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Imaginário coletivo de professores sobre o adolescente contemporâneo

Teacher’s collective imaginary on contemporary adolescents

Imaginario colectivo de profesores sobre el adolescente contemporáneo

Resumos

A partir da compreensão de que os professores podem desempenhar importante função no processo de amadurecimento pessoal de seus alunos, estabelecemos como objetivo de pesquisa investigar seu imaginário coletivo sobre o adolescente contemporâneo. Realizamos uma entrevista grupal, em que participaram seis professores de Ensino Médio, fazendo uso do procedimento Desenhos-Estórias com Tema, que concebemos como recurso mediador-dialógico. Após a entrevista foram redigidas narrativas transferenciais sobre o acontecer clínico que, junto com os desenhos-estórias, foram psicanaliticamente consideradas, permitindo a captação interpretativa dos seguintes campos de sentido afetivo-emocional: “mundo vegetativo”, “separando o joio do trigo” e “criança feliz, adolescente infeliz”. Concluímos que, no grupo abordado, o adolescente é concebido como passivo, infeliz e incapaz de fazer escolhas, necessitando ser guiado em sua vida.

professor; adolescência; imaginário coletivo


Understanding that teachers may perform a very important role in the personnel maturing process of their students, we have established to investigate the teacher’s collective imaginary on contemporary adolescents as subject of research. We performed a group interview with six Secondary Education teachers, utilizing the Thematic Story-Drawing Procedure, which as conceived as a dialogical-mediator resource. After the interview, psychoanalytic narratives were written down by us, with the purpose to relate the clinical practice happenings. And those, along with the story-drawings, were psychoanalytically analyzed allowing the interpretative capturing of the following affective-emotional sense fields: “vegetative world”, “separating the chaff of the wheat” and “happy children, unfortunate adolescent”. We conclude that, in the group approached, the adolescent is conceived as passive, unfortunate and unable to make choices, demanding to be guided in his life.

Teacher; adolescence; collective imaginary


Desde la comprensión de que los profesores pueden desempeñar importante función en el proceso de maduración personal de sus alumnos, hemos establecido como objetivo de investigación analizar su imaginário colectivo sobre el adolescente contemporáneo. Se realizó una entrevista de grupo, al que asistieron seis profesores de la escuela secundaria, haciendo uso del procedimiento Dibujos-Historias con Tema, que concebimos como mediador-dialógico. Después de la entrevista, fueron escritas las narraciones de transferencia sobre el acontecer clínico que, juntamente con los dibujos-historias, fueron psicoanalíticamente consideradas, permitiendo la captura de la interpretación de los siguientes campos de sentido afectivo-emocional: “mundo vegetativo”, “separando la paja del trigo” y “niño feliz, adolescente infeliz”. Llegamos a la conclusión de que, en el grupo en cuestión, el adolescente se figura como pasivo, infeliz e incapaz de hacer elecciones, exigiendo ser guiado en su vida.

Profesor; adolescencia; imaginario colectivo


ARTIGOS

Imaginário coletivo de professores sobre o adolescente contemporâneo1 1 Apoio: CNPq; Capes.

Teacher's collective imaginary on contemporary adolescents

Imaginario colectivo de profesores sobre el adolescente contemporáneo

Aline Vilarinho MonteziI; Katia Panfiete ZiaII; Miriam TachibanaIII; Tania Maria José Aiello-VaisbergIV

IGraduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil(2009)

IIDoutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil(2012). Psicóloga Clínica do Centro Médico Artur Nogueira, Brasil

IIIDoutorado em Psicologia pela PUC-Campinas, Brasil (2011). Psicóloga

IVDoutorado em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo, Brasil(1986). Professora Livre Docente Aposentada da Universidade de São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Aline Vilarinho Montezi Rua Cristalina, 26, Bairro Santa Esmeralda, CEP 13186-533, Hortolândia-SP, Brasil. E-mail: alinemontezi@hotmail.com

RESUMO

A partir da compreensão de que os professores podem desempenhar importante função no processo de amadurecimento pessoal de seus alunos, estabelecemos como objetivo de pesquisa investigar seu imaginário coletivo sobre o adolescente contemporâneo. Realizamos uma entrevista grupal, em que participaram seis professores de Ensino Médio, fazendo uso do procedimento Desenhos-Estórias com Tema, que concebemos como recurso mediador-dialógico. Após a entrevista foram redigidas narrativas transferenciais sobre o acontecer clínico que, junto com os desenhos-estórias, foram psicanaliticamente consideradas, permitindo a captação interpretativa dos seguintes campos de sentido afetivo-emocional: “mundo vegetativo”, “separando o joio do trigo” e “criança feliz, adolescente infeliz”. Concluímos que, no grupo abordado, o adolescente é concebido como passivo, infeliz e incapaz de fazer escolhas, necessitando ser guiado em sua vida.

