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Fatores de risco e de proteção em adolescentes vítimas de abuso sexual

Risk and protective factors in adolescent's victims of abuse sexual

Factores de riesgo y de protección en adolescentes víctimas de abuso sexual

Resumos

Este artigo refere-se a uma pesquisa qualitativa que visou identificar os fatores de risco e de proteção em casos de abuso sexual na adolescência. Foram entrevistadas duas meninas adolescentes vítimas de abuso sexual, de um município do Interior do Rio Grande do Sul. Os dados das entrevistas foram analisados por meio da Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). Em relação aos resultados, percebe-se uma presença maior de fatores de risco do que de fatores de proteção no momento atual de vida das adolescentes, o que merece uma atenção especial por parte dos serviços que atendem estes casos. Sugerem-se pesquisas referentes aos estudos relacionados à resiliência e aos aspectos positivos da vida do ser humano, em vítimas de abuso sexual, buscando fortalecer os aspectos saudáveis das vítimas e ajudá-las a reconstruir sua vida.

Abuso sexual; fatores de risco; fatores de proteção


This work refers to a qualitative search that aimed to identify risk and protective factors in cases of the sexual abuse in the adolescence. We interviewed two teenager girls victims of sexual abuse who were in treatment at Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) from a country city of Rio Grande do Sul/Brazil. The Interview's data were analyzed through the Content Analysis (Bardin, 1977). Relating to the search results, we observed a greater presence of risk factors than protection factors in the teenagers present moment of their life, which deserves a special attention by the services that meet these cases. It is suggested future research related to the studies about resilience and positive aspects of human life, on victims of sexual abuse, since they can strengthen the victims' healthy aspects, helping them to rebuild their lives.

Sexual abuse; risk factors; protective factors


Este artículo se refiere a una investigación cualitativa que pretendió identificar los factores de riesgo y de protección en casos de abuso sexual en la adolescencia. Fueron entrevistadas dos niñas adolescentes víctimas de abuso sexual, de una ciudad del interior de Rio Grande do Sul. Los datos de las entrevistas fueron analizados a través del Análisis de Contenido (Bardin, 1977). En relación a los resultados, se percibe una presencia mayor de factores de riesgo que de factores de protección en el momento actual de vida de las adolescentes, lo que merece una atención especial por parte de los servicios que atienden estos casos. Se sugiere investigaciones futuras referentes a los estudios relacionados a la resiliencia y a los aspectos positivos de la vida del ser humano, en víctimas de abuso sexual, buscando fortalecer los aspectos saludables de las víctimas, ayudándolas a reconstruir sus vidas.

Abuso sexual; factores de riesgo; factores de protección


ARTIGOS

Fatores de risco e de proteção em adolescentes vítimas de abuso sexual

Risk and protective factors in adolescent's victims of abuse sexual

Factores de riesgo y de protección en adolescentes víctimas de abuso sexual

Jeane Lessinger BorgesI; Veranice Tatiane ZinglerII

I Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, docente do curso de Psicologia da Faculdade Três de Maio/SETREM, Brasil

II Psicóloga pela Faculdade Três de Maio/SETREM, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Faculdade Três de Maio - Curso de Psicologia, Av. Santa Rosa, 2405 CEP 98.910-000 Três de Maio-RS. E-mail: jeanepsico@yahoo.com.br

RESUMO

Este artigo refere-se a uma pesquisa qualitativa que visou identificar os fatores de risco e de proteção em casos de abuso sexual na adolescência. Foram entrevistadas duas meninas adolescentes vítimas de abuso sexual, de um município do Interior do Rio Grande do Sul. Os dados das entrevistas foram analisados por meio da Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). Em relação aos resultados, percebe-se uma presença maior de fatores de risco do que de fatores de proteção no momento atual de vida das adolescentes, o que merece uma atenção especial por parte dos serviços que atendem estes casos. Sugerem-se pesquisas referentes aos estudos relacionados à resiliência e aos aspectos positivos da vida do ser humano, em vítimas de abuso sexual, buscando fortalecer os aspectos saudáveis das vítimas e ajudá-las a reconstruir sua vida.

Palavras-chave: Abuso sexual; fatores de risco; fatores de proteção.

