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Linguagem e desenho no desenvolvimento da criança surda: implicações histórico-culturais

Language and children’s drawing in the development of deaf child: historic-cultural implications

Lenguaje y dibujo en el desarrollo de niños sordos: implicaciones histórico-culturales

Resumos

Este artigo discute o desenho infantil como esfera sígnica visual promotora e facilitadora do processo de significação para a criança surda, principalmente com aquisição tardia de linguagem. Propõe-se destacar conceitos da Teoria Histórico-Cultural que abordam o funcionamento psíquico humano e sua constituição social, bem como o papel central da história e da cultura no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, a partir da linguagem e da inserção da criança no circuito do simbólico. A análise de aspectos teóricos e conceituais pode fundamentar uma prática clínica e educacional comprometida com o desenvolvimento social, linguístico, cognoscitivo, interativo e simbólico necessário à constituição da criança surda, usuária da língua de sinais, como ser cujo meio de se comunicar se circunscreve a essa linguagem.

Linguagem; desenho infantil; surdez


This paper discusses children’s drawing as a signic visual sphere that promotes and enables the signification process for deaf children with late language acquisition. It aims to emphasize concepts of a Historic-Cultural theory that approach human psychic functioning and its social constitution, as well as the central role of history and culture in the development of higher psychological functions by means of language and of children’s introduction in the circuit of the symbolic. The analysis of the theoretical and conceptual aspects can be the ground for a clinical and educational practice engaged with the social, linguistic, cognitive, interactive and symbolic development necessary to making deaf children, speakers of sign language, as a being whose means of communication is limited to that language.

Language; children’s drawing; deafness


Este artículo discute el dibujo infantil como esfera sígnica visual impulsora y facilitadora del proceso de significación para el niño sordo, principalmente con adquisición tardía del lenguaje. Se propone descartar conceptos de la teoría Histórico-Cultural que abordan el funcionamiento psicohumano y su constitución social, así como el papel central de la historia y de la cultura en el desarrollo de las funciones psicológicas superiores, a partir del lenguaje y de la inserción del niño en el circuito simbólico. El análisis de los aspectos teóricos y conceptuales puede fundamentar una práctica clínica y educacional comprometida con el desarrollo social, linguístico, cognoscitivo, interactivo y simbólico necesarios a la constitución del niño sordo, usuario del lenguaje por señales, como ser comunicante circunscrita por el lenguaje.

Lenguaje; dibujo infantil; sordez


ARTIGOS

Linguagem e desenho no desenvolvimento da criança surda: implicações histórico-culturais

Language and children's drawing in the development of deaf child: historic-cultural implications

Lenguaje y dibujo en el desarrollo de niños sordos: implicaciones histórico-culturales

Claudia Campos Machado AraújoI; Cristina Broglia Feitosa de LacerdaII

I Fonoaudióloga. Doutorado em Saúde da Criança e do Adolescente, Unicamp. Filiação Institucional: Saúde da Criança e do Adolescente do Centro de Investigação em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (SCA/CIPED/FCM/UNICAMP)

II Fonoaudióloga. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professora Adjunto da Universidade Federal de Sâo Carlos (UFSCar)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Claudia Campos Machado Araújo. Rua Egberto Ferreira de Arruda Camargo, 1200/23B, Notre Dame, CEP: 13092-621, Campinas-SP, Brasil. E-mail: karinamoutinho@gmail.com

RESUMO

Este artigo discute o desenho infantil como esfera sígnica visual promotora e facilitadora do processo de significação para a criança surda, principalmente com aquisição tardia de linguagem. Propõe-se destacar conceitos da Teoria Histórico-Cultural que abordam o funcionamento psíquico humano e sua constituição social, bem como o papel central da história e da cultura no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, a partir da linguagem e da inserção da criança no circuito do simbólico. A análise de aspectos teóricos e conceituais pode fundamentar uma prática clínica e educacional comprometida com o desenvolvimento social, linguístico, cognoscitivo, interativo e simbólico necessário à constituição da criança surda, usuária da língua de sinais, como ser cujo meio de se comunicar se circunscreve a essa linguagem.

Palavras-chave: Linguagem; desenho infantil; surdez.

ABSTRACT

This paper discusses children's drawing as a signic visual sphere that promotes and enables the signification process for deaf children with late language acquisition. It aims to emphasize concepts of a Historic-Cultural theory that approach human psychic functioning and its social constitution, as well as the central role of history and culture in the development of higher psychological functions by means of language and of children's introduction in the circuit of the symbolic. The analysis of the theoretical and conceptual aspects can be the ground for a clinical and educational practice engaged with the social, linguistic, cognitive, interactive and symbolic development necessary to making deaf children, speakers of sign language, as a being whose means of communication is limited to that language.

Key words: Language; children's drawing; deafness.

