Acessibilidade / Reportar erro

O papel de espelho em um Centro de Atenção Psicossocial

The role of the mirror at a Psychosocial Care Center

El papel del espejo en un Centro de Atención Psicosocial

Resumos

Este trabalho pretende refletir sobre o papel de espelho no tratamento oferecido em um centro de atenção psicossocial, o CAPS-T, utilizando-se o referencial psicanalítico com abordagem Winnicottiana. A mãe, que funciona como um espelho, reflete ao bebê, em seu olhar, algo que se refere a ele, e ser visto é uma das bases para o sentimento de existir, de forma que o "si-mesmo" verdadeiro, reconhecido, pode constituir-se. Quando o papel de espelho está ausente, o bebê não vê a si, o que pode levá-lo a uma existência reativa. No CAPS, com uma alta incidência de pacientes psicóticos, torna-se fundamental o oferecimento de uma provisão ambiental adequada, o que inclui o papel de espelho, facilitando o processo de amadurecimento. A equipe deve ser um espelho único e atuar no ambiente social do paciente, possibilitando o surgimento do papel de espelho nas pessoas e a construção de um ambiente mais adequado.

saúde mental; papel de espelho; Centro de Atenção Psicossocial


The role of the mirror in the treatment at a Psychosocial Care Center called CAPS-T, using a Winnicottian psychoanalytical framework is provided. The mother, as a mirror, reflects to the baby, in her eyes, something that refers to the baby. The act of seen is one of the bases for feeling that one exists so that the true, recognized self may be constituted. However, when the role of the mirror is absent, the baby does not see itself and may lead it towards a reactive existence. At the Psychosocial Care Center, with its high incidence of psychotic patients, an adequate environment is offered, which includes the mirror-role, and facilitates the maturing process. The team must be a single mirror and must act in the patient's social environment, enabling the emergence of the role of the mirror in people and the construction of a more adequate environment.

Mental health; mirror-role; Psychosocial Care Center


Este artículo pretende hacer una reflexión sobre el papel del espejo en un Centro de Atención Psicosocial, Caps - T, utilizando el referencial Psicoanalitico de abordaje Winnicottiano. La madre que funciona como un espejo refleja al bebé con su mirada algo que a él se refiere. Ser visto es una de las bases para el sentimiento de existir, de manera que el verdadero si mismo, reconocido, puede constituirse. Cuando el papel de espejo esta ausente, el bebé no se puede ver a si mismo, lo que puede llevarlo a una existencia reactiva. En el CAPS es fundamental que se le ofrezca una provisión ambiental adecuada, lo que incluye el papel del espejo, facilitando el proceso de maduración. El equipo debe ser un único espejo y actuar en el ambiente social del paciente, propiciando el surgimiento del papel de espejo en las personas y la construcción de un ambiente más adecuado.

Salud mental; papel del espejo; Centro de Atención Psicosocial


RELATO DE EXPERIÊNCIA

O papel de espelho em um Centro de Atenção Psicossocial

The role of the mirror at a Psychosocial Care Center

El papel del espejo en un Centro de Atención Psicosocial

Cristiane Bach FranchiniI; Elisa Maria Parahyba CamposII

IMestre em Psicologia Clínica

IIDoutora. Professora do Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cristiane Bach Franchini Rua Juatubá, 59, Vila Madalena CEP 05441-030, São Paulo-SP E-mail: crisbach@hotmail.com

RESUMO

Este trabalho pretende refletir sobre o papel de espelho no tratamento oferecido em um centro de atenção psicossocial, o CAPS-T, utilizando-se o referencial psicanalítico com abordagem Winnicottiana. A mãe, que funciona como um espelho, reflete ao bebê, em seu olhar, algo que se refere a ele, e ser visto é uma das bases para o sentimento de existir, de forma que o "si-mesmo" verdadeiro, reconhecido, pode constituir-se. Quando o papel de espelho está ausente, o bebê não vê a si, o que pode levá-lo a uma existência reativa. No CAPS, com uma alta incidência de pacientes psicóticos, torna-se fundamental o oferecimento de uma provisão ambiental adequada, o que inclui o papel de espelho, facilitando o processo de amadurecimento. A equipe deve ser um espelho único e atuar no ambiente social do paciente, possibilitando o surgimento do papel de espelho nas pessoas e a construção de um ambiente mais adequado.

Palavras-chave: saúde mental, papel de espelho, Centro de Atenção Psicossocial.

ABSTRACT

The role of the mirror in the treatment at a Psychosocial Care Center called CAPS-T, using a Winnicottian psychoanalytical framework is provided. The mother, as a mirror, reflects to the baby, in her eyes, something that refers to the baby. The act of seen is one of the bases for feeling that one exists so that the true, recognized self may be constituted. However, when the role of the mirror is absent, the baby does not see itself and may lead it towards a reactive existence. At the Psychosocial Care Center, with its high incidence of psychotic patients, an adequate environment is offered, which includes the mirror-role, and facilitates the maturing process. The team must be a single mirror and must act in the patient's social environment, enabling the emergence of the role of the mirror in people and the construction of a more adequate environment.

Key words: Mental health, mirror-role, Psychosocial Care Center.

