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Neurose traumática, neurose de transferência: um relato autobiográfico do holocausto

Neurosis traumática, neurosis de transferencia: un relato autobiográfico do holocausto

Traumatic neurostaçãois, transference neurosis: an autobiographical account of the holocaust

Resumos

Trata-se de tomar em conta neuroses que se desenvolvem a partir de um trauma explícito, ocorrido na realidade material, mas que se apresentam com algumas características de neuroses de transferência. Expõe-se, então, algo da descrição clássica da neurose traumática e, em seguida, um relato autobiográfico da escritora franco-judia Sarah Kofman, que passou sua infância na França durante a Segunda Guerra Mundial, teve seu pai morto em Auschwitz e foi obrigada a viver escondida durante esse período. Discute-se, de um lado, o objeto, a partir da perda, e o jogo que se estabelece com ele e, de outro, o trauma em si. Busca-se mostrar que a interação entre essas duas correntes forma uma trama complexa, talvez responsável pelas características de neurose de transferência, mais do que de neurose traumática. O erótico, no sentido fálico-edípico, parece ser o que produz essa complexidade, funcionando como fator de elaboração do trauma.

Psicanálise; teoria da sedução generalizada; holocausto


Se trata de considerar las neurosis que se desarrollan a partir de un trauma explícito, ocurrido a partir de la realidad material, pero, que se presentan con algunas características de neurosis de transferencia. Se expone, así, algo de la descripción clásica de la neurosis traumática y, en seguida, un relato autobiográfico de la escritora franco-judía Sarah Kofman, que pasó su infancia en Francia durante la Segunda Guerra Mundial, perdió a su padre en Auschwitz y fue obligada a vivir escondida durante todo ese tiempo.Se discute, por un lado, el objeto, a partir de la pérdida, y el juego que se establece con él y, por otro, el trauma en sí. Buscamos enseñar que la interacción entre estas dos corrientes forma una trama compleja, tal vez responsable por las características de neurosis de transferencia, más que de neurosis traumática. Lo erótico, en el sentido fálico-edípico, parecer ser lo que produce esa complejidad, funcionando como factor de elaboración del trauma.

Psicoanálisis; teoría de la seducción generalizada; holocausto


This text takes into account neuroses that develop from an explicit trauma that occurred in the material reality, but which appear with some features of transference neurosis. The classical description of traumatic neurosis is briefly depicted; next, an autobiographical account is narrated by the French Jewish writer Sarah Kofman, who spent her childhood in France during World War II, when her father was killed in Auschwitz, and was forced to live in hiding during that period. On the one hand, the object is discussed, through loss, as well as the the relationships established with it; on the other, the trauma itself. We try to show that the interaction between these two currents creates a complex relationship that may be responsible more for transference neurosis features than for traumatic neurosis. The "erotic", in the phallic-Oedipal meaning, seems to be what produces this complexity, functioning as a working-through factor of the trauma..

Psychoanalysis; theory of generalized seduction; holocaust


ARTIGOS

Neurose traumática, neurose de transferência: um relato autobiográfico do holocausto

Traumatic neurostaçãois, transference neurosis: an autobiographical account of the holocaust

Neurosis traumática, neurosis de transferencia: un relato autobiográfico do holocausto

Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto

Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; Pós-doutorado em Psicanálise e Psicopatologia Fundamental pela Universidade de Paris VII, Professor Associado C da Universidade Estadual de Maringá, Paraná, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto. Rua Professor Ney Marques, 21 CEP 87020-300, Maringá-Pr, Brasil E-mail: garmneto@gmail.com

RESUMO

Trata-se de tomar em conta neuroses que se desenvolvem a partir de um trauma explícito, ocorrido na realidade material, mas que se apresentam com algumas características de neuroses de transferência. Expõe-se, então, algo da descrição clássica da neurose traumática e, em seguida, um relato autobiográfico da escritora franco-judia Sarah Kofman, que passou sua infância na França durante a Segunda Guerra Mundial, teve seu pai morto em Auschwitz e foi obrigada a viver escondida durante esse período. Discute-se, de um lado, o objeto, a partir da perda, e o jogo que se estabelece com ele e, de outro, o trauma em si. Busca-se mostrar que a interação entre essas duas correntes forma uma trama complexa, talvez responsável pelas características de neurose de transferência, mais do que de neurose traumática. O erótico, no sentido fálico-edípico, parece ser o que produz essa complexidade, funcionando como fator de elaboração do trauma.

Palavras-chave: Psicanálise; teoria da sedução generalizada; holocausto.

ABSTRACT

This text takes into account neuroses that develop from an explicit trauma that occurred in the material reality, but which appear with some features of transference neurosis. The classical description of traumatic neurosis is briefly depicted; next, an autobiographical account is narrated by the French Jewish writer Sarah Kofman, who spent her childhood in France during World War II, when her father was killed in Auschwitz, and was forced to live in hiding during that period. On the one hand, the object is discussed, through loss, as well as the the relationships established with it; on the other, the trauma itself. We try to show that the interaction between these two currents creates a complex relationship that may be responsible more for transference neurosis features than for traumatic neurosis. The "erotic", in the phallic-Oedipal meaning, seems to be what produces this complexity, functioning as a working-through factor of the trauma..

Key words: Psychoanalysis; theory of generalized seduction; holocaust.

RESUMEN

Se trata de considerar las neurosis que se desarrollan a partir de un trauma explícito, ocurrido a partir de la realidad material, pero, que se presentan con algunas características de neurosis de transferencia. Se expone, así, algo de la descripción clásica de la neurosis traumática y, en seguida, un relato autobiográfico de la escritora franco-judía Sarah Kofman, que pasó su infancia en Francia durante la Segunda Guerra Mundial, perdió a su padre en Auschwitz y fue obligada a vivir escondida durante todo ese tiempo.Se discute, por un lado, el objeto, a partir de la pérdida, y el juego que se establece con él y, por otro, el trauma en sí. Buscamos enseñar que la interacción entre estas dos corrientes forma una trama compleja, tal vez responsable por las características de neurosis de transferencia, más que de neurosis traumática. Lo erótico, en el sentido fálico-edípico, parecer ser lo que produce esa complejidad, funcionando como factor de elaboración del trauma.

Palabras-clave: Psicoanálisis; teoría de la seducción generalizada; holocausto.

Em Histeria e psicanálise depois de Freud (2008), afirmamos que a explicação da histeria podia ser carreada a um trabalho de luto imaginário inacabado ou, ainda, a uma luta em torno da perda, de sua assunção ou não-assunção.

