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Experiência de mulheres com linfedema pós-mastectomia: significado do sofrimento vivido

Experience of women with post-mastectomy lymphedema: the meaning of experienced suffering

Experiencia de mujeres con linfedema post-mastectomía: significado del sufrimiento vivido

Resumos

O linfedema de braço acomete cerca de 40% das mastectomizadas, com esvaziamento axilar, aumentando o peso e volume do membro, causando prejuízos nas áreas profissional, doméstica, sexual e psicossocial. O objetivo deste estudo foi analisar a experiência de mulheres que apresentavam linfedema pós-mastectomia, tendo como finalidade compreender o sentido que estrutura, para elas, o significado do sofrimento vivido. Fundamentamo-nos na abordagem antropológico-interpretativa e os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática. Participaram 14 mulheres que freqüentavam um núcleo de reabilitação de mastectomizadas, onde as autoras atuam profissionalmente. Para as participantes, o linfedema significou preocupação com o tratamento e sua manutenção, dificuldades no cotidiano e no trabalho, alterações emocionais, mudanças de hábitos, caracterizando-se como um problema estigmatizante. Identificaram instituições - ciência, trabalho, serviços de saúde e sociedade - que promoveram questionamentos, preconceito, isolamento, constrangimento. A família e o serviço de apoio que freqüentavam foram instituições que possibilitaram uma aproximação social.

câncer de mama; linfedema; sofrimento vivido


Arm lymphedema affects approximately 40% of mastectomized women with axillary hollowness, increasing limb weight and volume, with subsequent professional, domestic, sexual and psychosocial problems. Current study analyzes the experience of women with post-mastectomy lymphedema and aims at understanding the meaning that foregrounds their experienced suffering. Analysis was based on an anthropological and interpretative approach, whereas data were submitted to thematic content analysis. Fourteen women, attending a rehabilitation unit for mastectomized women, where authors of current paper work, participated in the study, were selected. From the participants' point of view, characterizing a stigmatizing problem, lymphedema brings about concern with treatment and its maintenance, difficulty in daily life and work, emotional alterations, habits changes. The subjects identified institutions, such as science, place of work, health services and society, which develop negative conditions by their questioning, bias, isolation and embarrassment. The family and the support service they attended were institutions that favored social approximation.

Breast neoplasm; lymphedema; suffering experience


El linfedema de brazo acomete un 40% de las mastectomizadas, con vaciamiento axilar, aumentando peso y volumen del miembro, causando perjuicios en las áreas profesional, doméstica, sexual, psicosocial. La finalidad fue analizar la experiencia de mujeres con linfedema post-mastectomía, con objeto de comprender el sentido que estructura el significado para ellas, sobre el sufrimiento vivido. Nos fundamentamos en la aproximación antropológica, interpretativa y los datos fueron sometidos al análisis de contenido temático. Participaron 14 mujeres que frecuentaban un nucleo de rehabilitación de mastectomizadas, donde las autoras actúan profesionalmente. Para las participantes, el linfedema significó preocupación con el tratamiento y su mantenimiento, dificultades en el cotidiano y en el trabajo, alteraciones emocionales, cambios de hábitos, caracterizándose como un problema estigmatizante. Identificaron instituciones: ciencia, trabajo, servicios de salud y sociedad, que promovieron cuestionamientos, perjuicio, aislamiento, constreñimiento. La familia y el servicio de apoyo que frecuentaban fueron instituciones que posibilitaron aproximación social.

Cáncer de mama; linfedema; sufrimiento vivido


ARTIGOS

Experiência de mulheres com linfedema pós-mastectomia: significado do sofrimento vivido1 1 Apoio: CAPES.

Experience of women with post-mastectomy lymphedema: the meaning of experienced suffering

Experiencia de mujeres con linfedema post-mastectomía: significado del sufrimiento vivido

Marislei Sanches PanobiancoI; Marli Villela MamedeII; Ana Maria de AlmeidaI; Maria José ClapisIII; Cíntia Bragheto FerreiraIV

IProfessora Doutora do DEMISP da EERP, Universidade de São Paulo-USP

IIProfessora Titular do DEMISP da EERP, Universidade de São Paulo-USP

IIIProfessora Associada do DEMISP da EERP, Universidade de São Paulo-USP

IVPsicóloga. Doutoranda do Programa de Enfermagem em Saúde Pública do DEMISP da EERP, Universidade de São Paulo-USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marislei Sanches Panobianco Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública (DEMISP) Avenida Bandeirantes, 3900, Jardim Recreio CEP 14040-902, Ribeirão Preto-SP E-mail: marislei@eerp.usp.br

RESUMO

O linfedema de braço acomete cerca de 40% das mastectomizadas, com esvaziamento axilar, aumentando o peso e volume do membro, causando prejuízos nas áreas profissional, doméstica, sexual e psicossocial. O objetivo deste estudo foi analisar a experiência de mulheres que apresentavam linfedema pós-mastectomia, tendo como finalidade compreender o sentido que estrutura, para elas, o significado do sofrimento vivido. Fundamentamo-nos na abordagem antropológico-interpretativa e os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática. Participaram 14 mulheres que freqüentavam um núcleo de reabilitação de mastectomizadas, onde as autoras atuam profissionalmente. Para as participantes, o linfedema significou preocupação com o tratamento e sua manutenção, dificuldades no cotidiano e no trabalho, alterações emocionais, mudanças de hábitos, caracterizando-se como um problema estigmatizante. Identificaram instituições - ciência, trabalho, serviços de saúde e sociedade - que promoveram questionamentos, preconceito, isolamento, constrangimento. A família e o serviço de apoio que freqüentavam foram instituições que possibilitaram uma aproximação social.