RESUMEN

Este artículo discute el dibujo infantil como esfera sígnica visual impulsora y facilitadora del proceso de significación para el niño sordo, principalmente con adquisición tardía del lenguaje. Se propone descartar conceptos de la teoría Histórico-Cultural que abordan el funcionamiento psicohumano y su constitución social, así como el papel central de la historia y de la cultura en el desarrollo de las funciones psicológicas superiores, a partir del lenguaje y de la inserción del niño en el circuito simbólico. El análisis de los aspectos teóricos y conceptuales puede fundamentar una práctica clínica y educacional comprometida con el desarrollo social, linguístico, cognoscitivo, interactivo y simbólico necesarios a la constitución del niño sordo, usuario del lenguaje por señales, como ser comunicante circunscrita por el lenguaje.

Palabras-clave: Lenguaje; dibujo infantil; sordez.

O interesse pelo desenho infantil data de fins do século XIX e tem sido objeto de estudo de educadores (Genishi, Stires & Yung-Chan, 2001), psicólogos e psiquiatras (Freud, 1965/2002), fonoaudiólogos e artistas plásticos (Luchesi & Reily, 2007) entre outros especialistas, pelo fato de a representação pictográfica ser considerada um meio para o acompanhamento e compreensão do desenvolvimento da criança. O desenvolvimento deste campo de estudo deve-se ao fato de que a imagem, em todas as suas formas, vem ocupando um papel cada vez mais importante na comunicação e interação social, e constitui-se como um recurso visual bastante utilizado pela criança.

De um lado, a revisão da literatura1 1 Quando a referência da obra aparecer ano/ano, a primeira data corresponde à publicação do original, e a segunda, à da tradução consultada. mostra autores como Mèredieu (1974/1994) e Greig (2004), entre outros, que tendem a examinar a criança desenhando sozinha e a focalizar o produto em vez do processo. De acordo com Silva (2002), nessas concepções teóricas, a produção de desenhos é referida como um processo desvinculado do meio social e da cultura, sem uma preocupação mais detalhada em relação às suas influências ou participações no curso das transformações gráficas.

De outro lado, diferentes estudos, desde Klein (1952/2003) a Braswell (2006), compartilham da opinião de que o impacto dos eventos interativos, especialmente nos processos de linguagem durante a atividade de desenho, indica a necessidade de revisão da ênfase maturacionista nas discussões sobre o tema. Ainda nessa linha de pensamento, autores como Ferreira (2005) e Araújo e Lacerda (2006, 2008 a, b) conferem à perspectiva Histórico-Cultural a fundamentação do desenho como atividade sígnica que pode promover na criança, por meio das interações sociais e das mediações semióticas, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

A relação entre linguagem e funcionamento psicológico superior, como elementos fundamentais na ontogênese, traz questionamentos pertinentes sobre o modo como sujeitos que apresentam peculiaridades no seu desenvolvimento se constituem em face das dinâmicas simbólicas e sociais específicas que vivenciam. Seguindo essa linha argumentativa, é interessante pensar a surdez como esfera emblemática para a discussão de aspectos conceituais nessa perspectiva teórica, pois a especificidade linguística enfatiza o debate no que se refere à vinculação entre formação subjetiva, identidade e desenvolvimento.

Nesse sentido, ressaltam-se as discussões em torno da surdez, que vêm ganhando espaço nos últimos anos, tornando-a um tema de maior interesse de pesquisa no Brasil no final dos anos de 1980. De lá para cá tem havido mudanças significativas no tratamento do assunto, iniciadas com estudos nas áreas da Educação, da Linguística, da Filosofia, da Antropologia, da Medicina, da Bioengenharia, da Fonoaudiologia, entre outras. Cada área de conhecimento passou a preocupar-se com determinados aspectos da surdez (audição, escrita, oralidade, língua de sinais, bilinguismo, cognição, eficácia de novos dispositivos eletrônicos, implante coclear, por exemplo) e os conceitos de pessoa surda sofreram modificações no sentido de reconhecê-la na sua diferença linguística, e não como portadora de uma deficiência.

A literatura mostra que não existe uma abordagem única acerca das concepções de linguagem que permeiam os diferentes estudos clínico-terapêuticos e educacionais da surdez. Por muito tempo, as áreas da saúde e da educação tiveram suas práticas fundamentadas nos modelos com ênfase maturacionista de aquisição de linguagem. Estas práticas, ainda atuais, adotam a vertente tecnicista, pressupondo uma linguagem adulta, pronta, acabada e estática, sem considerar o espaço conjunto de construção dialógica nos contextos terapêutico e pedagógico. Tais práticas, porém, não permitem uma ação que assuma a linguagem em toda a sua amplitude, reduzindo a linguagem do surdo à sua produção articulatória e privando-o de um desenvolvimento pleno.

