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Adolescência e paternidade: sobre os direitos de criar projetos e procriar

Adolescencia y paternidad: sobre los derechos de crear proyectos y procrear

Adolescence and paternity: the right to create projects and to procreate

Resumos

Esta pesquisa voltou-se para a investigação de algumas das repercussões da paternidade no cotidiano de adolescentes pais, visando contribuir para a elaboração de políticas públicas. Entre os oito adolescentes pais entrevistados (com idades entre 16 e 19 anos), dois planejaram a gestação junto com a parceira, cinco não haviam planejado a gravidez, mas consideravam o filho desejado, e somente um deles não considerou a paternidade planejada nem desejada. O comportamento preventivo em relação às DST’s não foi contemplado no discurso destes jovens, e quando citado, a prevenção foi tratada como uma preocupação secundária e rapidamente contornada, tendo como pano de fundo a noção de confiança. A dificuldade em lidar e, especialmente, em negociar com a parceira o uso de métodos contraceptivos denuncia a escassez e/ou ineficácia de políticas públicas voltadas para a emancipação da população jovem no que se refere ao campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

adolescência; paternidade; políticas públicas


Esta pesquisa se volcó para la investigación de algunas de las repercusiones de la paternidad en el cotidiano de adolescentes padres, visando contribuir para la elaboración de políticas públicas. Entre los ocho adolescentes padres entrevistados (con edades entre 16 y 19 años), dos planearon la gestación junto con la pareja, cinco no habían planeado el embarazo, pero consideraban el hijo deseado, y solamente uno de ellos no consideró la paternidad planeada ni deseada. El comportamiento preventivo en relación a las DST’s no fue contemplado en el discurso de estos jóvenes, y cuando citado, la prevención fue tratada como una preocupación secundaria y rápidamente contornada, teniendo como pantalla la noción de confianza. La dificultad en hablar y, especialmente, en negociar con la pareja el uso de métodos contraceptivos denuncia la escasez y/o ineficacia de políticas públicas volcadas para la emancipación de la población joven en lo que se refiere al campo de los derechos sexuales y reproductivos.

Adolescencia; paternidad; políticas públicas


Current research investigates approaches certain repercussions of paternity’s in the adolescent father’s daily life, contributing towards the elaboration of public policies. In the context of eight participants interviewed (ages between 16 and 19 years), two had planned pregnancy with the partner, whereas five failed to do so. However, the later considered the son as desired; only one did not consider paternity planned or desired. Preventive behavior with regard to STDs was not mentioned the adolescents’ discourse; in fact, prevention was treated as a secondary concern, quickly shifting the discourse due to a false notion of trust. The difficulty in dealing and, especially, negotiating the use of preventive methods with the partner denounces the scarcity and/or the inefficacy of public policies directed toward the emancipation of the young population within the context of sexual and reproductive rights.

Adolescence; paternity; public politics


ARTIGOS

Adolescência e paternidade: sobre os direitos de criar projetos e procriar

Adolescence and paternity: the right to create projects and to procreate

Adolescencia y paternidad: sobre los derechos de crear proyectos y procrear

Renata OrlandiI; Maria Juracy Filgueiras ToneliII

IPsicóloga. Mestre em Psicologia. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC

II Psicóloga, doutora em Psicologia, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Renata Orlandi Rua Doutor Sizenando Teixeira n° 362, Capoeiras CEP 88090-010, Florianópolis-SC. E-mail: renataorlandipsi@hotmail.com

RESUMO

Esta pesquisa voltou-se para a investigação de algumas das repercussões da paternidade no cotidiano de adolescentes pais, visando contribuir para a elaboração de políticas públicas. Entre os oito adolescentes pais entrevistados (com idades entre 16 e 19 anos), dois planejaram a gestação junto com a parceira, cinco não haviam planejado a gravidez, mas consideravam o filho desejado, e somente um deles não considerou a paternidade planejada nem desejada. O comportamento preventivo em relação às DST’s não foi contemplado no discurso destes jovens, e quando citado, a prevenção foi tratada como uma preocupação secundária e rapidamente contornada, tendo como pano de fundo a noção de confiança. A dificuldade em lidar e, especialmente, em negociar com a parceira o uso de métodos contraceptivos denuncia a escassez e/ou ineficácia de políticas públicas voltadas para a emancipação da população jovem no que se refere ao campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

Palavras-chave: adolescência, paternidade, políticas públicas.

ABSTRACT

Current research investigates approaches certain repercussions of paternity’s in the adolescent father’s daily life, contributing towards the elaboration of public policies. In the context of eight participants interviewed (ages between 16 and 19 years), two had planned pregnancy with the partner, whereas five failed to do so. However, the later considered the son as desired; only one did not consider paternity planned or desired. Preventive behavior with regard to STDs was not mentioned the adolescents’ discourse; in fact, prevention was treated as a secondary concern, quickly shifting the discourse due to a false notion of trust. The difficulty in dealing and, especially, negotiating the use of preventive methods with the partner denounces the scarcity and/or the inefficacy of public policies directed toward the emancipation of the young population within the context of sexual and reproductive rights.

Key words: Adolescence, paternity, public politics.