Palavras-chave: câncer de mama, linfedema, sofrimento vivido.

ABSTRACT

Arm lymphedema affects approximately 40% of mastectomized women with axillary hollowness, increasing limb weight and volume, with subsequent professional, domestic, sexual and psychosocial problems. Current study analyzes the experience of women with post-mastectomy lymphedema and aims at understanding the meaning that foregrounds their experienced suffering. Analysis was based on an anthropological and interpretative approach, whereas data were submitted to thematic content analysis. Fourteen women, attending a rehabilitation unit for mastectomized women, where authors of current paper work, participated in the study, were selected. From the participants' point of view, characterizing a stigmatizing problem, lymphedema brings about concern with treatment and its maintenance, difficulty in daily life and work, emotional alterations, habits changes. The subjects identified institutions, such as science, place of work, health services and society, which develop negative conditions by their questioning, bias, isolation and embarrassment. The family and the support service they attended were institutions that favored social approximation.

Key words: Breast neoplasm, lymphedema, suffering experience.

RESUMEN

El linfedema de brazo acomete un 40% de las mastectomizadas, con vaciamiento axilar, aumentando peso y volumen del miembro, causando perjuicios en las áreas profesional, doméstica, sexual, psicosocial. La finalidad fue analizar la experiencia de mujeres con linfedema post-mastectomía, con objeto de comprender el sentido que estructura el significado para ellas, sobre el sufrimiento vivido. Nos fundamentamos en la aproximación antropológica, interpretativa y los datos fueron sometidos al análisis de contenido temático. Participaron 14 mujeres que frecuentaban un nucleo de rehabilitación de mastectomizadas, donde las autoras actúan profesionalmente. Para las participantes, el linfedema significó preocupación con el tratamiento y su mantenimiento, dificultades en el cotidiano y en el trabajo, alteraciones emocionales, cambios de hábitos, caracterizándose como un problema estigmatizante. Identificaron instituciones: ciencia, trabajo, servicios de salud y sociedad, que promovieron cuestionamientos, perjuicio, aislamiento, constreñimiento. La familia y el servicio de apoyo que frecuentaban fueron instituciones que posibilitaron aproximación social.

Palabras-clave: Cáncer de mama, linfedema, sufrimiento vivido.

O linfedema de braço pós-cirurgia por câncer de mama é definido como uma condição patológica na qual existe acúmulo excessivo de líquido em partes do braço ou nele todo, com alta concentração protéica no interstício celular (Rockson, 1998), causada por uma deficiência na circulação do fluxo linfático (Földi, Földi & Weissleder, 1985).

No tratamento do câncer de mama, quando são removidos ou danificados nódulos e vasos, o transporte linfático fica prejudicado, e o fluido, rico em proteínas, fica acumulado nos espaços intersticiais ao redor do local cirúrgico, estendendo-se aos tecidos remanescentes da mama, ao tronco e ao braço do lado operado (Price & Purtell, 1997).

Essa complicação pós-cirúrgica é um importante problema social e de saúde, que atinge mulheres no mundo todo. Aumenta o risco de infecção, ferimentos e tumores, diminui a capacidade de regeneração do tecido, prejudica a amplitude de movimentos e provoca desconfortos que vão de um simples incômodo a uma forte dor no braço (Sasaki & Lamari, 1997). Além disso, pode aparecer em qualquer época após a cirurgia (Johansson et al., 2003), por um desequilíbrio de mecanismos compensadores como fibroesclerose dos linfáticos, por envelhecimento, secção cirúrgica de vasos coletores, infecções, excessivo esforço muscular, exposição a altas temperaturas, alterações da pressão atmosférica (viagens aéreas prolongadas). Ademais, os fatores de risco são vários, incluindo dissecção axilar extensa, metástases na área axilar (Brennan, DePompolo & Garden, 1996), idade acima de 60 anos, obesidade e infecção (Segerström, Bjerle, Graffman & Nyström, 1992), além de seroma, inflamações, infecções e demora na cicatrização da ferida operatória (Panobianco, 2002).

Sua incidência fica em torno de apenas 10% quando há dissecção axilar; porém, quando essa dissecção é associada à radioterapia, a incidência é de aproximadamente 40% (Johansson et al., 2003). O sucesso do tratamento depende de múltiplos fatores e é difícil a manutenção dos resultados obtidos (Brorson, 2000; Földi, Földi & Clodius, 1989; Vogelfang, 1995).

