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Novos rumos e percursos para a história da Psicologia

RESENHAS

Novos rumos e percursos para a história da Psicologia1 1 Jacó-Vilela, A. M., Ferreira, A. L. & Portugal, F. T. (Orgs.) (2006). História da Psicologia – rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau.

Marisa Lopes da Rocha

Doutora em Psicologia Clínica. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social/UERJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marisa Lopes da Rocha. Rua Mário Coimbra Bouças, 10, Bl 2, ap. 501,Freguesia, Jacarepaguá, CEP 22743-675, Rio de Janeiro-RJ. E-mail: marisalrocha@uol.com.br

História da Psicologia. Rumos e percursos pode parecer, a princípio, um livro como tantos outros, que vai definir para o leitor ávido de respostas rápidas como se deu o processo organizativo de um corpo totalizado e coerente de conhecimento científico a que chamamos Psicologia, talvez para atender à demanda por esclarecimentos precisos, como uma maneira de agilizar a formação, aplacando as tensões de uma ordem que não está dada e clareando um leque de escolhas por linhas ou práticas que muitos anseiam ao entrar em cursos de Psicologia ou em áreas a fins. Não obstante, se a demanda é sempre algo produzido, ou seja, se só podemos ansiar por algo que esteja agenciado no campo social que nos circunscreve, então, devo dizer que tal expectativa de uma simplificação, de uma ordenação única e apriorística, não é apenas dos que estão entrando em contato, na universidade, com as práticas psi, mas também de muitos que fazem a Psicologia e/ou atuam na academia. Assim, a perspectiva de certa linearidade nem sempre é só de um iniciante, pois encontramos também profissionais de diversas áreas, entre elas a própria Psicologia, que, em nome de um certo rigor, consideram ser suficiente ou desejável discorrer sobre nomes, datas e fatos para esclarecer o percurso histórico de uma ciência, algo que nos remete a um campo de saberes que apresenta uma identidade com contornos indubitáveis.

A originalidade deste livro está justamente em mostrar para a academia e interessados nos saberes/práticas psi que é possível abordar a Psicologia através de suas disjunções, de suas ambigüidades, ou seja, enquanto um campo de forças que, em diferentes etapas e lugares, foi ganhando formas e fazendo emergir configurações de homem, de relações sociais, de regimes de verdade. O que nele é proposto se vincula à inversão nas expectativas simplificadoras quanto à delimitação de um - e apenas um - processo evolutivo para a Psicologia, afirmando que não é a redução implicada na linearidade e/ou na ordenação de correntes unívocas, cada uma em si mesma, o que nos insere nos saberes dos processos de subjetivação construídos ao longo da história. Este livro evidencia que coerência e coesão podem se construir no exercício do pensamento que busca formas entre as múltiplas forças que fazem os caminhos possíveis de investigação de um território em que homem, mundo e temporalidade se intensificam, compondo misturas interessantes e desafiadoras de significação. É exatamente por isso que não busca a ordem de uma coletânea, como um conjunto de textos apostilados, e sim, a transversalização de ramificações da Psicologia e de questões polêmicas desenvolvidas ao longo de quatro eixos densos em reflexão.

Na contramão de uma ordem em que história é sucessão cronologicamente estruturada de fatos, a didática produzida dá visibilidade às condições socioeconômico-político-institucionais em que da complexidade emergem lógicas e sentidos, abrindo a possibilidade de um campo de experimentação do pensamento do leitor - leitor/produtor de análises de: O nascimento da Psicologia – Parte I; Os novos critérios de cientificidade no século XIX – Parte II; A Psicologia no século XX: uma dispersão de saberes e práticas – Parte III; A Psicologia em diálogo com o social – Parte IV. É assim que a originalidade deste livro vai compondo um percurso em que, na Parte I, alguns conceitos fundamentais para dar corpo a idéias psicológicas vão sendo garimpados em suas condições de emergência, percorrendo o continente europeu desde o século XVIII e seus atravessamentos no nosso país-colônia. A seguir, na Parte II, entram em cena a Inglaterra, a França, a Alemanha e os Estados Unidos no século XIX como importantes territórios na fermentação das novas idéias cientificistas e das experiências de laboratório. Estas são abordadas nas suas implicações com princípios de neutralidade e naturalização da objetividade para pensar o homem; e, ao mesmo tempo em que respondem às exigências do modelo aceito de ciência, afirmam uma lógica mecanicista e individualizante que contribui para a gestação da sociedade contemporânea. Avançamos no tempo para, na Parte III, dar visibilidade à complexificação da vida nos centros urbanos, aos modos de subjetivação que no século XX darão consistência, na Psicologia, a novas correntes de pensamento e a terapêuticas vinculadas às grandes Escolas, mas não sem deixar de fazer uma passagem pela literatura no seu modo de expressar a consolidação das idéias de intimidade e interiorização. Na parte IV, os movimentos de resistência de inspiração marxista que lutam pela interferência na ordem institucional se fazem presentes na História da Psicologia. Rumos e percursos privilegia apresentar a fertilidade da Psicologia Social na atualidade como efeito sociocultural de um percurso abordado pela diferença e não pela sua unidade, reverberação de histórias que facultam desdobramentos de caminhos e reflexões, de escolhas e posicionamentos implicados com o desafio da convivência com a diversidade. Não se trata de tolerar opções teórico-metodológicas irredutíveis em suas bases, referências e expectativas, mas de buscar a convivência, mantendo tensões produtivas, diferença que nos coloca em atenção ético-política frente aos efeitos de nossas práticas.

Hoje temos outro desafio comum, cujo enfrentamento é de extrema importância para todos que trabalham com a formação acadêmica: como formar leitores? Como convidar os leitores ao prazer da escavação da superfície dos fatos, ao mergulho na multiplicidade que faz pensar, que nos faz ao mesmo tempo leitores da(s) história(s) nas suas coerências e conflitos e participantes ativos da construção de sentido para uma história possível?

Esse livro se constitui em uma provocação interessante, pela diversidade de intercessores que nos lançam na perspectiva de cartografar territórios intensos na história para refletir sobre a Psicologia que se faz, para contribuir com a formação de profissionais críticos e comprometidos com saberes/fazeres ético-políticos – campo de escolhas em análise na universidade e nas ações no cotidiano das práticas.

História da Psicologia. Rumos e percursos abriu uma porta potencializadora de novos encontros com a história da modernidade, com a história da Psicologia, com a história do presente enquanto implicações com a produção de modos de existência; encontros escritos a muitas mãos, algumas entrelaçadas, outras em luta, mas certamente transversalizantes, já que nos possibilitam entrar em um território de intensidades de acontecimentos que culminam na produção de saberes e práticas psi situados em diferentes espaços e tempos. Imperdível!.

Recebido em 12/02/2007

Aceito em 15/02/2007

  • Endereço para correspondência:

    Marisa Lopes da Rocha.
    Rua Mário Coimbra Bouças, 10, Bl 2, ap. 501,Freguesia, Jacarepaguá,
    CEP 22743-675, Rio de Janeiro-RJ.
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    Jacó-Vilela, A. M., Ferreira, A. L. & Portugal, F. T. (Orgs.) (2006). História da Psicologia – rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007
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