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Aspectos emocionais de crianças diabéticas: experiência de atendimento em grupo

Aspectos emocionales de los niños diabéticos: un experimento del atendimiento en grupo

Emotional aspects of diabetic children: experience of group attendance

Resumos

O diabetes mellitus tipo 1 é uma doença crônica que atinge crianças, adolescentes e adultos jovens e que tem aumentado no mundo todo. Seu tratamento exige controle glicêmico intenso para prevenir complicações. Pelo fato de a doença ser crônica e exigir muitos cuidados em nome da vida, o diabético tipo 1 sofre repercussões emocionais importantes. O acompanhamento psicológico possibilita ao paciente obter aceitação psíquica de sua condição de doente e a elaboração do luto pelo corpo perfeito, contribuindo para motivar o paciente nos cuidados em relação à doença. O objetivo deste estudo foi avaliar os aspectos emocionais de crianças diabéticas através de teste e técnicas projetivas. Foram sujeitos desta pesquisa 6 crianças diabéticas atendidas pelo Projeto DOCE (Diabetes Objetivando Controle e Educação). O resultado mostrou que várias projeções estavam relacionadas aos sentimentos de medo, preocupação e dor trazidos pela doença. Conclui-se que o acompanhamento psicológico em grupo contribuiu para a elaboração destes sentimentos.

diabetes mellitus tipo 1; aspectos emocionais; atendimento em grupo


El Diabetes mellitus tipo 1 es una enfermedad crónica que aflige niños, adolescentes y jóvenes adultos y que tiene crecido en todo el mundo. Su tratamiento exige el control de la glicemia intensa para la evitación de complicaciones futuras. Como es una enfermedad crónica y exige muchos cuidados en la manutención de la vida, el sujeto diabético tipo 1 tiene repercusiones emocionales importantes. El acompañamiento psicológico ayuda al paciente el acepte psíquico de su enfermedad y a hacer el luto por un cuerpo perfecto, contribuyendo para motivarlo en los cuidados para mantener la salud y la vida. El objetivo de este estudio fue evaluar los aspectos emocionales de los niños diabéticos a través de un teste y técnicas protectivas. Esta investigación incluyó 6 niños diabéticos que fueron atendidos pelo Proyecto DOCE (Diabetes Objetivando el Control y la Educación). Los resultados mostraron que muchas proyecciones estuvieron relacionadas a los sentimientos de medo, aflicción y el dolor que la enfermedad atrae hacia sí. Se concluye que el acompañamiento psicológico en grupo contribuye para la elaboración de estos sentimientos.

Diabetes mellitus tipo 1; aspectos emocionales; atendimiento en grupo


Type 1 diabetes mellitus is a chronic disease which afflicts children, adolescents and young adults and that has increased worldwide. Its treatment demands intensive glycemic control to avoid future complications. Owing to the fact that it is a chronic disease and needs a great attention, the diabetic type 1 person has important emotional effects. Psychological attendance makes it possible for the patient to gain psychic acceptance of being ill and the psychological elaboration of the struggle for the perfect body. This contributes towards the patient’s motivation concerning precautions related to the disease. Current research evaluates the emotional aspects of diabetic children using tests and projective techniques. Six diabetic children, subjects of research, were assisted by the Diabetes with Control and Educational Purpose project (DOCE). Results showed that several projections were linked to fear, worry and painful feelings brought by the disease. The psychological attendance group helped towards the elaboration of such feelings.