Além de prejuízo das funções físicas das mulheres acometidas, o linfedema acarreta medo da progressão do problema e modificações na imagem corporal, levando a aspectos negativos nas esferas emocional e psicossocial, como alterações na auto-estima, desajustes psicológicos, sentimentos de depressão, ansiedade, mudanças prejudiciais à intimidade, ao trabalho e às relações sociais (Almeida, Mamede, Panobianco, Prado & Clapis, 2001; Carter, 1997; McWayne & Helney, 2005; Tobin, Lacey, Meyer & Mortimer, 1993). Alguns estudos documentam aumento de sintomas relacionados à morbidade psicológica e também o seu potencial para interferir na qualidade de vida de pacientes com linfedema (Carter, 1997; Tobin et al., 1993). Sua natureza crônica causa sentimentos de angústia e frustração porque nenhuma forma de tratamento alivia inteiramente o edema (Almeida et al., 2001; Carter, 1997; Tobin et al., 1993). No entanto, a compreensão do sofrimento vivido pelas acometidas pelo linfedema tem sido pouco estudada. A respeito do processo saúde-doença, os significados dos efeitos do linfedema na vida das mulheres são construídos socialmente, em especial sobre os diferentes aspectos envolvidos no processo de adoecimento por essa complicação pós-operatória.

Diante da percepção do sofrimento das mulheres com câncer de mama que vivem com o braço edemaciado e do conhecimento da literatura sobre o tema, buscamos ampliar o entendimento prévio sobre as dimensões socioculturais do linfedema relacionado ao câncer de mama. Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar a experiência de mulheres que apresentavam linfedema pós-câncer de mama, tendo como finalidade compreender o sentido que estrutura, para elas, o significado do sofrimento vivido. Especificamente, nossos propósitos foram: analisar o significado do linfedema para as mulheres com câncer de mama, procurando identificar as relações que elas estabelecem entre as representações atribuídas a essa complicação, e identificar o que estrutura a construção dos significados do linfedema pós-cirurgia por câncer de mama.

A expressão significado foi utilizada tendo como base as concepções de Blumer (1969) de que "apesar de o significado das coisas surgir como resultado de orientações psicológicas internas das pessoas, ele é produto da vida social, ou seja, da convivência entre os seres humanos". Isto porque a cultura denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporados em símbolos por meio de um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os seres humanos se comunicam, perpetuam e desenvolvem seus conhecimentos e suas atividades em relação à vida.

Destarte, fundamentamo-nos na abordagem antropológico-interpretativa, na qual as representações de doença são vistas como culturalmente constituídas e centradas no seu significado. É no espaço cultural que as diversas dimensões da existência humana ganham vida, e é também no locus da cultura que são tecidas as redes de significados e símbolos por meio dos quais os indivíduos definem o seu mundo, expressam seus sentimentos e fazem julgamentos (Geertz, 1989). Assim, conseqüentemente dão sentido ao mundo social, contribuindo fundamentalmente para a reprodução da ordem social (Bourdieu, 1989). A perspectiva interpretativa é um meio útil para estudar pessoas no próprio contexto social, cenário das experiências vividas.

À medida que buscamos compreender o significado do linfedema na vida das informantes, tivemos a preocupação de identificar o conjunto de relações que caracteriza a base de suas propriedades. Conforme orienta Bourdieu (1989), é preciso pensar o objeto em estudo como estando inserido em um mundo social, ou seja, pensá-lo em termos relacionais; e para isso, a elaboração de um quadro dos caracteres ou propriedades pertinentes a um conjunto de agentes ou instituições a que o conteúdo das representações se relaciona, possibilita a interrogação sobre a presença ou ausência dessas propriedades (Bourdieu, 1989).

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

A fim de contribuir para a construção de um modo de conhecimento que permita compreender o aspecto ativo da prática do viver com o linfedema como uma atividade real, concreta, utilizamos o método descritivo-qualitativo na coleta e análise das representações das mulheres sobre a convivência com o linfedema.

Amostra

Participaram do estudo 14 mulheres que: a) haviam completado seu tratamento para o câncer de mama com estágios I e II, pelo menos um ano antes do estudo, b) não apresentavam história de metástases, recorrência da doença, ou qualquer outra condição que afetasse a saúde mental, c) apresentavam linfedema de braço pós-cirurgia por câncer de mama, de pelo menos 3 cm, no momento da pesquisa. Por se tratar de pesquisa qualitativa, o número de participantes (14) foi definido a partir do momento em que houve saturação dos dados, ou seja, à medida que foram surgindo unidades de significação e repetição de conteúdos, completou-se a coleta. Todas as convidadas aceitaram participar da pesquisa.

Contexto do estudo

As mulheres estudadas participavam do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Assistência na Reabilitação de Mastectomizadas - REMA - da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP, o qual conta com uma equipe multiprofissional (onde atuam as autoras), composta por enfermeiras, psicólogos, fisioterapeutas e terapeuta ocupacional, que presta assistência integral, atuando na reabilitação física, emocional e social. Os atendimentos acontecem às segundas, quartas e sextas-feiras, pela manhã. Participavam do grupo, à época da coleta de dados, cerca de 130 mulheres, sendo que 12% delas apresentavam linfedema de braço (diferença maior que 3 cm entre as circunferências dos braços, à perimetria). Este centro é referência para o tratamento do linfedema e segue as recomendações da American Cancer Society - Workshop de 1998 (Rockson, 2001).