Ora, isso por si só levou-nos a pensar na ideia de trauma. A própria clínica também nos mostra que muitas das pacientes que sofriam de sintomas histéricos e/ou desenvolveram uma personalidade histérica; tinham perdido, por morte, um dos pais ou os dois na infância. É verdade que isso tem uma explicação clássica: esses sujeitos não teriam podido formar o triângulo edipiano (Zetzel, 1968). Essa é com certeza uma boa explicação, no entanto, não é tudo. Sabemos hoje que não necessariamente o complexo de Édipo se forma a partir de pessoas reais, ele pertence ao plano da simbolização e daquilo que a cultura forneceria para a ligação da pulsão (Laplanche, 2007a). Mas, mesmo que pensemos na importância para o Édipo da falta material de um ou dos dois pais, resta ainda o problema do luto e do trauma que essa falta envolve. A histeria, supusemos, então, daria uma resposta a ambas as coisas, à perda do objeto, real ou imaginária, e ao Édipo, uma vez que o objeto perdido da histeria, seja ele perdido na realidade material ou na fantasia, é algo traduzido edipicamente.

Para este artigo, então, propomos discutir essas características de neurose de transferência em patologias que foram explicitamente causadas por um trauma, e, sobretudo, quando esse trauma tem como especificidade uma perda parental. A nossa hipótese é que as manifestações de neurose de transferência presentes numa neurose traumática ou numa neurose constituída em decorrência de um trauma se referem, primeiro, a maior elaboração do trauma em relação à neurose traumática e, segundo, que a perda parental dá a essa última uma especificidade que toca diretamente ao Édipo. Ilustramos com o relato autobiográfico da professora, escritora e filósofa Sarah Kofman (1934-1994).

PERDA, TRAUMA E NEUROSES

Em torno da ideia de perda abrem-se duas vias teóricas, a do luto e a do trauma. Nos dois casos fala-se de elaboração, mas são elaborações diferentes. De forma muito geral, a elaboração do luto se refere à retirada do investimento pulsional do objeto e sua distribuição no eu e em outros objetos, o que não é feito sem ambivalência e conflitos com o objeto perdido. Já a elaboração do trauma é diferente, se refere à ligação de seus traços, mantidos estáticos e dissociados, a outros elementos do psiquismo, sejam eles afetos ou representações. É um trabalho de integração e de ligação também no sentido de prontidão, prontidão para o excessivo, para o inesperado.

A perda também propõe para o sujeito um enigma, um "por quê?" (ou, ainda, um "o que quer de mim") que, do ponto de vista econômico, é traumático, inclusive pelo excesso pulsional que provoca. O trauma em si, pelo seu excesso, já produz esse enigma.

Isso vale também para as neuroses de transferência, sobretudo em relação a perdas simbólicas. Mas, há um conjunto de casos que se apresenta com a aparência de neuroses de transferências ou com alguns sintomas histéricos e/ou obsessivos, e carregam na sua origem – ao menos, em sua história – perdas por morte, de maneira que seja o trauma, seja o luto, estes são muito explícitos e têm de ser levados ao pé da letra. Teoricamente, tais eventos de perdas não deveriam produzir neuroses de transferência, mas de neuroses traumáticas ou, quem sabe, de lutos patológicos. O que faz aí o sintoma histérico ou, mesmo, o quadro histérico?

Propomos que desdobramentos histéricos são formas ou fases de elaboração tanto do luto como do trauma, elaborações, pois, em que o erótico, no sentido fálico-edipiano, tem papel importante (tendo em vista que na histeria e no sintoma histérico é o erótico, acima de tudo, que conta). É como se se pudesse levar ao pé da letra a ideia, um tanto mecanicista, da libido como grande fator neutralizador ou ainda, como o grande elemento vital de ligação e união. Isso é possível, mas não sem complicações, sem enredamento de representações; aliás, esse enredamento é a própria forma da elaboração. A ideia, portanto, é a de que o sintoma ou o quadro de neurose de transferência, que se deixa decompor em um emaranhado de representações, em decorrência de um evento que, a princípio, geraria uma neurose traumática, são formas encontradas, embora não muito bem sucedidas, de elaboração/ligação do trauma; superiores, talvez, à elaboração conseguida pelos simples sintomas de neurose traumática pura ou clássica.

Comecemos pela neurose traumática "pura".

A ideia de neuroses causadas por algo violento ou assustador aparece na medicina do final do século XIX e chega a nós por esse eixo que vai de Briquet à Freud, passando por Charcot (Ramos, 2008). Entre eles tem-se o cirurgião Thomas Page, que sustentava a ideia de uma neurose pós-traumática em pacientes que haviam escapado fisicamente ilesos de acidentes ferroviários, o que dará lugar à histeria masculina de Charcot.

Freud e Breuer (1895/1990) propõem o trauma como o nó causal da histeria. Trauma ali é definido como qualquer coisa que cause sentimentos fortes do gênero do susto e do medo, mas também da vergonha, atuando como uma espécie de corpo estranho. Isto é, frente ao acontecimento traumático, o sujeito se veria incapaz de descarregar o afeto ligado a certas representações, precisamente aquelas ligadas ao trauma. Como resultado, haveria uma estase do afeto, ao mesmo tempo em que essa representação seria alienada do fluxo da consciência, mantendo-se em outro lugar, de onde determinaria os sintomas. O tratamento proposto pelos dois autores, que lhe atribuíram o nome de método catártico, consistia antes de tudo em conseguir a descarga do afeto e isso por si só, supunham eles naquele momento, reporia a representação em seu lugar e seu destino seria o esquecimento normal.

O trauma, pensado aí é, pois, de qualquer natureza. Qualquer evento externo ou interno seja ele forte ou fraco, mas repetitivo neste último caso, é capaz de engendrar a estase afetiva. Contudo, em "Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa" (Freud 1896/1990), o trauma toma uma feição mais específica, a de uma experiência sexual vivida num suposto período pré-sexual, isto é, na infância, e cujos parceiros são tanto adultos quanto outras crianças, constituindo o núcleo específico tanto da histeria quanto da neurose obsessiva. O desenvolvimento da neurose aí ocorreria em dois momentos. Um primeiro seria o da própria experiência infantil e, o segundo, seria o de uma ressignificação dessa experiência na puberdade. Tal ressignificação, de tonalidade moralista, faria com que o vivido fosse recalcado e, com o fracasso do recalcamento, adviriam os sintomas.