RESUMEN

Este artículo pretende hacer una reflexión sobre el papel del espejo en un Centro de Atención Psicosocial, Caps - T, utilizando el referencial Psicoanalitico de abordaje Winnicottiano. La madre que funciona como un espejo refleja al bebé con su mirada algo que a él se refiere. Ser visto es una de las bases para el sentimiento de existir, de manera que el verdadero si mismo, reconocido, puede constituirse. Cuando el papel de espejo esta ausente, el bebé no se puede ver a si mismo, lo que puede llevarlo a una existencia reactiva. En el CAPS es fundamental que se le ofrezca una provisión ambiental adecuada, lo que incluye el papel del espejo, facilitando el proceso de maduración. El equipo debe ser un único espejo y actuar en el ambiente social del paciente, propiciando el surgimiento del papel de espejo en las personas y la construcción de un ambiente más adecuado.

Palabras-clave: Salud mental, papel del espejo, Centro de Atención Psicosocial.

A Reforma Psiquiátrica se preocupou em dar uma nova resposta ao tratamento das pessoas com transtornos psiquiátricos graves, reduzindo a internação a um recurso usado apenas quando estritamente necessário e dedicando-se ao atendimento destas pessoas na sociedade. Buscou-se abranger no tratamento a condição humana, social, política e cultural do indivíduo, havendo uma preocupação em que o cuidado ao paciente seja uma sustentação cotidiana das situações sociais vivenciadas, visando a uma participação mais ampla, que inclua o atuar do indivíduo como sujeito.

Neste sentido, foram criados no Brasil os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que buscam uma nova forma de compreensão sobre a loucura e de intervenções mais adequadas para seu tratamento. É importante destacar que, segundo Tenório (2002), o CAPS não exclui o saber e os instrumentos da psiquiatria, mas sim, seus efeitos de normatização e controle, subordinando-os a uma nova apreensão do que seja a problemática das pessoas com quadros psiquiátricos graves e de seu tratamento.

O CAPS é um serviço que atende pessoas que sofrem quadros psiquiátricos severos e persistentes (psicoses, neuroses graves, quadros limítrofes), em seu território de abrangência. Ele é um centro que busca a realização de um atendimento humano, resgatando uma relação entre sujeitos no processo de tratamento da loucura. A proposta é estabelecer um encontro em que os indivíduos não estejam definidos a priori e assim possam ser criados sentidos, ao invés de estes serem reproduzidos.

O CAPS busca auxiliar na reabilitação dos pacientes mais graves e crônicos, não se entendendo aqui o termo reabilitação como retorno a estados anteriores à doença, e sim, conforme refere Koda (2003), um direcionamento para a reestruturação de funções na comunidade, com vista à possibilidade de o paciente se comunicar e de realizar trocas afetivas, nunca se esquecendo os limites de cada indivíduo.

A reabilitação é projetada em parcerias de trabalho com unidades que oferecem serviços diferenciados, sendo voltada para atividades no espaço público. Neste sentido, abre-se espaço para diferentes formas de atuação com estes pacientes, já que as intervenções se ampliam para além dos espaços terapêuticos tradicionais, ocupando espaços que transcendem os limites da instituição, como passeios, atividades artísticas, corporais e esportivas, oficinas e cursos. Além disso, a atenção aos pacientes deve incluir ações dirigidas também aos familiares e à sociedade, buscando-se uma minimização do estigma e a promoção de melhor qualidade de vida a estas pessoas.

A criação dos CAPS parte de um mesmo processo histórico, embasado nos paradigmas da Reforma Psiquiátrica e em parâmetros estabelecidos por lei; no entanto, de acordo com as concepções dos profissionais que compõem suas equipes e das experiências vivenciadas no dia-a-dia, cada CAPS vai se constituindo com características singulares. Isto enfatiza a necessidade de descrever a unidade que deu origem a este trabalho, o CAPS-T, pois todas as reflexões realizadas aqui se referem às experiências vivenciadas lá e devem ser compreendidas a partir desse contexto.

No CAPS-T a equipe busca olhar cada paciente como um indivíduo total, objetivando ajudá-lo a resgatar sua auto-estima e autonomia, descobrindo-se capaz de ser atuante em sua vida e de ampliar suas vivências na família e na comunidade, de acordo com suas possibilidades e limites. Inicialmente, os pacientes passam por uma triagem, em que são ouvidos por um médico psiquiatra e por outro profissional de nível superior (psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social), os quais serão responsáveis pelo encaminhamento do tratamento dessa pessoa. O CAPS-T oferece vários tipos de tratamento em seu espaço interno, incluindo atenção farmacológica, atendimento psicológico e/ou terapia ocupacional, individuais ou grupais, grupos de atividades e oficinas expressivas. Os tratamentos são organizados de acordo com a gravidade do caso. Os pacientes em crise freqüentam a unidade diariamente, o que pode mudar de acordo com seus progressos. Existe sempre o objetivo de auxiliá-lo na reconstrução de sua vida nos ambientes externos à Instituição.

Após a triagem, em geral é realizado um convite para que os familiares participem do grupo de família, encontro em que podem esclarecer suas dúvidas, pensar sobre suas dificuldades, desfazer preconceitos, enfim, compreender o que ocorre com a pessoa em tratamento. Em certos casos, é realizada indicação para algumas conversas com os profissionais, visando a uma melhoria da relação paciente-família, através da abertura ou mediação no diálogo entre eles.