Palavras-chave: professor, adolescência, imaginário coletivo

ABSTRACT

Understanding that teachers may perform a very important role in the personnel maturing process of their students, we have established to investigate the teacher’s collective imaginary on contemporary adolescents as subject of research. We performed a group interview with six Secondary Education teachers, utilizing the Thematic Story-Drawing Procedure, which as conceived as a dialogical-mediator resource. After the interview, psychoanalytic narratives were written down by us, with the purpose to relate the clinical practice happenings. And those, along with the story-drawings, were psychoanalytically analyzed allowing the interpretative capturing of the following affective-emotional sense fields: “vegetative world”, “separating the chaff of the wheat” and “happy children, unfortunate adolescent”. We conclude that, in the group approached, the adolescent is conceived as passive, unfortunate and unable to make choices, demanding to be guided in his life.

Key words: Teacher, adolescence, collective imaginary

RESUMEN

Desde la comprensión de que los profesores pueden desempeñar importante función en el proceso de maduración personal de sus alumnos, hemos establecido como objetivo de investigación analizar su imaginário colectivo sobre el adolescente contemporáneo. Se realizó una entrevista de grupo, al que asistieron seis profesores de la escuela secundaria, haciendo uso del procedimiento Dibujos-Historias con Tema, que concebimos como mediador-dialógico. Después de la entrevista, fueron escritas las narraciones de transferencia sobre el acontecer clínico que, juntamente con los dibujos-historias, fueron psicoanalíticamente consideradas, permitiendo la captura de la interpretación de los siguientes campos de sentido afectivo-emocional: “mundo vegetativo”, “separando la paja del trigo” y “niño feliz, adolescente infeliz”. Llegamos a la conclusión de que, en el grupo en cuestión, el adolescente se figura como pasivo, infeliz e incapaz de hacer elecciones, exigiendo ser guiado en su vida.

Palabras-clave: Profesor, adolescencia, imaginario colectivo

A ADOLESCÊNCIA, O PROFESSOR E O AMBIENTE NA CONTEMPORANEIDADE

Não são novas as pesquisas psicológicas acerca da adolescência, que desde meados do século XX tem recebido especial atenção, por ser concebida, por muitos como um momento do desenvolvimento em que o ser humano seria essencialmente “perturbado” (Aberastury & Knobel, 1963/1985; Outeiral, 1994).

De fato, encontramos facilmente abundantes trabalhos que indicam que muitas dificuldades e sofrimentos podem ser enfrentados nessa passagem vital, tais como aqueles que apontam um aumento preocupante no uso de álcool e drogas (Conte, Oliveira, Henn & Wolf, 2007; Savietto & Cardoso, 2009), os que abordam o problema das gestações precoces (Santos & Carvalho, 2006; Reis & Monteiro, 2007) ou outros que pesquisam fenômenos de autoagressão e suicídio (Mello-Santos, Bertolote & Wang, 2005; Souza, Minayo & Malaquias, 2002).

Embora tais estudos sejam valiosos, na medida em que visam produzir conhecimento clínico que beneficie a população de adolescentes, entendemos, desde a perspectiva da Psicanálise intersubjetiva (Bleger, 1963/1984; Stolorow, 2000), que se faz necessário superar a concepção naturalizante de que o adolescente seria biologicamente problemático, compreendendo suas condutas de maneira contextualizada com as condições concretas e com os ambientes humanos nos quais elas emergem.

Apoiadas neste referencial teórico, após termos realizado estudos voltados à maneira como os jovens veem a si mesmos e a sociedade em que vivem, entre os quais o de Montezi, Pontes, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2008), inspirando-nos também em outros textos que compartilham desta compreensão (Ozella & Aguiar, 2008; Salles, 2005), concluímos que se fazia necessário focalizar mais especificamente a instituição escolar, vista como um ambiente complexo e polêmico e nem sempre vivenciado pelos adolescentes como um espaço favorecedor de seu desenvolvimento emocional (Souza, Petroni & Bremberger, 2007).