RESUMEN

Esta pesquisa se volcó para la investigación de algunas de las repercusiones de la paternidad en el cotidiano de adolescentes padres, visando contribuir para la elaboración de políticas públicas. Entre los ocho adolescentes padres entrevistados (con edades entre 16 y 19 años), dos planearon la gestación junto con la pareja, cinco no habían planeado el embarazo, pero consideraban el hijo deseado, y solamente uno de ellos no consideró la paternidad planeada ni deseada. El comportamiento preventivo en relación a las DST’s no fue contemplado en el discurso de estos jóvenes, y cuando citado, la prevención fue tratada como una preocupación secundaria y rápidamente contornada, teniendo como pantalla la noción de confianza. La dificultad en hablar y, especialmente, en negociar con la pareja el uso de métodos contraceptivos denuncia la escasez y/o ineficacia de políticas públicas volcadas para la emancipación de la población joven en lo que se refiere al campo de los derechos sexuales y reproductivos.

Palabras-clave: Adolescencia, paternidad, políticas públicas.

No campo dos direitos humanos a saúde sexual e reprodutiva das populações jovens vem sendo alvo de trabalhos de pesquisa e de intervenção. Aqui convém resgatar a definição de saúde reprodutiva apresentada no relatório da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (ONU, 1996). Conforme o relatório, a saúde reprodutiva se constitui como um estado de bem-estar biopsicossocial, e não meramente como a ausência de sintomas que caracterizam uma dada enfermidade relacionada de alguma maneira ao sistema reprodutivo. " A saúde reprodutiva implica, assim, a capacidade de desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem risco, em que se tem a capacidade de procriar e a liberdade para decidir fazê-lo ou não fazê-lo, quando e com que freqüência" (ONU, 1996, p. 77).

Em um projeto de pesquisa desenvolvido por Siqueira, Mendes, Finkler, Guedes e Gonçalves (2002), foram investigados quatro programas públicos que prestavam atendimento pré-natal a gestantes adolescentes, com o intuito de verificar os processos de inclusão/exclusão do pai nestes serviços. Constatou-se, assim como a literatura científica tem apontado, que a área da saúde sexual e reprodutiva tem sido considerada um território feminino, entendimento este que dificulta o acesso dos homens pais a esses setores. Tal situação, por sua vez, não concorre para que estes jovens possam discutir seus saberes e fazeres atrelados ao âmbito da sua sexualidade. Siqueira et al. (2002) destacam a importância de repensar as pesquisas e debates nesta área, bem como as políticas públicas de atenção ao adolescente, de maneira a promover a compreensão e a conseqüente abordagem deste sujeito como cidadão. Em outras palavras, apontam a importância de assegurar as condições para se exercer a sexualidade de forma plena e apoiada, conforme as recomendações das grandes conferências internacionais, em vez de julgar tal exercício como irresponsável ou necessariamente prejudicial. Ribeiro (2002) chamou a atenção para a importância de se garantirem os direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes.

Nos estudos elaborados pelo PIPA1 1 Programa de Investigações sobre Paternidade na Adolescência, do núcleo de estudos Margens- Modos de Vida, Família e Relações de Gênero/Departamento de Psicologia/UFSC. (Siqueira et al., 2002) desde 1998, constatou-se que os jovens investigados consideravam o risco de uma gravidez maior que o risco de contrair o HIV; contudo, como destaca Vera Paiva (2000), ambos, gravidez e contágio, podem ser produto da mesma relação sexual, da mesma decisão ou indecisão dos parceiros diante destas possibilidades. Apesar disso, a maioria das iniciativas de planejamento familiar e saúde reprodutiva são voltadas exclusivamente para as mulheres e quase sempre desenvolvidas a despeito dos programas voltados à prevenção de DST/AIDS e vice-versa. Esses aspectos acabam por se tornar um obstáculo para a principal mudança de comportamento sexual exigida pela epidemia da aids: o diálogo, a negociação e o compartilhamento da prevenção.

Quanto às definições de adolescência e juventude que pautam este trabalho, diante da adoção da teoria histórico-cultural de Vygotski (1984, 1995) como matriz teórica, seria incoerente a compreensão destes fatos como um fenômeno universal, de caráter essencial. A adolescência e a juventude são significadas de maneiras diversas nas culturas que as designam, bem como em meio a cada grupo, sendo, em última instância, particularizadas em cada sujeito, em vista da singularidade do processo de constituição de cada um. As experiências vividas pelos jovens são plurais, bem como os sentidos atribuídos a tais experiências, sendo que o processo de constituição envolve uma multiplicidade de aspectos, tais como a etnia, a classe social, as tradições culturais e religiosas, a orientação sexual, entre outros, que particularizam cada adolescente.

Diante da multiplicidade de delineamentos acadêmicos relativos à adolescência e à juventude, os quais por vezes são contraditórios e discordantes, o debate se intensifica no que se refere à delimitação do fim da adolescência e da juventude, sendo este momento, em última análise, demarcado pelo reconhecimento social do status de adulto do sujeito. Este status pode ser esboçado de várias maneiras, conforme o grupo do qual o jovem faz parte. Em nossa sociedade, destaca-se o critério etário; entretanto, a delimitação da adolescência pode variar em um mesmo contexto cultural, podendo um sujeito ser percebido ou não como adolescente considerando-se aspectos como o seu estado civil e a condição financeira, por exemplo. Neste trabalho, quando o termo adolescência for empregado, estar-se-á fazendo referência a determinados sujeitos inseridos na cultura ocidental urbana, com idades entre 10 e 19 anos, conforme faixa etária estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, 2004).