Outro trabalho importante é o da convivência, pois há pacientes que não conseguem participar das atividades, além de haver períodos em que eles permanecem no interior do CAPS-T, conversando, lendo, vendo TV. A construção deste espaço, capaz de acolher os pacientes que não conseguem participar das atividades e que possuem dificuldades de convívio social, é relevante e desafiadora no cotidiano, já que o trabalho dos profissionais se amplia para além das atividades formais.

Este é um aspecto importante, pois, conforme Souza (2003), o contato na ambiência parece colocar os profissionais em uma situação de mistura com os pacientes e de indefinição de papéis e procedimentos, arriscando-se a imprevistos que exigem outros instrumentos que estão além do saber técnico. Por outro lado, os espaços informais podem ser pensados como um recurso terapêutico, em que o imprevisto se torna algo que pode auxiliar no tratamento.

Além das atividades internas, são realizadas atividades externas, através de parcerias com outros setores da região, com o objetivo de criar novos espaços para os pacientes, que podem fazer cursos e oficinas, recuperando lentamente sua autonomia e reinserindo-se em um espaço social "comum". O inverso ocorre quando se promovem no CAPS-T festas e sessões de cinema abertas aos familiares e amigos e à comunidade, o que possibilita uma integração com os pacientes. A nosso ver, isto pode melhorar os laços familiares, além de criar condições para a redução do preconceito na população.

Todas estas atividades exigem discussões constantes, a fim de que sejam adequadamente estruturadas e posteriormente avaliadas pelos profissionais. Por isso são realizadas reuniões clínicas semanais multidisciplinares, além de uma reunião geral, que ocorre uma vez por mês, em que participam todos os funcionários do CAPS-T e se discutem desde questões da rotina do CAPS-T até a forma de tratamento e o que acontece com determinados pacientes.

O PAPEL DE ESPELHO

De acordo com Winnicott, o processo de maturação do bebê depende fundamentalmente de sua tendência inata ao amadurecimento e da existência contínua de um ambiente facilitador. As condições ambientais suficientemente boas, conforme descrito por Dias (1994), em que uma "continuidade de ser" é protegida, permitirão ao bebê chegar à integração, que implica no reconhecimento da existência separada do não-eu e do eu, e ainda no sentimento de existir, em que o bebê tem o sentimento de ser real e habitar em um mundo real.

Quando há uma boa maternagem, segundo Winnicott (1960/1983b), o contato com o bebê é feito a partir do gesto espontâneo dele, cuja fonte é o si-mesmo verdadeiro, o que permite sentir sua existência como real; e quando a mãe responde de forma adaptativa ao gesto espontâneo do bebê, de acordo com Winnicott (1990), ele pode viver a experiência de criar aquilo que encontra. Forma-se, para o bebê, a ilusão de que é ele quem cria o mundo de que necessita.

Seu mundo, nesse momento, é um mundo subjetivo, que deve ser previsível e confiável, já que algo inesperado interrompe a continuidade de ser. Esta confiabilidade por parte da mãe significa que esta deve manter a si mesma e o ambiente regulares e constantes. Por outro lado, quando o bebê faz o gesto e a mãe se encontra ausente, distraída, voltada para si, o gesto ficará parado no vazio, à espera de algo que não ocorre. Além disso, quando a mãe age segundo a sua própria necessidade ou ansiedade, há uma intrusão e o bebê reage à invasão. Nos dois casos há uma quebra na continuidade de ser do bebê.

No último caso, a mãe substitui o gesto do bebê por seu próprio gesto, ao qual o bebê acaba por submeter-se. Esta submissão, para Winnicott (1960/1983b), é o estágio inicial do si-mesmo falso; e quando as falhas são o padrão do cuidado recebido, o bebê constrói um conjunto de relacionamentos falsos, através da imitação. Formam-se então, segundo Winnicott (1990), dois tipos de relacionamento: um secreto e silencioso com um mundo interno pessoal e íntimo de fenômenos subjetivos, em que predomina a espontaneidade; e um baseado no si mesmo falso, em que predomina a submissão.

De acordo com Winnicott (1960/1983a), quando tudo corre bem, com a crescente capacitação do bebê em tolerar as situações de frustração, devido ao seu amadurecimento mental, a adaptação ativa da mãe às suas necessidades deve diminuir. Isto é fundamental, pois ajuda o bebê a romper a unidade indiferenciada mãe-bebê, o que o levará à integração em um eu unitário e separado, capaz de se relacionar com o não-eu ou o mundo externo.

Após ter vivido tempo suficiente no mundo subjetivo, o bebê passa para uma forma intermediária de realidade, o espaço potencial, em que está presente a transicionalidade. Esta forma de realidade encontra-se entre o subjetivo e o objetivo. Em seguida, ele se direciona para constituir um eu, como identidade integrada e separada do não eu, o que permite que ele comece a perceber objetivamente o mundo externo.

O papel de espelho da mãe

Para Winnicott (1967/1975), enquanto está sendo amamentado, o bebê olha para o rosto de sua mãe; mas normalmente, o que ele vê não é o rosto da mãe, e sim, a si mesmo, porquanto a mãe, quando está olhando para o bebê, reflete algo que se acha relacionado com o que ela vê nele, devido à autenticidade de seus sentimentos em relação ao bebê. Assim, no olhar da mãe transparece sua visão do bebê e da satisfação ali contida. E "ser visto pelo olhar da mãe é uma das bases fundamentais do sentimento de existir" (Dias, 2003, p. 224). Reconhecido, o potencial inato do bebê pode desenvolver-se em uma existência individual, o si-mesmo pode constituir-se. O olhar da mãe atesta a existência do bebê como um potencial de autonomia e espontaneidade.