Diabetes Mellitus type 1; emotional aspects; group attendance


ARTIGOS

Aspectos emocionais de crianças diabéticas: experiência de atendimento em grupo

Emotional aspects of diabetic children: experience of group attendance

Aspectos emocionales de los niños diabéticos: un experimento del atendimiento en grupo

Daniela Botti MarcelinoI; Maria Dalva de Barros CarvalhoII

IPsicóloga Clínica. Mestre na área da Saúde. Coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Ingá- Uningá

IIDoutora em Enfermagem. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Maringá

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Daniela Botti Marcelino Rua Distrito Federal, 50, apto 1303, Jardim Novo Horizonte CEP 87005-100, Maringá-PR E-mail: dani_botti@yahoo.com.br

RESUMO

O diabetes mellitus tipo 1 é uma doença crônica que atinge crianças, adolescentes e adultos jovens e que tem aumentado no mundo todo. Seu tratamento exige controle glicêmico intenso para prevenir complicações. Pelo fato de a doença ser crônica e exigir muitos cuidados em nome da vida, o diabético tipo 1 sofre repercussões emocionais importantes. O acompanhamento psicológico possibilita ao paciente obter aceitação psíquica de sua condição de doente e a elaboração do luto pelo corpo perfeito, contribuindo para motivar o paciente nos cuidados em relação à doença. O objetivo deste estudo foi avaliar os aspectos emocionais de crianças diabéticas através de teste e técnicas projetivas. Foram sujeitos desta pesquisa 6 crianças diabéticas atendidas pelo Projeto DOCE (Diabetes Objetivando Controle e Educação). O resultado mostrou que várias projeções estavam relacionadas aos sentimentos de medo, preocupação e dor trazidos pela doença. Conclui-se que o acompanhamento psicológico em grupo contribuiu para a elaboração destes sentimentos.

Palavras-chave: diabetes mellitus tipo 1, aspectos emocionais, atendimento em grupo.

ABSTRACT

Type 1 diabetes mellitus is a chronic disease which afflicts children, adolescents and young adults and that has increased worldwide. Its treatment demands intensive glycemic control to avoid future complications. Owing to the fact that it is a chronic disease and needs a great attention, the diabetic type 1 person has important emotional effects. Psychological attendance makes it possible for the patient to gain psychic acceptance of being ill and the psychological elaboration of the struggle for the perfect body. This contributes towards the patient’s motivation concerning precautions related to the disease. Current research evaluates the emotional aspects of diabetic children using tests and projective techniques. Six diabetic children, subjects of research, were assisted by the Diabetes with Control and Educational Purpose project (DOCE). Results showed that several projections were linked to fear, worry and painful feelings brought by the disease. The psychological attendance group helped towards the elaboration of such feelings.

Key words: Diabetes Mellitus type 1, emotional aspects, group attendance.

RESUMEN

El Diabetes mellitus tipo 1 es una enfermedad crónica que aflige niños, adolescentes y jóvenes adultos y que tiene crecido en todo el mundo. Su tratamiento exige el control de la glicemia intensa para la evitación de complicaciones futuras. Como es una enfermedad crónica y exige muchos cuidados en la manutención de la vida, el sujeto diabético tipo 1 tiene repercusiones emocionales importantes. El acompañamiento psicológico ayuda al paciente el acepte psíquico de su enfermedad y a hacer el luto por un cuerpo perfecto, contribuyendo para motivarlo en los cuidados para mantener la salud y la vida. El objetivo de este estudio fue evaluar los aspectos emocionales de los niños diabéticos a través de un teste y técnicas protectivas. Esta investigación incluyó 6 niños diabéticos que fueron atendidos pelo Proyecto DOCE (Diabetes Objetivando el Control y la Educación). Los resultados mostraron que muchas proyecciones estuvieron relacionadas a los sentimientos de medo, aflicción y el dolor que la enfermedad atrae hacia sí. Se concluye que el acompañamiento psicológico en grupo contribuye para la elaboración de estos sentimientos.

Palabras-clave: Diabetes mellitus tipo 1, aspectos emocionales, atendimiento en grupo.

Há vários estudos verificando os índices de prevalência e incidência do diabetes, mm dos quais é o Projeto Multinacional para o Diabetes na Infância (DIAMOND). Estes estudos constatam um aumento da freqüência do diabetes tipo 1 (Geed, 2001), que ocorre em crianças, adolescentes e adultos jovens.