Coleta dos dados

A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas gravadas e posteriormente transcritas. A fim de assegurar a confiabilidade da transcrição do conteúdo das entrevistas, as informantes tiveram acesso ao material transcrito para sua validação. Os dados sociodemográficos foram tomados dos registros/prontuários de identificação de cada paciente do REMA. As entrevistas tiveram como propósito obter informações sobre os significados do linfedema na vida cotidiana de cada uma delas, as mudanças percebidas em suas vidas, tanto do ponto de vista da interação com elas mesmas como com os outros, em casa, no trabalho e na comunidade. As entrevistas eram abertas, de forma a dar a oportunidade para que as mulheres se sentissem livres para externar e discutir assuntos de relevância para a experiência de convivência com linfedema.

Aspectos éticos

Foram respeitados os procedimentos éticos para pesquisas com seres humanos, contidos na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. O desenvolvimento do projeto de pesquisa somente foi iniciado após a aprovação da coordenação do REMA para a sua realização naquele local e citação em artigos científicos, aprovação do Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e todas as participantes do estudo terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Análise dos dados

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo (Bardin, 1977) e utilizamos a técnica da análise temática, que é uma modalidade de análise de conteúdo adequada à investigação qualitativa do material sobre saúde (Minayo, 1996). Realizamos a pré-análise dos dados, por meio de contato exaustivo com o material, de forma a permitir sua organização e obter um sentido para o significado do linfedema no contexto de vida de cada uma das mulheres. Tal organização permitiu identificar temas comuns e alcançar o núcleo de compreensão do texto, levando a duas temáticas centrais. Com o propósito de validação do processo de análise, um pesquisador experiente em análise qualitativa de dados procedeu à revisão do conteúdo das entrevistas e das unidades temáticas identificadas, para assegurar que os achados representavam as experiências das informantes. Fundamentamo-nos, para análise dos dados, na abordagem antropológico-interpretativa, na qual as representações de doença são vistas como culturalmente constituídas e centradas no seu significado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme descrito na metodologia, os dados foram extraídos do conteúdo das entrevistas e de informações contidas nos prontuários das 14 participantes, que eram mastectomizadas e apresentavam linfedema de braço. Os dados dos prontuários auxiliaram na caracterização dos sujeitos. O conteúdo das entrevistas foi submetido à análise de conteúdo temática, da qual emergiram temas comuns e pela qual foi alcançado o núcleo de compreensão do texto, levando a duas temáticas centrais: a) representações sobre linfedema: o significado de conviver com ele; b) construindo um modo de viver com o linfedema.

Caracterização das mulheres estudadas

A idade variou entre 38 e 77 anos; 10 mulheres eram casadas e 04 viúvas; 10 trabalhavam em casa, sendo que 02 eram aposentadas. As 04 restantes exerciam atividades fora do lar. Cinco mulheres tinham nível de educação superior (15 ou mais anos de estudo); 01 (uma) tinha ensino médio completo (11 anos de estudo); 06 tinham ensino fundamental incompleto (aproximadamente 04 anos de estudo) e 02 (duas) eram analfabetas. Doze mulheres residiam em Ribeirão Preto e 02 (duas) em outras cidades. A cirurgia do tipo radical ou radical modificada foi realizada por 10 das mulheres estudadas, enquanto as outras 04 foram submetidas à cirurgia do tipo tradicional. Dez mulheres realizaram quimioterapia, 10 fizeram radioterapia e 06 hormonioterapia. Duas mulheres apresentaram linfedema logo após a cirurgia; 04, um ano após; 03, dois anos após; 01, seis anos após e 04 não souberam informar. Em relação ao intervalo de tempo entre a realização da cirurgia e o aparecimento do linfedema, 04 mulheres referiram intervalo de um ano; 03 referiram dois anos; 01 mulher, 06 anos. Quatro não souberam informar esse dado. Dez das participantes já haviam realizado tratamento para o linfedema com linfoterapia, no REMA.

Temáticas centrais e unidades de significação

Representações sobre linfedema: o significado de conviver com o mesmo

Os resultados deste estudo mostram que as representações que as mulheres trazem em seu imaginário sobre o fato de apresentarem linfedema por câncer de mama são aquelas em que este é configurado pelo braço aumentado de volume, que requer cuidados especiais. As suas portadoras convivem com dificuldades de diversas ordens, tendo de mudar hábitos, e apresentam, ainda, alterações emocionais. Diante deste quadro, apreendemos que o linfedema representa, para elas, um problema estigmatizante.

Linfedema representa cuidado com o braço, preocupações de diversas ordens, abandono de atividades e alterações emocionais

Percebemos que, para as informantes deste estudo, o aumento do volume do braço e o conseqüente aumento de peso estão entre os principais indicadores, tanto para elas mesmas como na visão dos outros, da presença do linfedema. A partir desta sinalização é desencadeado um conjunto de preocupações de alta magnitude, a ponto de as informantes referirem que o braço edemaciado adquire prioridade nas estratégias de autocuidado: "Faço tudo com muito cuidado para não machucar o braço". "Passei a tomar um imenso cuidado com esse braço!"

