectos como a maior autonomia de circulação social, mudanças no campo da autopercepcão e auto-imagem, a adesão a novos grupos de pares, a adoção de novos papéis na família e no trabalho, as conquistas no plano da auto-regulação da atividade e a adoção de perspectivas projetivas quanto ao futuro são fatores que concorrem para a ressignificação da relação do adolescente com o grupo familiar e social, à medida que ele passa a integrar novas posições nos sistemas semióticos e, como conseqüência, a adotar novas configurações identitárias (Hermans, 2001).

De acordo com Valsiner (1989), a intensidade dos processos biológicos, aliada à pluralização da experiência psicossocial, faz da adolescência um período de intenso desenvolvimento do self. Isso torna essa etapa da vida uma expressão vívida de diferentes processos desenvolvimentais, o que justificaria que fosse convertida em objeto privilegiado da atenção na pesquisa em psicologia do desenvolvimento. Segundo o autor, o que especifica a adolescência é a forma particular como o sujeito vai vivenciar, nas trocas sociais, elementos de identificação, ou o que o autor denomina - seguindo Baldwin (1960) - de imitação persistente, e elementos de diferenciação e criatividade. Na adolescência, ao menos nos contextos urbanos industrializados, tende a haver o predomínio da diferenciação sobre a imitação. Os adolescentes passam a criar sistemas semióticos (gírias, estilos de vestimenta e corte de cabelo, por exemplo) que são incorporados à chamada cultura juvenil típica de cada geração. Enquanto na infância a identificação como imitação constitui o principal dispositivo de socialização, na adolescência passa a ganhar maior importância a diferenciação, tendência responsável pela enfática afirmação das marcas culturais típicas de cada geração.

Os sistemas semióticos que aproximam os grupos de adolescentes e a própria cultura juvenil de uma dada época podem ter elementos de novidade, mas representam freqüentemente o entrecruzamento de elementos da cultura coletiva e da cultura pessoal dos integrantes, diante dos quais o adolescente pode ter maior ou menor influência na criação de novidade. Talvez uma das principais fontes de conflito de gerações seja exatamente a dificuldade do adolescente em reconhecer em si as influências culturais das gerações precedentes. Estudos citados por Valsiner (1989), como os de Schwartz e Merten (1967) e Canaan (1987), reiteram essa perspectiva, evidenciando que grupos adolescentes estadunidenses de diferentes estratos sociais reproduzem em suas relações grupais elementos semióticos e ideológicos por vezes bastante conservadores, trazidos do mundo adulto. É o caso da forte competitividade intergrupos, da distribuição de poder intragrupo e da tendência à conformidade por parte dos integrantes de cada grupo, da fofoca como dispositivo de socialização feminina e do chiste de conteúdo sexual entre os meninos.

A tensão entre continuidade (identidade) e mudança (desenvolvimento), que marca todo o ciclo de vida, encontra na adolescência uma expressão peculiar, que os estudos sobre narrativa adolescente e, em especial, os de identidade narrativa, buscam elucidar. O estudo de Chandler (2000) visa compreender as estratégias discursivas que adolescentes canadenses de 12 a 18 anos adotam a fim de calibrar o paradoxo mudança-permanência na configuração do self ao longo do tempo. Identifica que a consistência dos argumentos adotados varia em organização e coerência, ao longo da adolescência e entre grupos distintos, mas que, independentemente do conteúdo, prevalece a tendência a defender narrativamente a continuidade da identidade no tempo.

Bamberg (2004a, 2004b), e em parceria com Korobov (Korobov & Bamberg, 2004a, 2004b), tem se dedicado à análise dos processos discursivos que concorrem para a formação e sustentação do self adolescente em diferentes práticas sociais e de gênero. Seu objeto é a constituição da identidade heterossexual masculina, entre meninos nos anos de transição para a adolescência. Esse processo é investigado por meio da análise microgenética das posições identitátias adotadas e sustentadas narrativamente pelos adolescentes, diante do grupo e do pesquisador, em situação de grupo focal. Os autores partem do pressuposto que a identidade se constrói na interação discursiva, onde o sujeito assinala, por meio de dispositivos discursivos particulares, como ele gostaria de ser compreendido pelo/s interlocutor/es, segundo uma dada ordem moral trazida do social para a cena interativa. No caso da identidade de gênero, a ordem moral ditaria posições desenhadas segundo representações e práticas sociais enraizadas. Entretanto, uma vez inserida no plano intersubjetivo, esta ordem é renegociada e transformada. Esse fenômeno indica uma profunda interdependência entre as posições identitárias e respectivos dispositivos de sustentação de si, por um lado, e os contextos (macro e micro) em que eles emergem, por outro. Entretanto, no caso dos grupos investigados pelos autores do estudo, persevera uma visão conservadora e naturalista das diferenças masculino/feminino, em que a heterossexualidade se insere numa estrutura de gênero do tipo binário, normativa e estereotipada.