O diabetes é uma doença incurável, e pode trazer complicações crônicas a seu portador. Para prevenir tais complicações é necessário um bom controle glicêmico, que deve ser feito através de aplicações constantes de insulina, medições de glicemia capilar para correção de hipo- e hiperglicemias e acompanhamento periódico de exames médicos. No entanto, estas medidas não são suficientes para possibilitar um bom controle, pois a alimentação, a atividade física e o estado emocional influem diretamente sobre o nível glicêmico, podendo descontrolar a doença e agravar o quadro (Geed, 2000).

Percebendo a importância do trabalho interdisciplinar e multiprofissional com o diabetes tipo 1 é que se criou o Projeto DOCE (Diabetes Objetivando Controle e Educação), estudo multicêntrico com pacientes diabéticos tipo 1, desenvolvido por endocrinologistas, nutricionistas e psicólogas. Tem por objetivo principal diminuir ou retardar o aparecimento de complicações crônicas da doença, aumentando a longevidade e melhorando a qualidade de vida. Semestralmente a equipe multiprofissional convida pacientes diabéticos tipo 1, sem complicações crônicas, reunindo um grupo de aproximadamente 10 indivíduos - entre eles adultos, adolescentes e crianças - que participam de reuniões quinzenais.

Em cada reunião, aproximadamente uma hora é utilizada pelo trabalho da psicologia, que subdivide os participantes em três grupos: pacientes infantis, pacientes adultos e familiares. Cada psicóloga trabalha com um destes grupos, buscando minimizar sofrimentos, compartilhar sentimentos entre iguais e desfazer fantasias a respeito da doença (Graça, Burd & Mello Filho, 2000). No grupo de pacientes infantis são utilizadas principalmente técnicas projetivas e uma discussão, no grupo, do conteúdo projetado (Hartmann, Dellatorre & Marcelino, 2002).

O trabalho da psicologia pode trazer benefícios aos pacientes diabéticos, uma vez que eles enfrentam uma doença crônica com repercussões emocionais no tratamento (Hartmann et al., 2002). Destaca-se aqui a importância ainda maior do acompanhamento psicológico a pacientes infantis, já que é na infância e adolescência que se constrói a estrutura de personalidade do indivíduo e é desta estrutura que depende o modo de enfrentamento e adaptação às mudanças e às perdas que irão sofrer durante toda a vida (Aberastury & Knobel, 1991). As crianças diabéticas já estão vivenciando estas mudanças e perdas profundas, decorrentes de uma doença crônica que exige controle intenso da alimentação, controle da glicemia através de picadas de ponta de dedo e cuidados na aplicação da insulina, além do fato de ser " a criança diferente e doente" .

Pensando-se na dinâmica de privação e controle envolvida no quadro do diabetes e na mudança do estilo de vida, torna-se fundamental avaliar o estado emocional da criança diabética e sua relação com a doença. O presente artigo apresenta esta avaliação do estado emocional das crianças diabéticas do Projeto DOCE, através de teste e técnicas projetivas, além de entrevista de anamnese com os pais ou responsáveis.

MÉTODO

Foram avaliadas 6 crianças diabéticas do tipo 1, entre 5 e 11 anos de idade, sendo 3 do sexo masculino e 3 do feminino, participantes do Projeto DOCE - Maringá, entre os anos de 2001 e 2002.

Inicialmente foi realizada uma avaliação individual com cada criança utilizando-se o teste HTP, que significa casa, árvore e pessoa (Hammer, 1991; Campos, 2000). Posteriormente iniciou-se o trabalho em grupo com técnicas projetivas.

Uma das técnicas utilizadas foi o desenho. Solicitou-se que desenhassem uma situação vivida antes e uma situação após o diagnóstico da doença.

Foi utilizada também a técnica " encantamento" , que consiste em que as crianças escolham os bichos que gostariam de ser, suas características, sonhos e desejos e sentimentos; depois montem, em grupo, uma fazenda ou floresta com os bichos escolhidos (Levisky, 2000). Após a aplicação desta técnica foi solicitado que contassem uma história daquele lugar. A história se iniciava por uma das crianças, que contava uma parte; depois seu companheiro ao lado continuava, e assim sucessivamente, até que a história tivesse um fim.

