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Cidadania: entre o compromisso e a indiferença: desvendando as representações sociais de universitários

Citizenship: between commitment and indifference: disclosing the university students' social representation

Ciudadanía: entre el compromiso y la indiferencias: desvendando las representaciones sociales de estudiantes de la universidad

Resumos

O presente trabalho analisa, na perspectiva da psicologia sócio-histórica, o interesse e a participação de universitários da Universidade Estadual de Londrina em projetos voltados à construção da cidadania. Recorreu-se à análise do discurso, empregando a categoria de representações sociais. Este artigo articula as narrativas com questões teóricas essenciais à compreensão dessa temática, além de estimular o debate e tecer estratégias de sensibilização dos universitários para seu compromisso social. Nele se inserem ainda críticas à forma como o sistema capitalista e a ideologia neoliberal configuram o individualismo em nossa sociedade. A produção de sentidos, resultado da interpretação dos discursos, permite analisar a responsabilidade dessa instituição no processo de manutenção da exclusão social, resultante da intolerância com a diversidade e indiferença com as questões que afetam milhões de brasileiros.

cidadania; participação social; estudantes universitários


Current essay analyses from a social and historical psychology perspective the interest and participation of university students at the State University of Londrina, Londrina PR Brazil, in projects which lead to the construction of citizenship. Discourse analysis, employing social representation category, provides narratives with essential theoretical questions for the understanding of the subject, stimulates the debate and constructs strategies to conscience-raise university students to social commitment. Criticism on the manner capitalism system and neo-liberal ideology produce individualism in current society is inserted. The production of meaning, as a result of the interpretation of discourse, analyzes the institution's responsibility in the process of maintaining social exclusion. In fact, the latter is the result of intolerance in the context of diversity and of indifference on issues affect millions of Brazilians.

Citizenship; social participation; university students


Este estudio analiza, en vista de la socio-psicología histórica, el interés y la participación de académicos en la "Universidade Estadual de Londrina", en proyectos destinados a la construcción de la ciudadanía. El análisis del discurso fue utilizado, empleando la categoría de las representaciones sociales. Se articula la narración con las cuestiones teóricas esenciales para comprender esta cuestión, además de estimular el debate y formular estrategias para aumentar la sensibilización de la universidad por su compromiso social. También introduce la crítica de cómo el sistema capitalista y la ideología neoliberal generan el individualismo en nuestra sociedad. La producción de sentidos, el resultado de la interpretación de los discursos, permite examinar la responsabilidad de esta institución en el proceso de mantenimiento de la exclusión social, los resultados de intolerancia a la diversidad y la indiferencia a las cuestiones que afectan a millones de brasileños.

Ciudadanía; participación social; estudiantes universitarios


ARTIGOS

Cidadania: entre o compromisso e a indiferença: desvendando as representações sociais de universitários1 1 Apoio: Programa de Iniciação Científica da UEL.

Citizenship: between commitment and indifference: disclosing the university students' social representation

Ciudadanía: entre el compromiso y la indiferencias: desvendando las representaciones sociales de estudiantes de la universidad

Camila Mugnai VieiraI; Mari Nilza Ferrari de BarrosII

IPsicóloga. Mestre em Educação Especial. Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Medicina de Marília-Famema

IIMestre em Psicologia Social. Docente do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina-UEL

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Camila Mugnai Vieira Rua Cel. Siqueira Reis, 45, Jd. Estoril Cep: 17514-320, Marília-SP E-mail: camilamugnai@gmail.com

RESUMO

O presente trabalho analisa, na perspectiva da psicologia sócio-histórica, o interesse e a participação de universitários da Universidade Estadual de Londrina em projetos voltados à construção da cidadania. Recorreu-se à análise do discurso, empregando a categoria de representações sociais. Este artigo articula as narrativas com questões teóricas essenciais à compreensão dessa temática, além de estimular o debate e tecer estratégias de sensibilização dos universitários para seu compromisso social. Nele se inserem ainda críticas à forma como o sistema capitalista e a ideologia neoliberal configuram o individualismo em nossa sociedade. A produção de sentidos, resultado da interpretação dos discursos, permite analisar a responsabilidade dessa instituição no processo de manutenção da exclusão social, resultante da intolerância com a diversidade e indiferença com as questões que afetam milhões de brasileiros.

Palavras-chave: cidadania, participação social, estudantes universitários.

ABSTRACT

Current essay analyses from a social and historical psychology perspective the interest and participation of university students at the State University of Londrina, Londrina PR Brazil, in projects which lead to the construction of citizenship. Discourse analysis, employing social representation category, provides narratives with essential theoretical questions for the understanding of the subject, stimulates the debate and constructs strategies to conscience-raise university students to social commitment. Criticism on the manner capitalism system and neo-liberal ideology produce individualism in current society is inserted. The production of meaning, as a result of the interpretation of discourse, analyzes the institution's responsibility in the process of maintaining social exclusion. In fact, the latter is the result of intolerance in the context of diversity and of indifference on issues affect millions of Brazilians.

Key words: Citizenship, social participation, university students.