ABSTRACT

This work refers to a qualitative search that aimed to identify risk and protective factors in cases of the sexual abuse in the adolescence. We interviewed two teenager girls victims of sexual abuse who were in treatment at Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) from a country city of Rio Grande do Sul/Brazil. The Interview's data were analyzed through the Content Analysis (Bardin, 1977). Relating to the search results, we observed a greater presence of risk factors than protection factors in the teenagers present moment of their life, which deserves a special attention by the services that meet these cases. It is suggested future research related to the studies about resilience and positive aspects of human life, on victims of sexual abuse, since they can strengthen the victims' healthy aspects, helping them to rebuild their lives.

Key words: Sexual abuse; risk factors; protective factors.

RESUMEN

Este artículo se refiere a una investigación cualitativa que pretendió identificar los factores de riesgo y de protección en casos de abuso sexual en la adolescencia. Fueron entrevistadas dos niñas adolescentes víctimas de abuso sexual, de una ciudad del interior de Rio Grande do Sul. Los datos de las entrevistas fueron analizados a través del Análisis de Contenido (Bardin, 1977). En relación a los resultados, se percibe una presencia mayor de factores de riesgo que de factores de protección en el momento actual de vida de las adolescentes, lo que merece una atención especial por parte de los servicios que atienden estos casos. Se sugiere investigaciones futuras referentes a los estudios relacionados a la resiliencia y a los aspectos positivos de la vida del ser humano, en víctimas de abuso sexual, buscando fortalecer los aspectos saludables de las víctimas, ayudándolas a reconstruir sus vidas.

Palabras-clave: Abuso sexual; factores de riesgo; factores de protección.

Este artigo refere-se a uma pesquisa qualitativa exploratória que buscou avaliar os fatores de risco e de proteção em casos de abuso sexual na adolescência. Buscou-se avaliar a presença de fatores de risco para a ocorrência de abuso sexual e suas sequelas e de fatores de proteção individuais, familiares e comunitários após a revelação. O abuso sexual infanto-juvenil refere-se ao envolvimento de uma criança ou adolescente em atividade sexual inapropriada com um adulto ou com uma pessoa em estágio de desenvolvimento superior ao da vítima. Esta pessoa busca a gratificação sexual na criança ou no adolescente, o que pode ocorrer sem contato sexual (voyeurismo, exibicionismo), com contato sexual sem penetração (toques, carícias e masturbação) ou com penetração sexual (vaginal, anal e oral) (Ministério da Saúde, 2002). O abuso sexual pode acontecer tanto no contexto intrafamiliar (quando cometido por pessoas afetivamente próximas, que se configuram como figuras de cuidado à criança ou ao adolescente) quanto no contexto extrafamiliar (quando é cometido por pessoas desconhecidas, incluindo as situações de estupro) (Habigzang, Ramos & Koller, 2011).

Estudos têm apontado que o abuso sexual ocorre comumente dentro do contexto familiar (Borges & Dell'Aglio, 2008; Serafim, Saffi, Achá & Barros, 2011). Entre os principais perpetradores está a figura do padrasto, do pai, do tio e do avô (Habigzang et al., 2011; Serafim et al., 2011). Neste caso o abuso sexual caracteriza-se como um evento incestuoso, uma vez que ocorre no âmbito familiar e é cometido por pessoas afetivamente próximas da criança ou do adolescente.

Alguns estudos apontam a presença de variáveis de risco dentro da dinâmica familiar nos casos de abuso sexual (Santos, Pelisoli, & Dell'Aglio, 2012). A família é o primeiro contexto de desenvolvimento do sujeito, denominado, na perspectiva da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1996) de microssistema, em que o adolescente estabelece relações próximas e recíprocas e cada membro do grupo familiar desempenha diferentes papéis. Bronfenbrenner (1996) aponta que o potencial desenvolvimental do microssistema está associado à presença de sentimentos positivos mútuos e a trocas com os demais contextos. Este microssistema, não obstante, pode ser caracterizado pela presença de fatores de risco para a ocorrência de abuso sexual, principalmente quando se observa de forma intergeracional o fenômeno da violência, a presença de conflitos conjugais, os pais com algum transtorno psiquiátrico, o uso de álcool e drogas e rupturas de vínculos afetivos (Borges & Dell'Aglio, 2008). Relações desiguais de poder nos relacionamentos familiares, falta de comunicação, segredos, ameaças, baixa coesão familiar e altos níveis de conflitos são comumente observados nas famílias abusivas (Santos et al., 2012). Entre outras variáveis presentes no contexto familiar encontram-se a permanência longa da criança sozinha com o agressor, a falta de comunicação, o segredo, a inversão de papéis, a sobreposição de tipos de violência no contexto familiar e famílias isoladas, as quais se encontram distantes dos serviços de rede de apoio e nas quais há um maior segredo (Santos et al., 2012). O contexto familiar de adolescentes vítimas de abuso sexual geralmente é caracterizado ainda pela inversão de papéis e pela falta de abertura para trocas com os outros contextos do desenvolvimento. Tais características familiares contribuem para que a adolescente permaneça presa ao ciclo de violência (De Antoni, Barone & Koller, 2007).

