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Psicologia sanitária e análise crítica dos sistemas de atenção à saúde

RESENHA

Psicologia sanitária e análise crítica dos sistemas de atenção à saúde1 1 . Saforcada, Enrique (2006). Psicología sanitaria: Análisis crítico de los sistemas de atención de la salud. Editorial Paidós.

Denis Barros CarvalhoI

IDoutor em psicologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Denis Barros Carvalho. Rua Trevos, 1125, Morada do Sol, CEP 64056-210, Teresina–PI. E-mail: denispsi@bol.com.br

A relação entre psicologia e saúde coletiva, apesar da crescente produção teórica, tem sido um tema pouco investigado pelos psicólogos que se dedicam ao campo da saúde no Brasil (Spink, 2007). Há carência de um modelo de análise dos sistemas de atenção à saúde que fundamente a problematização sobre a formação dos psicólogos no contexto do campo sanitário.

Essa carência de um modelo de análise torna ainda mais importante o livro “Psicología Sanitária: análisis crítico de los Sistemas de Atención de La Salud”, escrito por Enrique Saforcada, psicólogo argentino que tem alguns artigos publicados no Brasil (Saforcada, 2001, 2003). O livro está dividido em três partes. Na primeira, o autor analisa a crise da saúde na Argentina em duas seções e apresenta uma perspectiva psicológico-sanitária acerca da problemática da saúde coletiva.

Na primeira seção, intitulada “Aspectos estruturales y funcionales em El campo de la salud”, o conceito de Sistema Total de Saúde (STS), uma das principais contribuições teóricas do autor, é apresentado juntamente com uma análise das concepções e práticas em saúde na qual as posições clínica e salubrista2 2 . O autor prefere a expressão “Salubrista” para conceituar uma posição estruturada em torno da Epidemiologia em contraste com a clínica por considerar que a expressão alternativa “Sanitarista”, derivada de “sanar”, curar – portanto, focada na doença, não expressa adequadamente a ênfase na saúde dessa posição. são comparadas através das dimensões suporte teórico, suporte axiológico e suporte operativo.

Na segunda seção são discutidos alguns aspectos básicos da crise atual no campo da saúde, destacando-se a reflexão acerca da mudança axiológica e o contexto da saúde enquanto prática (uma provocadora abordagem sobre ética e formação do profissional da saúde a partir de uma perspectiva psicossociocultural) e uma discussão sobre eficácia e eficiência dos modelos clínico e salubrista.

Na segunda parte, a formação do psicólogo é discutida em dois contextos: formação universitária e capacitação em serviço dos agentes do componente formal do STS.

Na terceira e última parte, o autor apresenta os resultados de uma pesquisa participativa em Epidemiologia Psicossocial realizada na Província de Buenos Aires com apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Por fim, mas não com menor valor, o livro traz o texto “Psicologia y Salud en el mundo actual:falências y possibilidades”, de Francisco Morales Calatayud, Vice-Reitor do Instituto Superior de Ciências Médicas de Havana, o qual nos permite conhecer melhor a compreensão acerca do significado da Psicologia da Saúde a partir de uma perspectiva cubana. Cuba começou a construir um modelo de psicologia unitária no final da década de sessenta, ou seja, antes mesmo que existisse a divisão de Psicologia da Saúde (N.º38) da Associação de Psicologia Americana, divisão essa que muitos estudiosos consideram o marco inaugural desse campo teórico-prático.

Apesar de abordar a relação entre Psicologia e Saúde no contexto argentino, este livro de Saforcada tem muito a contribuir para o desenvolvimento dos estudos sobre Psicologia da Saúde no Brasil. O conceito de Sistema Total de Saúde permitiria uma discussão dos aspectos macroestruturais de nosso Sistema Único de Saúde (SUS), e a posição salubrista, que é contraponto ao modelo clínico de formação hegemônico entre nós, certamente oferece subsídios teóricos consistente para a construção de um novo modelo de formação em Psicologia em nosso país. Vale a pena citar Saforcada (2006):