RESUMEN

Este estudio analiza, en vista de la socio-psicología histórica, el interés y la participación de académicos en la "Universidade Estadual de Londrina", en proyectos destinados a la construcción de la ciudadanía. El análisis del discurso fue utilizado, empleando la categoría de las representaciones sociales. Se articula la narración con las cuestiones teóricas esenciales para comprender esta cuestión, además de estimular el debate y formular estrategias para aumentar la sensibilización de la universidad por su compromiso social. También introduce la crítica de cómo el sistema capitalista y la ideología neoliberal generan el individualismo en nuestra sociedad. La producción de sentidos, el resultado de la interpretación de los discursos, permite examinar la responsabilidad de esta institución en el proceso de mantenimiento de la exclusión social, los resultados de intolerancia a la diversidad y la indiferencia a las cuestiones que afectan a millones de brasileños.

Palabras-clave: Ciudadanía, participación social, estudiantes universitarios.

Uma retrospectiva histórica mostra que as propriedades do psiquismo humano são determinadas pelas relações reais do homem com o mundo, relações que dependem das condições históricas e objetivas de vida (Bock, 1997, 2001; Leontiev, 1978). São essas relações que criam as particularidades estruturais da consciência humana e que por ela são refletidas. Assim, é por esse processo dialético que se caracteriza o psiquismo humano na sua verdadeira essência social: a consciência individual só pode existir sob as condições de produção da vida material e deve servir como transição para o desenvolvimento da consciência social. É apropriando-se da realidade que o homem pode refletir seus significados, conhecimentos e representações elaboradas socialmente.

Ao longo da história humana foram construídas diferentes formas de sobrevivência e de trabalho, expressando as diversas maneiras de os homens se relacionarem. No sistema feudal, por exemplo, predominavam as relações de subordinação aos "senhores", donos das terras. As relações que definem o modo de produção capitalista a partir da Revolução Industrial envolvem a dominação e a exploração, por parte dos proprietários dos meios de produção, daqueles que só possuem sua força de trabalho. Atualmente, pode-se dizer que um novo tipo de relação vem sendo construído: as relações de exclusão. A sociedade e o mundo do trabalho vêm se desenvolvendo de uma forma que impossibilita, a princípio, o acesso de grande parte da população a bens, serviços e, principalmente, o exercício de seus direitos. Essas pessoas passam, assim, a nem serem mais exploradas ou dominadas, uma vez que nem chegam ao mercado de trabalho, são excluídas desta realidade (Guareschi, 1999), ou, na expressão de Chauí (1999), são "mercadorias descartáveis".

A forma como os homens se organizam para a produção da vida material determina as propriedades da consciência humana, materializando as condições da vida social. O desenvolvimento das formas de propriedade e das relações de troca provocou uma separação entre atividade intelectual e atividade prática (Marx & Engels, 1979). O trabalho, atividade vital para o homem (Marx, 1978) como materialização da subjetividade humana, passa a não existir mais; ele é superado pela simples realização de atividades que não apresentam outro significado senão o concreto: meio para obter salário, atividade alienada, homem e vida alienados. Sendo o trabalho o conteúdo mais essencial da vida, o homem deve alienar o conteúdo da sua própria vida ao ser coagido a vender sua força de trabalho para suprir suas necessidades (Marx, 1978).

Isso é acompanhado de uma transformação na estrutura funcional da consciência: a significação social do produto do seu trabalho não está escondida ao operário, mas é estranha e hostil a ele, invertendo-se o processo. Agora é o produto, em sua concretude, que dá existência ao trabalhador (Marx, 1978). A vida do homem passa a ser dominada pelo produto, pela necessidade de produzir objetos, e sua existência se realiza somente neste processo: uma mercadoria que produz novas mercadorias. Ainda que tivesse a possibilidade de escolher o seu trabalho, seria forçado a escolher entre dois salários e não entre duas atividades de diferentes significados. A alienação das relações dos homens e sua transformação em puras relações entre coisas manifestam-se de maneira explícita no poder que o dinheiro, modo de troca universal, assumiu sobre a vida do homem. Devemos sublinhar que, mesmo se tratando de uma inadequação interna da consciência, essa alienação não pode ser eliminada de outro modo a não ser pela transformação prática das condições objetivas que a criaram. Essa discussão desenvolvida por Marx (1978) ainda pode ser empregada, nos dias atuais, contextualizando o capitalismo e as relações que se processam na pós-modernidade.

A forma contemporânea do capital impõe a idéia de que os desempregados são dejetos inúteis e inaproveitáveis, massa de humilhados e ofendidos, homens envergonhados e culpados por não possuírem um trabalho; e os faz crer que têm o dever moral e social de possuir um emprego (Chauí, 1999). Em razão do grande peso atribuído ao trabalho na construção da identidade de cada um dos membros da sociedade, qualquer atividade que não atenda a essa atual demanda é subvalorizada. Todos os esforços concentram-se no investimento, fundamentalmente individual, na "própria carreira", voltada ao mercado de trabalho. Este quadro revela ainda o privilégio de alguns que podem construir, mediante escolarização, uma carreira profissional. A maioria da população brasileira não chega às universidades.