Talvez como consequência do insucesso constatado em muitos casos e da busca por conhecer e interagir com o homem como sujeito que se comunica, surge o interesse em se "considerar a linguagem humana em funcionamento, compreendendo a linguagem como constitutiva do sujeito, preocupada com as interações entre os interlocutores e os modos como ela se dá, focalizando modos de construção; das práticas enunciativas e discursivas" (Lacerda & Mantelatto, 2000, p. 36).

Nesse contexto, emerge a proposta da abordagem bilíngue de atenção à pessoa surda. Esta abordagem é um modelo educacional de aspecto socioantropológico e sugere que a criança deve ser exposta o mais precocemente possível a uma língua de sinais, identificada como sua língua natural (nascida na comunidade surda), passível de ser adquirida sem condições especiais de aprendizagem. Preconiza, ainda, que também seja ensinada ao surdo a língua da comunidade ouvinte na qual se encontra inserido, na modalidade oral e/ou escrita, sendo que esta será ensinada com base nos conhecimentos adquiridos por meio da língua de sinais. Assim, este modelo tem como prerrogativa o direito do surdo de utilizar duas línguas: no caso, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) na dimensão de primeira língua, e o português, como segunda língua.

Com tais considerações, propõe-se neste estudo um modelo clínico e educacional em um cenário definidor da subjetividade, como lugar da constituição dos significados. O profissional aqui é visto como clínico, terapeuta, pedagogo ou investigador comprometido com o desenvolvimento da linguagem e colocado na centralidade das práticas interpessoais e dialógico- conversacionais, e neste compromisso ele vê a linguagem singularmente - caracterizada por sua heterogeneidade e composições enigmáticas - em que o seu funcionamento remete ao simbólico.

Para tanto, este artigo embasa-se na perspectiva histórico-cultural para discutir o desenho infantil como esfera sígnica visual promotora e facilitadora do processo de significação para a criança surda, com aquisição tardia de língua e linguagem. Tendo-se em vista aprofundar e investigar os pressupostos teóricos desta perspectiva, reconhecer as peculiaridades linguísticas dos sujeitos surdos, privilegiar a língua de sinais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e nos processos interlocutivos compreendidos em seus aspectos históricos e culturais, enfatiza-se a importância da experiência e vivência simbólica da criança surda, com o objetivo de fundamentar uma prática clínica e educacional comprometida com vários aspectos do desenvolvimento necessários à constituição da criança surda.

APORTES TEÓRICOS DA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL

A tentativa de reunir em um modelo explicativo tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao funcionamento psicológico como o desenvolvimento da espécie humana e do indivíduo ao longo de um processo histórico e cultural, incluindo a especificação do contexto social, confere a Vigotski2 2 Usaremos a grafia Vigotski neste texto, já que seu nome tem sido grafado de diferentes maneiras segundo as diferentes línguas para as quais é traduzido. Nas referências bibliográficas será adotada a grafia do nome conforme original. , autor russo e representante máximo da Teoria Histórico-Cultural (1930/2003, 1931/1981, 1934/1995, 1934/2005, 1998), o direito de seu nome figurar entre os grandes pensadores do século XX.

Suas ideias multiplicaram-se e desenvolveram-se na obra de seus colaboradores, entre os quais Leontiev (1959/1981) e Luria (1930/1988). No exterior e no Brasil, diversos autores, através de seus estudos e dedicação a esta teoria, também têm proporcionado avanços na interpretação de suas concepções, e alguns deles que tratam de temas relevantes ao escopo deste artigo serão apontados e discutidos ao longo do texto.

A abordagem histórico-cultural compreende o desenvolvimento do homem e a história do funcionamento de ordem superior como intrinsecamente relacionados às possibilidades de intercâmbios sociais. De fato, o que diferencia o homem de outros animais e marca a sua especificidade encontra-se ancorado no âmbito da produção cultural. A centralidade da linguagem e o uso de instrumentos como transformadores da história da espécie humana são demarcadores da evolução filogenética e constitutivos da ontogênese (história do organismo individual da espécie e a sequência singular de processos e experiências vividos por cada indivíduo).

Vigotski (1931/1981) interessou-se por compreender os mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser humano (pensamento, linguagem, percepção, atenção, imaginação, memória) e "envolvem o controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes" (Oliveira, 1998, p. 26). Este modo de funcionamento psicológico não está presente no indivíduo já no seu nascimento, mas desde os primeiros momentos de vida, pela mediação de outra pessoa que atribui significado social à realidade, suas funções psicológicas superiores são desenvolvidas.

Na perspectiva histórico-cultural, a ideia de mediação está fundada na teoria marxista da produção. Para Marx (1867/1989), o desenvolvimento humano resultou da atividade do trabalho. Pelo seu trabalho, os homens, ao mesmo tempo em que transformam a natureza para satisfazer as suas necessidades materiais e psicológicas, transformam-se a si mesmos, desenvolvendo funções e habilidades especificamente humanas: à medida que a produção progride com o trabalho, desenvolve-se a cultura humana com todo o seu simbolismo - linguagem, artes, religião e ciências.