No entanto, é bastante conhecido o fato de que numa carta a Fliess, de 21 de setembro de 1897, Freud (1897/1990) diz não crer mais em sua teoria das neuroses, isto é, parece não crer mais que as neuroses estariam em sua grande parte relacionadas a uma experiência sexual infantil vivida na realidade que denomina material. Mais adiante, Freud substitui o trauma sexual externo pela fantasia sexual patogênica, aquela que, por algum motivo, manteve o sujeito fixado na satisfação infantil. Essa substituição, porém, não é total. Na verdade, a fantasia patogênica acaba fazendo às vezes do trauma teorizado nos anos 1890. Isto é, Freud pensa numa fantasia capaz de, de algum modo, ter efeito traumático.

Mas é em Além do princípio do prazer, que Freud (1920/1990), mais do que dar uma definição econômica para o trauma, introduz a neurose traumática de fato, como a conhecemos hoje.

O autor fala-nos de neurose de guerra e de neurose de acidente, "cuja ação traumática é devida à falta de prontidão angustiada" (1920/1990, p. 33). Fala, ainda, de comoção mecânica em que a violência traumática seria capaz de liberar uma excitação sexual. Vemos que é ainda o modelo do susto: o trauma só é possível se não se está preparado para o estímulo. Freud pensa, aí, o sujeito psíquico como uma espécie de protozoário cuja superfície enrijeceu no contato com o meio ambiente e, desse modo, tornou-se protetora. Isso evidentemente é uma metáfora das defesas, uma metáfora que tem a pele como referência. É traumática a excitação que rompe essa proteção, a que denominou de paraexcitações, isto é que rompe com todas as defesas. Dado o trauma, pois, o suposto organismo produziria um intenso contrainvestimento e, por isso mesmo, haveria um também intenso empobrecimento de todo o psiquismo, gerando uma espécie de paralisia ou rebaixamento psíquico. A tarefa em face da qual o sujeito estaria diria respeito, então, a ligar essa excitação intensa ou o que se produz nela.

Ligar (bind) é um termo difícil de definir e, mesmo, de entender. A nosso ver ele tem dois sentidos não-excludentes. Um primeiro é o mais conhecido. Trata-se de levar a excitação traumática a conectar-se com a realidade psíquica. No manuscrito G, enviado a Fliess, Freud ([1894]1950/1990) fala em elevar a excitação sexual ao nível psíquico, dando-lhe um laço psíquico. Na falta disso, segundo sua teoria de então, produzir-se-ia a angústia da neurose de angústia. Desse ponto de vista, a ligação é ligação a representações. O outro sentido de ligar é o da prontidão. Ao falar em estado ligado, o autor nos remete a Breuer (Freud & Breuer, 1895/1990, p. 205, n. 6), para quem o estado de ligação de um conjunto de células é uma tensão mínima, mas existente, sem o que não haveria capacidade de condução da energia. Essa tensão mínima, a nosso ver, se refere ao afeto, uma vez que o próprio Freud (1920/1990) fala nessa prontidão para o trauma como certo estado de angústia.

O fracasso da ligação provocaria, pois, a neurose traumática e, para além do princípio do prazer, a compulsão à repetição seria intensamente mobilizada. Aliás, é justamente a repetição na neurose traumática, de representações, de ações e, sobretudo de sonhos, que serve para Freud argumentar em torno da ideia de um além do princípio do prazer, já que ali se está repetindo indefinidamente algo não-prazenteiro.

Em Inibição, sintoma e angústia, o autor (Freud, 1926/1990) introduz a ideia de angústia automática, em que o sujeito, em situação traumática ou de excesso, reage por angústia espontânea. O que se evidencia mais aí é a ideia de desamparo: na situação traumática, o sujeito psíquico vê-se desamparado diante do excesso pulsional que não pode dominar. É essa angústia que Freud supõe estar na situação de nascimento, que seria traumática por excelência. É, pois, nesse contexto que Freud de algum modo define como situação traumática aquela vivenciada com desvalimento ou desamparo. A angústia sinal, por sua vez, seria essa vivida nas neuroses de transferência, seria a resposta antecipada, protetora, contra a reprodução da situação de desvalimento vivida, a princípio, no nascimento.

É possível, então, perceber certa dialética no pensamento de Freud. a H Há o trauma, no início, que tudo explica, há a negação dessa explicação fácil, na carta 69 a Fliess (Freud, 1897/1990) e há sua retomada num outro diapasão, tanto com respeito às neuroses traumáticas, quanto nas de transferência. Mas, nestas últimas, o trauma tem uma elaboração, enreda-se em representações e, além disso, não é explícito, mas é, no máximo, interpretável ou suposto por uma reconstrução. E enfim, é preciso dizer que a descrição que Freud faz da neurose traumática não é muito detalhada.

Contudo, nos interessa destacar que toda situação traumática, justamente por causa de um sentimento máximo de desamparo, pode fazer o sujeito responder também em decorrência de situações traumáticas mais antigas, talvez mesmo originárias. É, então, possível supor que a vivência atual do trauma possa produzir neuroses de transferência pelo fato de propor de forma muito intensa – e tudo no trauma é intenso – um enigma, como já foi indicado. Esse enigma surge pelo excesso e, ainda, pelo impossível de responder às razões da situação ou, ainda, ao por que do abandono do destino: quê, pois "eu teria feito" para tanto, "o que quer de mim?". A nosso ver, isso conduz e o faz de maneira direta – ao que Laplanche (2007a) denomina Situação Antropológica Fundamental, cuja base é justamente a teoria do trauma. É uma situação de assimetria em que o infante é irremediavelmente colocado ao chegar ao mundo. Trata-se da relação adulto-criança. Nesta, há o adulto, que tem um inconsciente e que, nos cuidados relativos à sobrevivência, investe sexualmente a criança, dirigindo-lhe mensagens que para ele mesmo são enigmáticas, pois se produzem a partir do recalcado. O infante, então, não tem condições de decifrá-las completamente, uma vez que não só não domina o código, como essas mensagens excedem-lhe a capacidade de domínio. O resultado é um resto que não foi decifrado e pode ser entendido como sendo o recalcado. É interessante que esse resto de mensagem exerce pressão todo o tempo e por toda a vida. É uma pressão para ser decifrada, o que é uma tarefa apenas parcialmente possível. É essa pressão que ressurge muito fortemente na transferência, na arte e na neurose e que se coloca como enigma: "o que quer de mim?". Na verdade, isto ecoa lá do fundo da situação antropológica fundamental e pode ser lido como "o que quer de mim o adulto, que nem ele mesmo sabe?".

Se o trauma, então, produz por vezes ou muito frequentemente psiconeuroses (neuroses de transferência), é que em algum plano ele se coloca como enigma sexual e enigma do outro (adulto). A produção da neurose aí viria como tentativa de deciframento e, portanto, como elaboração, como uma superação mal ou bem sucedida.