O presente artigo analisa o envolvimento e interesse de universitários da Universidade Estadual de Londrina (UEL) em projetos voltados à construção da cidadania, identificando estratégias de sensibilização dos estudantes para a participação social. Em toda sociedade representações sociais são construídas, e muitas das ações dos sujeitos são orientadas por tais representações. Investigar e compreender o conteúdo representacional dos universitários acerca da cidadania e da participação social permitirá identificar estratégias para estimular o compromisso político e responsabilidade social dessa população.

As narrativas captadas nesta pesquisa são bastante diversas. No presente trabalho é discutida a forma como o sistema capitalista e a ideologia neoliberal configuram o individualismo em nossa sociedade, ressaltando-se o papel das representações sociais sobre cidadania e participação social no fortalecimento e disseminação desta ideologia por meio de instituições sociais - no caso, a universidade.

É importante ressaltar que a discussão aqui apresentada se fundamenta na concepção sócio-histórica de homem, a qual o reconhece como um ser que se constrói por meio das relações sociais, que transforma a realidade e é transformado por ela constantemente. Esta concepção alimenta-se das discussões desenvolvidas por Berger (1985), Marx e Engels (1979), além dos precursores da psicologia social (Leontiev, 1978; Luria, 1987; Vigotski, 1991).

MÉTODO

A discussão apresentada neste artigo baseia-se em uma pesquisa realizada em duas etapas no campus universitário da UEL. O objetivo desta pesquisa foi investigar a representação e a atuação dos universitários em projetos voltados à cidadania e participação social. Um grupo de pesquisa composto por docentes e discentes do curso de psicologia elaborou um questionário com questões abertas e de múltipla escolha relacionadas ao tema. Realizou-se um pré-teste com 30 alunos para avaliação e reformulação do instrumento. A partir deste, construiu-se um questionário constituído de questões fechadas. Na primeira etapa, 640 estudantes, representando mais de 5% dos estudantes da universidade, distribuídos igualmente entre os 9 centros de estudos da UEL, que são divididos por áreas de conhecimento, responderam a este questionário. A seleção dos alunos foi feita de forma aleatória, respeitando-se o número de alunos por Centro de Estudos. Os dados coletados nesta etapa de investigação foram tabulados e analisados estatisticamente. Entre os resultados, foi evidenciado que aproximadamente 50% dos universitários dessa instituição não estavam envolvidos em projetos sociais, porém quase 80% dos entrevistados afirmaram ter interesse em ingressar nesses projetos.

A partir desses dados, foi elaborado um questionário com questões abertas sobre os motivos da não-participação dos universitários em projetos voltados à comunidade e sobre as possíveis contribuições de cada curso para projetos sociais. Esse questionário foi aplicado na segunda etapa da pesquisa, da qual participaram outros 64 estudantes (representando 10% da amostra total da pesquisa), também escolhidos aleatoriamente e igualmente distribuídos entre os Centros. Para a análise qualitativa desses dados, recorreu-se à análise do discurso, empregando-se a categoria de representações sociais, sendo possível citar como referências utilizadas: Farr (1998), Moscovici (1981) e Spink e Medrado (1999). Quando a pesquisa emprega a categoria de representações sociais voltada às situações cotidianas e complexas, observa as pessoas em seus próprios territórios e a interação que desenvolvem, tomando como ferramenta sua própria linguagem. O pesquisador deve acessar esse diálogo através de material espontâneo, seja ele induzido por questões, através de entrevistas, ou já cristalizado em produções sociais (livros, documentos). O estudo da linguagem produzida no cotidiano é denominado de "análise de práticas discursivas", que são definidas como "linguagem em ação", ou seja, a forma como as pessoas produzem sentidos e constroem as relações sociais em seu cotidiano (Spink & Medrado, 1999). Apreender as práticas discursivas de uma comunidade pode ser uma maneira bastante eficaz de analisar e compreender seu contexto, as relações estabelecidas e as representações sociais construídas sobre estas.

No presente artigo são discutidos alguns dos resultados da segunda etapa de investigação, mais especificamente, os motivos de não participarem em projetos sociais apontados por grande parte dos universitários. A apresentação dos resultados se dá por meio de trechos de relatos dos estudantes, articulados às análises feitas sobre suas representações sociais acerca de cidadania e participação social.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A sociedade capitalista se organiza em torno do trabalho, pois é a partir dele que ocorre o desenvolvimento econômico, mediador das oportunidades e instrumento, segundo discurso oficial do poder executivo, da superação das desigualdades sociais e de melhor distribuição de renda. Apenas atividades desenvolvidas no contexto do trabalho são valorizadas e incentivadas. Assim, os homens passam a dedicar ao trabalho todo o seu tempo e disposição. Além disso, para sobreviver ou ter acesso aos bens que se tornam cada vez mais "necessários", as pessoas precisam obter salário. É esse cenário que serve de pano de fundo para as práticas discursivas dos universitários. Muitos apontaram como um dos principais motivos de não participarem em projetos voltados à comunidade a ausência de remuneração nessas atividades ou mesmo a falta de tempo para se dedicar a elas, uma vez que todo o tempo disponível é dedicado às atividades remuneradas ou à preparação para o ingresso futuro no mercado de trabalho, na forma de estágios ou projetos que apontam para uma possibilidade de futuro profissional bem mais reconhecido e valorizado que os relacionados a ações comunitárias. A fórmula prescrita é tempo máximo dedicado ao trabalho e tempo mínimo para lazer, artes, cultura, ou seja, subtração do tempo para si mesmo, impedindo, como lembra Lafargue (1999), a crítica e reflexão sobre as condições objetivas de vida. Sobre isso, afirmam:

"Muitos precisam trabalhar para ajudar no seu sustento, não o possibilitando atuar nesses projetos, pois terá que escolher entre o que é remunerado e o não remunerado" (Edu - Ed. Física)2 2 Todos os nomes são fictícios.