Outra técnica foi a utilização da argila para produção de obras. Previamente à produção, foi realizada uma técnica de relaxamento, durante a qual foi solicitado para as crianças pensarem no diabetes, na maneira como têm conseguido lidar com a doença. Após o relaxamento foi solicitado que as crianças modelassem o que quisessem.

Utilizou-se ainda a técnica do desenho da árvore, no qual o indivíduo projeta seus conteúdos proibidos e mais profundos da personalidade (Hammer, 1991). Antes da realização do desenho foi feito um relaxamento e solicitou-se que começassem a se imaginar como uma semente que começa a se desenvolver para transformar-se em uma planta ou árvore: imaginar que tipo de planta ou árvore se tornou, onde e com quem estava, como estava o clima, como estava se sentindo e qual seu desejo. Então foi solicitado à criança que desenhasse o que imaginara e falasse sobre o que produzira.

Também como técnica projetiva, foi proposto às crianças que simbolizassem, através das artes visuais, a Páscoa, o Natal, o amor, a felicidade e a tristeza. Depois deste treino, foi solicitado que elas simbolizassem o diabetes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No HTP todas as crianças apresentaram desajuste e inadequação nos contatos sociais, com relutância em estabelecer contato com o meio. O retraimento, a timidez e a introspecção são mecanismos de defesa contra o desajuste e inadequação nos contatos sociais, e puderam ser observados no desenho da casa com a porta fechada e/ou pequena, tipo de desenho apresentado por todas as crianças (Hammer, 1991).

Devido a este afastamento do meio, muitas vezes a criança se sente sozinha. A solidão foi projetada em animais e na escultura em argila. Uma criança escolheu os animais polvo e estrela-do-mar e disse: " Eles vivem no fundo do mar, escondidos nas profundezas" . Quanto à argila, outra criança fez a escultura de uma pessoa encolhida. Estas duas projeções transmitem sentimentos de solidão e isolamento. O sentimento de solidão também é simbolizado através do desenho da árvore no HTP: três crianças disseram que ela estava sozinha. Já em outra técnica, no desenho da árvore que se auto-imaginavam ser, cinco crianças disseram que ela estava só. A única criança que disse haver outros seres vivos próximos a ela acrescentou que mesmo assim estava sozinha, porque eles eram diferentes dela. Talvez ela estivesse simbolizando sua solidão enquanto criança diabética por ser diferente. Uma das crianças disse que a flor (sua representação de árvore) estava sozinha, mas depois disse que dois amigos estavam com ela e o seu desejo era ter mais amigos. Outra criança também disse que o seu desejo era nunca se separar das amigas. Este desejo parece falar um pouco da história de vida pessoal desta criança, pois ela vive mudanças constantes de local de moradia e mora em país diferente do pai.

Um menino disse que seu desejo era " ficar maior que o pé de feijão do João do feijão" - enfim seu desejo era ficar muito alto. Em decorrência do diabetes algumas crianças podem ter um crescimento mais lento e apresentar uma altura inferior à de outras crianças na mesma faixa etária. Observaram-se sentimentos relacionados à altura no menino que disse que seu desejo era " ficar maior que o pé de feijão do João do feijão" , o qual apresentou no HTP compensação no desenho por altura baixa. Em decorrência da baixa estatura podem surgir sentimentos de inferioridade e inadequação (Grünspun, 1980). Em outro desenho esse menino também pode estar simbolizando sentimentos em relação à altura, quando desenhou uma loja que vendia artigos para basquetebol, na qual a vendedora lhe perguntou se ele queria comprar algo e ele recusou. Uma possível explicação para a recusa é que o basquete é um esporte geralmente praticado por atletas altos. Outro menino parece também vivenciar sentimentos relacionados à sua estatura, porque no HTP também apresenta compensação pela altura baixa. Ele disse que o desejo da sua árvore é " viver pro resto da vida, ou seja, 250 anos" . Este desejo parece estar relacionado ao medo da morte, talvez existente por causa do diabetes.