A clínica, que foi o centro de atenção e do trabalho da psicologia, tem sido progressivamente deslocada por uma extensa lista de temáticas que hoje ocupam os profissionais. Estes conteúdos, que cobrem praticamente quase todas as áreas em que se desenvolve a vida humana, tais como psicologia das organizações e do trabalho; psicologia e desenvolvimento nacional; psicologia ambiental e ecológica; psicologia educacional, instrucional e escolar; psicologia da saúde; psicogerontologia; psicologia comunitária;psicologia econômica; psicologia jurídica e dos sistemas legais; psicologia política; psicologia ergonômica; psicologia do esporte; psicologia do trânsito e do transporte; psicologia das relações internacionais; psicobiologia e neuropsicologia; apreciação e avaliação psicológica; psicologia da família e outros ambientes psicossociais – redes sociais, vizinhança, etc, - ; psicoacidentologia; psicologia e sistemas inteligentes; psicologia do conflito e sua solução por mediação/negociação, etc. (pp.173-174).

Bernardes (2006) afirma que no Brasil não existe formação generalista em Psicologia, mas uma graduação focada em algumas áreas da Psicologia Aplicada. Saforcada nos mostra que uma graduação em Psicologia de bom nível deve ser fundamentada em um conhecimento completo, porém em extensão, e não em profundidade, da disciplina. Infelizmente, de acordo com o autor argentino ao referir-se à realidade de seu país, os psicólogos são submetidos a uma formação reducionista que, em reação ou com supercompensação de sua debilidade profissional, assume posições dogmáticas e onipotentes. Nas palavras do psicólogo portenho,”Tiene todo el saber y las destrezas para solucionar todos los problemas de manifestación psicológica, y si la realidad muestra que son totalmente ineficaces el erro está en la realidad” [grifo do autor] (Saforcada, 2006, p. 174). Essa característica não é, contudo, um apanágio do contexto argentino. Saforcada também fala com sentido para nossa realidade ao dizer:

Se os psicólogos argentinos ao ingressar tivessem uma formação completa, a escolha de orientações teórico-técnicas e de especialidades ocorreria pela conjugação de fatores vocacionais e de mercado de trabalho profissional, o que daria como resultado uma distribuição em forma de curva de Gauss; a maioria dos profissionais teriam as especialidades mais solicitadas e as menos requeridas agrupariam um menor número de profissionais, mas em todas as áreas de problemas de fator humano se contaria com o aporte da psicologia (2006, p. 174).

Este é um livro que precisa não somente ser lido, mas também – e urgentemente – traduzido e publicado em nosso país.

Recebido em 14/05/2010

Aceito em 19/01/2011

  • Bernardes, J. (2006). Formação generalista em Psicologia e Sistema único de Saúde. In Conselho Federal de Psicologia (Ed.), Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública: contribuições técnicas e políticas para avançar o SUS, 1. Brasília, DF: Autor.
  • Saforcada, E. (2001). ¿Cuáles son los aportes principales que reclama  de la psicología  la situación actual de La salud en las América? Psico, 32(2), 149-174.
  • Saforcada, E. (2003). Impacto de la psicología en el campo de la salud en America Latina: desafíos  actuales desde la perspectiva ecológica-sistémica de la salud. Psico, 34(2), 239-332.
  • Saforcada, E. (2006). Psicología Sanitaria: Análisis Crítico de los Sistemas de Atención de la Salud. Buenos Aires: Paidós.
  • Spink, M.(2007). Interfaces entre a Psicologia e a Saúde Coletiva: um olhar a partir da psicologia Social. In Antonio Virgílio Bitencourt Bastos e Nádia Rocha (Eds.). Psicologia: novas direções no diálogo com outros campos do saber. (pp. 379-405). São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • Endereço para correspondência

    Denis Barros Carvalho.
    Rua Trevos, 1125, Morada do Sol, CEP 64056-210, Teresina–PI.
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    . Saforcada, Enrique (2006). Psicología sanitaria: Análisis crítico de los sistemas de atención de la salud. Editorial Paidós.
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    . O autor prefere a expressão “Salubrista” para conceituar uma posição estruturada em torno da Epidemiologia em contraste com a clínica por considerar que a expressão alternativa “Sanitarista”, derivada de “sanar”, curar – portanto, focada na doença, não expressa adequadamente a ênfase na saúde dessa posição.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011
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