Vigotski (1998) fala de dois tipos de mediadores: os instrumentos e os signos (estes últimos, orientados). Os instrumentos, além de sua especificidade, caracterizam-se por sua finalidade, e estão dirigidos para o mundo externo: são ligados ao trabalho do homem e contribuem para o desenvolvimento de sua relação com o meio histórico-cultural. A função do instrumento é servir como condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; já os signos, são mecanismos psicológicos e servem para controlar as ações psicológicas do homem. Os signos são orientados internamente: podem modificar o comportamento e a conduta do homem, além de alterar por completo o fluxo e a estrutura das funções psicológicas superiores. Esta última característica é apontada por Vigotski (1998) como sua propriedade fundamental.

Estabelecendo uma analogia do uso do signo e sua ação psicológica com o uso do instrumento no trabalho, o autor destaca o papel dos signos nas atividades psicológicas e considera o signo como marca externa que, pelo processo interno de sua utilização, vai se transformando em processo de mediação. O homem realiza ações externas que são interpretadas de acordo com seu grupo cultural. À sua ação é atribuído um significado que está no externo - no social - e que, gradualmente, é internalizado, incorporado.

Na perspectiva histórico-cultural, este princípio estende-se para as primeiras aprendizagens, porque, segundo o ponto de vista desse autor, o uso funcional de um novo signo é precedido por um período de domínio da estrutura externa do signo.

De forma coerente com a perspectiva teórica em que se situa, Vigotski (1998) acredita que o desenvolvimento humano e a aprendizagem são dois fenômenos inseparáveis. O que faz de um indivíduo da espécie Homo ser um humano é a incorporação dos componentes da cultura do meio social em que está inserido. A incorporação é, no caso, sinônimo de constituição de si mesmo, a partir dos componentes da cultura. Isto ocorre pela progressiva participação do homem na trama da complexa rede de relações sociais em que, desde o nascimento, está sendo envolvido. É como integrante desta rede, matéria de que é feito o tecido social da sociedade, que o homem incorpora, através do outro, as significações culturais que o tornam um ser humano à semelhança dos outros homens, semelhança que não é mera reprodução das características humanas, mas sua constituição no plano da subjetividade (Pino, 2005).

Afirmando as influências dos fatores biológicos, culturais e sociais na constituição e no desenvolvimento humano, Vigotski (1998) refere-se também ao desenvolvimento da criança e vê o aprendizado como um processo profundamente social e enfatiza o papel do diálogo e das diversas funções da linguagem na instrução e no desenvolvimento cognitivo mediado. Na infância, momento singular do desenvolvimento humano, as interligações de aspectos biológicos e aspectos da relação da criança com o ambiente cultural em que está inserida são muito evidentes. Nesta relação, é fundamental o papel desempenhado pelo outro, como agente eficaz que propicia a aprendizagem na interação social.

Discutindo os mecanismos pelos quais, na relação com o outro, as experiências de aprendizagem criam o desenvolvimento, Vigotski (1998) recorre ao conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, que ele define como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que é determinado por problemas que o indivíduo soluciona independentemente, sem ajuda, e o nível de desenvolvimento potencial, que é determinado através da solução de problemas em atividades interpessoais.

Na medida em que Vigotski (1998) viu a aprendizagem como um processo essencialmente social, que ocorre na interação com adultos e companheiros mais experientes - interação em que destaca o papel da linguagem - percebe-se que é na construção de habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis que as funções psicológicas são constituídas.

O autor utiliza o termo mediação para indicar a ação de suporte que um indivíduo dá ao outro no processo de ensino-aprendizagem e afirma que é dentro da zona de desenvolvimento proximal que a intervenção é mais transformadora, pela possibilidade da internalização: as formulações dos conceitos de internalização e desenvolvimento proximal mostram que o caráter social da atividade do sujeito não se encontra somente na existência de um contexto social que influencia os processos subjetivos. O plano intersubjetivo está na gênese da atividade individual, participando da construção das formas de ação autônoma ou da autorregulação. Por outro lado, em vista da necessária interdependência nos planos inter e intrassubjetivo, a gênese do conhecimento não está assentada só em recursos individuais e independentes da mediação social ou dos significados partilhados, "o sujeito não é passivo nem apenas ativo: é interativo" (Góes, 2000, p. 25).

Para esta autora, a criança é um ser social que se faz indivíduo ao mesmo tempo em que incorpora formas maduras de atividade de sua cultura. Individualiza-se e socializa-se. A relação social/individual implica, portanto, vinculação genética (no sentido de gênese) e constituição recíproca.