Aspectos relacionados à morte são trazidos em vários outros momentos, principalmente quando as crianças projetaram seus sentimentos em animais. Duas crianças escolheram o peixe e disseram que seu desejo era que nunca o tubarão o comesse. Outras crianças também disseram que o desejo do polvo é não virar comida e do rinoceronte e hipopótamo é nunca morrer. Ao todo, quatro crianças projetaram nos animais escolhidos seu medo da morte e o desejo de não morrer.

Sentimentos relacionados à morte também foram projetados na história contada depois de montarem a fazendinha e no desenho da árvore Com relação à história, duas crianças queriam que terminasse com morte ou destruição. Um menino disse que o dono da fazenda morre e depois o filho do caseiro que ficou no lugar do dono morre também. Outra criança disse que a fazenda iria terminar queimada inteira com todos os animais. Um menino tem um sentimento oposto, pois muda o final da história, não permitindo que tudo seja queimado e destruído. Segundo Graça et al., (2000) e Ajuriaguerra (1976), os sentimentos de ansiedade, angústia e inquietação diante do futuro e o medo da morte são comuns entre os diabéticos

No HTP, quando lhe foi perguntado se a árvore estava viva ou morta, uma menina respondeu: " Morta ... viva, viva" , e quando lhe foi perguntado qual era a idade da árvore, ela disse que tinha um ano e iria morrer daí a 10 dias, isto é, iria morrer em breve. Outra menina disse que sua árvore tinha cinco meses e iria morrer daí a seis meses e que sua árvore estava viva porque não fazia muito tempo que ela tinha nascido, logo morreria jovem.

Uma criança disse também que sua árvore tinha 10 anos e ficaria viva " até algum chato arrancá-la, daqui uns 20 anos" . Ela traz uma morte brutal e não natural, talvez se referindo ao diabetes como uma forma não natural de morte. Além das projeções nos desenhos, um menino, ao abrir os olhos depois de imaginar o diabetes para projetar sua idéia na argila, encenou a morte através de gestos e sons.

Para superar este medo da morte é preciso força, e as crianças projetam esta busca de força quando escolhem animais selvagens e fortes. Por exemplo, um menino que escolhe o rinoceronte e o hipopótamo e diz que eles são " folgados e grandões e parecem poderosos" . Outra criança também parece buscar esta força em personagens de desenhos animados, pois se autodesenha com as características do personagem GoKu do desenho Dragon Ball, que é um super-herói que pode se salvar em qualquer situação de dificuldade.

Outro momento em que as crianças projetam aspectos internos relacionados ao poder é o do desenho da pessoa no HTP. Uma disse que a qualidade da pessoa era o cabelo, que era colorido; outras duas disseram que o cabelo é o defeito da pessoa e uma delas justifica dizendo que é porque está " bagunçado" . O cabelo simboliza força, poder, virtude e virilidade do homem (Chevalier & Gheerbrant, 1999), o que pode ser observado no mito bíblico de Sansão (Juízes: 16, 1990). Assim, a primeira criança citada parece representar, em seu desenho com cabelo colorido, uma pessoa forte, poderosa e alegre. Já as outras duas representam a pessoa com o cabelo desordenado, simbolizando luto e submissão, sentimentos que podem estar relacionados à doença.