"O que ocorre geralmente é que, principalmente as pessoas que estudam à noite, trabalham, sendo que muitas vezes até sabem que existem projetos, mas não vão sair do emprego para trabalhar em projetos se este não dispõe de bolsas de auxílio" (Cíntia - Ciências Sociais)

"...é a dedicação dos alunos para as matérias do curso, sendo assim, não sobrando tempo para desvio de atenção. O meu curso é um curso totalmente capitalista e voltado para o mercado. Sendo assim, ele não se volta para a construção da cidadania e sim para caos da mesma, ou seja, visa apenas o lucro, sem importar as conseqüências. 'O canibalismo capitalista'" (Paulo - Economia)

"Não vejo no meu curso possibilidade para desenvolver projetos voltados à comunidade" (Jorge - Economia).

Esses discursos nos levam a refletir sobre o papel e função da universidade em nossa sociedade. A formação universitária deveria estar voltada para o compromisso com a realidade social e a participação política, assegurando o vínculo entre ciência e realidade social e estimulando uma postura crítica e de transformação. Deveria ainda se constituir em um espaço para o desenvolvimento de trabalhos de pesquisa, ensino e extensão destinados a retribuir o investimento que toda a comunidade faz na educação superior, buscando a superação dos inúmeros problemas sociais enfrentados por grande parte da população brasileira. Não obstante, tudo indica que não é isso o que acontece. Os entrevistados apontam, em vários momentos, para o caráter puramente técnico da universidade, organizada de maneira a formar apenas mão-de-obra especializada para o mercado de trabalho, totalmente desvinculada da realidade social. A realidade vivida pelos universitários expressa diversidades em relação a condições objetivas de vida, e em alguns casos, concorrem com o seu interesse e envolvimento. Este é o caso de Edu e Cíntia, quando o primeiro afirma que está impedido de participar de projetos sociais porque precisa garantir o seu sustento, isto é, necessita de uma atividade remunerada, enquanto Cíntia revela a escassez de bolsas ofertadas a alunos em projetos extensionistas. Por outro lado, parece haver, em determinados cursos, uma ênfase na formação profissional como garantia de inserção dos jovens no mercado de trabalho. É o tempo máximo dirigido à formação profissional, como apontam Paulo e Jorge.

"O individualismo no meio acadêmico é crescente. Ambições voltadas à carreira deixam pouco espaço nas relações para com a sociedade. A questão talvez não seja nem de conscientização no meio acadêmico, e sim de preocupações pessoais no que diz respeito ao mercado de trabalho, que cada vez exige mais" (Hélio - História).

O discurso de Hélio registra a preocupação, no meio acadêmico, com o mercado de trabalho, e o desinteresse do estudante em participar de projetos, reconhecendo que "talvez" não seja um problema de conscientização, mas de prioridade. Essa ruptura entre conhecimento e interesse, ou ainda entre formação profissional e responsabilidade social, materializa a alienação, na medida em que os jovens não se sentem implicados com a realidade social que afeta determinados grupos ou comunidades. Heller (1985) , ao tratar da teoria dos sentimentos, insiste em dizer que "sentir significa estar implicado em algo". Se sentir exige implicação, não se pode ser indiferente a uma situação ou fenômeno quando respondemos a ele, ou agimos movidos por um determinado acontecimento. Quando o jovem universitário afirma que não atua porque não tem tempo disponível para agir, está revelando que a realidade vivida por um grupo social - ou seja, a realidade do "outro" - não o afeta, ele não "sente", como entende Heller, aquela realidade, ou ainda, não está implicado nela.

As relações de exclusão que se constroem no capitalismo se mantêm pela existência de uma legitimação ideológica por parte dos grupos hegemônicos. Os princípios que regem a ideologia neoliberal do capitalismo afetam significativamente as relações interpessoais e intergrupais e a própria constituição das subjetividades. As relações sociais e os sujeitos construídos nesse contexto, por sua vez, se expressam de forma a reafirmar e acentuar os princípios liberais, como o da exclusão, por exemplo.

Entende-se que os processos identitários se dão de acordo com o contexto sócio-histórico; assim, cada época parece produzir "modos de subjetivação" característicos. Pode-se dizer que é na modernidade que surge e vem a se consolidar a noção de "indivíduo", passando a sociedade toda a se organizar com base nesse modo de subjetivação (Mancebo, 2002).