As ideias fundamentais de Vigotski sobre a linguagem foram compiladas no livro Pensamento e Linguagem (1934/2005), que percebia a conexão entre pensamento e linguagem como originária do desenvolvimento, evoluindo ao longo deste em um processo contínuo e dinâmico, ao contrário das concepções clássicas. que consideravam invariável a relação entre pensamento e linguagem ao longo do desenvolvimento.

Vigotski relaciona pensamento e linguagem, não havendo, para ele, possibilidade de desenvolvimento cognitivo fora da linguagem nem linguagem sem a mediação dos processos interativos. Em seu entendimento esta relação tem na filogênese e na ontogênese raízes genéticas diferentes, mas se sintetizam dialeticamente no desenvolvimento do sujeito, tornando-se um todo indissociável, cujos aspectos distintos (pensamento, fala e interação social) conectam-se em um processo de interconstituição. É a inserção do sujeito em um dado grupo cultural que possibilita a vinculação dos processos de pensamento e linguagem.

O autor explica a função mediadora da linguagem nos processos inter e intrapsíquicos, sendo a relação pensamento-linguagem a chave para a compreensão da natureza da consciência humana. O signo (a linguagem), ao orientar-se para o próprio sujeito, regula ações e estrutura o campo simbólico, constituindo-se no princípio explicativo da atividade consciente, a base do funcionamento psíquico de ordem superior. Destaca-se o fato de que a emergência e a internalização das funções psicológicas superiores e o desenvolvimento da linguagem estão relacionados, pois é a linguagem que propiciará a mediação dos diferentes processos sociais. A aquisição da linguagem, sistema simbólico fundamental, constitui um salto qualitativo no desenvolvimento do ser humano, e a palavra, signo por excelência, assume papel central no desenvolvimento do pensamento, na evolução histórica da consciência como um todo.

Pela palavra, a criança apropria-se de um sistema de significações que está pronto e elaborado historicamente e estabelecido socialmente e vai se constituir no processo de interação social.

Vigotski (1934/2005) considera o significado um aspecto intrínseco da palavra, e esta pertence ao domínio da atividade mental e da linguagem. No significado estão inscritos os valores e ideologias sociais; logo, a criança vai se tornando sujeito pela aquisição da palavra e do seu significado. Na vida psíquica a significação tem papel fundamental, pois a realidade apresenta-se ao homem pelos significados, pelos conceitos da linguagem.

Vigotski (1998, 1930/2003) focaliza outros processos específicos da significação, explorando as esferas simbólicas de atividade da linguagem: o gesto, o desenho, o jogo/brincadeira, a narrativa e a escrita. A emergência da atividade simbólica constitui, tanto na história da espécie quanto na história pessoal de cada indivíduo, o ponto de passagem do plano natural para o plano cultural, planos que na filogênese aparecem separados, mas na ontogênese coincidem e se interpenetram.

Atividades com/na linguagem, mediadas pelas esferas simbólicas, permitem modos de dizer que exigem outros modos de lidar com a significação: as atividades simbólicas efetivam-se como modo de expressão e interpretação que a criança efetua sobre o mundo, em um formato de leitura sobre a realidade circundante. Vista desta maneira, a significação é o elemento principal da linguagem, que circula nos diferentes registros do agir, do falar, do desenhar e do escrever.

Este estudo interessa-se particularmente pelo desenho infantil, por considerar que essa atividade colabora para o refinamento da capacidade de significação, criando um modo simbólico de objetivação do pensamento da criança.

Em sua obra "Imaginação e a arte na infância", Vigotski (1930/2003) analisa e explica questões referentes ao desenho infantil. Sua teoria apresenta um avanço no modo de interpretação do desenho por considerar que a figuração reflete o conhecimento da criança e que seu conhecimento refletido no desenho é constituído pelo significado da palavra. Seu desenho significa suas ideias e é produto de seu pensamento.

Para pensar, a criança depende de sua memória; logo, ela precisa de memória para desenhar: ela pensa lembrando e desenha pensando. Vigotski (1998) afirma que toda intenção exige a participação da memória. A criança, ao ter a intenção de desenhar algo, faz isso lembrando-se das figuras esquemáticas referentes ao que conseguiu memorizar. A criança memoriza o que faz sentido para ela. Assim, a construção e a leitura de imagens envolvem observação, memória, imaginação e capacidade de estabelecer relações com o mundo real e também com o imaginário (Ferreira, 2005).

Franchi (1987) afirma que a imaginação amplia o campo de referência para a atividade criadora do sujeito. A criatividade é um atributo do comportamento linguístico - tanto verbal quanto gráfico - que se manifesta ainda no nível da construção de suas expressões. A imaginação apoia-se na memória, dispõe do material arquivado e percebido do mundo em novas combinações, conferindo-lhe um aspecto ao mesmo tempo inovador (transformando as imagens do mundo) e cristalizador (refletindo o aspecto cultural e histórico do signo).