De acordo com Dias (2003), a reunião das partes do bebê, sua coesão psicossomática, depende da participação ativa da mãe, ou de outra pessoa, que segure o bebê e cuide dele, reunindo-o nos braços e no olhar. A mãe se dirige à pessoa total do bebê, que ele ainda não é, mas virá a ser, ou seja, ela reúne o bebê não só em seus braços, mas em sua concepção de bebê como ser humano total.

Não obstante, segundo Winnicott (1967/1975), em alguns casos a mãe não consegue funcionar como um espelho e reflete o próprio humor e/ou a rigidez de suas defesas, de forma que o bebê, quando a olha, não vê a si mesmo. Isto pode levar a um atrofiamento de sua capacidade criativa e à busca por outros meios de receber do ambiente algo de si. Além disso, se quando o bebê olha, o que ele vê é o rosto da mãe, começa a haver uma mudança: em vez de apercepção (em que está presente um olhar criativo, próprio do mundo subjetivo), há percepção; ou seja, em vez de um começo de troca significativa com o mundo, predomina a percepção, como uma defesa, e alguns bebês começam a estudar o rosto da mãe, tentando prever seu humor. Assim, o bebê passa a reagir examinando o rosto da mãe continuamente, na tentativa de prever o que há nele, a fim de se adaptar, e sua expressão espontânea começa a ser deixada de lado, formando-se uma existência puramente reativa.

Nos casos em que há saúde, a capacidade de olhar criativamente o mundo não desaparece, mesmo diante do relacionamento com o mundo objetivo. Nestes casos, o olhar nunca será inteiramente submetido aos contornos objetivos da realidade externa. Não obstante, de acordo com Dias (2003), se a mãe não reflete o bebê e ele vê o rosto da mãe, então um dado da realidade externa viola sua experiência de onipotência. Com isso o bebê não poderá formar o objeto subjetivo, o que leva à submissão e ao falso si-mesmo patológico, enquanto o verdadeiro si-mesmo permanece isolado e protegido, até que encontre uma situação em que possa manifestar-se e desenvolver-se.

O tratamento

As pessoas psicóticas apresentam uma organização defensiva contra o retorno da agonia impensável, uma cisão entre o verdadeiro e o falso si-mesmos, de forma que, enquanto a raiz do verdadeiro si-mesmo mantém-se relacionada onipotentemente ao mundo subjetivo, incomunicável, o falso si-mesmo, submisso, relaciona-se com a realidade externa. Formam-se dois tipos de relação objetal, desconectados um do outro, em graus variados.

Em relação ao tratamento, para Winnicott (1960/1983c), é necessária uma nova provisão ambiental, agora adequada. O trabalho terapêutico direciona-se a fornecer condições para que o que não foi experienciado o seja, pela primeira vez, através do oferecimento de cuidados concernentes à necessidade apresentada por aquela pessoa.

Um cuidado essencial a ser oferecido é o papel de espelho, fundamental para que o gesto espontâneo não seja violado e possa ser reconhecido e refletido. Sua presença auxilia na construção de um ambiente monótono, previsível e confiável, que responde ao gesto do paciente. O trabalho de refletir o que há para ser visto, quando suficientemente bom, possibilita ao paciente o surgimento do sentimento de existir e sentir-se real. Winnicott (1967/1975) enfatiza que se sentir real é mais do que existir, é encontrar um jeito de existir como si-mesmo, de relacionar-se com os objetos como si-mesmo e de ter um si-mesmo para o qual retirar-se para relaxar.

Por outro lado, a ausência do papel de espelho causa uma nova violação da experiência de onipotência, de forma que o objeto subjetivo não é criado - ao contrário, o paciente depara-se com algo da realidade externa que não pode ser abarcado por sua capacidade maturacional, o que o leva a uma reação de isolamento de seu si-mesmo verdadeiro. O que deveria ser um tratamento para ajudá-lo causa novas quebras na continuidade de ser e reforça uma existência reativa, sem significado.

Quando os cuidados são oferecidos por várias pessoas, a atenção deve ser ainda maior, pois é essencial a presença de uma sintonia entre os cuidados oferecidos, de forma que haja um espelho único. De acordo com Winnicott (1990, p. 177), "... a vivência de técnicas variadas leva o bebê a uma situação de confusão...". Assim, no caso do papel de espelho, é necessário que todos funcionem de um mesmo modo, a fim de evitar o ambiente tantalizador, tão ameaçador ao paciente psicótico.

Além disso, Winnicott (1967/1975, p. 161) argumenta que tal compreensão sobre o rosto da mãe como espelho para o bebê revela que a psicoterapia não deve se propor a fazer interpretações "argutas e apropriadas; em geral, trata-se de devolver ao paciente, a longo prazo, aquilo que o paciente traz. É um derivado complexo do rosto que reflete o que há para ser visto". No caso do paciente psicótico, a interpretação pode ser muito invasiva, extrapolando sua capacidade maturacional, porquanto o paciente em regressão à dependência só pode se relacionar com o analista enquanto objeto subjetivo. Assim, a interpretação "se constitui em invasão traumática porque destaca, antes do tempo, a existência externa e separada do analista e remete a um eu que ainda não está lá para ser encontrado" (Dias, 1998, p. 348).