Dessa forma, partindo da compreensão de que seria essencial investigar um dos ambientes sociais em que os adolescentes passam a maior parte de seu cotidiano, idealizamos esta investigação psicanalítica buscando produzir conhecimento a partir do qual pudessem ser pensadas intervenções que beneficiariam não apenas os jovens, mas também os professores responsáveis pela formação destes alunos.

O ACONTECER INVESTIGADO

Em nosso grupo de pesquisa2 2 Nosso grupo de pesquisa CNPq chama-se “Atenção psicológica clínica em instituições: prevenção e intervenção”. temos trabalhado com o conceito de imaginário coletivo definindo-o como o conjunto de crenças, emoções e imagens que um determinado grupo produz acerca de um fenômeno. Trata-se, portanto, de uma conduta que se expressa na área mental (Bleger, 1963/1984) e que pode dar indícios sobre a tendência relativa à adoção da conduta que se manifesta em outra área de expressão, vale dizer, a de atuação no mundo externo.

A fim de investigarmos o imaginário coletivo dos professores acerca do adolescente dos dias atuais, entramos em contato com uma escola particular de pequeno porte localizada numa pequena cidade do Interior Paulista. Vale ressaltar que a instituição, assim como o bairro onde está localizada, é marcada por uma forte cultura religiosa. A escola é dotada de uma capela em que são realizados eventos religiosos dos quais participam todos os alunos, os professores e demais funcionários, que vivem, em sua maioria, na mesma comunidade da instituição e pertencem à mesma religião. Por outro lado, embora grande parte dos estudantes siga a mesma doutrina, existem aqueles que não o fazem, uma vez que a escola aceita os que não são adeptos da Fé que quase oficialmente adota.

Obtida a anuência institucional e dos participantes, realizamos uma entrevista grupal para abordagem da pessoalidade coletiva, da qual participaram seis professores que lecionam no Ensino Médio. Trata-se de uma modalidade de entrevista coletiva (Duchesne & Haegel, 2005) que, no seu delineamento como enquadre, segue as características por meio das quais se configura o jogo do rabisco e a consulta terapêutica do psicanalista inglês Winnicott.

Numa descrição breve, vale referir que, durante suas consultas terapêuticas, Winnicott (1968/1994, 1970/1984) lançava mão de um brincar, o jogo do rabisco, visando criar um ambiente lúdico por meio do qual seus pacientes pudessem aproximar-se, de maneira relativamente relaxada, de questões existenciais significativas e, eventualmente, angustiantes. Na entrevista que realizamos, o procedimento Desenhos-Estórias com Tema (Aiello-Vaisberg, 1999) foi usado como sucedâneo do jogo do rabisco, tendo-se em vista favorecer a expressão emocional significativa de nossos participantes.

Utilizando o horário de intervalo3 3 Ressaltamos que o encontro foi tumultuado devido à entrada e saída de pessoas e de outros professores na sala, bem como pelo curto espaço de tempo, que totalizou apenas 20 minutos. , para não onerar seu cotidiano de trabalho, solicitamos a um grupo de seis docentes que cada um fizesse, individualmente, um desenho sobre o tema “Um adolescente dos dias de hoje” e depois inventasse uma história sobre a figura desenhada, tal como propõe o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema (Aiello-Vaisberg, 1999). Em seguida, abrimos um espaço de palavra, que poderia ser utilizado para conversarem sobre a atividade proposta, sobre os adolescentes ou sobre sua atuação profissional.

Posteriormente à entrevista, as pesquisadoras registraram o acontecer clínico por meio da elaboração de narrativas transferenciais (Aiello-Vaisberg, 1999), que incluíram não apenas as interações ocorridas, mas também as associações de ideias, impressões e sentimentos despertados pelo e durante o encontro.

O corpus formado pelas narrativas e pelos seis desenhos-estórias foi apresentado ao grupo de pesquisadores dentro do qual este estudo foi desenvolvido, todos psicanaliticamente capacitados, no sentido de estarem aptos à captação interpretativa do que temos denominado de campos de sentido afetivo-emocional (Bleger, 1963/1984). Assim, a partir da multiplicidade de percepções, impressões e associações, adotando uma atitude fenomenológica, o grupo considerou o conjunto do material de acordo com a utilização do método psicanalítico em pesquisa (Herrmann, 2004).