Bohleber (2007), em artigo relativamente recente, afirma que a psicanálise, na sua história, caminhou de uma grande preocupação com a recordação do fato, fato traumático, desde as primeiras teorias de Freud, sobre o trauma sexual, até ideias mais construtivistas, que são atuais. Estas proporiam que na análise não há mais o fato em si, não há mais o em-si, ele se perdeu em meio às representações do sujeito. O que pensamos recordar no processo analítico seria, assim, fruto de intensa elaboração e múltiplas ligações. Isto é, o recordado seria (re)construído ativamente e não simplesmente rememorado. Mas isso, diz esse autor, não valeria para um único terreno, que é o da neurose traumática. Aí, a lembrança teria sido guardada como que mumificada, dissociada do restante da realidade psíquica (elaborada). Isso de tal maneira que seria preciso, para a terapia do trauma, a recordação no sentido mais literal da palavra. É dessa forma, então, que a luta pela memória social dos grandes traumas, como o holocausto judeu e os massacres políticos, seria essencial para sua elaboração.

A nosso ver, isso é bem provável. No entanto, o desenvolvimento das neuroses de transferência na sequência do trauma mostra um panorama mais complicado. O sujeito tem um conhecimento por assim dizer perfeito, que é a lembrança traumática, mas, está movido por um enorme enigma e este é necessário na transferência. Além do mais, muitas vezes essa lembrança já não se produz tão perfeitamente, mas tem que ser lida, isto é, interpretada, o que mostra que o psiquismo não estancou no momento do trauma, mas continuou seu percurso elaborador.

Esse percurso se refere ao erótico, à sua presença, inclusive, como já dissemos, na forma de sintoma histérico. Isso de tal maneira que supomos que uma explicação econômica, que poderia parecer muito mecanicista, parece ser a melhor e a mais abrangente. Trata-se da ideia de que o erótico, a erotização, surge após o trauma como forma de neutralizá-lo e de abrir caminhos para efetuar ligações. Esse processo, evidentemente, muitas vezes não é bem sucedido ou o é em níveis modestos. Dito isso, vamos, pois, ao livro de memórias da professora e filósofa franco-judia Sarah Kofman.

'Ó PAPAI, PAPAI, PAPAI!'

Trata-se de Rua Ordener, rua Labat (Kofman, 1994/2000), texto autobiográfico bastante citado, sobretudo por teóricos literários americanos de origem israelita; essa obra tem dois fortes chamativos: se refere ao holocausto judeu; e a autora, com 60 anos, suicidou-se em 1994, mesmo ano da publicação desse texto. Segundo Perrone (2002), tanto o livro, como o suicídio ocorreram durante um período em que Kofman vivia uma forte depressão. Desse modo, talvez as próprias razões do suicídio já estejam no texto.

Há no primeiro capítulo um trecho que parece muito significativo e que nos serve de entrada. Diz a autora: "Meus numerosos livros foram talvez caminhos oblíquos que tive que tomar para narrar 'isto'" (Kofman, 1994/2000, p. 22). Este capítulo começa, pois, tomando como tema a própria caneta com que a autora o está redigindo. Teria sido, pois, o único objeto que lhe restou do pai, caneta, diz a autora, a caneta que "a obriga a escrever, escrever" (p. 22). Como são rememorados acontecimentos potencialmente traumáticos, tem-se a impressão de que se trata de, por meio da escrita, restaurar a verdade histórica dos eventos, que, dissociados, estão a pressionar (Bohleber, 2007). No entanto, não cremos que seja apenas isso. Já, neste primeiro capítulo, tem-se um elemento simbólico, a caneta, que não traz somente o impulso para a escritura-relato do trauma, mas também a imagem de um objeto que liga, liga ao passado e, sobretudo, ao pai. Este último, pela distância temporal que o obscurece, já se tornou enigmático. A caneta compele também por esse motivo, pelo enigma que representa. Na verdade, são vários enigmas, entre eles, o próprio pai e a sua pessoa, a sua morte, o holocausto (que é um grande enigma: como pode o homem ocidental fazer semelhante coisa?) e os fatos que serão relatados a seguir. Pelo visto, a escritura, inspirada, segundo a autora, no estilo de George Perec – importante romancista francês, também de origem judia que perdeu os pais na Segunda Guerra –, não foi suficiente para dar sentido ou traduzir o que aí compelia, de modo que a resposta ao enigma acabou sendo talvez o suicídio.

Quando Sarah Kofman contava com seis anos de idade, seu pai foi arrestado por forças nazistas e, em seguida, encaminhado para Auschwitz, onde teria sobrevivido apenas um ano. Já se esperava que o rabino Bereck Kofman fosse capturado, até que, de fato, um tira vai à sua casa e o prende. A leitura que Sarah, não sabemos se na atualidade ou na época, – faz desse episódio, em que se confirma a arrestação, é comovente. Diz:

Lendo pela primeira vez numa tragédia grega as lamentações conhecidas 'o popoi, popoi, popoi', eu não posso evitar de pensar nesta cena de minha infância onde seis crianças na rua, no abandono de seu pai, puderam somente gritar sufocadas e com a certeza de que elas jamais o veriam de novo: 'ó papai, papai, papai' (Kofman, 1994/2000, p. 26-27).

Aí está a eloquência do trauma, do impossível de desfazer e do trágico e terrivelmente desesperador. A expressão grega o popoi é, em geral, traduzida no inglês por my word! e em francês por hélas; podemos, então, traduzir em português por "Oh, desgraça, desgraça, desgraça!". Está, pois, dada a situação irreversível que muda tudo de uma só vez e que, na tragédia grega, irá mover a narrativa e é isso também o que move a de Sarah, esse sentimento profundo do terrível e irreversível, do trágico.

Um elemento também eloquente que surge na sequência é a de um sonho, ocorrido muitos anos depois: sonha que o pai é um bêbado que atravessa uma rua em zig zag. Associa com o papel Zig Zag, para cigarros, que comprava para ele. Foi uma época, durante a Segunda Guerra, em que o tabaco estava racionado. Esse sonho, como se vê, parece ser um dos poucos modos possíveis que tem Sarah de entrar em contato com o pai; e esse início de livro parece ir bem no sentido da tentativa desse contato. Mas, é interessante notar que se trata do vício, sobretudo porque essa cena vem depois de outra, também em sonho, em que o pai fazia uma prece judaica com um copo de vinho na mão. E no vício temos também uma imagem do desejo, se se tem em conta a impossibilidade que cria o racionamento.