Algo fundamental é ajudar o paciente a manter ou criar a ponte entre o mundo subjetivo e o objetivo, diminuindo o grau de cisão entre as duas formas de relação objetal. Finalizando, vale a pena enfatizar que, para Winnicott, o mais importante não é a ausência de doença, e sim, a riqueza da personalidade. Neste sentido, "a saúde está relacionada a ser, a sentir-se vivo e real, à vida criativa, à capacidade de revolucionar e de rebelar-se" (Dias, 1998, p. 301).

A partir do exposto, investigar fatores que influenciam o trabalho realizado no CAPS e reavaliar os tratamentos oferecidos são questões importantes. Este trabalho procura refletir sobre o papel de espelho enquanto um fator terapêutico que permeia o tratamento no CAPS-T. Como instrumento de reflexão, foi adotado o referencial psicanalítico com abordagem winnicottiana, a fim de possibilitar o surgimento de significações, antes ocultas, que ampliem a compreensão sobre o fenômeno investigado.

O PAPEL DE ESPELHO NO TRATAMENTO

No caso de muitos pacientes que fazem tratamento no CAPS-T, devido à grande fragilidade emocional vivenciada e ao grande número de pessoas que não puderam realizar seu amadurecimento inicial de forma adequada e não alcançaram a identidade unitária, podemos perceber a necessidade de uma provisão ambiental adequada, o que inclui a presença do papel de espelho.

O falso si-mesmo patológico tem a função de proteger o verdadeiro si-mesmo, que se mantém isolado, aguardando que o ambiente ofereça condições para sua manifestação e amadurecimento. Isto significa que o oferecimento de um ambiente capaz de se adaptar às necessidades do paciente, possibilitando um continuar-a-ser, pode proporcionar a confiabilidade e previsibilidade necessárias para a criação do objeto subjetivo, o que possibilita a presença da espontaneidade, da autenticidade, do sentimento de ser real e viver em um mundo real. Experiências, então, poderão ser vivenciadas, propiciando integrações e um sentimento de pessoalidade. O verdadeiro si-mesmo tem, então, a oportunidade de seguir o amadurecimento interrompido pela provisão ambiental inadequada.

A presença do papel de espelho permite que o si-mesmo seja reconhecido e comece a constituir-se. O si-mesmo pode, então, tornar-se uma realidade viva, com espontaneidade, e a pessoa pode construir uma forma de viver que seja verdadeiramente sua, sem a artificialidade característica da submissão.

Quando há a presença do papel de espelho, podemos levantar a hipótese de que o profissional funcione como um derivado complexo do rosto da mãe suficientemente boa, capaz, segundo Winnicott (1967/1975), de refletir o que há para ser visto. O profissional pode, então, reconhecer as manifestações espontâneas que se apresentam, em algum momento, no indivíduo.

Apesar de estarmos falando, no CAPS-T, do papel de espelho em várias pessoas, já que o tratamento é realizado por uma equipe, isto não significa que estejamos falando de múltiplos espelhos, o que poderia ser desorganizador para quem se vê neles, pois uma multiplicidade de espelhos impede a presença da monotonia e previsibilidade necessárias ao continuar-a-ser.

O efeito terapêutico está relacionado ao fato de os pacientes poderem identificar algum elemento único na equipe, que se apresenta de forma coesa. Desta maneira, esta consegue constituir-se como um espelho único, constante, confiável, através do qual o si-mesmo pode ser reconhecido. Para que haja um espelho único, os discursos da equipe têm que ser muito próximos, de forma que haja uma unidade na forma como o tratamento é concebido e oferecido. Isto torna fundamentais as reuniões de equipe, necessárias para auxiliar a coesão da equipe e aproximar suas atuações em cada caso.

É importante destacar que, a partir do momento em que é oferecida uma nova provisão ambiental ao paciente, agora adequada às suas necessidades, inicia-se um longo processo de construção da confiabilidade e previsibilidade necessárias ao continuar-a-ser. Neste contexto, o si-mesmo verdadeiro pode retomar sua tendência inata ao amadurecimento. Isto, entretanto, se constitui como algo demorado e que implica, em vários momentos, regressões com a finalidade de reformular experiências, de repousar. Não obstante, tais retrocessos não devem ser entendidos como fracassos, mas sim, como parte do processo, como indicação de algumas necessidades que precisam ser atendidas.

Um exemplo ilustra tais questões. Trata-se de um paciente com alguns anos de tratamento, passando por vários locais de atendimento e algumas internações. Marcelo, no início de seu tratamento, em que freqüentava o CAPS-T todos os dias, ouvia muitas vozes e sentia dores de cabeça, o que o fazia permanecer períodos sem vir à unidade de terapia, já que as vozes diziam que, se saísse de casa, ele morreria. Com o desenrolar do tratamento, formou-se um vínculo com os profissionais, de forma que tais medos puderam começar a ser divididos com eles e tratados em conversas individuais com sua técnica de referência, uma psicóloga.

Depois de um tempo, ele começou a participar de algumas oficinas e grupos. As vozes diminuíram e ele pôde cuidar mais de si, de sua higiene. Iniciou-se, então, um interesse dele por coisas novas e a equipe começou a estimulá-lo a isso. Entretanto, apesar de o olhar dos profissionais espelhar suas capacidades, nesse período era difícil para ele se arriscar a fazer algo novo, pois as vozes diziam que ele era ridículo e que todos ririam dele.