O abuso sexual é entendido como um evento traumático na infância e na adolescência e está associado a uma heterogeneidade de sequelas no desenvolvimento (Borges & Dell'Aglio, 2008 e 2012). Estudos apontam a presença de sequelas emocionais, cognitivas e comportamentais associadas à ocorrência de abuso sexual na infância (Borges, 2007; Serafim et al., 2011). Variáveis do abuso (idade do início, duração, frequência, severidade, tipo, proximidade afetiva com o abusador), reações familiares após a revelação, o estilo atribucional da vítima, o uso de estratégias de enfrentamento, a presença de história de doença mental anterior ao abuso e a exposição a múltiplos eventos estressores ou a sobreposição de riscos pessoais e ambientais têm sido citados com fatores de risco para o desenvolvimento de sequelas após o abuso sexual (Lynskey & Fergusson, 1997; Tyler, 2002). De acordo com Borges e Dell'Aglio (2008 e 2012), dificuldade de concentração, medos, choro frequente, pesadelos, comportamento sexualizado e enurese foram observados numa amostra clínica de meninas vítimas de abuso sexual. O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) foi encontrado em 65% dos casos de meninas vítimas de abuso sexual (Borges & Dell'Aglio, 2008). Também se observou associação entre este transtorno e prejuízos cognitivos e neurobiológicos (Borges & Dell'Aglio, 2012). Em um estudo feito em São Paulo com uma amostra de 205 crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, as consequências mais comuns nestes casos foram sintomas de depressão e de TEPT e comportamento sexualizado e de isolamento (Serafim et al., 2011). Em outro estudo, numa amostra clínica com meninas vítimas de abuso sexual, na região metropolitana de Porto Alegre/RS, foram observadas distorções cognitivas sobre a visão de si, sentimentos de baixa autoestima e de desvalia (Hatzenberger, Habigzang & Koller, 2012).

Não obstante, há uma lacuna de pesquisas teóricas e empíricas sobre os fatores de proteção presentes a nível individual e familiar que possam contribuir para a superação do abuso sexual, ou seja, de estudos que enfoquem os aspectos saudáveis das vítimas de abuso sexual na infância e na adolescência. Por exemplo, uma visão positiva de futuro foi relatada por meninas vítimas de abuso sexual (Hatzenberger et al., 2012), o que indica a necessidade de pesquisas sobre a resiliência destas vítimas.

A investigação da interação entre risco e proteção pode contribuir para uma maior compreensão de como estes interagem, podendo estar associados a um processo de resiliência. Este conceito refere-se à habilidade do ser humano em superar as situações estressoras e vivenciar um desenvolvimento saudável após a exposição a riscos (Yunes & Szymanski, 2001). Atualmente esta capacidade do indivíduo de superar as situações de adversidades e vivenciar momentos de bem-estar e de recuperação vem sendo compreendida não como um evento isolado, mas como um processo dinâmico (Yunes, 2006). É na interação entre risco e proteção e no modo como estes se encontram presentes nos diferentes contextos do desenvolvimento que se compreende a resiliência. Além disso, pode-se ser resiliente diante de alguns eventos estressores e não o ser diante de outros, uma vez que, além da interação entre risco e proteção, também está presente a avaliação subjetiva da pessoa sobre o evento estressor. Por exemplo, Daud, Klinteberg e Rydelius (2008) encontraram que a expressão emocional, o suporte familiar, bom relacionamento com o grupo de pares e comportamento pró-social foram associados com resiliência em crianças traumatizadas. Entre adolescentes brasileiros (Assis, Pesce & Avanci, 2006) foi observado que religião, autoestima elevada, satisfação com a vida, ausência de sofrimento psíquico e uso de estratégias de coping adaptativas foram algumas das variáveis individuais associadas à resiliência.