Uma série de transformações e acontecimentos históricos, sociais, econômicos e políticos ocorridos entre os séculos XVI e XVIII concorreu para que se desenvolvesse a noção de indivíduo que hoje perpassa todas as relações sociais: como um indivíduo único, consciente, racional, independente, responsável por seus atos. Entre os acontecimentos apontados por Mancebo (2002) estão a Reforma Protestante, marcada pela valorização excessiva do trabalho, a revolução científica e sua importância dada à racionalidade, o Romantismo e a valorização da "intimidade", de uma vida privada e a busca do autoconhecimento e autodesenvolvimento. Mancebo (2002) aponta como fundamental para essa noção de subjetividade a consolidação do capitalismo como modo de produção e o ideário liberal de igualdade e liberdade. Diferentemente de Mancebo, Sennett (1988) reconhece o surgimento da privacidade e intimidade só a partir do século XIX, entendendo que antes desse período "o privado e o individual ainda não haviam se unido". Os direitos humanos, ainda segundo Sennett, surgem de uma oposição entre natureza e cultura, assentados em duas formulações canônicas: a primeira que articula vida, liberdade e busca de felicidade, e a segunda que propõe liberdade, igualdade e fraternidade. Considera ainda a possibilidade de discutir sobre a vida, a liberdade e igualdade como direitos humanos, uma vez que as demais seriam decorrência "benéfica" daqueles. A dificuldade em incluir felicidade e fraternidade como direitos humanos reside na impossibilidade de identificar a pressuposição em que se baseia, qual seja, a de que a "psique tem uma dignidade natural".

No século XVIII, com a modernidade, no interior das sociedades ocidentais se inicia uma oposição entre o público e o privado, identificando, de acordo com Sennett (1988), o primeiro com a cultura e o segundo com a natureza.

A representação do homem como unidade básica da sociedade e a noção de que cada ser é único, livre para participar, desfrutando das mesmas oportunidades para se desenvolver, constituem a ideologia do liberalismo. Para ajustar-se ao mundo globalizado, surge um "novo homem", capaz de introjetar os valores do mercado, a competitividade, assegurando, dessa forma, a construção de um individualismo, onde as pessoas passam a voltar-se apenas para seus interesses pessoais. Desenvolvem-se também tecnologias de poder e controle social por dispositivos e instituições disciplinares, para que esse indivíduo também seja obediente e dócil a seus dominantes (Foucault, 1979). Assentadas nessa ideologia surgem as razões da não-participação em projetos voltados à construção da cidadania, apontadas pelos universitários. Alguns universitários admitem claramente que devem priorizar suas questões pessoais, sejam elas relacionadas ao trabalho, ao curso universitário ou ao lazer e autodesenvolvimento.

"No caso dos universitários de Engenharia Civil, onde o curso é integral, não havendo tempo hábil para realizar nenhuma atividade extra-universidade, o pouco tempo que resta é utilizado para realizar atividades, como: esportes, aulas particulares de inglês, espanhol e computação" (Ari - Engenharia Civil).

A representação de Ari revela uma especificidade do curso, que, segundo ele, não permite envolvimento extra-acadêmico e, do tempo que sobra, faz sua escolha de como deve ser empregado. Envolver-se em atividades de caráter social significa "desvio de atenção". Parece haver uma incompatibilidade entre as exigências da vida acadêmica e projetos sociais, ou melhor, há uma contradição entre ciência e realidade social.

Embora, na maioria dos relatos, os entrevistados expressem uma reflexão crítica acerca da apatia e falta de compromisso de boa parte dos universitários, seu discurso ainda aponta para uma consciência ao nível individual, e não social. É possível reconhecer nos discursos conteúdos voltados para uma consciência individual, ou seja, alguns jovens expressam uma análise da ideologia do mundo capitalista, mas o fazem com exagerada dose de fatalismo e irreversibilidade. Em que pese ao reconhecimento da ideologia, assevera nada poder fazer, já que o tempo disponível não é suficiente sequer para atender às suas necessidades. Por outro lado, quando reconhecem o comodismo ("comodismo é o principal motivo que afasta os universitários de projetos voltados à comunidade, pois poucos são aqueles dispostos a abdicar do tempo que poderia ser gasto com seu próprio eu" - diz Douglas,) fazem um julgamento distanciado, pois cômodos são os outros, não aquele que exerce a crítica.

Superar esse estágio pressupõe uma análise marcada pela inclusão. Os universitários, ao refletirem sobre a participação social e cidadania, deveriam se colocar como sujeitos dessa realidade e, mais ainda, representarem a si e aos seus pares como grupo social. Nesse sentido, embora apareça nos discursos conteúdo relacionado às questões da realidade social, não se observa o envolvimento necessário para que esta reflexão se constitua em um instrumento para a transformação da vida social. Via de regra, a reflexão e crítica se dirigem aos "outros", não incluindo o próprio sujeito nesse processo.

A principal representação dos universitários levantada neste estudo nos remete para a questão da alteridade, ou seja, a forma como os sujeitos "representam-se" mutuamente.

Segundo Jodelet (1998), a alteridade é um produto e um processo psicossocial e consiste no reconhecimento do "outro" como distinto do "eu" e de representações construídas acerca desse "outro" que orientarão as ações em relação a este, dependendo das relações estabelecidas. A alteridade é essencial para a construção da subjetividade. A distinção entre o "mesmo" e um "outro" estabelece a própria condição da emergência da identidade. O processo de formação da subjetividade só é possível na relação social, pela "descoberta" das diversidades. É na interação com o outro que a identidade se manifesta e é reconhecida.