Na medida em que, no imaginário social, comumente a paternidade é associada à noção de virilidade, Fuller (1997) compreende este evento como um aspecto significativo para a experiência da masculinidade. Deste modo, a paternidade pode ser significada como um momento importante no processo de transição da adolescência para a vida adulta, quando implica em novos arranjos no cotidiano do homem, de modo a favorecer a conquista do status de adulto e de um maior reconhecimento social.

Na busca por conhecer dados referentes aos índices de paternidade na adolescência no Brasil, deparei-me com a invisibilidade dos adolescentes pais diante de órgãos como o Ministério da Saúde e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo dados do DATA/SUS/MS (Ministério da Saúde, 2004), o índice de partos de garotas com idade oscilando entre 15 e 19 anos representou 24,63% do total de partos realizados no SUS em 1996. De acordo com o órgão, no Brasil, o número de casos de gravidez de garotas com idade entre 15 e 19 anos aumentou, contrariando a tendência nacional de diminuição das taxas de fecundidade (Brasil, 1996).

No que diz respeito aos resultados da amostra do censo demográfico de 2000 (IBGE, 2005) referentes à fecundidade, são investigados somente o número de mulheres que se tornaram mães e o número respectivo de filhos (nascidos vivos e nascidos mortos, bem como o número de filhos sobreviventes), não havendo dados correspondentes aos homens pais destas crianças. Portanto, o foco das investigações tanto do Ministério da Saúde quanto do IBGE denota um desinteresse em conhecer a participação dos pais no cenário da fecundidade, legitimando a exclusão destes em determinados programas de políticas públicas (IBGE, 2005).

Quanto ao lugar do pai nas pesquisas demográficas brasileiras, com o intuito inicial de identificar o número de adolescentes pais no Brasil, Lyra e Medrado (2000) investigaram, em nível de Brasil, instrumentos de coleta de dados empregados por diversas instituições, tais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Ministério da Saúde e a Sociedade Civil Bem-Estar Familiar, e em São Paulo, o Sistema de Análise de Dados. Surpreendentemente, constataram que " os atos de conceber e criar filhos constituem, inclusive na demografia, experiências humanas atribuídas culturalmente às mulheres, incluindo muito discretamente o pai" (Lyra & Medrado, 2000, p. 155). Os instrumentos de coleta de informações das quatro instituições citadas contrariam a recomendação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (1994) no que concerne ao incentivo à participação dos homens no âmbito da reprodução e à produção teórica sobre políticas públicas atreladas a este campo.

Conforme o contexto histórico no qual a adolescência é produzida, a paternidade e a maternidade na adolescência são significadas, aceitas e reconhecidas de maneiras diferenciadas. Contudo, nas sociedades urbanas ocidentais, especialmente entre as classes sociais com renda média e alta, as motivações ou causas da gravidez na adolescência são apontadas tendendo para uma patologização deste fenômeno. Em vista da valorização da capacitação acadêmica e profissional, o projeto de maternidade/paternidade e/ou constituição de uma família é adiado, de modo a favorecer a inserção no mercado de trabalho e a conseqüente independência financeira (Pinheiro, 2000). De maneira que:

(...) os pais de classe média, bem como as instituições sociais, de um modo geral, parecem incorporar um modelo de transição da adolescência (pelo menos masculina), para a idade adulta na seqüência: terminar os estudos, encontrar boa colocação no mercado de trabalho, casar-se (com alguém da mesma classe social), fixar nova moradia e, finalmente, ter filhos (Lyra, 1997, p. 56).

Tendo como pano de fundo determinados aspectos e estereótipos atrelados ao imaginário social referentes à noção de adolescência, tais como as noções de transição, instabilidade, experimentação, irresponsabilidade e crise, a gravidez ocorrida nesse período tem sido compreendida como um problema, sendo comum o estabelecimento de relações de causalidade entre a procriação e o abandono escolar, o desemprego, a instabilidade familiar/conjugal, a morbidade e a mortalidade da criança e da mãe, além da continuidade do ciclo da pobreza (Rosenberg, 1998).

Em revisão da literatura internacional referente à paternidade na adolescência, Levandowski (2001) identificou uma ênfase nos trabalhos preventivos deste fenômeno, tendo reconhecido sua importância. Não obstante, a autora entende que a insistência neste enfoque pode estar indicando um preconceito em relação à paternidade na adolescência, considerada como uma vivência indesejável, com conseqüências necessariamente ruins, devendo ser prevenida em qualquer situação. " Não parece haver uma preocupação maior em ajudar estes pais a perceberem aspectos positivos dessa transição, a tirarem proveito de sua experiência, enfim, em auxiliá-los a serem pais efetivos" (p. 5).