O volume e o peso aumentados do braço exigem, em muitas circunstâncias, o abandono de atividades de vida diária que elas tinham prazer em executar: "Eu já deixei de fazer muita coisa que eu gostava por causa desse problema. Eu tinha 40 vasos de plantas, hoje tenho 05...".

As informantes revelaram-nos que conviver constantemente com tais preocupações significa expor-se a sentimentos negativos, como ansiedade e medo. Tais reações podem ser explicadas pela motivação diminuída para responder a novos traumas (linfedema) depois de passar pelo sofrimento do diagnóstico e subseqüentes tratamentos do câncer de mama: Quando vejo outras pacientes com o braço inchado, tenho medo de o meu inchar mais". "Então, eu fiquei mais preocupada com o linfedema do que com a cirurgia de câncer e da retirada da mama também".

Pelo fato de conviverem com o linfedema, as mulheres relataram, sobre si mesmas, sentimentos como medo e preocupação, além de privarem-se de coisas que lhes davam prazer. Fizeram isso por intermédio da reflexão sobre a situação que viveram, dentro de um contexto individual e também cultural que dita normas e padrões de comportamento. Assim, passaram a planejar e organizar suas ações em função daquelas coisas representadas sobre o significado do linfedema, ou seja, preocupando-se, autocuidando-se e privando-se. Esta realidade mostrada pelas informantes revela-nos que o ser humano pode tornar-se objeto de sua própria ação ao se perceber a si mesmo, ter concepções de si e comunicar-se consigo mesmo (Blumer, 1969).

O linfedema impõe mudanças de hábito

Para as informantes deste estudo, o linfedema interrompeu o setor não-problemático de suas vidas, levando-as a mudanças de hábitos em suas atividades cotidianas, como aquelas ligadas ao sono, ao repouso, à vestimenta e às atividades domésticas: "Você vai dormir, tem que ter uma posição para o braço. De repente você vira, dorme em cima do braço, aí dói, incha ainda mais. Então, você tem que mudar até o jeito de dormir...".

Apreendemos que as mudanças trazidas nas esferas da vida cotidiana das informantes, que até então não se configuravam como problemáticas, foram reforçadas pelas dificuldades que o linfedema provoca, como limitação na movimentação do braço, o incômodo do uso da braçadeira, a necessidade de roupas especiais e, em algumas situações, o desconhecimento sobre como lidar com a situação: "O linfedema apareceu e eu comecei a ter dificuldade de movimento". "Às vezes experimento muitas roupas e nenhuma fica bem, pois não serve no braço". "Eu tinha feito uma cirurgia de mama e de repente o braço é que estava com dificuldade de movimento".

Verificamos também que a imposição de mudanças de hábitos é traduzida pelas informantes pela limitação de movimento e por sinais de dor e desconforto: "O linfedema começou a me limitar porque meu braço doía e eu tinha que parar de fazer o que estava fazendo...". "O braço ficou mais pesado e me limitava para algumas coisas".

O linfedema promovendo alterações emocionais

Woods (1993) e Schilder (1994) chamam a atenção para o fato de que o linfedema provoca alterações emocionais, em especial na imagem corporal e diminuição da auto-estima. Neste estudo, constatamos que o linfedema foi configurado como algo que, além de modificações físicas nos corpos das informantes, provoca também alterações emocionais como tristeza, angústia e mudanças na auto-imagem e imagem corporal, chegando algumas delas a afirmar ter perdido o sentido da vida: "Eu era uma pessoa muito alegre, agora, esse braço é a minha tristeza". "Parece que eu não sou mais aquela pessoa que eu era antes. Eu me sinto um morto-vivo!".

Distúrbios na imagem corporal podem ocorrer quando há uma discrepância entre a maneira como o corpo foi estabelecido mentalmente e a maneira como ele é percebido na atualidade. As mulheres com câncer de mama, independentemente do tipo de cirurgia a que tenham sido submetidas, podem apresentar sentimentos de fragilidade, revolta e inconformismo, em virtude da assimetria das mamas, que não corresponde ao corpo feminino ideal (Berterö, Wilmoth, 2007; Kebbe, 2006). No caso das participantes deste estudo, elas se reportavam a um estranhamento em relação ao próprio corpo, classificando-o como feio, esquisito, chegando a ponto de esconder da visão dos outros o braço edemaciado: "Eu olho no espelho, e meu braço parece uma bola". "Fotografia, eu procuro esconder o meu braço porque acho feio e tenho vergonha". "Não uso certas roupas para não chamar a atenção, tenho sempre a preocupação de esconder o braço".

Esta forma de representação faz com que concordemos com Romero (1995), que diz que nosso corpo é a nossa memória mais arcaica, e cada acontecimento vivido deixa nele sua marca profunda.

Nos relatos das informantes ficaram evidentes as indicações de que o braço edemaciado modifica a imagem corporal e auto-imagem de cada uma delas, e que estas reações são potencializadas à medida que elas definem o linfedema como um problema de difícil solução, especialmente pelas dificuldades de tratamento e involução do edema: "Eu fiz o tratamento com enfaixamento e agora uso a braçadeira. Se eu uso, o braço desincha, se eu não uso o braço incha de novo. Então, de que adianta o tratamento?".