Ainda para Jodelet (1998), a alteridade não é essência do objeto, mas qualificação que lhe é atribuída pelo exterior; é um substantivo elaborado na relação social, em torno de uma diferença. A identidade de um grupo também é construída nesse processo. De acordo com múltiplos critérios, se desenvolve o que Jodelet (1998) denomina de "sentimento de pertença ou de não-pertença". No primeiro caso, se dá destaque ao que aproxima as pessoas, às suas semelhanças, em comparação com o que se conhece de diferente em outros grupos; assim formam-se o "nós" e os "não-nós". Em razão da necessidade de pertencimento social, há um engajamento emocional e um investimento do próprio indivíduo em sua categoria ou grupo, incluindo uma defesa de seus valores e interesses, quando necessário. Na medida em que aumentam o envolvimento e as identificações dentro do grupo ao qual se pertence, crescem as diferenças com relação aos outros grupos ou pessoas "de fora".

As diferenças inter- e intragrupos acontecem rotineiramente, como condição para as pessoas desenvolverem e revelarem suas singularidades na diversidade das práticas sociais. A alteridade por si só não constitui um problema, pelo contrário, é essencial para manifestação de subjetividades. O que ocorre, porém, é que a alteridade pode ser empregada para desenvolver formas de exclusão social, pelo uso das diferenças como justificativas para desigualdades (Barros, 2001).

Na diversidade da vida social, são eleitos atributos que qualificam o "nós" ou o "eu" e desqualificam o "outro", o "diferente", que da posição de distinto é colocado numa posição de "estranho" e como tal é desvalorizado. O problema está na atribuição de valores às diversidades, o que leva a um processo de distanciamento e estranhamento do que é diferente, resultando em desigualdade e exclusão social.

Foram muitos os relatos que trouxeram à tona essa questão, revelando, em especial, a indiferença com relação ao que ocorre com o "outro", ou com a população menos favorecida, uma vez que isso não afeta diretamente os universitários. Os conteúdos representacionais são distintos e envolvem vários aspectos, como se observa na narrativa abaixo:

"É a sociedade narcisista, vivemos para o nosso autoprogresso. Só nos interessa aquilo que diz respeito a nós mesmos. Iniciativas como o projeto "universitários e cidadania", apesar de importantes e louváveis pela atividade, não mudam a mentalidade daqueles que fazem ou participam. Muitos não conseguem perder o caráter centralizador de suas atividades. É o "eu", estou envolvido com um trabalho voluntário, etc. mas em todo caso, não deixa de ser uma atitude e um trabalho importantes (principalmente, porque envolve universitários). Em suma, não estamos envolvidos porque somos egoístas por natureza" (Christian - Artes Cênicas).

Nesse relato, a representação da ação ou do fazer expõe um conteúdo informando que participar do projeto não modifica o pensamento acerca de uma realidade, explicitando, como lembra Marx (1978), a divisão do trabalho e a divisão do mundo. Há, então, o mundo das idéias e o mundo objetivo, que aparecem distantes e independentes. Talvez pudéssemos arriscar-nos a dizer que o que existe, de acordo com o idealismo hegeliano, é o mundo em idéia. De outro lado, o jovem Christian carrega a certeza da existência de uma natureza humana que faz do homem um ser egoísta, e negar o que é próprio da natureza carece de sentido. É a ideologia de características próprias do homem que torna a transformação da realidade uma utopia nunca realizável. Contrariamente a essa forma de representar a si e aos outros, Bock (1997) insiste em lembrar que a única natureza do homem é a sua aptidão para desenvolver novas aptidões, enquanto Marx (1978) distingue o homem de outras espécies pela sua criatividade e plasticidade inscritas no fazer.

"... As pessoas parecem não se importar mais com o próximo" (Ed - Economia).

É a indiferença ocupando espaços na vida cotidiana, combinada com uma visão que só enxerga o mundo a partir de si mesmo, ou - o que é pior - só reconhece o mundo porque existe para o sujeito.

Alguns relatos reiteram a diferença entre os universitários e outros grupos sociais, reconhecendose os primeiros como distintos de muitos outros. Aqueles, por pertencerem a uma determinada classe social, colocam os demais à margem.

"Como a maioria dos universitários é de classe média, eles não se preocupam com os problemas sociais do país, pois estes não os atingem diretamente, sendo portanto muito acomodados. Como diz aquele ditado "pimenta nos olhos dos outros é refresco". São egoístas, pois pensam só em seus interesses, tendo como único objetivo na sociedade e na universidade, se formarem para entrar no mercado de trabalho e terem um ótimo emprego. Não se preocupam com os outros e sim consigo mesmo. Enquanto pensarem dessa forma a universidade nunca terá cumprido com o seu objetivo na sociedade que é de contribuir para o bemestar físico, mental e intelectual de toda a comunidade" (Luís - Letras).