De Antoni et al. (2007) indicam como fatores de proteção presentes nas famílias a rede de apoio social e afetiva, a possibilidade da família de acessar serviços, a valorização das conquistas e o desejo de mudança. Além disso, estudos têm indicado o suporte da mãe e de outros familiares como um dos fatores de proteção no processo de resiliência de crianças e de adolescentes vítimas de abuso sexual (Santos & Dell'Aglio, 2009; Santos et al., 2012). O afastamento do agressor, a atitude de confiança da família diante da revelação e a atitude de denunciar o abuso se constituíram num fator de proteção (Habigzang et al., 2011).

A rede de apoio social e afetiva da criança (família, escola, comunidade, serviços da rede de assistência social, Ministério Público, Conselho Tutelar, Delegacia) pode minimizar os efeitos do abuso sexual no momento da acolhida da vítima (Habigzang et al., 2011). Uma rede de apoio afetiva atuante permite que a criança e o adolescente tenham acesso a melhores condições de vida diante de riscos (Mayer & Koller, 2012); contudo, Habigzang, Azevedo, Koller e Machado (2006), ao mapearem fatores de risco e de proteção na rede de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, apontaram lacunas no funcionamento desta rede. Estas autoras relataram dificuldade dos órgãos de proteção em intervir efetivamente nos casos, bem como falta de comunicação entre os serviços, fatores que não possibilitaram um trabalho intersetorial. Tal fato pode contribuir para que as vítimas permaneçam em situação de risco ante a revelação do abuso sexual. Por exemplo, foram observadas situações em que os encaminhamentos do Juizado da Infância e Juventude não foram atendidos, as crianças permaneceram em instituições de acolhimento por tempo prolongado, as crianças permaneceram em contato com o suposto abusador, entre outras (Habigzang et al., 2006).

Considerando estes aspectos, este estudo buscou responder às seguintes questões norteadoras: "Quais são os fatores de risco nos casos de abuso sexual na adolescência?"; "Quais são os fatores de proteção presentes na vida de adolescentes vítimas de abuso sexual?"; e, "Estes fatores contribuem para um processo de resiliência individual e familiar?".

Método

Participantes

Foram entrevistadas duas adolescentes com idades de 15 e 18 anos. A amostra é de conveniência e as adolescentes se encontram em atendimento num serviço público de referência de atendimento psicossocial a vítimas de violência denominado Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), de um município do Interior do Rio Grande do Sul. Na secção dos resultados e discussão é realizada uma breve descrição dos dois casos investigados.

Instrumentos e procedimentos

Os instrumentos utilizados na pesquisa foram:

  • Questionário sociodemográfico: a partir das informações contidas no prontuário da adolescente junto ao CREAS, buscou-se verificar a idade e a escolaridade da vítima, o tipo de abuso sexual sofrido, a identidade do agressor e esclarecimentos referentes à notificação e ao atendimento psicológico.

  • Entrevista semiestruturada com a adolescente: contemplou questões como, por exemplo: "Poderias me contar um pouco sobre alguns momentos positivos que tens vivenciado ultimamente?; "Quando você vivencia um momento difícil, a quem você geralmente pede ajuda?"; e "Quais são as características mais marcantes de tua família que achas importante?". Tais questões foram oriundas da teoria sobre fatores de risco e de proteção nos casos de abuso sexual infantojuvenil (Modelo Fechado, de acordo com Silva, Gobbi, & Simão, 2005).