Isto nos mostra claramente a descrença das informantes na resolução do problema que tomou conta do cotidiano de cada uma delas. Berger e Luckmann (2002) orientam que, quando o setor não-problemático da realidade cotidiana é interrompido pelo aparecimento de um problema, tal realidade procura integrar esse problema dentro daquilo que não é problemático, e isto pode acontecer de várias formas. Para as mulheres estudadas a solução encontrada foi aquela de conformar-se com a situação vivida: "Ou convivo com o linfedema ou fico olhando para ele e espero morrer de depressão".

Percebemos que, ao indicarem para si mesmas a necessidade de conformar-se com essa situação, as mulheres reagiram à sua própria condição, justificando que a origem do problema está no câncer de mama: "Eu acho que o linfedema é uma seqüela da doença" .

O linfedema é um problema estigmatizante

As mulheres deste estudo descreveram uma série de atributos do linfedema pós -câncer de mama, revelando que o fato de ser ele uma condição que provoca deformidades e limitação física o torna aparente diante dos seus olhos e dos olhos de outros. Entendemos que, neste processo de apresentação do linfedema como objeto de contemplação, as informantes traçaram uma identidade social de si mesmas, e deram a essa identidade categorias e atributos que as transformaram em uma espécie menos desejável, em pessoas diminuídas. A esta característica, descrita como estigma (Goffmann, 1988), associou-se aquela tida como um defeito, uma fraqueza ou uma desvantagem. As mulheres deste estudo reportaram-se ao linfedema como um problema estigmatizante, tanto no sentido de distúrbio como no de degradação, que as levou à situação de constrangimento e isolamento social: "Você passa a se esconder um pouco". "Assim como a falta da mama, o braço inchado deixa você aleijada".

Compreendemos que o linfedema tornou-se um estigma para elas, e que, além de obscuro e nebuloso, por apresentar-se de maneira diferente em cada uma das mulheres, passou a ser uma constante lembrança de que ainda não havia ocorrido a recuperação total do câncer: "O linfedema aparece para uma mulher, não aparece para outra; é de um jeito para uma e de outro jeito para outra; aparece logo após a cirurgia ou demora um tempo maior para aparecer"; "Eu queria esquecer que eu tive câncer de mama, mas o linfedema não te deixa esquecer". "O linfedema é um grande mistério, não tem explicação lógica".

Quando as mulheres afirmaram que o linfedema não tem explicação lógica, observamos que seus discursos eram semelhantes aos da literatura científica, pois os dados sobre linfedema são controversos e inconclusivos, fazendo dele um problema que chega a assustar: "Então, ele é uma incógnita para amanhã. Será que vou tomar todo cuidado e isso vai aumentar?". "O linfedema assusta bastante, porque não tem volta".

Dessa forma, por ser um problema estigmatizante, o linfedema fez com que a mutilação física provocada pela perda da mama, ou parte dela, fosse superada pelas informantes por meio do inconformismo, da incerteza sobre a involução do edema do braço: "Se tivesse perdido um braço, eu já ia dizer: perdi o braço esquerdo, mas eu tenho o direito. Agora, com esse linfedema, você não sabe o que vai esperar amanhã".

Pudemos apreender que o fato de apresentar o linfedema fez com que as mulheres convivessem no mundo social em discrepância entre sua identidade real (corpo deformado) e a identidade virtual, ou seja, aquela pertencente aos normais (Goffman, 1988). A percepção de sua diferença perante os normais fez com que se sentissem feias, pertencentes a uma categoria diferente de pessoas, mas socialmente prevista, aquela de pessoas estigmatizadas: "Eu não agüento ver aquela foto; o braço parece uma criança que eu estou segurando, de tão inchado!".

O linfedema mostrou-se como um agravante na reconstituição da auto-imagem das mulheres, uma vez que deu visibilidade interna e externa à doença (câncer de mama), condição importante para o enfrentamento do mal e de suas incertezas (Mamede, 1991): "Ele me mostra, mais do que a retirada do seio, que eu tive um câncer".

Em relação ao estigma e identidade social, a pessoa estigmatizada fica suscetível ao que os outros vêem como seu defeito; concorda que ficou abaixo do que deveria ser, e a vergonha se torna uma possibilidade central (Goffman, 1988). As mulheres nos mostraram tais concepções: "Num clube, mas ali eu não vou mesmo! Não vou de vergonha do braço". Ao construírem o significado do linfedema, elas afirmaram que ele leva a preocupações, mudanças de hábitos e alterações emocionais, além de ser um problema que as torna pessoas estigmatizadas.

Ficou claro para nós que o conteúdo das representações feitas pelas informantes deste estudo deve ser considerado no planejamento da assistência à mulher com linfedema por câncer de mama, reforçando a necessidade de incorporar, além do contexto psicossocial (Mamede, 1991), os aspectos socioculturais também.