"Há falta de consciência de que são as pessoas da comunidade que financiam o aprendizado de universitários de instituições como a UEL e por isso deveriam ser retribuídos. Outra causa talvez seja que a maioria dos alunos da UEL são oriundos de famílias da classe média e nunca tiveram contato com a realidade dura de algumas localidades e por isso pensam que tudo é muito bom e tranqüilo" (Daniel - Direito).

Esse individualismo exacerbado tece um quadro no qual o homem surge como o único representante da vida social, expondo o narcisismo da pós-modernidade, entendido como uma preocupação excessiva com o eu, o que impede o estabelecimento de fronteiras válidas entre o eu e o outro. O conhecimento do mundo se transforma no conhecimento de si mesmo, e tudo o que não se refere ao particular é negado como experiência do real. É a tirania da intimidade apontada por Sennett (1988). O distanciamento entre as pessoas se justifica pela necessidade de reiterar diariamente a existência de si mesmo. O tempo presente não permite disposição, envolvimento ou compartilhar. O homem parece enclausurado, preso por suas próprias armadilhas e incapaz de desvencilhar-se de um cotidiano que o consome. Sendo ele incapaz de ver o que não é espelho, a indiferença e a intolerância ganham corpo e revelam a perversidade da exclusão social.

A exclusão social é uma forma específica de organização das relações interpessoais e intergrupais, a qual, segundo Barros (2001), se fundamenta e se manifesta em dois princípios: o da intolerância e o da indiferença. A intolerância se manifesta quando nos vemos afetados negativamente e em excesso por tudo que o "outro" faz. Assim, negamos, nos distanciamos, desqualificamos ou até destruímos o que vem deste "outro". A indiferença se dá pelo reconhecimento do "outro" como totalmente distante do "eu", sem nada que os assemelhe; sendo assim, nada que diz respeito ou afeta esse outro tem a ver "comigo". De acordo com Jodelet (1998) , a exclusão pode se dar de diferentes formas: pelo afastamento do "outro", no caso da segregação; pela manutenção da distância deste, no caso da marginalização; por manter um grupo ou pessoa à parte da sociedade, pela discriminação; ou ainda por impossibilitar o acesso de algumas pessoas ou grupos a bens, papéis ou status sociais.

A principal forma de exclusão praticada na universidade, segundo os próprios universitários, é a indiferença, caracterizada pelo não-envolvimento em projetos voltados à comunidade e pelo fato de os universitários não se sentirem responsáveis pela realidade social.

É neste contexto que inúmeros grupos culturais e instituições formais e informais se desenvolvem, refletindo o modelo, o sistema, sustentando e disseminando sua ideologia. Entre esses grupos podem-se citar a família, a mídia e a educação, colocadas por vários universitários como responsáveis pela falta de compromisso social dos jovens. No âmbito educacional, a universidade foi citada por grande parte dos entrevistados como uma forma de organização voltada apenas para a técnica, desvinculando a teoria da prática, e marcada por total indiferença em relação à realidade da comunidade na qual está inserida.

Um dado bastante interessante levantado é que, apesar de mais da metade dos universitários não estar envolvida em projetos voltados à construção da cidadania, grande parte deles afirma ter interesse em ingressar em atividades dessa natureza. Outro indicador deste possível interesse é o fato de a maioria dos entrevistados ter deixado telefone para contato, o que era opcional. Além disso, quando solicitados a sugerir trabalhos que cada curso poderia oferecer à comunidade, colocaram uma diversidade imensa de contribuições. Alguns trabalhos voltavam-se diretamente às habilidades do curso. Por exemplo, os alunos de direito sugeriram orientação e acompanhamento jurídico gratuito à comunidade; os universitários do curso de letras revelaram disposição para oferecer aulas de reforço em linguagem para adultos ou crianças sem recursos; e os alunos da área de saúde pensaram em atendimentos médicos ou odontológicos para tratamento ou prevenção de doenças. Houve ainda outros trabalhos sugeridos, indicando aptidões ou motivações mais pessoais, como atividades voltadas à ecologia; ou ainda propostas envolvendo o lazer ou práticas esportivas e artísticas para toda a comunidade, apresentadas por estudantes dos mais variados cursos. No conjunto de proposições, as sugestões feitas mostraram-se bastante criativas e relevantes.

Esses relatos indicam uma grande possibilidade de atuação dos universitários em trabalhos dessa natureza. É inevitável neste momento questionar por que, então, esta participação não se efetiva, permanecendo, na maioria dos casos, apenas no plano das idéias.

Alguns dos entrevistados apontaram algumas razões que devem ser consideradas. Vários relatos trazem como possíveis motivos da não-participação a falta de divulgação dos projetos já existentes, desconhecimento da realidade ou das formas possíveis de participação ou ingresso nos projetos, ausência de incentivo e de apoio. Outros citaram ainda a falta de perspectiva de mudança e o receio de começar algo novo sem nenhuma experiência.

"Geralmente eles (universitários) não têm conhecimento de como ingressar nesses projetos e se tornam assim incapazes de realizar por isso..." (Carolina - Artes Cênicas).

"Acredito que seja pela própria falta de interesse dos universitários que, muitas vezes, se mantém pela falta de divulgação desse tipo de trabalho. É preciso estimular a participação dos universitários!" (Durval - Direito).