Neste contexto, este artigo pretende contribuir para fundamentar o debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos, sobretudo dos adolescentes, devendo ser entendido como um subsídio para a elaboração de políticas públicas destinadas a estas populações. Os participantes deste estudo foram abordados na entrevista contemplando-se diversos aspectos, tais como: a família de origem dos sujeitos, destacando-se o relacionamento com o pai; o relacionamento com a mãe de seu filho; os sentidos atribuídos à paternidade; e a relação de cuidados. Devido ao limite de extensão do artigo, optou-se pelo aprofundamento de aspectos relacionados à negociação do método contraceptivo e ao projeto de paternidade destes adolescentes pais, sem perder de vista a perspectiva relacional com a mãe de seus filhos.

MÉTODO

Participaram desta investigação como sujeitos de pesquisa adolescentes pais. A faixa etária adotada para delimitar a adolescência baseia-se no referencial da Organização Mundial de Saúde: 10 a 19 anos (WHO, 2004). Várias críticas podem ser feitas à rigidez do estabelecimento de uma delimitação etária para um grupo; contudo tal escolha foi feita com fins didáticos, com o objetivo de tornar possível o delineamento de critérios para a localização de participantes para realizar este estudo. Tal faixa etária constitui uma entre outras tantas propostas de delimitação da adolescência identificadas na literatura especializada. Esta escolha teórica foi feita em vista do alcance mundial da OMS, procurando-se empregá-la, na medida do possível, de maneira dinâmica e contextualizada.

Os oito participantes desta pesquisa foram localizados através de suas parceiras, que estavam realizando os atendimentos obstétricos no ambulatório de atendimento pré-natal do Hospital da Universidade Federal de Santa Catarina. Os sujeitos foram selecionados considerando-se apenas sua idade e sua disponibilidade para participar do estudo. Eles foram orientados sobre a ética e o sigilo das informações da pesquisa, bem como foi destacada a importância de sua participação para o processo de produção do conhecimento. Conquanto a classe social de origem dos sujeitos não tenha feito parte do critério para a escolha dos entrevistados, as famílias de todos eram de baixa renda.

O formulário de consentimento livre e esclarecido foi apresentado e assinado no início da entrevista, de acordo com as normas de bioética expressas na Resolução 196/CONEP (Brasil, 1996). Foram utilizados como instrumentos de coleta e registro de informações o diário de campo, onde foram anotadas as impressões e percepções da pesquisadora durante as observações e encontros com os sujeitos, o roteiro de entrevista e o gravador - este último, com o consentimento do sujeito.

Aqui se entende que todo discurso é produzido socialmente e a análise do discurso é empregada buscando-se articulações entre texto e subjetividade. Através da análise de discurso dos participantes nos moldes de Orlandi (2002), buscou-se compreender o movimento dinâmico, histórico e cultural dos sentidos atribuídos pelos sujeitos à paternidade e ao lugar paterno no cuidado aos filhos. Deve ser destacado o fato de que com este tipo de análise

não se objetiva alcançar o sentido do texto, até porque, de certo modo, isto seria reduzir a sua riqueza. Ao contrário, sua finalidade é, antes, fornecer uma interpretação dentre as várias possíveis (Coutinho, 1998, p. 328).

O emprego da estratégia de análise do discurso sobre o produto das entrevistas favorece a identificação de contradições, lacunas e inconsistências discursivas e possibilita certo rigor analítico no processo de realização do estudo. Nesse sentido, os depoimentos foram alvo de análises verticais (internas a um mesmo discurso) e transversais (entre os discursos dos participantes).

Durante a análise do material obtido em campo, procurando-se compreender os dados que emergiram nas situações de observação ou de entrevista, foram identificados alguns pontos de encontro, de similaridade, como também diferenças e particularidades dos sujeitos investigados. Assim, o grau de abrangência e transposição dos " resultados" e reflexões produzidos dependerá do tipo de relação que se possa estabelecer entre o microuniverso investigado e os universos sociais mais amplos.

RESULTADOS DA PESQUISA E DISCUSSÃO

Breve caracterização dos sujeitos entrevistados

Neste momento, pretende-se esboçar um panorama geral das condições de vida e do perfil socioeconômico dos participantes desta pesquisa. No que diz respeito ao número de filhos de cada sujeito desta investigação, sete deles eram pais do primeiro filho, sendo que Amoroso era pai de uma criança (de cerca de nove meses) e estava experienciando o quinto mês de gestação do segundo filho. Outros três participantes estavam acompanhando a gravidez das parceiras. Os filhos dos demais rapazes (4) haviam nascido recentemente, entre um dia e duas semanas antes.

Quanto ao local onde os entrevistados residiam, sete deles moravam em Florianópolis e um mudou-se para vários locais ao longo do último ano, e durante a investigação estava morando em Criciúma. Todos os participantes são catarinenses.

Quanto ao estado civil, todos os participantes estavam legalmente solteiros. Entre os oito, seis consideravam-se casados (Cláudio, Amoroso, Tadeu, Inácio, Oscar e Fabrício)2 2 Todos os nomes foram substituídos com o intuito de garantir o anonimato dos sujeitos entrevistados e de suas parceiras. , sendo que o tempo de coabitação com a parceira, geralmente, estava em torno do período em que a gestação ocorreu ou foi verificada. No tocante à casa onde estavam residindo, apenas um deles (Inácio) morava em casa própria, sendo ela adquirida e construída como fruto do seu trabalho. Em geral, os participantes moravam com familiares (seis), sendo que um deles morava na casa de seu pai (Moisés) e outro na de sua mãe (Olavo) três residiam na casa de sua família com a parceira (Amoroso, Tadeu e Oscar) e um na casa da família da parceira (Cláudio).