De acordo com Ferreira (2005), a partir do momento em que o desenho é figurativo e pode ser interpretado como representação da realidade, ele torna-se signo. O que caracteriza o signo é o fato de ele ser interpretável; é a interpretação que transforma uma figuração em signo.

Por outro lado, para que o desenho seja compreendido, o diálogo entre a criança/autora e o adulto/intérprete constitui condição fundamental, visto que os significados e os sentidos das figurações são explicitados pelas palavras: o desenho da criança é uma atividade manual e mental que reflete significações, portanto é dependente da palavra: interfere sobre ela e sofre sua interferência.

LINGUAGEM, DESENHO INFANTIL E A CRIANÇA SURDA: UM ENFOQUE HISTÓRICO-CULTURAL

A problemática central da surdez diz respeito às peculiaridades de sua condição linguística (sujeitos bilíngues, não ouvintes e usuários de uma língua visoespacial).

A língua dos surdos está nos sinais feitos com as mãos, e é por meio deles que a criança pode compreender e interferir no mundo. Se a expressão linguística está nas mãos é fácil entender que no sinal está a palavra/fala do surdo.

Estas diferenças linguísticas, entre muitas outras, devem ser compreendidas como possibilidade de maior enriquecimento no âmbito das relações interpessoais, tanto que a compreensão de como cada sujeito faz uso de sua linguagem e de como essa estrutura o seu pensamento possibilita o total desenvolvimento de suas potencialidades.

Desta maneira, quando uma família, após o diagnóstico de surdez, procura profissionais na busca de uma proposta que vise ao melhor desenvolvimento para seu filho, é fundamental que estes deem transparência aos modelos de atendimento terapêutico e educacional oferecidos à criança surda, à concepção de linguagem que permeia cada um deles e às consequências trazidas pela opção de uso de cada uma das abordagens disponíveis.

Nesse sentido, Lacerda e Mantelatto (2000) afirmam que o profissional que pretenda trabalhar com a linguagem, e não apenas com um segmento dela, precisa incorporar a abordagem bilíngue, transformando sua prática na mais adequada possível para o atendimento integral à pessoa surda.

Nos textos que se referem à surdez, Vigotski (1934/1995) enfoca a dificuldade do sujeito em se apropriar da palavra falada, o que acaba gerando obstáculos à sua inserção na cultura, uma vez que a palavra é o signo psicológico mais importante para o desenvolvimento das funções superiores. O surdo acaba ficando à margem das experiências típicas de seu meio social, o que gera um estado de "mutismo" e uma "falta de consciência" que comprometem o seu desenvolvimento cognitivo e social (Silva, 2002).

A situação social do sujeito, neste caso, está vinculada à precariedade de desenvolvimento de linguagem, secundária à perda de audição. Deve-se ter claro que o indivíduo surdo não ouve em função de um déficit fisiológico-sensorial que lhe anula ou limita a via auditiva; mas não é esse o principal problema para o surdo, e sim, a impossibilidade de adquirir naturalmente a linguagem oral, que é usada pelo grupo majoritário de ouvintes. O fato de não se comunicar facilmente com a comunidade ouvinte e de não manter relações com o mundo por meio da fala acarreta problemas muito graves para a criança surda.

Estima-se que 10% da população brasileira, cerca de 18 milhões de pessoas, tenham algum tipo de deficiência. Desse total, 15% são surdos, o que significa que o Brasil tem aproximadamente 2,5 milhões de surdos. Por outro lado, 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes (IBGE, 2007). Em muitos locais do Brasil a surdez ainda não é descoberta imediatamente ao nascimento da criança, e a aquisição de sinais, quando apresentada à família como possibilidade concreta de desenvolvimento da criança, é assumida, na maioria dos casos, tardiamente, acarretando um desenvolvimento linguístico atípico.

Crianças surdas filhas de pais ouvintes não compartilham uma mesma língua com seus pais, o que em muito dificulta uma interlocução efetiva, que assim se limita a poucos gestos representativos, geralmente de caráter icônico e contextual, que reduzem enormemente as trocas simbólicas com o meio social, tão necessárias ao desenvolvimento da linguagem e à boa saúde da comunicação. Diferente é a situação do ouvinte que possui este recurso desde que nasce. Uma criança ouvinte pequena, por exemplo, pode se comunicar verbalmente, porque, embora ainda não tenha o domínio amplo da linguagem, ela é capaz de participar de diálogos, situando-se no espaço discursivo.

Tal fato não acontece com o surdo, pois, não tendo acesso ao discurso que é falado, ou tendo acesso apenas parcial (fragmentos auditivos, gestos e expressões faciais), fica circulando em um espaço restrito de sentidos, e suas manifestações (gestos e vocalizações) nem sempre são adequadamente interpretadas nos contextos de interação. Isto não quer dizer que ele não seja capaz de se comunicar, mas precisa de outros recursos para fazê-lo, percorrendo vias distintas daquelas observadas nas relações entre pais e filhos ouvintes.