A persistência em espelhar suas capacidades e possibilidades parece ter encorajado Marcelo a se arriscar em uma situação nova, de forma que ele se interessou por participar de um grupo, no qual haveria uma maior exposição sua. Nesse período as conversas com a técnica de referência foram importantes, pois a cada encontro o paciente chegava perturbado, às vezes até desorganizado, achando que os outros riam dele, pois não conseguia falar coisas interessantes no grupo. Isto era o que as vozes lhe diziam, juntamente com as ameaças de morte. Diante disto, pensava em abandonar o grupo e, em alguns dias, não conseguia vir ao CAPS.

Nas conversas com a técnica eram realizadas reflexões sobre o que as vozes diziam e o que Marcelo acreditava. Além disso, era oferecida continência às suas dificuldades e retrocessos, juntamente com outros cuidados adequados, e lhe eram apresentados retornos fornecidos por alguns coordenadores do grupo sobre sua participação. Outros profissionais do CAPS-T também desempenhavam o papel de espelho necessário e ofereciam continência nos momentos difíceis e estímulo para suas conquistas. Parece que tais cuidados possibilitaram que persistisse em Marcelo a confiança em se ver nesse espelhamento, o que possibilitou que ele começasse a se mostrar mais espontâneo e suas vivências adquirissem um sentido pessoal.

Com o passar do tempo, começou a se estabelecer um movimento circular, em que cada vez que Marcelo iniciava algo novo, as vozes voltavam com toda a força, o que o desnorteava. Nestes momentos, era muito importante um cuidado especial com sua necessidade de regredir, de receber acolhimento, de aquietar-se. Era fundamental aguardar que novo gesto fosse realizado por ele, de forma que não se estabelecesse uma intrusão, através da imposição, mesmo que sutil, de algo pelo profissional. Quando ele fazia um movimento no sentido de buscar algo, como, por exemplo, retornar ao curso, procurava-se perceber o que lhe era necessário nesse momento, a fim de responder ao seu gesto de forma adequada. É interessante observar que, conforme as situações eram enfrentadas, as vozes diminuíam novamente e, em determinados períodos, sumiam. A postura de Marcelo, então, foi mudando, pois mesmo quando as vozes estavam muito fortes e ameaçadoras, ele não retrocedia para o confinamento em sua cama, como no início; ao contrário, ia para o CAPS-T e solicitava conversar com sua técnica de referência ou outro profissional. Percebeu que sair de casa, encontrar outras pessoas, fazer coisas de que gostava, fazia-lhe bem e diminuía a força das vozes.

Uma das questões fundamentais, neste caso, foi a continuidade da presença do papel de espelho na equipe, com o oferecimento de um espelho único, mesmo durante os períodos em que Marcelo era dominado pela angústia e precisava regredir, juntamente com a capacidade de oferecer cuidados adequados às suas regressões.

Além disso, foi necessário cuidado em respeitar que a direção fosse apontada pelo paciente, ou seja, que em primeiro lugar ocorresse o surgimento de seus gestos espontâneos, os quais a seguir eram reconhecidos e recebiam uma resposta adequada. Desta maneira, o profissional lhe permite criar o objeto subjetivo. Nesse momento, o profissional também é um objeto subjetivo e permite que o paciente viva em um mundo subjetivo. Isto é fundamental para o surgimento de um sentimento de existir no paciente e para que o mundo possa ser criado com um significado pessoal e conhecido com satisfação. Destaca-se, portanto, a importância do manejo, enquanto a interpretação, no caso das psicoses, e as falhas que não podem ser abarcadas pela capacidade maturacional do paciente, impõem a realidade prematuramente, já que o profissional deixa de ser um objeto subjetivo e passa a ser algo externo, torna-se não-eu abruptamente. No caso do CAPS-T, em muitos momentos, atender à necessidade do paciente pode incluir realizar intervenções concretas em sua vida, como uma conversa com sua família, ou possibilitar uma experiência que possa ser integradora, como a participação em um curso.

Em uma determinada ocasião no CAPS-T, houve a divulgação de um encontro gratuito, em um final de semana, que apresentava desenhos japoneses, mangás. Dois pacientes se interessaram e, como um deles tinha mais facilidade para se locomover pelas ruas, enquanto o outro ainda tinha muita insegurança, foi possível combinar que os dois fossem juntos ao encontro. Foram estimulados a ir e na semana seguinte chegaram contando com muita satisfação tudo o que viram lá e começaram a mostrar desenhos que haviam feito, e foi ficando evidente o interesse e a aptidão de ambos.

Um dos profissionais, percebendo isto, tomou a iniciativa de buscar, em escolas de desenho, duas vagas gratuitas para que eles tivessem a oportunidade de conhecer mais sobre como desenhar e desenvolver-se neste interesse. As vagas foram conseguidas e ambos se interessaram pelo curso, iniciando-o. Em diversas situações, ambos trouxeram seus trabalhos e, com muita satisfação, mostravam seu desenvolvimento no desenho. Após um período, um deles desistiu do curso, após ter estado internado.

Algo que se destaca nesta situação, em relação ao papel do profissional, foi a percepção deste de um gesto, de um interesse espontâneo nos pacientes e a iniciativa de buscar uma oportunidade para que ambos pudessem escolher (ou não) vivenciar esse interesse, o que considero uma resposta adequada ao gesto espontâneo de ambos. Entretanto, o principal se refere ao fato de que, quando estas vagas no curso foram negociadas e, posteriormente, conseguidas, havia clareza entre os profissionais de que ambos os pacientes poderiam não querer participar do curso ou desistir depois.