Foram captados três campos de sentido afetivo-emocional, entendidos como os determinantes lógico-emocionais que regem as condutas, ou seja, como o conjunto de pressuposições afetivo-emocionais que, no presente caso, subjaz à conduta das produções imaginativas captadas: “Mundo vegetativo”, “Separando o joio do trigo” e “Criança feliz, adolescente infeliz”.

CAMPOS DO IMAGINÁRIO

Ao considerarmos o material clínico, captamos um campo de sentido afetivo-emocional, que denominamos “Mundo vegetativo”, relativo à crença de que ser adolescente é ter um viver vazio, superficial e sem grandes realizações. Assim, no imaginário coletivo dos professores, o universo vivido pelos jovens seria pobremente constituído por festas, namoros e aparelhos tecnológicos. Para ilustrar, selecionamos a seguinte vinheta clínica4 4 Todas as vinhetas clínicas apresentadas neste artigo referem-se a um recorte do material clínico considerado, vale dizer, o conjunto das três narrativas e dos seis desenhos-estórias. :

Logo no início do encontro, Carlos5 5 Todos os nomes dos participantes são fictícios, visando preservar o sigilo e o anonimato, tal como prevê o Código de Ética em Psicologia. destacou-se do grupo por atribuir apelidos a alguns professores e fazer comentários jocosos, tanto que, quando um dos participantes disse que não sabia como desenhar um adolescente, disse-lhe para que representasse um animal, já que ambos se igualavam.

Apesar desta associação que fez entre o adolescente e o animal, ao apresentar o seu próprio desenho ao grupo de docentes e pesquisadores, exibiu uma outra vinculação, igualmente pejorativa: desenhara, numa metade da folha, uma pedra representando o reino mineral, uma ovelha simbolizando o reino animal e, por fim, um jovem, sentado em frente à televisão, como equivalente ao reino vegetal. Além disso, na outra metade, retratara um adolescente, sentado em frente ao computador, com o olhar hipnotizado, como podemos observar na figura a seguir.

Disse que não havia escrito nenhuma história, mas que seu desenho era autoexplicativo e, desse modo, apenas acrescentou que considerava que o jovem dos dias de hoje parecia um vegetal passivo.


O segundo campo de sentido afetivo-emocional, denominado “Separando o joio do trigo”, estrutura-se ao redor da crença de que o adolescente seria incapaz de fazer escolhas com discernimento, precisando ser guiado para distinguir o que seria bom ou ruim para a sua vida. Para exemplificar este imaginário, apresentaremos nova vinheta clínica:

Até Diogo apresentar o seu desenho-estória, a conversa entre os professores estava centralizada no uso de aparelhos eletrônicos, tidos como maléficos ao desenvolvimento dos jovens. Ao exibir a sua produção, entretanto, na qual era possível visualizarmos um jovem sorridente, com os braços abertos, entre os sinais de positivo e de negativo, como vislumbramos no desenho a seguir, o foco da discussão mudou.

Diogo explicou que os sinais retratavam os caminhos do bem e do mal e acrescentou que, a seu ver, os adolescentes, diferentes dos adultos, não tinham condições de distinguir entre aquilo o que lhes seria bom ou ruim. Em seguida, leu a história que escrevera: “(...) Nessa etapa da vida os adolescentes aprendem a fazer escolhas negativas e positivas e discernir entre o certo e errado. (...) São felizes e têm muita energia, mas devem saber usá-las e por isso precisam do auxílio dos adultos”.

Tão logo finalizou a leitura, os demais professores concordaram e agregaram, à discussão acerca da má influência dos aparelhos eletrônicos, a crença de que os jovens precisariam ser orientados para não terem suas vidas regidas por games e computadores. Alguns chegaram a fazer menção a Deus, concluindo que faltava aos adolescentes dos dias de hoje serem mais influenciados por Deus do que pela tecnologia.


Por fim, captamos um terceiro campo de sentido afetivo-emocional, “Criança feliz, adolescente infeliz”, cuja regra lógico-emocional seria a de que adolescer é sofrer. Para ilustrar, elegemos a seguinte vinheta clínica:

Ao apresentar a sua produção gráfica, Joana explicou que quisera retratar o ser humano em diferentes momentos do desenvolvimento, isto é, quando criança, pré-adolescente e jovem. Assim, exibiu ao grupo de professores e pesquisadores um desenho no qual era possível visualizarmos um caminho em linha reta em que apareciam estes personagens todos, com a diferença de que, enquanto a criança estava sorridente, o pré-adolescente tinha uma feição neutra e o jovem já apresentava um semblante preocupado, tanto que, ao seu lado, a participante desenhara pontos de interrogação, como notamos no desenho a seguir.