Em relação aos procedimentos da pesquisa, inicialmente foi realizado contato com o serviço e apresentado o projeto, e depois, solicitada a assinatura do Termo de Autorização do serviço. Posteriormente, as psicólogas do serviço indicaram à pesquisadora duas participantes, que poderiam ser entrevistadas, conforme avaliação clínica da equipe do CREAS. Para este procedimento, as psicólogas convidaram duas adolescentes vítimas que estavam em atendimento no serviço havia mais de um ano e atendiam aos critérios de inclusão adotados, a seguir descritos: a) ser adolescente (12-18 anos); b) ter vivenciado um episódio de abuso sexual (intrafamiliar ou extrafamiliar) ao longo da vida; c) estar acompanhada por um cuidador responsável; e d) o último episódio de abuso sexual ter acontecido mais de 30 dias antes do convite.

Após indicação da equipe, foi agendado um encontro entre as adolescentes e a pesquisadora, em que esta última prestou esclarecimentos sobre a participação na pesquisa e explicou os objetivos do estudo. Após o aceite verbal, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos pais ou responsáveis. A entrevista semiestruturada foi previamente agendada e realizada individualmente numa sala disponibilizada no espaço do serviço e foi gravada e, posteriormente, transcrita. As informações referentes ao questionário sociodemográfico foram preenchidas a partir dos dados presentes nos prontuários das adolescentes complementados com os dados de uma conversa com as psicólogas que acompanhavam o caso. Ressalta-se que algumas informações previstas no questionário não estavam contidas nos dados dos prontuários, por estes estarem incompletos.

Critérios de análise dos dados

As entrevistas semiestruturadas com as duas adolescentes, após serem transcritas, foram analisadas por meio da Análise de Conteúdo de Bardin (1977), e a partir das verbalizações das adolescentes foram construídas categorias temáticas.

Questões éticas

Na elaboração desta pesquisa levou-se em conta o estabelecido na Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996), a qual apresenta as questões éticas referentes a pesquisas envolvendo seres humanos. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ/RS), a qual a aprovou.

Resultados e discussão

Inicialmente serão apresentados os casos de duas adolescentes com histórico de abuso sexual na adolescência. Os nomes serão fictícios, para resguardar a identidade das adolescentes. Em seguida serão apresentados os resultados provenientes das entrevistas, os quais foram divididos em categorias semânticas.

Caso 1

A adolescente Luíza tem 18 anos e mora com a mãe, o padrasto e um irmão de nove anos. Luiza foi vítima de abuso sexual extrafamiliar, num episódio único, no ano de 2008, caracterizado como estupro, em que os autores da violência foram quatro jovens adultos. O episódio foi filmado e veiculado na internet. Após o abuso sofrido, Luíza voltou para casa a pé e, ao chegar em casa, relatou o corrido à sua mãe, A reação materna à revelação foi de acolhida e apoio e, segundo relato de Luiza, a mãe chorou muito. A mãe e a adolescente registraram a ocorrência na Delegacia de Polícia e a adolescente foi encaminhada para atendimento junto ao serviço especializado na rede de proteção do município - CREAS -, onde se encontra até hoje em atendimento. Entre as repercussões do abuso sexual na vida desta adolescente está o abandono da escola, uma vez que os vídeos da internet foram divulgados entre os colegas, o que para Luíza foi muito difícil de ser enfrentado, por sentimento de vergonha. Outra consequência foi o sentimento de insegurança e o medo de realizar, sozinha, as tarefas do dia a dia, além de dificuldade nos relacionamentos interpessoais e uma maior irritação. Na família ampliada, os tios questionaram a mãe de Luíza, acusando-a "dela não saber cuidar da gente" e acusando a adolescente de ter "provocado" a situação. Luíza fala dos tios da seguinte maneira: [eles ficaram] "questionando a gente, achando que a eu fiz porque eu quis". A mãe acreditou no relato e acompanhou a filha nos atendimentos iniciais.