Outra importante contribuição para a reflexão acerca da identidade narrativa vem de estudo longitudinal, conduzido ao longo de dez anos, sobre o desenvolvimento da identidade de trabalhador, entre jovens em processo de inserção no mundo do trabalho. Nele, Kraus (2000) focou a identidade como resultante do trabalho de construção da coerência biográfica, desenvolvendo o conceito de identidade colcha-de-retalho (patchwork identity), como característico do processo de construção da identidade. Ele investiga essa construção por meio de entrevistas autobiográficas realizadas em seguida à vivência, pelos participantes, do que ele denomina eventos disruptivos do self. Tais eventos são definidos por ele como experiências que promovem uma quebra de continuidade e coerência do self e exigem do sujeito a ativação de mecanismos adicionais de reorganização de si, tingindo de cores mais vivas os processos identitários em curso. A ocorrência desses eventos e sua tematização na narrativa do adolescente permitem ao pesquisador identificar com maior clareza os dispositivos subjetivos associados à formação e sustentação narrativa do self. A entrada na universidade e a obtenção ou a perda de um emprego são eventos do tipo que apareceram no estudo.

Na mesma linha, a apresentação, sustentação, negociação e transformação da configuração identitária de adolescentes em risco social pelo envolvimento com drogas e práticas sociais delinqüentes na interação discursiva com o pesquisador é o objeto da investigação de Lopes de Oliveira (2004) e colaboradores (Camilo & Lopes de Oliveira, 2004; Lopes de Oliveira & Vieira, 2006; Lopes de Oliveira, Camilo & Assunção, 2003). O trabalho foca, de um lado, a análise da constituição narrativa do self na adolescência e, de outro, a pesquisa como contexto de desenvolvimento, onde o entrevistador torna-se co-participante da dinâmica desenvolvimental a que ele e o entrevistado são expostos na situação de entrevista aberta ou semi-estruturada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentamos anteriormente duas indagações que nos serviram de norte na concepção do trabalho e que guiaram as reflexões que se seguiram. Retorno a elas agora, na intenção de atravessar, pelo menos, algumas das inúmeras portas abertas ao longo do texto. Com relação à concepção de self e a relação self-narrativa, buscamos argumentar que a mudança de perspectiva que a abordagem narrativa impregna no enfoque do self, saindo de um self individuado, consciente e prenhe de representações, e chegando a um self dialógico, discursivo, que se faz nas interações, não se resume a uma mudança geográfica, desde uma localização interior para outra exterior. Trata-se de uma mudança conceitual, que leva da representação para a apresentação, a emergência, a novidade; a transição do modelo de self como sistema fechado, encapsulado, o qual escapa da clausura pela via da linguagem (a visão da linguagem como janela da mente), para um modelo de self como sistema aberto e em constante reconfiguração nas práticas discursivas em situações sociais. De acordo com a visão aqui explicitada, a linguagem não expressa o self, mas o fabrica.

Procuramos evidenciar ainda que as narrativas da psicologia do desenvolvimento por muito tempo fabricaram uma adolescência de laboratório, construída com base em concepções distorcidas da adolescência, à medida que não integraram o adolescente no processo, tornando-o transparente, até fazer com que ele praticamente desaparecesse da teorização psicológica crítica, nas últimas décadas. Esse silenciamento da adolescência contribuiu para proliferar mitos e incompreensões ainda mais agudas acerca desta etapa do ciclo de vida. Nesse sentido, a perspectiva narrativa, além de uma epistemologia para a abordagem do desenvolvimento, atende a um preceito ético de uma pesquisa com, e não sobre adolescentes.

No que tange à segunda questão, foi nossa intenção tratar das generalidades e especificidades desenvolvimentais da adolescência, ressaltando aspectos comuns e idiossincrasias do adolescer. Desse modo, buscamos destacar a riqueza dos processos de desenvolvimento em jogo, os quais não podem ser resumidos nos eventos pubertários de caráter biológico. Compreendemos que a inscrição sociocultural da puberdade faz com que ela seja reconstruída nas práticas sociais, assumindo múltiplos significados e funções, conforme o grupo social em tela e os cenários institucionais em que se processa a constituição pessoal do adolescente.

Assim sendo, dada a complexidade da época contemporânea e da fase adolescente, a experiência de ser adolescente nos tempos atuais envolve o entrecruzamento de diferentes níveis temporais: o tempo retrospectivo da infância e o tempo prospectivo da vida adulta; o não-tempo no imediatismo do prazer e da passagem ao ato; o tempo ambíguo da falta de tempo para aprender, para a conquista de formas responsáveis de autonomia, para esperar a vez.

À medida que concordemos que o estudo do desenvolvimento humano é o estudo do tempo e suas implicações sobre a subjetividade pessoal e social e entendamos que a subjetividade se organiza e traduz em narrativas, então a abordagem narrativa do desenvolvimento humano e da subjetividade exige a superação definitiva do modelo linear e progressivo do tempo, que dominou o campo por um século, para dar lugar a um tempo cíclico, a flecha de duas pontas, conforme Mishler (2002); um tempo que se comprime, expande e recria nas histórias e narrativas apresentadas e negociadas no jogo das interações sociais.

Recebido em 29/09/2005

Aceito em 30/03/2006

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    Maria Claudia Santos Lopes de Oliveira. SQSW 504 – Bloco G, apto. 512, CEP 70673-507, Brasília–DF.
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    Apoio: CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      30 Mar 2006
    • Recebido
      29 Set 2005
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