Quanto à renda mensal dos participantes, três deles não tinham renda (Cláudio, Moisés e Olavo). Quanto aos demais, a renda de Tadeu estava em torno de 300 reais, a de Fabrício em torno de 400 a de Amoroso e Inácio, em torno de 500 reais, e em cerca de 600 reais a de Oscar.

O tema trabalho foi contemplado na fala dos sujeitos em diversos momentos ao longo das entrevistas, sobretudo na condição de importante aspecto no delineamento da paternidade. Todos os entrevistados, em maior ou menor grau, apontaram o pai como o maior responsável pelo provimento da família, mesmo quando em suas famílias de origem isto não ocorria.

Destarte, entre os sujeitos entrevistados pôde-se verificar a manutenção do lugar de provedor atribuído ao pai, tal como também descrito por Lodetti (2005), Palma e Quilodrán (1997), Trindade e Bruns (1999) e Trindade e Menandro (2002). Esse lugar associa-se à organização tradicional da família, que mantém uma divisão binária de tarefas e atribuições, pautadas pelas prescrições e assimetrias das relações de gênero.

Todos os sujeitos estavam como evadidos da escola e nenhum deles havia completado o ensino médio. A escolaridade destes adolescentes foi marcada por um histórico escolar de incompatibilidade entre sua idade e o nível de ensino, já havendo atraso escolar (entre um e seis anos) na época da interrupção dos estudos. Em geral, os sujeitos pararam de estudar para trabalhar, mas outros aspectos também foram enumerados, como: " matar aula" para encontrar a namorada, ajudar a família em função de problemas de saúde da mãe (Tadeu), prática de esportes (Moisés), dedicar-se à parceira grávida e " não querer nada com nada" na escola (Olavo). Olavo estava com sete anos de atraso escolar e entre as suas justificativas para não freqüentar a escola estava a dedicação à parceira na gestação; contudo, em diversos momentos o rapaz demonstrou não ter acompanhado com proximidade a namorada.

O projeto de voltar a estudar foi identificado no nível do discurso de todos os participantes, porém só Oscar iria começar a cursar um supletivo, e isto porque uma de suas cunhadas tivera a iniciativa de matriculá-lo. Quanto aos demais, o objetivo de retornar ao meio escolar foi lançado para um momento pouco preciso do futuro e não havia clareza sobre o modo como concluiriam seus estudos (a pretensão era o ensino médio). A conclusão do ensino médio, por sua vez, não engendrava um projeto de ascensão profissional, estando mais associada à conquista ou manutenção de um emprego. Os dados coletados entre estes rapazes assemelham-se aos de pesquisas realizadas com adolescentes mães (Corrêa & Coates, 1991; Fávero & Mello, 1997; Shor, Ferreira, Pirotta & Tanaka, 1996), que identificaram a baixa escolaridade e o baixo desempenho escolar atrelados à escassa aspiração profissional entre as adolescentes mães participantes de seus estudos.

Quanto aos participantes desta investigação, a interrupção dos estudos (sete participantes) e/ou o atraso escolar (todos os participantes) aconteceram em momento anterior à gestação da parceira; portanto a gravidez não determinou a evasão, embora tenha dificultado o retorno ao meio discente.

Negociação do método contraceptivo e o projeto de paternidade

A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento e a IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, ambas promovidas pela ONU na década de 90 do século XX, incentivaram explicitamente a realização de investigações que contemplem a participação dos homens na esfera da saúde sexual e reprodutiva (justificado pelo aumento da incidência da aids, especialmente preocupante no segmento composto por mulheres casadas), a importância da negociação entre os casais no que diz respeito à prevenção das DST’s e o planejamento familiar, além da melhoria dos resultados em programas de saúde voltados para infância com a inclusão do pai (Mundigo, 1995). Não obstante, grande parte dos estudos referentes aos processos reprodutivos ainda se limitam às experiências das mulheres, enquanto os homens são tratados como meros coadjuvantes no campo do controle da fecundidade (Villa, 2001; Figueiroa-Perea, 1998).

Nesta investigação, todos os sujeitos entrevistados, com maior ou menor freqüência, já haviam vislumbrado a possibilidade de virem a ser pais, porém apenas dois participantes estavam mantendo relações sexuais planejando a gestação (Inácio e Oscar), embora estes mesmos sujeitos tenham considerado este empreendimento precipitado após a confirmação da gravidez de suas parceiras.

Inácio e sua parceira planejaram a gestação e interromperam o uso do preservativo e do anticoncepcional (combinação de métodos que este rapaz considerava mais segura) com este fim. Oscar namorava a parceira havia cerca de dois anos (desde que ela tinha 12 anos) quando o casal planejou a gestação; aliás, eles começaram a ter relações sexuais com esse propósito, e após dois meses ela estava grávida. Este sujeito, embora antes já houvesse pensado em ser pai, enfatizou que era a parceira quem desejava mais a gestação: " Achava ela nova, mas ela disse que queria ter um filho meu" . Neste caso, a paternidade e a maternidade pareceram estar relacionadas a uma autorização para a ocorrência das relações sexuais. Fávero e Mello (1997), ao abordarem a maternidade na adolescência, identificaram associações entre o sexo e a transgressão, consistindo o casamento em reparação desta infração.