Caso 2

A adolescente Laura tem 15 anos, mora com a mãe (28 anos), o padrasto (30 anos) e a irmã, de um ano e sete meses, filha de sua mãe com o padrasto. Laura tem três irmãos (uma menina e dois meninos), dos quais dois moram com a avó paterna e um já é casado, e ambos são filhos de seu pai e sua mãe. Laura sofreu abuso sexual intrafamiliar cometido pelo padrasto, no ano de 2010, em episódios repetidos. Após o abuso sofrido, Laura revelou inicialmente aos amigos o que tinha acontecido e fugiu de casa. Ao voltar para casa contou o ocorrido ao irmão e ambos foram registrar um boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia. Por serem menores de idade, nem ela nem o irmão conseguiram registrar a ocorrência. Então Laura voltou para casa, contou o ocorrido para a mãe e pediu-lhe que a acompanhasse na delegacia para fazer a denúncia; no entanto a mãe não acreditou no seu relato e ainda ameaçou bater nela. Diante desta atitude de sua mãe Laura fala: "não é mais minha família". Entre as repercussões do abuso sexual sofrido observa-se que Laura abandonou a escola e passou a fazer uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas. No contexto familiar, houve uma ruptura dos vínculos familiares entre ela e sua mãe e entre os irmãos e a mãe. Além disto, o uso de álcool por parte de diferentes membros da família pode ser um fator de risco familiar. Laura continua morando com o padrasto e relatou que não voltou a sofrer violência sexual, mas que é exposta à violência física. Há suspeita de que atualmente uma irmã de Laura venha sofrendo abuso sexual por parte do padrasto.

Categoria "Fatores de risco na vida da adolescente"

Esta categoria engloba as verbalizações referentes aos fatores de risco presentes na trajetória de vida da adolescente. Os fatores de risco podem ser descritos como condições ou variáveis associadas com a maior probabilidade de resultados desenvolvimentais negativos (Morais, Koller & Raffaelli, 2010).

Por exemplo, na trajetória de vida de Laura observou-se a presença de diversos fatores de risco, a nível tanto individual e familiar quanto comunitário. Como consequência dos fatores de risco individuais associados às sequelas do abuso sexual, Laura faz uso de álcool, tabaco e outras drogas. A adolescente trouxe o seguinte relato: "Eu comecei a beber, fumar, cheirar, fazer o que não devia". Ainda dentro dos fatores de risco individuais, tem-se a percepção de Laura em relação a si mesma, denotando um sentimento de baixa autoestima, uma vez que ela relata "Eu me vejo como uma menina negativa, que traz problemas e não tem como se defender." Além disso, observa-se a insegurança da adolescente em relação à sua própria capacidade. Por exemplo, ela fala: "A maioria das coisas que eu vou fazer, eu preciso de acompanhante. ... antes eu era uma menina educada e inteligente, mas agora não sou mais."

Na trajetória de vida de Laura ainda foi possível perceber a presença de fatores de risco familiares, além da situação de abuso sexual intrafamiliar vivenciada. Por exemplo, é relevante considerar a reação materna diante da revelação do abuso, principalmente o fato de a mãe culpar a menina pelo episódio ocorrido. Laura fala: "... porque a minha mãe não tava do meu lado, ela ficou contra mim, parece que me culpava por o meu padrasto tentar me pegar, que eu queria." Além disso, a adolescente ainda relatou: "Cheguei em casa e contei pra minha mãe e ela disse que ia me bater".

Estudos têm apontado que a reação materna a à revelação do abuso sexual é um dos fatores mediadores do impacto desta violência para a criança ou adolescente (Borges, 2007; Santos & Dell'Aglio, 2009). As reações maternas podem ser caracterizadas como de apoio e proteção ou, ainda, de evitação, indiferença ou ambivalência (Santos & Dell'Aglio, 2009). No caso de Laura observa-se a falta do apoio materno e um discurso de culpabilização pelo abuso ocorrido. Além disso, na família ampliada também houve falta de apoio. Ambas as situações podem colocar Laura novamente em situações de risco e de violência.

Já no caso de Luíza, observou-se na família ampliada uma reação de culpabilização da mãe e da adolescente. Esta comenta: "Ficaram bravos, questionando a gente, achando que eu fiz porque eu quis,...., falaram mal, que a minha mãe não soube cuidar da gente". Desta forma, a família ampliada não ofereceu apoio à vítima nem à família nuclear. A família ampliada pode ter um papel de proteção à vítima, atuando como rede de apoio desta, tendo em vista que a rede de apoio refere-se aos sistemas e pessoas significativas que formam os elos de relacionamento da criança, dando-lhe suporte e auxiliando-a na superação dos eventos estressores (Habigzang et al., 2006); ou seja, a rede de proteção pode minimizar os efeitos negativos do abuso sexual.