Mas, esse pai não representa só isso, mas também o contrário. Sua recordação é também de guardião da lei, esta última tomada ao pé da letra, a Lei Judaica. E é falando de proibição e transgressão que Sarah introduz o quinto capítulo (são 23). Fala de sua estranheza e admiração diante do fato de uma goi, não judia, poder acender o fogo em dia de sábado. Na verdade, era uma mulher contratada para fazê-lo, já que na casa de Sarah, até a morte de seu pai, a Lei era obedecida ao pé da letra. Vai, então, enumerando proibições e rituais, dos quais o pai era o encarregado. Em suas lembranças, vê o pai com o cutelo na mão, o que parece ser uma imagem bastante sugestiva, embora óbvia, de castrador, matando galinhas, segundo o rito judaico. Essa é uma das funções do rabino, o abate ritual, segundo a Lei. Fala, então, do Purim, do Rosh há-Shaná, do Iom Kipur1 1 O Purim, de forma muito genérica, é o feriado que comemora a salvação dos judeus; já o Rosh há-Shaná refere-se ao ano novo no judaísmo e o Iom Kipur, por sua vez, se refere a uma festividade importante, marcada por proibições, para exaltar a espiritualidade, conhecido também como "dia do perdão" ou "do arrependimento". etc. Isso não se refere somente à Lei e seu exercício, mas também ao encontro de origens. Depois da morte do pai, pela perseguição nazista e aos fatos que serão depois relatados, Sarah distancia-se muito do judaísmo, para depois recuperá-lo. Mas vejamos que isso não deixa de ser também recuperar o pai justamente por seu traço mais importante, a cultura e a lei judaicas. Essa é, pois, uma recuperação – ou tentativa – identificatória, já que se trata de tornar-se judia como ele o era.

Laplanche (2007a) fala-nos do complexo de Édipo e do complexo de castração como estando do lado não do sexual, mas do recalcamento. Eles seriam, pois, elementos narrativos que funcionariam como organizadores do sexual, sendo este mais primitivo, polimórfico não-ligado. Ora, se isso é de fato generalizável, é um problema importante para a Teoria da Sedução Generalizada. No entanto, no caso-texto que estamos trabalhando, isso parece ser bem evidente. O Édipo e a castração, que aparecem aí relacionando ao pai desejo, transgressão e Lei, parecem funcionar como forma de contato possível, não só com o pai, mas com tudo que não é ligado já que é o trauma que se anuncia desde o início (o popoi!). A forma como Sarah busca entrar em contato com suas lembranças ou com o que pode resultar delas é justamente a narrativa e sabemos que até aqui, aquilo que narra do pai, com alguns lances que podem ser interpretados como relacionados ao Édipo e à castração, está do lado do que é mais tranquilo, do que abre e organiza o seu texto. Em termos narrativos, esse momento em que o pai está com o vício, de um lado, e com a castração, com a lei judaica, de outro, é o momento em que não houve ainda o evento ou eventos que desequilibram a narrativa e a movem.

Com a morte do pai e a incessante perseguição nazista, a narrativa se desequilibra e passa a envolver o leitor em grande tensão.

Entre julho de 1942 e fevereiro de 1943, a mãe de Sarah ocupou-se inteiramente de esconder os seis filhos, distribuindo-os. Esse foi, aliás, um destino bem comum para crianças judias na França ocupada; foi um destino, de enfants cachés, que acabou distanciando-os das famílias e do judaísmo. Sarah foi primeiramente escondida no campo. Ao relatá-lo, como é natural, fala de como era difícil suportar a separação de sua mãe. O verdadeiro perigo, diz, era "ser separada de minha mãe" (Kofman, 1994/2000, p. 53). Conta, então, um episódio anterior à morte do pai, quando, com três anos, fora afastada de seus pais e se desesperara. Conta que, depois desse acontecimento, mudou de temperamento, tornando-se irritadiça e adquirindo o hábito de chupar o dedo. Essa associação surge, evidentemente, para explicar o quanto sofreu com a traumática separação posterior à morte do pai. No entanto, de algum modo talvez possa se ver aí certa prefiguração de uma neurose ou, ao menos, de certa fragilidade psíquica. E o que Sarah vai-nos falando é de uma angustiada paixão pela mãe.

Depois de certo tempo, para seu alívio, Sarah volta, então, para Paris, ficando com a mãe e como a vigilância nazista aumentara, ela é também escondida, aí mesmo em Paris, na casa de uma família, onde a mãe poderia ir vê-la. Depois, é escondida em um hospital. Em seguida, é novamente escondida em uma casa e quando chega a mais um desses esconderijos, na Rua Lamarck, entre soluços, vomita na entrada. A mãe, então, desiste de deixá-la ali. No dia seguinte descobre que teve sorte, pois todas as crianças que estavam ali foram presas naquela noite e deportadas.

A mãe de Sarah não desiste, contudo. Consegue outro esconderijo, o da Rua Labat, onde tanto ela quanto Sarah podiam ficar. Ali morava, pois, uma senhora não judia, que se dispunha a dar-lhes guarita. Sarah vomita no trajeto, assim como o faz na chegada. A senhora fez-se chamar por Sarah de mémé, que significa vovó em francês.

O vômito, evidentemente de natureza oral, mas talvez também com algo de anal, no sentido de expulsão, parece estar ligado à mãe, como uma resposta à separação, uma tentativa desesperada de impedi-la. No entanto, o vômito, histérico, aí, não parece estar só do lado do apego e da sobrevivência, mas também do sexual. E, esse sim, é um sexual polimórfico, desesperado, agressivo, pouco elaborado. Seja como for, o aspecto de autoconservação, que a nosso ver é o disparador, mas não necessariamente a causa dos sintomas, também necessita ser levado em conta.

Do lado propriamente da sobrevivência, podemos pensar que o desaparecimento do pai deve ter, pois, funcionado como confirmação inequívoca da possibilidade do desaparecimento também da mãe, o que teria causado grande angústia. Mas, retomemos o fio da história.

"A senhora decidiu cuidar de mim", diz Kofman (1994/2000, p. 70), pressentindo, contudo, que aí estaria em jogo algo mais que apenas uma separação da mãe. Sarah descreve, então, com grande prazer o apartamento de mémé e conta-nos que se apegou muito a ela. Mémé, porém, buscava ocasionar uma forte separação de Sarah em relação à sua mãe e isso era feito de uma maneira não exatamente violenta. Ela, por exemplo, sobretudo sabotava a cultura judaica, ridicularizando-a aos olhos da menina. Sarah passa a ser, então, chamada por um nome dito cristão: Suzanne. Havia muito carinho da parte de mémé, diz Kofman, mas esse carinho era visto por sua mãe como excessivo. Ao mesmo tempo, lemos que Sarah observa mémé nos mínimos detalhes, suas roupas, seus livros, revistas, seus costumes, seu encontro com o amante. É um olhar apaixonado e prefigura o drama que vai então se desenrolar.