É preciso ser forte para superar não apenas o medo da morte, mas também todas as repercussões da doença, que transformam a criança diabética na " diferente" , em ser a única que não pode comer os docinhos na festa de aniversário do amigo, que tem quantidades e horários rígidos de alimentação e precisa tomar injeção todos os dias, enquanto as outras crianças só tomam nas campanhas de vacinação e quando estão doentes. Todas estas situações são trazidas pelas crianças durante os encontros, por exemplo, quando uma menina simboliza o diabetes com o desenho de um bombom que ela não pode comer, mas suas amigas do colégio sempre comem. Ela também traz este aspecto de privação de açúcar no HTP quando diz que a necessidade da pessoa que desenhou é o açúcar. Outra menina também expressa a privação alimentar projetando-a nos animais, quando diz que o tubarão, que come bastante, tem o desejo de comer carne. Talvez estes sejam os seus desejos: comer bastante e comer carne ou qualquer outro alimento, como o doce, simbolizado aqui através da carne. Outro momento em que esta privação se expressou ocorreu quando estavam produzindo esculturas com argila e disseram que os amigos ficam oferecendo doces e eles têm vontade de comer. Uma característica observada no HTP que pode estar relacionada à alimentação é a ambivalência de sentimentos, apresentada por três crianças através do desenho da figura humana com os pés em direções opostas (Hammer, 1991). A alimentação controlada, exigida para evitar complicações da doença, pode trazer esta ambivalência de sentimentos, fazendo com que a criança, por um lado, tenha o desejo de comer doces, tão presente na infância, e por outro, precise controlar este desejo. Isto é revelado também na produção em argila quando falam da dificuldade em resistir aos doces, em conter a impulsividade do desejo de sentir prazer ao comer (Hartmann et al., 2002).

Esta ambivalência também foi simbolizada por cinco crianças através da ênfase dada ao pescoço no desenho da pessoa humana. Quanto mais o pescoço é enfatizado mais ameaçadores são os impulsos corporais e maior é a necessidade de defesa contra eles através do controle intelectual. A ambivalência de sentimentos provoca uma guerra interna entre o controle dos desejos e a impulsividade em realizá-los (Hammer, 1991). Cinco crianças apresentaram a impulsividade como característica, simbolizada através da localização do desenho do lado esquerdo do papel (Hammer, 1991). Duas delas apresentaram desejo de proteção contra os próprios impulsos. Esta impulsividade pode dificultar o controle da doença, tanto na alimentação quanto na aplicação da insulina.

Diante de tantos cuidados exigidos para obter o controle da doença, muitas vezes a criança se torna dependente dos pais, pois, na grande maioria dos casos, são eles que administram estes cuidados quando a criança é pequena. Os pais e a criança podem se acomodar a esta situação, perpetuando a dependência. Esta característica pode ser observada na localização do desenho do lado esquerdo do papel, que simboliza menor controle e maior dependência (Hammer, 1991; Campos, 2000). Cinco crianças apresentaram esta característica e quatro delas parecem lutar contra esta dependência. Isto pode ser observado através da projeção no desejo dos animais, verbalizado pelas crianças: " o desejo do cavalo é ficar solto por aí" , " o desejo do cavalo é correr" , o desejo do cavalo é " correr para passear" , " o gato é doméstico e seu desejo é morar em outro lugar" . Os desejos destes animais parecem estar relacionados à busca de liberdade, como ficar solto e correr. Quanto ao desejo de morar em outro lugar, pode significar não ter ninguém por perto policiando, ou o desejo de mudar e transformar-se em alguém não domesticado, não submisso às exigências para o controle do diabetes. Estes podem ser protestos contra a dependência dos pais e/ou contra o controle exacerbado da doença, que os fazem sentir-se presos e sufocados.

Na técnica do desenho antes e depois do diagnóstico do diabetes, duas crianças trouxeram a questão dos cuidados médicos necessários, pois desenharam hospital e consultório médico, respectivamente. Uma criança desenhou o antes e o depois no mesmo lado da folha e com cenários de fundo iguais, mas no " antes" ela aparece brincando de bola e tem uma flor ao lado, no " depois" a flor e a bola desaparecem, como se parte da beleza da natureza e as brincadeiras de infância desaparecessem para dar lugar aos cuidados médicos. Outra criança, no desenho do " depois" , também faz desaparecer sua casa, enquanto lar seguro, para dar lugar ao hospital e à ambulância.