Após a exibição do desenho, leu a seguinte frase, referente ao que escrevera no verso da folha: “Da infância à adolescência, quantas dúvidas, quantos conflitos internos e externos.”


DELINEANDO ALGUMAS REFLEXÕES

A partir dos campos de sentido captados, observamos que, no imaginário dos professores, os adolescentes equivaleriam a indivíduos passivos, infelizes e incapazes de fazer boas escolhas para si mesmos. Não obstante, apesar de todos os campos terem em comum uma imagem essencialmente negativa em relação aos jovens, pudemos observar algumas diferenças entre eles. No campo “Criança feliz, adolescente infeliz”, por exemplo, deparamo-nos com um imaginário de um jovem que seria infeliz apenas por adentrar na adolescência, independentemente de ter tido ou não uma infância afortunada ou das condições que o cercam no momento atual. Tratar-se-ia de uma crença de que a adolescência consistiria, naturalmente, numa fase de conflitos que levariam o indivíduo, inevitavelmente, à infelicidade.

No campo “Mundo vegetativo” encontramos igualmente um imaginário negativo acerca do jovem, a quem são atribuídas características como a passividade e o vazio; entretanto, se no campo anterior o jovem seria “problemático” em função da etapa do desenvolvimento em que se encontra, neste segundo campo seus problemas decorreriam de algo intimamente relacionado aos contornos da sociedade contemporânea, em especial aos aparelhos eletrônicos. Aqui os professores já não estariam rotulando a adolescência como caótica, mas sim, estariam considerando a relação entre a adolescência e a atualidade.

Por fim, no campo “Separando o joio do trigo”, se, por um lado, vemos igualmente uma associação do jovem a aspectos de cunho negativo, por outro, encontramos a crença de que haveria a possibilidade de os adolescentes não serem infelizes. Neste campo, já observamos a concepção de que existiria uma “salvação” para os jovens, que não necessariamente teriam que seguir o “caminho do mal”, tendo a chance, se apoiados em alguma figura docente ou religiosa, de terem um viver produtivo e feliz.

Em relação às diferentes crenças captadas nos três campos de sentido, podemos refletir que talvez o campo “Criança feliz, adolescente infeliz” esteja mais associado à concepção de que a adolescência corresponderia a uma fase naturalmente difícil e conturbada, amplamente difundida não apenas entre professores (Espindula & Santos, 2004), mas na sociedade de maneira geral; já o campo “Mundo vegetativo” estaria mais ancorado nas feições da contemporaneidade, marcada, de fato, por uma rotina altamente tecnológica, na qual existem variados estímulos para que todos os indivíduos, especialmente os jovens, mergulhem na era high tech (Alves, 2003).

No que tange ao campo “Separando o joio do trigo”, podemos pensar que a crença de que o mundo estaria polarizado entre o bem e o mal e de que haveria uma “salvação” para os adolescentes. repousa no ensinamento religioso de que o universo seria dividido entre o benévolo e o malévolo, precisando o indivíduo posicionar-se “corretamente”, como única garantia de ter uma vida eterna feliz (Clayton, 2007). Afinal, cabe lembrarmos que se trata do imaginário coletivo de professores que, sendo de uma escola de cunho confessional, durante a discussão aludiram a Deus por diversas vezes.

Chamou-nos a atenção o fato de que, ao mesmo tempo em que os participantes apresentam, no campo “Separando o joio do trigo”, a crença religiosa, também encontrada em outras pesquisas com educadores sociais (Espíndula & Santos, 2004), a qual seria importante no processo de amadurecimento emocional dos alunos, pois poderia guiá-los a seguirem o “caminho do bem”, revelaram, no campo “Mundo vegetativo”, a impressão de que ela não pertenceria ao universo dos adolescentes, o qual estaria exclusivamente centrado nos aparelhos eletrônicos.