Esta questão é fundamental, pois funcionar como um espelho é um trabalho muito delicado, sendo necessário um cuidado para não começar a impor ao paciente características e interesses, pois caso contrário o papel de espelho deixa de ocorrer e começam a ser enviados olhares ausentes, bloqueados por estas diretrizes sobre como o paciente deve viver, que falham em satisfazer o gesto espontâneo daquela pessoa, substituindo-o por seu próprio gesto.

Além disso, o CAPS tem uma função mais ampla, que é de ser uma Instituição mediadora entre os espaços externos e internos à Unidade. Isto significa que o papel do profissional deve ultrapassar uma atuação individual com os pacientes, abrangendo as famílias destes e seu ambiente social próximo. Isto é fundamental, pois quando os preconceitos e os medos são muito intensos, as pessoas têm dificuldade para funcionar como espelho, oferecendo olhares impessoais, incapazes de refletir ao outro algo dele próprio, de reconhecer suas manifestações autênticas. Nestes casos, o si-mesmo do paciente não encontra condições para se constituir, já que não há experiência em que a realidade seja criada, sendo ela apenas imposta.

No trabalho com a família, é necessário uma compreensão do modo de pensar desta família e um trabalho de desconstrução e reconstrução de seu olhar para o paciente, quando necessário. Trabalhar com a família não é algo fácil, já que implica desestabilizar suas defesas, muitas vezes já enrijecidas, e colocá-la diante de seus medos. Um contato acolhedor, em que os medos e preconceitos da família possam ser ouvidos, ao mesmo tempo em que seja possível trabalhá-los, desconstruindo o que é fantasia e ajudando a família a enfrentar as dificuldades reais, pode auxiliar na mudança - de um olhar rígido, ausente, para o surgimento do papel de espelho. Isto tem sido realizado no CAPS-T, tanto através do grupo de família,como em reuniões especificamente com uma família e paciente em tratamento.

Além da família, o trabalho deve alcançar outras pessoas que participam do ambiente social próximo do paciente e também voltar-se para sociedade. É evidente que esta é uma tarefa exaustiva e, muitas vezes, superior ao que a equipe do CAPS-T pode realizar. Entretanto, ela pode ser realizada em alguma medida, com trabalhos pontuais em que compreensões sobre a loucura possam ser trabalhadas, surgindo novas formas de se relacionar com quem a apresenta. Este trabalho pode ser extremamente terapêutico quando se trata do ambiente social próximo ao paciente, possibilitando o surgimento do papel de espelho. Uma das formas como isto tem sido realizado são as parcerias com setores da comunidade, o que possibilita a ampliação da rede social do paciente. Já em relação à sociedade, algo que poderia ajudar seria a veiculação de medidas educativas, em que os preconceitos e as compreensões inadequadas poderiam ser revelados e talvez até amenizados ou reconstruídos.

Não obstante, no trabalho do dia-a-dia se apresentam algumas dificuldades. O fato de o CAPS-T atender muitas pessoas diferentes, com necessidades diferentes, coloca em questão um fato: ao mesmo tempo em que ele constitui um ambiente capaz de oferecer, em muitos casos, os cuidados necessários à continuidade de ser e à vivência de experiências integradoras, ele também possui limitações. Isso porque o CAPS-T possui uma estrutura de funcionamento oferecida a todos os pacientes, mas as necessidades individuais de cada um podem ser diferentes e não serem atendidas por esta estrutura já estabelecida.

Por um lado há muitos pacientes que parecem sentir o CAPS-T como um lugar capaz de receber seus movimentos, podendo realizar lá, como o bebê, movimentos que oscilam entre o repouso e as experiências, sustentados pela provisão ambiental adequada. Por outro lado, entretanto, para outras pessoas, o fato de o CAPS-T receber muitos pacientes, por si só, já parece ser extremamente perturbador, pois estar próximo às pessoas, à imprevisibilidade de suas ações e ao barulho criado por elas é algo que provoca isolamento, fuga, desconfiança, irritação.

Não podemos esquecer também que, por mais que o CAPS-T tenha um padrão regular, constante, o dia-a-dia impõe, algumas vezes, mudanças. Além disso, os profissionais do CAPS-T também falham, e se isto pode ser tolerável e até terapêutico para pacientes com capacidade maturacional capaz de agüentar esta falha, para os outros pode ser algo muito intrusivo, promovendo quebras na continuidade de ser.

Talvez nos casos em que os pacientes percebem o ambiente interno do CAPS como intrusivo, o recurso de acompanhante terapêutico (AT) poderia oferecer melhores possibilidades, já que permite que a atenção e os cuidados estejam totalmente voltados para a pessoa, facilitando o reconhecimento de suas necessidades e o oferecimento de cuidados adequados. Além disso, talvez não seja integrador para alguns pacientes estar junto com outros mais integrados, ao menos durante certo tempo, assim como o bebê é preservado do ambiente externo pela mãe, através da unidade mãe-bebê, até que construa pontes sólidas entre o subjetivo e o objetivo.