Olavo declarou que a gravidez não fora planejada nem desejada, não se implicando na fecundação e considerando o evento como " coisa dela" (da parceira). Quanto aos demais participantes, as gestações das companheiras não foram consideradas planejadas, mas desejadas.

O roteiro de entrevista não contemplava diretamente a temática do aborto, mas Amoroso e Olavo manifestaram reprovação a esta prática diante da sugestão de suas parceiras. Estes dois casos demonstram a inversão do mito do amor materno, na medida em que são os adolescentes pais que se posicionam contrariamente à prática do aborto ante a sugestão das parceiras. Por outro lado, pode-se pensar que justamente a ênfase na atribuição do cuidado dos filhos à mãe (e a conseqüente maior responsabilização desta) pode ter implicado na iniciativa destas garotas em propor esta prática ao parceiro. Arilha (1999) também identificou entre os homens que entrevistou a crença deles de que podem determinar o posicionamento das parceiras quanto ao aborto, direcionando a sua decisão. Palma e Quilodrán (1997), por sua vez, constataram que os rapazes por eles entrevistados contribuíram com as decisões tomadas pelas parceiras quanto à gestação.

No que diz respeito à adoção de métodos contraceptivos, Tadeu foi o único sujeito que apontou o uso constante da camisinha, porém, segundo este participante, um dia o preservativo estourou e o casal não se preocupou com este fato, pois já desejava a gestação, apesar de não ter havido planejamento. Sobre a confirmação da gravidez através de um exame laboratorial, este jovem disse: " Daí deu tudo certo" .

Sobre o comportamento preventivo dos cinco demais participantes, houve uma interrupção ou descontinuidade do uso de métodos contraceptivos e/ou o emprego de métodos de baixa eficácia, como a tabelinha e o coito interrompido, denotando dificuldade em lidar com outros métodos que não a camisinha. Abaixo segue uma síntese da fala destes participantes sobre esse aspecto de sua vida sexual.

Cláudio não havia planejado ser pai naquele momento, mas conversava sobre o assunto com a parceira antes de ela ficar grávida. Quanto ao comportamento preventivo do casal, no início do namoro costumavam usar camisinha, tendo a parceira dito " que ela não queria mais, ela falou que eu era o homem da vida dela, que tinha plena confiança em mim" . O rapaz disse ter alertado a parceira sobre a possibilidade de uma gravidez e ela passara a tomar anticoncepcionais. Em outro momento, ela teria proposto a suspensão do anticoncepcional, mas ele teria considerado " cedo" , e Alessandra, segundo o rapaz, havia dito que continuaria usando o contraceptivo, " Só que ela não continuou tomando o remédio. (...) Mas assim, eu não brigo com ela (...) porque a minha vida não tá completamente um inferno por esse anjinho que vai nascer" . O rapaz pretende ser pai novamente " só daqui a dez anos" e sua " esposa" irá implantar um dispositivo intra-uterino que irá mantê-la esterilizada nesse período.

Amoroso considerou ter ficado " muito feliz" quando soube da primeira gestação da parceira, pois já falava para ela que queria ter um filho, tendo reprovado a iniciativa da família dela, que sugerira um aborto, por isso levara a parceira para morar na casa de sua mãe. Disse não ter ficado " tão feliz" com a notícia da segunda gestação quanto da primeira, " o segundo veio um pouco adiantado" ; mas pensa que o filho não tem culpa, discordando da parceira, que queria provocar um aborto: " Aí graças a Deus não aconteceu nada" . Quanto ao comportamento preventivo do casal, Amoroso considerava desconfortável o uso do preservativo. Até a primeira gestação o método empregado fora a tabelinha. Após o nascimento do primeiro filho, passaram a usar o preservativo, mas " um dia" não usaram e a segunda gravidez ocorreu. Este participante demonstrou desconhecer os métodos que podem ser combinados com a amamentação com fins contraceptivos.

Moisés declarou ter interrompido o uso da camisinha por não achar " confortável" usá-la. Quando lhe foi perguntado se pensava em ter um bebê antes de a parceira engravidar, respondeu: " Não, assim, a gente conversava, a gente brincava. Eu sempre falava pra ela que eu queria ter um filho com ela entendeu? A gente nunca pensou que ia vim" . Sobre o comportamento preventivo do casal, disse:

" (...) eu usava camisinha, só, e ela não tomava anticoncepcional porque ela falava que engordava. (...) Só que umas duas ou três vezes agora não, na realidade a gente ficou um bom tempo transando sem camisinha. (...) Sem camisinha, sem nada. Altas cara, né. A gente até ficava de cara, porque mesmo a gente tando sem camisinha não dava nada. (...) Não, não pensando em ter o filho. (...) É... a gente ficava preocupado assim, um pouco. Mas depois... ficava... tranqüilizado" .