Construindo um modo de viver com o linfedema

Todo ser humano possui, de certa forma, um corpo individual (físico e psicológico), adquirido no nascimento, e um corpo social, que vai se formando ao longo de suas experiências no convívio com os outros e com a sociedade. O corpo social coloca-se como de grande relevância para o corpo individual para viver em sociedade (Helman, 1994).

Os depoimentos das mulheres estudadas nos dão evidências de que os seus modos de viver com o linfedema foram tecidos na inter-relação destes dois corpos. O linfedema, tal como representado por elas, é uma condição que afeta o corpo físico, aumenta o volume do braço, e então, denuncia a presença do câncer de mama, tanto a elas como aos outros, além de provocar limitações e dificuldades no desempenho de muitas atividades do cotidiano, colocando-as em uma situação de grande frustração e sofrimento.

Em meio a esse cenário, as mulheres vivenciam experiências de constrangimento e isolamento social por conviverem com uma condição que as estigmatiza e as exclui socialmente. Assim, a convivência com o linfedema foi interpretada por elas não somente a partir do corpo individual, mas também dos aspectos socioculturais que influenciam e dão contorno ao seu corpo social. Isso nos mostra que o processo de adoecer por linfedema é também um processo social, pois envolve outras pessoas e instituições, além delas mesmas, o que nos possibilitou compreender os sentidos que forneceram a elas a base para a construção de um modo de viver o linfedema.

Identificamos que o modelo de construção da realidade das informantes apresenta um conjunto de universos simbólicos ou instituições, entre as quais destacaram-se a ciência, o mundo do trabalho, a família, os serviços de saúde, o REMA e a sociedade.

Entre os universos simbólicos que foram utilizados pelas participantes para a construção da realidade, identificamos a ciência como um instrumento de conhecimento sobre o linfedema, pois as mulheres qualificaram-na como uma instituição em processo de construção, porque o conhecimento científico sobre o linfedema é fragmentado, o tratamento é indefinido e nem sempre bem-sucedido, o que veio ao encontro de achados de outros pesquisadores (Carter, 1997). Elas reforçaram a idéia de que o linfedema é algo nebuloso, carregado de mistério, merecendo mais estudos por parte dos pesquisadores e profissionais:

"Tudo que eu acho sobre o linfedema eu leio. Então, a gente percebe que ele aparece tanto para quem fez radioterapia ou quimioterapia, como para quem não fez. Aparece tanto para quem faz grandes esforços com o braço como para quem não faz nada".

Entendemos que nesse processo de classificação da ciência como um universo simbólico, conforme explica Blumer (1969), a ciência deixa de ser universal, transcendental, e transforma-se em formas sociais, socialmente determinadas.

O trabalho, por sua vez, como atividade remunerada ou não, no lar ou fora dele, é uma instituição que reafirma o constrangimento, exige explicações sobre a condição das informantes, além de confirmar limitações físicas e criar a necessidade da reorganização das atividades cotidianas: "Às vezes me irrita um pouquinho, pois se eu uso a braçadeira e saio para trabalhar com ela, as pessoas me perguntam: o que aconteceu com o seu braço"? "De início, foi um pouco difícil, eu trabalho fora, com crianças. Eu tive que explicar e até mostrar aqui debaixo da axila, explicar o porquê do braço inchado". "No serviço de casa, tive de arrumar uma pessoa para ajudar e aprender a dividir o serviço, para não fazer tudo de uma vez, e poder descansar o braço".

Percebemos que, para as mulheres entrevistadas, "estar doente" corresponde a submeter-se a regras e obedecer a prescrições, tendo em vista a expectativa que se tem do corpo como motor e funcional, numa sociedade onde somos definidos e valorizados como produtores (Minayo, 1996); então a alternativa é tornar-se sujeito da doença (Herzog, 1991) e assumir a incapacidade de fazer.

A família aparece, nas falas das mulheres deste estudo como uma instituição com significativo poder de construção da realidade, mostrando-se solidária no enfrentamento e resolução dos problemas: "Aqui em casa todos da minha família têm cuidado e ficam preocupados comigo".

No conjunto dos sistemas simbólicos de estruturação do modo de viver com linfedema, a família é percebida por elas como um espaço social, constituído de agentes e propriedades que contribuem para o enfrentamento e sua inserção nos diferentes mundos sociais.

Isso evidencia-nos a possibilidade de os profissionais da saúde tomarem esse campo social como facilitador de intervenções que possam prevenir, amenizar ou tratar o linfedema. Os membros da família são agentes com interesses semelhantes, e isso provocará menos obstáculos objetivos às ações de mobilização (Minayo, 1996).

Os serviços de saúde configuraram-se como instituição representada por obstáculos para o acesso e utilização, cujas origens estão nos modos de organização dos recursos de assistência à saúde, os quais interferem na qualidade da assistência ao usuário (Brienza, 2001). Nesse sentido, as participantes fizeram indicações de decepção com o atendimento, com a necessidade de peregrinação em busca de assistência, acrescida do descaso dos profissionais na solução dos problemas referentes ao linfedema: "Comecei sendo atendida por um médico, depois me passaram para outro, em outro lugar. Lá, eu enfaixei o braço um ano, mas não vi resultado porque cada dia uma pessoa é que fazia o enfaixamento. A massagem era feita por cima da roupa mesmo; chegava em casa estava tudo caindo. E isso deixa a gente meio deprimida, meio triste".