Por sua vez, crianças surdas filhas de pais surdos geralmente interagem com seus pais em um ambiente inundado pela língua de sinais. Neste contexto, estas crianças vão adquirindo esta língua sem grandes obstáculos, e ao se confrontarem com interlocutores que dominem a língua de sinais, não apresentam qualquer dificuldade. Destarte, o atraso de linguagem não é inerente à surdez, e sim, consequência de interação e trocas nos espaços sociais de interlocutores que usam uma língua não acessível à criança surda.

Esse contexto então - da experiência social empobrecida, do atraso de linguagem (em função da ausência de língua), da vivência simbólica fragmentada - impõe ao surdo dificuldades interacionais, cognitivas, linguísticas e educacionais, criando obstáculos para a criança em sua atuação sobre o mundo e sobre o outro. "Se o acesso à língua é parcial, também são parciais o entendimento e a participação do surdo no seu funcionamento" (Santana, 2007, p. 155).

Por essa especificidade, a área de estudos da surdez discute/tematiza o papel central da linguagem no desenvolvimento humano e é palco de várias investigações que buscam pesquisar o curso de construção da(s) língua(s) na constituição do sujeito surdo, principalmente nos âmbitos social, familiar e educacional (Lodi, Harrison, Campos & Teske, 2002; Silva, Kauchakje & Gesueli, 2003; Berberian, Angelis & Massi, 2006, entre outros); porém são poucas as descrições ou referências que abordam também as esferas simbólicas como processos de significação na constituição do sujeito surdo, que na realidade brasileira muitas vezes adquire a língua de sinais tardiamente, em ambientes formais e sem interlocutores proficientes (Guarinello, 2007; Araújo & Lacerda, 2008 b).

Este estudo, então, enfatiza a importância e necessidade social da significação para a criança surda. Para isso, atribui ao simbólico a possibilidade de um trabalho linguístico contínuo e interativo, que permita ao sujeito surdo atuar na e sobre a linguagem e, sobretudo, procura desenvolver um trabalho sobre a linguagem, na medida em que busca favorecer o desenvolvimento inter e intrapsicológico, os processos emergentes de aprendizagem e sua internalização.

Apresentando restrições linguísticas ao uso da língua da comunidade majoritária, a criança surda é convidada a entrar no mundo simbólico da linguagem, para produzir sentidos e significados nos diferentes lugares sociais que ocupa.

De acordo com Santana (2007), a linguagem é o principal mediador das funções cognitivas, e as esferas simbólicas (processos de significação) atuam mesmo na ausência de uma língua melhor organizada. Os surdos têm memória, atenção, percepção, que também são construídas, sobretudo, visualmente. Na ausência de uma língua estruturada, o cérebro - dinâmico - organiza-se por meio de processos de significação eminentemente visuais, que conferem à cognição uma qualidade particular, um processamento simultâneo e espacial; entretanto a ação simbólica da cognição é uma conquista da linguagem.

Por ser visto dessa maneira e ser um recurso visual com o objetivo de desenvolver a linguagem em uma língua visoespacial, considera-se que o trabalho com a esfera sígnica do desenho possa ser facilitador e propulsor do desenvolvimento social - portanto, também do desenvolvimento simbólico, significativo, interativo e cognoscitivo para a criança surda, constituindo-a como sujeito da/na/pela linguagem.

Sabe-se que é tarefa do profissional que trabalha com a surdez inserir o sujeito no universo da linguagem; mas para isso esse sujeito precisa de uma língua, e muitas vezes a criança surda que chega ao consultório e/ou à escola geralmente é filha de pais ouvintes e não possui uma língua estruturada que possa embasar o trabalho terapêutico ou pedagógico.

É neste sentido que, dentro do trabalho com a criança surda, o desenho pode se tornar uma ferramenta terapêutica ou pedagógica que possibilita trazer a criança para o mundo da língua e da linguagem, pois o uso do desenho como processo de significação possibilita que a criança atue no mundo simbolicamente, mesmo quando ainda não adquiriu por completo uma língua.

Ao desenhar, a criança pode se expressar e o profissional interpretar o que ela pretende. Nessa interação, o profissional insere o sinal/palavra, favorecendo a circulação da linguagem nesse espaço. Ao desenhar, a criança guia-se pelos significados que se impõem ao campo perceptivo. O deslocamento efetiva-se pela linguagem, mais especificamente, pelos sinais que a criança surda possa fazer e apreender. Neste movimento, a criança pode expressar algo que conhece (a partir de sua memória, percepção), mas que ainda não poderia "dizer", pela restrição de não conhecer a língua.

A gênese do desenhar encontra-se nas condições sociais e históricas em que os sujeitos estão inscritos e nas transformações que a imaginação permite efetuar. Por isso, a atividade do desenho permite a emergência de figurações de objetos e de elementos que não estão necessariamente presentes no concreto, mas encontram-se configurados pela linguagem, através das possibilidades criativas.