Sarah fala, então, do que denominou de grandes transformações, que se davam nela mesma. Mémé mudou-lhe o penteado, a roupa e, sobretudo, a alimentação. De uma alimentação judaica, com seus tabus, Sarah passou a uma dieta gói, com a qual teria sido muito difícil acostumar-se, inclusive com carne sangrenta e a de porco. Ora, isso é também de natureza sexual. Podemos dizer que o regime sexual oral é que está sendo modificado e seu objeto faz-se representar por mémé, que o regula e que se faz também a sua fonte. Diante disso, Sarah, então, vomitava. Já vimos que esse é um sintoma pré-existente, mas a autora o interpreta como uma rejeição a nova dieta: "meu corpo, a seu modo, recusava essa dieta (...). Ela [mémé] era, entretanto, excelente cozinheira (...) conseguia fazer pratinhos tão refinados e eu nunca tinha comido tão bem" (Kofman, 1994/2000, p. 76). E aí vemos de forma muito explícita a sedução no plano da sexualidade oral – sedução e, também, certa resistência a ela, do que o vômito é uma condensação e, portanto uma tradução da mensagem do outro (mémé). Contudo, com o racionamento, ocasionado pela invasão aliada na Normandia, a alimentação tornou-se bem menos apetitosa. Mémé passava, então, bastante tempo observando o corpo de sua adotada e o seu próprio, isto é, buscando saber como estava seu "tubo digestivo" (Kofman, 1994/2000, p 77) e o de Sarah. Iniciou-a no dicionário médico, que, neste caso, funciona como um assistente de tradução, algo que recalca e ao mesmo tempo dá um sentido culturalmente compartilhado a esse olhar do outro sobre seu corpo, seu corpo oral.

Num certo dia, Sarah tem o vago sentimento de que se afasta cada vez mais de sua mãe. Isso tem como melhor alegoria o dia das mães. Sarah, agora, tem como que duas mães e compra um cartão para cada uma delas. No entanto, vê-se em conflito pelo fato de não poder esconder de si mesma que o mais bonito e sincero, dos dois é o de mémé. Envergonha-se e se sente enrubescer dentro da loja. Para esse enrubescimento há poucos elementos que permitam alguma interpretação, no entanto, é preciso ao menos chamar a atenção para o que, talvez, possa haver de prazeroso nele e, mesmo, de erótico.

Há, então, uma separação (da mãe e do judaísmo) e uma espécie de re-educação em que o castigo tem também a natureza da sedução: todas as vezes que Sarah desagrada mémé, esta sai a passear com outra menina, provocando o seu ciúme. Essa re-educação tem um lado muito culto. Mémé introduz Sarah na grande literatura, filosofia, música e lembremos que Kofman torna-se uma intelectual, portanto, apesar de todo conflito ocorre uma identificação, que pode ser atribuída à sedução. Não podemos esquecer, todavia, que o pai de Sarah era também, a seu modo, um intelectual, um rabino. Isso, de algum modo faz pensar em mémé ocupando o lugar do pai, mas de forma talvez um tanto indiscriminada, um tanto misturada com a mãe. E parece ser por esse caminho que a sedução homossexual vai surtindo resultado. É possível que Kofman não se torne homossexual – pelo menos é o que o texto parece afirmar ao final – justamente pela inclusão do pai de algum modo nessa sedução.

É de se pensar que essa passagem de Sarah de um enorme e angustiado investimento de sua mãe para um também enorme e angustiado investimento de mémé seria um substituto da passagem do investimento sexual da mãe para o investimento sexual do pai, de que Freud fala em "A sexualidade feminina" (1931/1990). A mãe, no texto freudiano, falhou e isso porque não pode poupar sua filha de sua suposta castração. No caso de Sarah isso se dá também, mas de maneira mais dramática. A falha da mãe é a de não poder proteger no nível propriamente vital. Ela não pode garantir a vida de seus filhos pelo simples fato de ser judia e de sê-lo justamente nesse momento histórico. Mesmo ao esconder-se na casa de mémé, já havia distribuído todos os outros filhos, portanto, não pôde manter a família e, desse modo, não pode cumprir seu papel de transmitir e garantir o judaísmo, transmissão essa que é, sobretudo, matrilinear. Transformada num fantasma, a mãe testemunha impotente a perda dessa filha. Já mémé está do outro lado, do lado goi e, por isso, detém toda uma força que a mãe não pode ter. Se pensarmos bem, mémé está do lado do inimigo, pois, não só por ser goi, mas também por ter fortes preconceitos antissemitas. É uma força contrária à castração, à qual é interessante aliar-se. Além de tudo, pelo fato de não seguir a lei judaica e suas proibições, algo fica não-proibido, não-castrado, o que permite certa promiscuidade entre mémé e sua protegida, além da identificação pela sedução, sedução da força, do poder.

Há uma cena, nessa sequência, que coroa esse discurso sobre a sedução. Mémé e Sarah haviam ido visitar os parentes da primeira – que vão se tornando também os parentes da segunda – e tiveram que pernoitar num hotel por terem perdido o metrô. A cena descrita por Sarah é, pois, de uma excitação sexual muito intensa. No quarto, Mémé troca-se atrás de um biombo e Sarah busca espiá-la, curiosa. Lembra-se, então, que mémé costumava passear pela casa de pijama com o peito à vista. Sarah confessa que ficava fascinada por seus seios.

A fascinação por mémé vem cada vez mais acompanhada pela ruptura com a interdição. Kofman conta-nos, então, que passou a adorar bifes sangrentos. Já não podia, diz, pronunciar uma só palavra em iídiche, assim como já não pensava em seu pai. Digamos que não só se distanciou das proibições, assim com de suas origens, como substituiu o pai. O que mais temia nesse momento era o fim da guerra, o que significaria uma separação de mémé. E, de fato, veio o dia da Liberação. Esse seria também o momento de liberação de sua mãe, que estava presa, pelas circunstâncias, à mémé, que, por assim dizer, lhe roubava a filha.

Sarah, assim, foi separada de mémé. Saíram de sua casa e a separação foi sentida pela menina como um verdadeiro dilaceramento.