No HTP uma das crianças disse que ela estava doente, com bronquite. Na técnica do " antes" e do " depois" também parece estar se sentindo mal. No " antes" desenha um copo de água, para representar a sede intensa que sentia, e no " depois" desenha uma árvore com apenas o caule pintado, e o resto, sem cor, com a copa vazia, dando a impressão de tristeza e vazio. Duas crianças, quando desenharam a árvore no HTP, também a fizeram com a copa só contornada, simbolizando vazio da alma e tristeza (Hammer, 1991). Outras duas crianças também trouxeram a tristeza nos seus desenhos de " depois" : representaram o " antes" com galão de água simbolizando a sede e no " depois" uma se autodesenhou com expressão de choro e a outra desenhou a nuvem triste e o sol dizendo " Ah, não!" , o que pode denotar desespero perante o diagnóstico. Esta criança autodesenhou-se no " depois" trazendo toda a negatividade da doença, porque disse que caiu com a cara no carvão, ficou preto e assustou os pais. Talvez ela realmente tenha assustado os pais quando, aos três anos de idade, teve o diagnóstico do diabetes. Outro menino também traz no desenho do " depois" os sentimentos de seus pais diante do diagnóstico, como desespero e dúvida. Ao contrário dos pais, ele autodesenhou-se dizendo estar seguro e tranqüilo. Ele não comenta o mesmo de seus pais, parecendo demonstrar que eles ainda não aceitam a sua doença. Este comportamento dos seus pais também é observado com a não-colaboração com as exigências feitas pela equipe do Projeto DOCE.

CONCLUSÃO

Os resultados mostraram que as crianças diabéticas projetaram vários sentimentos possivelmente relacionados ao diabetes.

Todas as crianças apresentaram desajuste e inadequação nos contatos sociais. Este comportamento pode acontecer em decorrência de elas se sentirem diferentes das outras crianças, sentirem-se inferiores a elas, por não poderem fazer algumas coisas que são comuns entre as crianças, como comer doces, realizar atividades físicas e se alimentar à vontade, sem se preocupar com a glicemia.

Em várias técnicas as crianças projetaram seu medo da morte e seu desejo de viver bastante, sentimentos que podem estar relacionados à doença.

Ao projetar seus sentimentos em relação à doença, as crianças trazem aspectos negativos dela, como as mudanças que ela provocou em suas vidas e a dificuldade de enfrentá-la, não só para eles, mas para toda a família.

Projetaram também a sua dependência em relação à família, devido a tantos cuidados exigidos para um bom controle da glicemia. O controle constante que estas crianças vivem pode gerar ambivalência dos sentimentos, pois elas sabem que precisam controlar-se, mas têm desejos impulsivos de sentir prazer, por exemplo, comendo, o que quiserem, quando e quanto quiserem. Esta ambivalência pode vir também no momento de aplicação da insulina, tão necessária, mas dolorida. De um lado a criança tem a necessidade da insulina e de outro o desejo de não sentir dor.

Assim ela busca forças para enfrentar a doença, percebe que precisa ser poderosa e forte como personagens de desenhos animados, como os animais selvagens ou como o gigante Sansão da Bíblia, que tinha o poder e a força nos cabelos.

O trabalho realizado pela psicóloga no Projeto DOCE visa possibilitar que a criança diabética projete seus sentimentos relacionados à doença e os elabore, minimizando o seu sofrimento.

O trabalho psicológico em grupo é importante para o paciente, porque possibilita a troca entre " iguais" . Além disso, favorece a elaboração de vários aspectos, como o fato de não ser o único e estar entre outros que vivem a mesma situação, a troca de experiências e de formas de pensar e sentir e a ajuda dos que aceitam melhor a doença (Graça et al., 2000).

Recebido em 28/08/2006

Aceito em 12/01/2007

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  • Endereço para correspondência:

    Daniela Botti Marcelino
    Rua Distrito Federal, 50, apto 1303, Jardim Novo Horizonte
    CEP 87005-100, Maringá-PR
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Recebido
      28 Ago 2006
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