O desenho pode então, no espaço clínico e educacional, configurar-se como uma possibilidade de dizer que pode ser acolhida pelo profissional (interlocutor) que lhe atribui sentido (atributo do signo), tornando-o passível de interpretação. Ao vincular este desenho a um sinal/palavra, o profissional favorece a construção da língua, no caso, a Língua Brasileira de Sinais (Libras), ao mesmo tempo em que colabora para o desenvolvimento de linguagem e das possibilidades de dizer e de ser compreendido desse sujeito.

Assim, ao estabilizar os seus significados, pelo sinal, a criança surda atribui sentido à ação gráfica. A criança também vai compondo os significados de seu desenho e negociando, diretamente ou não, com seu interlocutor. O desenho pode apresentar uma variedade de sentidos e o desenhar vai sendo, então, constituído pelos signos, pelas diversas possibilidades de interpretação que suscita, o que coloca o sujeito surdo em uma rica situação dialógica, permitindo e marcando a entrada desse sujeito no universo da linguagem.

Cada gesto, cada sinal, cada marca deixada no papel, fundamenta o desenvolvimento do desenho e o consequente desenvolvimento da linguagem. Tal desenvolvimento demonstra os processos dos quais a criança, quando imersa no simbólico, lança mão para demarcar seus modos de operar sobre e na linguagem, os quais lhe possibilitam revelar sua subjetividade bem como introduzir-se e manter-se sujeito do diálogo, mesmo diante das dificuldades impostas pela ausência de domínio de uma língua.

Assim, considera-se que a forma como a Teoria Histórico-Cultural fundamenta o desenvolvimento - tanto do sujeito surdo quanto de sua linguagem - e a proposta de trabalho com o desenho em uma abordagem bilíngue possa produzir abertura nas zonas de desenvolvimento proximal nas quais as interações sociais são centrais. Isso permitirá a internalização de conhecimentos e de saltos qualitativos, traduzidos em possibilidades promissoras e produtivas para o desenvolvimento e a aprendizagem dessas crianças que buscam ser bilíngues.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutindo a constituição do sujeito, a Teoria Histórico-Cultural tem argumentado a favor da centralidade da linguagem no desenvolvimento mental humano. A palavra, signo por excelência, assume destaque não somente pela possibilidade de o homem se comunicar através da negociação de significados, mas principalmente pela mudança que o significado promove no plano mental.

É por meio da linguagem que o homem se comunica e vai se constituindo em suas interações, tornando-se capaz de fazer a categorização do mundo e adquirindo a possibilidade de abstração e a generalização dos objetivos em uma intrínseca relação com o funcionamento psíquico de ordem superior.

Tal constituição encontra-se seriamente comprometida na criança surda, em razão de serem insuficientes as oportunidades a ela oferecidas pelo grupo social (família e escola), que com ela não partilha de uma mesma língua. Submetidas a situações de comunicação dificultadas, sem interlocutores capazes de interpretar efetivamente e atribuir sentido às suas manifestações de linguagem, essas crianças não podem, justamente por seu déficit auditivo, desenvolver-se plenamente na língua de seu(s) grupos(s) de convivência. Esse contexto impõe ao surdo dificuldades interacionais, cognitivas, linguísticas e educacionais, criando um obstáculo para a criança em sua atuação sobre o mundo e sobre o outro.

É necessário, então, pensar uma prática clínica e educacional fundamentada e capaz de propiciar ao surdo sua constituição como sujeito da, pela e na linguagem. Sabendo que o conhecimento sobre o mundo está condicionado ao que a criança surda consegue apreender, especialmente a partir das experiências visuais e imagéticas que vivencia, este estudo interessou-se particularmente pelo desenho infantil, por considerar que essa atividade, por seu grande impacto visual, favorece o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e refina a capacidade de significação, criando um modo simbólico de objetivação do pensamento da criança.

Ao desenhar, a criança está imersa no universo simbólico, o qual é comum ao gesto, à brincadeira, ao jogo, aos sinais e à escrita. Ao desenhar, a criança relaciona-se com signos e reflete sobre eles, aperfeiçoando-se nesta experiência. Suas reflexões, resultantes de sua atividade mental e manual, podem interferir significativamente em sua constituição e atuação social.

O desenho tem sido pouco explorado como lugar propício para o desenvolvimento de linguagem; mas para o trabalho com a surdez seria um instrumento muito interessante, considerando-se os argumentos aqui trazidos. Importa e interessa aprofundar esta discussão, porque ela pode auxiliar no trabalho com a linguagem de sujeitos surdos, especialmente daqueles com acesso tardio à Libras.

Recebido em 26/01/2009

Aceito em 09/07/2010

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      09 Jul 2010
    • Recebido
      26 Jan 2009
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