A princípio, para que se acostumasse à separação, a mãe permitia que Sarah visse mémé, mas isso logo se tornaria interdito. A autora relata-o como se fosse um duelo entre mães, portanto algo muito grande, cujo resultado era o seu dilaceramento. O conflito chegou à Justiça, isto é, aos tribunais de guerra e Sarah foi devolvida a mémé. O triunfo sentido, desse modo, pela menina vem, pois, acompanhado de muita culpa, diz sentir um mal-estar muito estranho e essa é a manifestação angustiada de algo que ainda não é claro. Diz ver-se como alguém procurada por um crime.

Apesar da sentença do tribunal, a mãe toma-a a força de mémé, acompanhada de dois homens, e passa, então, a exercer um policiamento estrito. Sarah não só não pode visitar mémé, como é violentamente admoestada. A mãe surrava e enquanto o fazia gritava em iídiche: "eu sou sua mãe, eu sou sua mãe" (Kofman, 1994/2000, p. 98), como, querendo, enfiar-lhe a força esse ensinamento. De forma interessante, Sarah sentia-se aliviada, provavelmente pelo castigo e não pelo limite posto, uma vez que as tentativas de encontrar mémé continuavam.

As associações da autora nos levam à ideia de duas mães, mães em conflito e isso por uma via que desemboca explicitamente, segundo ela, no conceito kleiniano de mãe boa e mãe má e de ambas por vezes se misturando ou, ainda, a ideia de se encontrar uma onde se espera a outra: "o mau seio no lugar do bom seio, um perfeitamente separado do outro, um se transformando no outro" (Kofman, 1994/2000, p. 107). Essa parece ser a maneira que tem nesse momento (o da escritura do texto) de traduzir essa luta entre forças psíquicas tão poderosas, forças essas que devem ter tido um papel em seu suicídio. Isso nos leva à figura da Maredewitchale, "figura fantasmagórica e terrificante da minha infância, eu a representava sob a forma de uma mulher muito velha que devia vir me punir levando-me para longe de casa" (Kofman, 1994/2000, p. 116, grifos da autora). Quando Sarah e os irmãos brigavam ou gritavam, a mãe as trancava num quarto escuro e as ameaçava com a vinda dessa personagem.

O conflito entre as duas 'mães' continua. Estranhamente, certa vez a mãe de Sarah tem de viajar e a deixa justamente com mémé. O que chama a atenção nesse idílico re-encontro foi que dormiram na mesma cama e, frente à proximidade do corpo de mémé, Sarah tem fortes sensações. Sente calor, sede, enrubescer-se etc. É assim, pois que pode traduzir a presença impositiva e excitante dessa mulher-corpo.

Algum tempo depois, Sarah é internada por nove meses em um preventório. Ali adquire a liberdade de escrever para mémé. Ao mesmo tempo, liga-se fortemente a uma enfermeira, reproduzindo, de algum modo, a relação com mémé, de forma que a separação, ao sair do hospital, foi também sentida como dilacerante. Sarah parece assemelhar-se a um imã, pronta a ligar-se a tudo que pareça mãe, menos à mãe, talvez pela falha desta, como já foi dito, ou pelo excesso que a ligação com ela pode ter representado ou porque, melhor, a ameaça de perda, que vem da mãe, pela sua fraqueza, pela sua perecibilidade, é muito intensa e se torna mais fácil de metabolizar longe dela, com outra. Eis que toda essa experiência é colorida por ódio, ódio talvez pelo que se sente ser uma falha da mãe, que está sendo, de certo modo, morta enquanto mãe.

A passagem para mémé pode, assim, ser entendida duplamente. De um lado, ela vem substituir o pai faltante e também decepcionante justamente pela sua falta. Trata-se, então, do objeto genital. Em outro nível, pré-genital, mémé substitui a mãe, como acabamos de dizer. Com essas mulheres, mémé e a enfermeira, parece que Sarah busca de algum modo anular a separação-trauma, mas não diretamente do pai, mas da mãe; embora não se possa esquecer que a separação da mãe liga-se diretamente à do pai.

Na sequência do relato, então, a menina é enviada para uma casa de filhos de pais deportados. O grande fato desse momento é que Sarah diz reconciliar-se não só com o judaísmo, mas também com a figura masculina. Passa a obedecer todos os interditos judaicos e notemos a contemporaneidade do aparecimento dessas duas coisas, o masculino e a lei. Nesse sentido, podemos supor que algo da figura materna também é recuperado, mas não isento de mal-estar. Sarah ainda recebe as cartas de mémé.

Nesse lugar, liga-se fortemente à bibliotecária e, depois, a outra aluna, de quem diz tornar-se inseparável.

Cinco anos mais tarde, retorna à casa materna. Aí, porém ainda ocorrem entre ambas, mãe e filha, cenas que qualifica de horríveis.

Tempos depois, põe-se a preparar-se para a faculdade, vai, então, morar numa casa de estudantes. Aproveitando-se dessa independência, passa, em todos os verões, um mês com mémé e ali fala muito de suas amigas. Em seguida, corta o contato com ela, mémé. Ao reatar esse contato, volta agora sempre acompanhada de algum rapaz. Nos dois parágrafos seguintes, conta que mémé morreu recentemente e que não pode ir ao funeral. Mas soube que o padre, no funeral, lembrou-se de dizer que "ela tinha salvado uma meninazinha judia durante a Guerra" (Kofman, 1994/2000, p. 131).

O final, portanto, é aparentemente feliz, Sarah liberta-se de mémé, volta a suas raízes judaicas, reconciliando-se com o pai morto e faz uma opção heterossexual. O que permanece de pouco feliz, ao menos aparentemente, é o sentimento de culpa relacionado ao trair e abandonar a mãe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sarah vive um momento traumático para todo o mundo ocidental, a sequência de duas guerras generalizadas na Europa, na primeira metade do século XX, e que, pela barbárie que revelou, explodiu com elas os valores de todo um mundo. O homem europeu, crendo-se herdeiro dos mais altos valores da Renascença e do Iluminismo, supondo-se regido pelo imperativo da Razão, vê-se arrastado para o exercício quase pleno da sexualidade polimórfica, não-ligada. Isso, evidentemente, se dá tanto no plano coletivo como no individual. O plano coletivo é esse do morticínio guerreiro, do genocídio programado, do saque e da violação em massa, do terror generalizado etc. No plano individual são muitas as formas, entre elas estão os sintomas da neurose traumática e de outras neuroses derivadas ou associadas. O que estamos vendo relatado por Sarah seria um desses modos de materialização ou particularização do coletivo.