Olavo e sua parceira usaram o preservativo até a realização de exames de DST’s, mas diante dos resultados negativos, interromperam este comportamento preventivo. O rapaz demonstrou dificuldades em compreender o funcionamento das pílulas anticoncepcionais: " Não, ela pensou em usar quando ela soube que ela tava grávida, ela quis usar, mas eu não deixei." Apesar de afirmar que a parceira pensou em realizar um aborto, Olavo considerou que o filho foi a solução dela para ficar ao seu lado: " quem veio com essa idéia de ser pai foi ela, não tem! Isto porque ela teria de ir morar com o seu pai em Criciúma contra a sua vontade. Apesar de o casal ter dispensado o uso de preservativos no período que antecedeu a gestação e de o rapaz ter admitido, na entrevista, que o coito interrompido não é um método contraceptivo seguro, o pai não reconhece sua responsabilidade na fecundação da parceira, " Eu... se eu sabia que podia acontecer a gravidez? Olha, pela minha parte não fui eu, não fui eu (...) Aí uma vez eu fui sair e ela falou outra coisa. (ri) Aí chegou, entendeu?" .

Fabrício já pensava em ser pai antes da gestação da parceira. Sobre o comportamento preventivo do casal, este entrevistado disse nunca ter usado camisinha. Ele falou que tinha " meio que" alergia. " Eu não me sinto bem com camisinha" . Franciele fazia uso de anticoncepcional " fazia muito tempo" e " eu confiava nela e ela confiava em mim" . Devido ao prolongado tempo de uso, a parceira teve de interromper o anticoncepcional " porque o útero dela tava secando" . Em se tratando da possibilidade de uma gravidez, o rapaz afirmou: " Não, nem... não tava nem aí. Nem me preocupava. (...) Nunca passou pela minha cabeça" .

No que tange ao controle da fecundidade, Fabrício, Cláudio e Olavo (especialmente estes dois últimos) depositaram uma maior parcela de responsabilidade na parceira. Conforme Olavarría (2001), o comportamento dos homens que não assumem as conseqüências do exercício da sexualidade está associado com a forma como interpretam seus corpos (determinados por desejos instintivos cuja necessidade de satisfação superaria as conseqüências do exercício sexual). Como a gestação se dá no corpo " feminino" , a responsabilidade pelo exercício da sexualidade do casal seria culturalmente atribuída, em grande medida, à mulher. Neste sentido, Trindade e Menandro (2002) chamam a atenção para a associação rápida entre gravidez e maternidade que coloca o pai no lugar de coadjuvante, fazendo pensar que, após a fecundação, o pai estaria dispensado deste processo.

Mundigo (1995) enfatiza a necessidade de superação de barreiras culturais entre homens e mulheres para a promoção do incremento na participação dos primeiros no campo da saúde reprodutiva. A perspectiva de compreensão da saúde - englobando a saúde sexual e reprodutiva – como um direito demanda o reconhecimento da equidade de gênero como condição para a sua consecução, na medida em que diz respeito à problematização das prescrições e aos padrões de relações sociais e institucionais referentes ao campo da reprodução (Figueiroa-Perea, 1998).

Com exceção de Oscar, que passara a ter relações sexuais com a namorada com fins procriativos, e por isso não mencionou a adoção de qualquer método preventivo, os participantes demonstraram saber acessar e usar a camisinha, apesar de Tadeu ter declarado que a gravidez da parceira ocorreu como conseqüência da ruptura de um preservativo, fato que geralmente decorre do seu uso inadequado.

A camisinha, quando empregada, teve um fim contraceptivo, com exceção de Olavo, que usou o preservativo até a realização de um exame (não especificou de quais DST’s ou se somente da aids), o qual foi por ele considerado como uma garantia de prevenção do contágio por DST’s. A confiança também foi apontada como garantia de prevenção às DST’s, tendo sido explicitada no discurso de Cláudio e Fabrício. Segundo Paiva (2000), pesquisas têm constatado que o amor e a paixão dissolvem o risco, sendo que a cogitação de que o parceiro sexual pode ser portador de uma DST equivale a uma ofensa, uma demonstração de desconfiança do outro. Por isso a prevenção das DST’s geralmente não foi abordada no discurso destes jovens, e quando citada, foi tratada como uma preocupação secundária rapidamente contornada, tendo como pano de fundo a confiança, mesmo quando a problemática da infidelidade masculina e da desconfiança feminina é tangenciada por Olavo e Fabrício. Oscar também citou o " ciúme" da parceira, mas não foi identificada em sua entrevista uma situação de deslealdade com ela.

Orlandi (2004) entrevistou estudantes de ambos os sexos matriculados em escolas públicas de Florianópolis e São José, e também constatou entre alguns destes adolescentes irregularidades na adesão às práticas de comportamento preventivo. Quando a inconstância ou a não-cogitação do uso da camisinha foram abordados por estes sujeitos, a confiança foi um tema recorrente, considerada como um aspecto de garantia de que o jovem está protegido contra doenças sexualmente transmissíveis, justificando o não-uso do preservativo. O relacionamento sexual com um parceiro fixo pode representar segurança para estes participantes, o que é uma autopercepção errônea da ausência do risco de contrair DST’s. Segundo Paiva (2000), o comportamento preventivo não regular denuncia a existência de risco para a saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes por ela abordados, na medida em que a gravidez não planejada e a infecção pelo HIV decorrem do mesmo relacionamento sexual desprotegido.