No que se refere ao discurso de culpabilização das adolescentes, este também está presente no contexto social, ou seja, no macrossistema, em que existe a concepção de que as adolescentes "provocam a situação de abuso", passando da condição de vítima à de provocadora. Desta forma, a sociedade procura ocultar a crueldade do abuso sexual, e para isto apresenta as adolescentes como cúmplices da situação abusiva. Conforme apontam Cerqueira-Santos, Morais, Moura e Koller (2008), a "culpabilização da vítima" tem sido um argumento bastante frequente no discurso dos abusadores/exploradores sexuais, na tentativa de minimizar a situação e não caracterizar o crime e a violência perpetrados contra a criança e o adolescente e de buscar que estes sejam culturalmente aceitos. Por exemplo, no estudo referido de Cerqueira-Santos et al. (2008) com caminhoneiros envolvidos com a exploração sexual de meninas em postos de combustíveis ao longo das estradas brasileiras, falas como "ela se ofereceu" ou "não foi um programa, só me agradeceu pela carona", foram observadas como tentativas de culpabilizar a criança e minimizar a situação de exploração. Assim, há uma reprodução no contexto familiar do discurso social.

No contexto familiar de Laura ainda foi observada a presença da sobreposição da violência doméstica, em que Laura , além de sofrer abuso sexual, ainda está exposta à violência física, conflitos conjugais e negligência. As falas abaixo exemplificam estes riscos:

Se eu não passasse de ano minha mãe iria me bater.

Até a minha irmã fugiu de casa sábado passado e encontraram ela ontem de tarde e levaram pra casa.

Eu acho que ele queria pegar ela, só que ninguém quis se meter, porque quando ele bate ele não pega a cinta. Ele pega de quebra, de quebra mesmo.

... é muita briga, xingamentos, as pessoas não têm respeito, não têm educação.

De acordo com Habigzang et al. (2011), na maior parte dos casos de abuso sexual as crianças e adolescentes também são vítimas de outros tipos de violência dentro do contexto familiar, como negligência e abusos emocionais e físicos. Este fato pode ser observado no contexto familiar de Laura, uma vez que neste apresenta-se a sobreposição de violências, ou seja, além do abuso sexual, Laura também é vítima de outros tipos de violência. Nesta categoria ainda está à questão do uso de álcool por parte dos familiares. Neste sentido, o alcoolismo do padrasto e da mãe é outro fator de risco no contexto familiar: "Ainda tive que me estressar quando cheguei em casa, porque a minha mãe tava tomando um litrão de 2 litros de álcool puro, aí antes do meu padrasto chegar, eu peguei e saí."

Outro fator de risco para a ocorrência do abuso sexual intrafamiliar é as adolescentes passarem a ocupar outros papéis dentro do contexto familiar. Nas famílias em geral, a mãe é quem ocupa o lugar de cuidadora dos filhos e dona da casa, mas em alguns casos de abuso sexual intrafamiliar são as filhas que assumem este papel. As adolescentes acabam exercendo o papel de "mulher" dentro da casa, o que leva homem da casa a vê-la sob esta ótica, potencializando a situação abusiva. Neste sentido, pode-se perceber que no contexto familiar de Laura era ela quem ocupava o papel de cuidadora dos irmãos: "minha mãe saiu, eu dei banho nas crianças e arrumei pra levar elas no circo. Daí fui tomar banho e ele foi mexer comigo".

A presença de fatores de risco na família não está associada apenas à ocorrência do abuso sexual, mas tem um impacto significativo também na forma de a adolescente superar a violência sofrida, dificultando um processo de resiliência. Existem vários fatores de risco para a ocorrência do abuso sexual intrafamiliar, entre os quais se incluem: a presença de padrasto no contexto familiar; conflitos conjugais; uso abusivo de álcool ou drogas; ruptura de vínculos afetivos; desemprego; ausência ou passividade da mãe; intergeracionalidade da violência; abuso físico e abandono; pais não trabalharem e permanecerem muito tempo em casa com os filhos; transtorno psiquiátrico dos pais; dificuldades financeiras; violência doméstica e outras formas de violência; e exposição das meninas a outros tipos de maus-tratos. (Borges & Dell'Aglio, 2008; Habigzang et al., 2011). Tais fatores aumentam o risco de uma adolescente sofrer abuso sexual no contexto familiar, como também colocam a adolescente numa maior vulnerabilidade na capacidade de enfrentamento e superação da situação abusiva, uma vez que inexiste suporte familiar no período que se segue à revelação.