Desde esta perspectiva, caberia indagarmos se as inúmeras falas dos professores de que o mundo tecnológico seria prejudicial aos jovens não corresponderiam a uma comunicação de mal-estar por eles se sentirem excluídos do mundo juvenil e, principalmente, por sentirem que, diferentemente do que ocorria outrora, na sociedade contemporânea eles já não são vistos como os detentores de toda a sabedoria e capazes de suprir aquilo que falta no outro (Zibertti, 2004). A partir daí, é possível fazermos a leitura de que, no campo “Criança feliz, adolescente infeliz” os professores não estavam apenas apresentando a crença de que adolescer é sofrer, mas sim, de que crescer é sofrer, e de que eles, tal como seus alunos jovens, também estariam padecendo deste sentimento doloroso.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste estudo, pudemos captar que o imaginário coletivo dos professores acerca dos adolescentes dos dias de hoje estaria associado ao mal-estar emocional do seu cotidiano de trabalho. Trata-se de uma questão que já pudemos observar em um estudo que realizamos anteriormente (Zia, Ambrósio & Aiello-Vaisberg, 2009), relacionado aos docentes e ao processo de inclusão escolar, e que pudemos notar igualmente em outros dos diversos trabalhos voltados à vivência emocional desta população diante de seus estudantes (Rapoport & Silva, 2006; Almeida et al., 2007).

Embora compartilhemos com todos estes pesquisadores a percepção de que se faz necessário voltarmo-nos à formação destes profissionais no sentido de prevenir que, mais adiante, vivenciem a sensação de despreparo emocional diante de estudantes que parecem não valorizar ou nem mesmo incluir a sua presença, deles divergimos significativamente em relação às propostas que apontaram. Enquanto esses pesquisadores discutem a importância de, nos cursos de Licenciatura, estes futuros profissionais entrarem em contato com teorias acerca do adolescente, através das disciplinas de Psicologia, para que tenham um referencial muito claro que os guie na relação com esta população em sala de aula (Rapoport & Silva, 2006; Almeida et al., 2007), compreendemos que a sensação de despreparo destes profissionais não seria necessariamente sanada com mais conhecimento teórico.

Apesar de valorizarmos o papel dos referenciais teóricos na formação de qualquer profissional, entendemos que o mal-estar dos professores diante de seus alunos estaria ancorado justamente no fato de sua formação ser essencialmente voltada à apresentação de conteúdos teóricos e ao desenvolvimento de técnicas, por meio de métodos de treinamento. Assim entendemos que, para superarmos esta formação essencialmente tecnicista e racional, não caberia apresentarmos mais conhecimentos teóricos, como se fosse possível transformar as crenças e expectativas destes futuros professores em relação aos seus alunos, mas sim, trabalharmos diretamente com seus sentimentos acerca de sua vivência profissional, criando, durante a graduação, espaços em que possam receber uma atenção psicológica capaz de favorecer uma formação e uma atuação profissional mais integradas.

Trata-se de uma proposição que já idealizamos e já chegamos a realizar, referente aos cursos de graduação em Psicologia, visando oferecer sustentação emocional - de cunho formativo, e não terapêutico - para que tais graduandos estejam emocionalmente preparados para seus atendimentos clínicos (Aiello-Vaisberg, 1999). Compreendemos que, a partir da possibilidade de criação destes espaços de atenção psicológica, seja durante a formação dos professores, seja em seus locais de trabalho, não apenas os educadores seriam beneficiados, mas também o seriam os adolescentes por eles formados.

Recebido em 31/03/2010

Aceito em 19/04/2011

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  • Endereço para correspondência

    Aline Vilarinho Montezi
    Rua Cristalina, 26, Bairro Santa Esmeralda, CEP 13186-533, Hortolândia-SP, Brasil.
    E-mail:
  • 1
    Apoio: CNPq; Capes.
  • 2
    Nosso grupo de pesquisa CNPq chama-se “Atenção psicológica clínica em instituições: prevenção e intervenção”.
  • 3
    Ressaltamos que o encontro foi tumultuado devido à entrada e saída de pessoas e de outros professores na sala, bem como pelo curto espaço de tempo, que totalizou apenas 20 minutos.
  • 4
    Todas as vinhetas clínicas apresentadas neste artigo referem-se a um recorte do material clínico considerado, vale dizer, o conjunto das três narrativas e dos seis desenhos-estórias.
  • 5
    Todos os nomes dos participantes são fictícios, visando preservar o sigilo e o anonimato, tal como prevê o Código de Ética em Psicologia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      19 Abr 2011
    • Recebido
      31 Mar 2010
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