Quanto à dificuldade em lidar com a sexualidade e suas implicações, Fabrício responsabilizou a sua família, na qual não havia diálogo sobre este tema. Cláudio e sua parceira haviam se conhecido em um projeto da prefeitura de Florianópolis voltado para a educação sexual de jovens. Ainda assim, este rapaz demonstrou dificuldades em lidar com a negociação do uso de métodos contraceptivos/preventivos.

No relato de Cláudio, o próprio rapaz demonstrou-se surpreso com seu nível de informação sobre sexualidade em um momento anterior à gravidez da parceira. Diante dos empecilhos causados pelo padrasto dela no início do namoro do casal, ambos se distanciaram por um período, durante o qual Cláudio namorou outra garota, tendo ela dito que estava grávida. Contudo, este casal jamais havia tido uma relação sexual com ejaculação, e o relacionamento do casal, segundo o rapaz limitava-se a " beijos" . Retomando-se a narrativa deste evento: " Pô, até acho que a senhora pode pensar: como é que ele não aprendeu na escola isso? (...) Só sei que eu achava que tinha engravidado ela com os meus beijos!" .

De alguma forma, os jovens participantes desta investigação denunciam a escassez de espaços destinados ao favorecimento do acesso à informação, à discussão e à reflexão sobre aspectos envolvidos no exercício da sexualidade, tais como as relações de gênero que circunscrevem a negociação do uso de métodos contraceptivos/preventivos. Neste contexto, Ribeiro (2002) afirmou que os direitos sexuais e reprodutivos não estão efetivamente sendo garantidos aos jovens brasileiros.

CONCLUSÕES

Verificou-se que os oito sujeitos, com maior ou menor delineamento, já haviam vislumbrado a paternidade em um momento anterior à gravidez das parceiras. Dois destes participantes haviam planejado a gestação junto com a companheira, cinco deles não haviam planejado, mas consideravam o filho desejado, e apenas um participante não considerou a paternidade planejada nem desejada, mas ainda assim considerou-se feliz em ser pai.

A temática do aborto não estava diretamente contemplada no roteiro de entrevista, mas dois entrevistados, diante da sugestão de suas parceiras, manifestaram sua reprovação a esta prática. Quanto à prevenção das DST’s, em geral, a adesão ao uso do preservativo não foi abordada no discurso destes jovens, e, quando mencionada, tratou-se de uma preocupação secundária e a questão do sexo seguro foi rapidamente contornada, tendo-se como pano de fundo a relação de confiança entre o casal, mesmo havendo relatos de infidelidade e/ou desconfiança e ciúmes acentuados entre os casais.

Paiva (2000) e Orlandi (2004) também verificaram que a inconstância ou a não-cogitação do uso da camisinha são freqüentemente justificadas pela confiança estabelecida entre o casal. São consideradas como uma espécie de garantia de que o jovem está protegido contra doenças sexualmente transmissíveis, justificando a não-adesão às práticas de comportamento preventivo. O uso irregular de métodos contraceptivos e/ou preventivos sugere que a maioria desses adolescentes não se consideravam em posição de vulnerabilidade às DST’s nem consideravam a existência de risco para sua saúde sexual e reprodutiva, na medida em que tanto a gravidez não planejada como a contaminação por DST’s podem decorrer do mesmo relacionamento sexual desprotegido (Paiva, 2000).

A dificuldade em lidar e, especialmente, em negociar com a parceira o uso de métodos contraceptivos e/ou preventivos denuncia a escassez e/ou a ineficácia de políticas públicas voltadas para a emancipação da população jovem no que se refere ao campo dos direitos sexuais e reprodutivos. Neste trabalho, destaca-se a importância de oportunizar aos adolescentes um espaço voltado para o favorecimento do acesso à informação e ao debate sobre aspectos envolvidos no exercício da sexualidade, tais como as relações de gênero que circunscrevem a negociação das práticas de comportamento preventivo, incluindo a reflexão sobre os seus projetos de vida, suas vulnerabilidades, direitos e (im)possibilidades. Isto porque, independentemente do lugar das pessoas em meio à intersecção dos eixos de poder atrelados às categorias de sexo/gênero, religião, geração, etnia ou grupo social de pertença, todo ser humano deve ser reconhecido como sujeito de direitos, devendo ser-lhe asseguradas as condições para o pleno exercício desses direitos.

Recebido em 24/08/2006

Aceito em 18/12/2006

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  • Endereço para correspondência:

    Renata Orlandi
    Rua Doutor Sizenando Teixeira n° 362, Capoeiras
    CEP 88090-010, Florianópolis-SC.
    E-mail:
  • 1
    Programa de Investigações sobre Paternidade na Adolescência, do núcleo de estudos Margens- Modos de Vida, Família e Relações de Gênero/Departamento de Psicologia/UFSC.
  • 2
    Todos os nomes foram substituídos com o intuito de garantir o anonimato dos sujeitos entrevistados e de suas parceiras.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Dez 2006
    • Recebido
      24 Ago 2006
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