Aqui se pode pensar na relevância de alguns dos objetivos desta pesquisa, como, por exemplo, a construção de estratégias de sensibilização dos universitários. Não obstante, alguns questionamentos são essenciais: quem seriam os responsáveis por essas iniciativas? As perspectivas e tentativas de mudanças não devem ser construídas socialmente? A universidade está cumprindo com seu papel de formar cidadãos conscientes e comprometidos com a realidade social? E os universitários não estariam se colocando em uma posição cômoda e passiva, apenas esperando que os projetos cheguem até eles, para que sejam incentivados?

Alguns dos relatos dos universitários apontam para uma concepção de cidadania assistida, ou seja, o desenvolvimento de ações voltadas para grupos sociais cujas finalidades sejam o exercício da cidadania e a conquista da dignidade e respeito, mediante propostas já definidas pela universidade, através de projetos de pesquisa e extensão, devendo os estudantes apenas se inscrever em tais projetos. O engajamento dos universitários parece exigir o compromisso de outras pessoas, pois eles revelam uma passividade e conformismo que só é possível quebrar pela ação de outrem.

"Também existe o grande bicho-preguiça que corrompe o ser humano, que por mais que se preocupe, não se encoraja a iniciar algum projeto voluntário ou não, está sempre esperando algum divino milagre baixar sobre a Terra..." (Cássia - Artes Cênicas).

"... Hoje em dia há uma forte cultura de "empurrar" as responsabilidades de um lado para o outro... O próprio sistema atual leva a isso" (Ivan - Letras).

"Hoje em dia, considero grande parte dos jovens alienados à realidade em que vivemos. Preferem continuar acomodados em suas vidas "perfeitas" a fazerem algo em prol da sua sociedade. Deveriam eles participar de projetos que tenham benefício para a comunidade e que, com certeza, trariam modificações significativas em suas vidas" (Marisa - Enfermagem).

Como interpretar esses discursos? Os conteúdos explícitos dão conta de certa passividade e conformismo, resultantes da incerteza quanto aos objetivos que almejam, da relação autoritária entre docentes e discentes, ou ainda, da alienação a que estão expostos. Parece haver vários mundos, e o mundo dos jovens universitários não oferece oportunidade para conhecer a realidade de grupos sociais distintos de sua classe social e com eles se envolver. O problema do compromisso político e da responsabilidade social não atinge os universitários. Diante desses conteúdos, cabe indagar: a quem cabe a responsabilidade pela alienação e conformismo? Qual a participação da universidade na configuração de ações de apatia, resignação, passividade?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa suscitou essas e várias outras questões, que ainda devem ser postas em debate. A pressuposição básica é a de que todos são responsáveis pelo que acontece no entorno social; somos todos "atores sociais", seja quando agimos para instituir o novo e lutamos para transformar uma dada realidade, seja quando insistimos em eliminar situações do cotidiano, seja ainda quando nos omitimos, permitindo a perpetuação de fatos e acontecimentos. Somos todos autores, co-autores e sujeitos da história, mesmo quando o comportamento é representado como passividade.

As narrativas captadas indicam, de um lado, certa passividade, e de outro, a possibilidade de envolvimento com as questões sociais vividas por grupos e comunidades. É vital, neste momento, uma investigação mais aprofundada acerca das razões que levam uma pequena parcela dos universitários a criar e manter projetos voltados para a construção da cidadania, de forma a identificar os processos que os mantêm envolvidos, revelando maneiras de desenvolver estratégias efetivas de ampliação dessa participação.

A articulação da universidade - englobando estudantes, professores e funcionários - com a sociedade civil leva a efetivas práticas de transformação social. Assim, a questão da cidadania poderá reconfigurar o problema da alteridade. Os direitos humanos, essenciais para a construção da cidadania, exigem que, no contexto da diversidade, todos sejam reconhecidos como iguais, ou seja, enquanto cidadãos, independentemente da raça, sexo, religião ou condição social, tenham assegurado o acesso aos mesmos benefícios e condições. Vale ressaltar que o reconhecimento do direito de todos os cidadãos, ou seja, da igualdade de direitos, não é de nenhuma forma uma desconsideração às diversidades; pelo contrário, a igualdade de oportunidades é condição para a expressão de sua singularidade (Sawaia, 1994).

Para garantir um novo paradigma, os princípios da indiferença e da intolerância que regem as relações e promovem a exclusão social devem dar lugar a novos princípios: o da "diferença", o da "igualdade" e o da "solidariedade" (Barros, 2001). É preciso que cada pessoa reconheça o outro como diferente e que haja a oportunidade para cada um expressar sua singularidade; mas ao mesmo tempo é necessário respeitar em cada um sua condição de igual. Se somos todos seres humanos, precisamos ter consciência dos direitos como pertencentes a todos. A construção da cidadania exige, de um lado, o "compartilhar" daquilo que afeta o outro, e de outro lado, o "indignar-se" com o que provoca o sofrimento deste outro, compondo assim o que chamamos de solidariedade. É necessário ainda traduzir esses princípios em ação, porquanto as mudanças só se realizam pela atividade (Barros, 2001).

Recebido em 31/09/2006

Aceito em 27/08/2007

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Recebido
      30 Set 2006
    • Aceito
      27 Ago 2007
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