No entanto, o REMA, como serviço especializado em reabilitação de mulheres com câncer de mama, na visão das entrevistadas, mostrou-se como um serviço de saúde que faz parte de outra estrutura simbólica, diferente daquela dos outros serviços de saúde. Elas o identificaram como um espaço social que possibilita o consenso acerca do mundo social, onde habita um conjunto de indivíduos que oferecem apoio e compartilham com seus iguais (os estigmatizados) o seu estigma (Goffmann, 1988), pois segundo elas, neste espaço reside a lógica do acolhimento, da preocupação com a pessoa, com as orientações e informações sobre a doença: "Meu médico disse que o sucesso da minha cirurgia deve-se à assistência dos meus familiares e do REMA". "Já faz 11 anos que eu participo aqui do REMA, e quando eu não venho, fico triste, porque aqui é minha casa".

A sociedade é outra instituição que identificamos como palco de confronto com o mundo social mais amplo, onde as participantes fizeram indicações de ações societárias que as conduziram ao isolamento social, ao constrangimento, além de obrigá-las a fornecer explicações e justificativas sobre a sua condição. O isolamento social foi para elas um mecanismo de evitar o constrangimento: "Não saio de casa, para não estar no meio das pessoas que eu não conheço. As pessoas que eu encontro sempre perguntam o que eu tenho no braço, e eu tenho que ficar explicando o que é o linfedema, e isso me incomoda".

As mulheres, assim, anunciaram e denunciaram a ciência, o trabalho, a família, os serviços de saúde, o REMA e a sociedade enquanto unidades de ação para o processo de significação do linfedema em suas vidas. Apreendemos pelas suas falas que a realidade do mundo social pode ser dura, mas por ser histórica, torna sempre possível reconstruir as circunstâncias em que o mundo foi estabelecido. Dessa forma, entendemos que a vida pública se mostra como uma possibilidade de manipulação do estigma, enquanto realidade objetiva vivida pelas mulheres, uma vez que elas próprias falam de possibilidades de mudança quando propõem a criação de serviços especiais para corpos especiais, como aqueles com braços edemaciados.

Percebemos que, ao falarem do linfedema, elas fizeram constantemente um movimento de recuperação do contexto social, para compreenderem a lógica específica de cada uma das formas simbólicas, enquanto instrumentos de conhecimento e de construção do mundo de objetos de sua contemplação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na tentativa de apreender o significado do linfedema na vida de mulheres com câncer de mama, pretendemos, com este estudo, contribuir para a prática dos profissionais da saúde que cuidam dessas mulheres, pois somente com o conhecimento e a compreensão do que o linfedema realmente representa em suas vidas é que podemos proporcionar-lhes melhor assistência, tanto física quanto emocional e social.

Ao representar o significado do linfedema em suas vidas, as informantes evidenciaram que ele (linfedema) preocupa, tanto pela possibilidade de complicações maiores quanto pela dificuldade em realizar o tratamento e manter o seu resultado. Muitas vezes, essa complicação chega a preocupar mais do que a própria doença, o câncer, ou a mutilação do corpo causada pela retirada cirúrgica da mama. Afirmaram que o linfedema provoca mudanças de hábitos, leva a dificuldades de diversas ordens, assim como a alterações emocionais. O linfedema confirma limitações e caracteriza-se, enfim, como um problema estigmatizante, tornando-as diferentes dos normais.

Na construção do modo de viver com o linfedema, por parte das informantes, instituições como a ciência, o trabalho, a família, os serviços de saúde e a sociedade participaram da estruturação desse processo. Elas identificaram que a ciência, o trabalho, os serviços de saúde e a sociedade promoveram-lhes questionamentos, preconceito, isolamento, constrangimento. Por outro lado, a família e o serviço de apoio que freqüentavam foram instituições que possibilitaram uma aproximação social, pois são instituições "íntimas" das mulheres, o que facilita a eliminação da distância social.

As participantes do estudo apontaram sinalizações de possibilidades de ações de outras pessoas, sugerindo até mesmo a criação de novos instrumentos sociais, como serviços especializados para corpos especiais (de mulheres com linfedema), que podem colaborar para a construção de um mundo simbólico mais positivo e rico em contribuições.

Em relação às implicações para a prática, entendemos que este estudo abre aos profissionais da saúde possibilidades de ampliar a compreensão sobre como as representações sobre o linfedema conduzem a um modo de conviver, de ser e ter um corpo nesse mundo social. O conhecimento produzido neste trabalho poderá auxiliar na reabilitação física, emocional e social de mulheres, amenizando o sofrimento e os problemas causados pela presença do linfedema em suas vidas.

Recebido em 15/03/2007

Aceito em 30/09/2007

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  • Endereço para correspondência:
    Marislei Sanches Panobianco
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP
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    CEP 14040-902, Ribeirão Preto-SP
    E-mail:
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    Apoio: CAPES.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      15 Mar 2007
    • Aceito
      30 Set 2007
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