O ponto de partida se refere a uma perda por morte, neste caso do pai e em circunstâncias socialmente aterrorizantes, em que há poucas possibilidades de acolhimento das angústias derivadas do luto, isto é, da luta com o objeto e de seu desinvestimento e ressignificação (Hage, 2001). Também temos o fato de que, perdido o pai, a mãe acaba também o sendo, seja de forma real, seja imaginária. Mas, seja como for, uma mãe realmente morta e uma mãe em perigo de ser perdida não são a mesma coisa. Talvez – e isso é bem uma especulação – o suicídio bem sucedido de Sarah tenha a ver com o fato de que a mãe que ela mata, de fato, não morrera. Transformada num fantasma, a mãe continuaria a assombrá-la. Sarah dá, finalmente, uma solução. Ela morre à procura, talvez, de uma espécie de paz, já que a morte pode ser assim traduzida. Mas a morte, além de funcionar aí como saída para conflitos e como agressão contra o objeto, se oferece como forma de juntar-se a ele. Mas, Sarah, iria juntar-se a quem? Temos o pai, a mãe e memé mortos!

Outro aspecto importante a ser assinalado é o fato de que, embora o ponto de partida do sofrimento psíquico que apresenta Sarah seja o trauma, ela não parece apresentar sintomas clássicos de neurose traumática, a não ser as complicações psiconeuróticas.

Isso parece natural, contudo. Não se trata, pois, de um trauma "simples", trata-se de uma criança, que depende de seus pais, tanto no sentido da autoconservação, como libidinal. Há uma expressão interessante para qualificá-lo, ao menos no caso de Sarah Kofman. Suleiman (2008) fala de geração " 1,5", no que diz respeito à Shoá (Holocausto). Seria uma geração entre duas outras, entre a primeira que, já adulta, sofreu as consequências diretas ou indiretas do holocausto, e a segunda, que nasceu depois da Guerra. Diz Nordhold (2008):

os sobreviventes formam uma categoria à parte, que está situada entre a primeira e a segunda geração. 'Geração liminar' (cf. Jaron) ou Geração 1,5 (Suleiman), sua situação é a de sustentar-se entre dois: entre duas gerações, entre a infância e a adolescência, entre duas línguas, entre duas religiões. (p. 8).

Todos os membros dessa geração intermediária, diz-nos Suleiman (2008), "sofreram as experiências traumáticas, mais frequentemente aquelas ligadas à separação de seus próximos" (p. 76). Isso leva a pensar, então, em traumatismos a nosso ver complexos e complementares, que se referem a várias rupturas e, portanto, várias situações de excesso: mudança de lar, orfandade, queda econômica e de nível social, exclusão, desamparo e abandono em vários graus. Há um momento mais abrupto, em geral, que é a notícia da morte (o popoi, popoi, popoi!), seguido de traumatismos menores, variados e repetidos.

Podemos pensar, então, em três problemáticas, que podem ser separadas: (1) a do luto; (2) a da angústia de perda do objeto; e (3) a do trauma propriamente dito.

Quanto ao luto, vemos Sarah lutando contra o objeto perdido ou em vias de perder. Isso pode ser observado na relação com sua mãe e, talvez, também na relação com mémé, quando deixa de vê-la e nem mesmo vai a seu enterro. Também manifesta seu ódio inconsciente em relação ao objeto, vingando-se dele, por exemplo, desobedecendo ao objeto, desafiando-o, infringindo as proibições, deixando-se seduzir e, então, desviando-se do judaísmo e, sobretudo, trocando de mãe. Vejamos como é difícil discriminar o objeto mãe do objeto pai; é que parecem estar bastante fundidos. Isso possivelmente se dá por um avanço do pré-edipiano, isto é, do polimórfico não-ligado, isto é, do que Laplanche (2007b) tem como o sexual propriamente dito, sobre o edipiano, isto é, o ligado, o mais elaborado.

A problemática da perda do objeto ou da angústia de ameaça de perda pode ter a ver com o luto, mas, mesmo que tenha, vai mais longe, pois se trata de ameaça. Se refere tanto ao objeto morto como ao que ficou. Dissemos atrás que é diferente perder o objeto, por morte, e estar-se ameaçado de perdê-lo. No entanto, isso é bastante complexo. Também, dissemos que Sarah não perdeu sua mãe na realidade material, mas perdeu o pai! Mas, Sarah não pode perder, não inteiramente, por isso, prefere perder a mãe e manter mémé, o que, ademais, parece ser uma forma de não perder. Identificando mémé com o objeto, este cresce em potência – já que ela não é judia e não está em risco – e não pode ser perdido.

A problemática do trauma, por sua vez, está bem aí, mas um tanto oculta. Também se refere a reproduzir a perda do objeto, isto é, reproduzir o que não se pode dominar, para, então, dominar, ao menos dominar as sensações que causou. Em Sarah, isso parece se dar tanto na passagem para mémé, como pelo desespero que a faz lutar contra a perda dessa última depois da guerra.

O que há, enfim, também, é que o erótico está também em tudo isso, sobretudo nas tentativas de conquista e retenção do objeto; na sedução, no deixar-se seduzir. E o complexo de Édipo aí se inclui. Talvez o faça justamente por essa via que permite que todo o processo de elaboração do trauma e do luto se dê no palco do erotismo. O Édipo aí talvez seja a forma que o sujeito consegue dar a essa luta contra a perda. Talvez, ainda, seja mais que uma forma, mas uma resposta ao enigma do outro, que nesses casos se avultou com as perdas e ameaças. "O que quer de mim", pergunta-se, de algum modo, Sarah em relação ao objeto, e essa pergunta é dirigida a mémé, e isso é algo que vaza para o leitor, de forma que este se pergunta desconfiado: o que quererá mesmo essa senhora com essa menina? Algo perverso?

O resultado de todo esse processo, em Sarah infelizmente acabou sendo a morte. Foi, talvez, a resposta final e definitiva que deu ao outro também morto, talvez identificada com ele. Devedora dessas mortes, criminosa, como se imaginava, a pequena Sarah, numa espécie de luto impossível, se mata e anula assim, talvez por fortes sentimentos de culpa, as várias vezes que a mãe lhe dá a vida: ao nascer, ao retirá-la da rua Lamarck, ao escondê-la na rua Labat e, quem sabe, ao retirá-la desta última.

Recebido em 07-08-201

Aceito em 29-11-2012

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  • Endereço para correspondência

    Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto.
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    O Purim, de forma muito genérica, é o feriado que comemora a salvação dos judeus; já o Rosh há-Shaná refere-se ao ano novo no judaísmo e o Iom Kipur, por sua vez, se refere a uma festividade importante, marcada por proibições, para exaltar a espiritualidade, conhecido também como "dia do perdão" ou "do arrependimento".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Ago 2012
    • Aceito
      29 Nov 2012
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