O tratamento realizado por um AT permitiria justamente a manutenção de um ambiente suficientemente bom, proporcionado por um profissional que realizaria, durante um período, o papel da mãe suficientemente boa. A relação dual "mãe-bebê" poderia ser retomada, em alguma medida, criando condições para a vivência em um mundo subjetivo e excluindo variações ou imprevistos excessivos para ele, que não podem ser abarcados por sua maturidade emocional. Entretanto, infelizmente, não podemos contar com o recurso de acompanhantes terapêuticos no sistema público de saúde, o que empobrece os cuidados oferecidos.

Apesar das dificuldades apresentadas, o CAPS-T tem se constituído como um espaço com muitos benefícios, já que ele tem a possibilidade de estruturar em seu ambiente interno um lugar em que muitos pacientes possam encontrar o acolhimento, a monotonia, a continuidade na presença dos técnicos, a constância destes independentemente das situações do dia-a-dia, a presença de um espelho único, a confiabilidade no tratamento. Neste sentido, os pacientes podem, então, encontrar um espaço para o seu adoecimento, para sua entrega aos cuidados de que necessitam e não encontram em outros lugares. Além disso, podem ser tratados por profissionais voltados ao seu cuidado, com muito mais recursos para lhe oferecer uma provisão ambiental adequada. É claro que tudo isto depende de um esforço da equipe para realizar um trabalho neste sentido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No tratamento oferecido a pacientes com quadros graves de saúde mental, deve haver uma preocupação em oferecer um ambiente monótono e previsível, que possibilite ao paciente o acolhimento de seus gestos espontâneos, suas manifestações autênticas e suas limitações. Neste caso, o papel de espelho é um dos elementos fundamentais para a construção deste ambiente suficientemente bom. Sua presença permite que o si-mesmo verdadeiro seja reconhecido e encontre condições para voltar a se constituir, surgindo o sentimento de existir e um sentido pessoal para o mundo, em alguma medida.

Neste sentido, é fundamental que a equipe funcione como um espelho único, previsível. O contrário - ou seja, a presença de vários espelhos ou de cuidados diversos - pode levar a pessoa à confusão e à não integração. Ademais, não basta que apenas o papel de espelho se apresente no tratamento oferecido, sendo necessário que outras condições também sejam supridas, de forma que o ambiente se torne adequado.

Por outro lado, oferecer o papel de espelho no cotidiano de tratamento e suprir outros cuidados necessários, em alguns casos, é um trabalho difícil, que muitas vezes esbarra em limitações próprias ao funcionamento da Unidade e em sua estruturação. Isto exige um esforço contínuo da equipe no sentido de descobrir formas para oferecer um ambiente suficientemente bom, facilitador do amadurecimento dos pacientes.

Além de oferecer um ambiente interno adequado, a equipe tenta intervir em outros ambientes nos quais o indivíduo vive, possibilitando cuidados e condições de vida mais adequados neles também, através do trabalho com familiares e outras pessoas.

A partir disso, o CAPS pode funcionar de forma aproximada à mãe suficientemente boa, que modula o impacto do mundo externo sobre o bebê. Oferecendo os cuidados adequados e intervindo no ambiente social próximo, a equipe pode modular as influências externas, de forma que não haja um impacto excessivo sobre o paciente.

Recebido em 27/04/2006

Aceito em 21/01/2008

  • Dias, E. O. (1994). A Regressão à dependência e o uso terapêutico da falha do analista. Percurso Revista de Psicanálise, VII(6), 71-78.
  • Dias, E. O. (1998). A Teoria das Psicoses em D. W. Winnicott Tese de Doutorado Não Publicada, Programa de pós graduação em Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
  • Dias, E. O. (2003). A Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott Rio de Janeiro: Imago.
  • Koda, M. Y. (2003). A Construção de Sentidos sobre o trabalho em um Núcleo de Atenção Psicossocial. Em P. Amarante (Coord.), Archivos de Saúde Mental e Atenção Psicossocial (pp. 67-87). Rio de Janeiro: Nau.
  • Souza, A. M. O. (2003). Loucura em cena: a "Ambiência" como espaço informal de tratamento em um Centro de Atenção Psicossocial. Tese de Doutorado Não Publicada, Programa de Pós-graduação em Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
  • Tenório, F. (2002). A Reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceitos. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 9(1), 25-59.
  • Winnicott, D. W. (1983a). Teoria do Relacionamento Paternoinfantil. Em O Ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional (pp. 38-54). Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1960).
  • Winnicott, D. W. (1983b). Distorção do ego em termos de falso e verdadeiro "self". Em O Ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional (pp. 128-139). Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1960).
  • Winnicott, D. W. (1983c). Os doentes mentais na prática clínica. Em O Ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional (pp. 196-206). Porto Alegre: Artes Médicas. (Original publicado em 1960).
  • Winnicott, D. W. (1975). O Papel de Espelho da Mãe e da Família no Desenvolvimento Infantil. Em O Brincar e a Realidade (pp. 153-162). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1967).
  • Winnicott, D. W. (1990). Natureza Humana Rio de Janeiro: Imago.
  • Endereço para correspondência:

    Cristiane Bach Franchini
    Rua Juatubá, 59, Vila Madalena
    CEP 05441-030, São Paulo-SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Recebido
      27 Abr 2006
    • Aceito
      21 Jan 2008
    Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, CEP: 87020-900, Maringá, PR - Brasil., Tel.: 55 (44) 3011-4502; 55 (44) 3224-9202 - Maringá - PR - Brazil
    E-mail: revpsi@uem.br