Pôde-se perceber, ainda, a presença de fatores de risco comunitários na rede de proteção à criança e ao adolescente vítima de violência, na escola e no grupo de pares. Em relação à rede de proteção, observou-se que Laura, ao procurar a delegacia de polícia civil para denunciar a violência sofrida, foi informada de que não poderia fazer um boletim de ocorrência por ser menor de idade e não estar acompanhada por um adulto. Assim ela foi liberada e voltou para casa, e ao pedir ajuda à mãe, esta não acreditou no relato da filha. Ademais, a delegacia de polícia não a aconselhou a buscar apoio no Conselho Tutelar nem a encaminhou ao CREAS. Nesse sentido, os resultados corroboram a afirmação de Habigzang et al. (2006) de que entre os fatores de risco presentes na rede de proteção à crianças e adolescente está a ineficiência dos encaminhamentos entre os serviços e a falta de uma trabalho intersetorial.

Os resultados encontrados apontam a presença de fatores de risco em diferentes níveis (individual, familiar e comunitário) na vida destas adolescentes. Ressalta-se, não obstante, que os riscos devem ser analisados como um processo, e não de forma per se, linear e causal (Morais et al., 2010). Neste sentido, deve-se considerar como estes atuam em sua complexidade e como interagem com os fatores de proteção. O uso de álcool e outras drogas, no caso de Laura, podem ser considerados como consequência da exposição ao abuso sexual e da falta de fatores de proteção.

Categoria "Fatores de proteção na vida da adolescente"

Esta categoria refere-se aos fatores de proteção, os quais são "considerados mecanismos que um indivíduo dispõe internamente ou capta do meio em que vive", que o ajudam a superar situações de adversidade (Pesce, Assis, Santos & Oliveira, 2004, p. 136); ou ainda, são considerados fatores que modificam, melhoram e alteram as respostas do sujeito a determinados riscos de desadaptação (Morais & Koller, 2011). Nesta categoria serão incluídos três tipos de fatores de proteção: os individuais, os familiares e os comunitários.

No caso dos fatores de proteção individuais observou-se que Luíza tem uma percepção positiva de si mesma ao falar "eu sou competitiva, sou amiga de todo mundo, eu ajudo". Laura, por sua vez, não conseguiu relatar qualidades próprias. De modo geral, Laura se descreve como uma adolescente que se envolve em brigas e faz uso de drogas. Nos estudos da resiliência, os fatores de proteção individuais têm sido associados à autoestima positiva, ao autocontrole, à auto­nomia e às características de temperamento afetuoso e flexível (Pesce et al., 2004). O fator de proteção individual de Laura está associado à espiritualidade, uma vez que ela comentou que "receber as bênçãos de Deus é muito bom", "daí me trouxe o livro de cantos, peguei e fui junto, fiquei tranquila". A espiritualidade e a transcendência - que incluem fé, comunhão, aprender, mudar e crescer através das adversidades e amplos valores e propostas de vida - são consideradas fatores de proteção (Walsh, 2003, citado em Yunes, 2006).

Os fatores de proteção familiar observados no caso de Luíza incluem o apoio materno e a união familiar. Exemplo disto é o fato de a mãe de Luíza tê-la apoiado neste momento: "Minha mãe ficou triste, chorou, mas depois me apoiou, me deu força"; e "Amigos eu tenho pouco, minha mãe é minha melhor amiga". Desta forma, o bem-estar psicológico das vítimas de abuso sexual na infância e na adolescência no período que se segue à revelação está associado à forma de as mães lidarem com a situação e à sua capacidade de prover suporte emocional às filhas (Santos & Dell'Aglio, 2010).

Outro fator de proteção familiar é a união, citada por Luíza como um suporte para todos os membros da família. "A união, se um tá doente, todos ajudam, quando um tá triste, o outro tenta alegrar, quando um tá mal, todos tão mal, quando um tá bem, todos tão bem." Conforme apontam Pesce et al. (2004), a coesão, a estabilidade, o respeito mútuo e o apoio/suporte familiar são caracterizados como protetivos contra as adversidades. Yunes (2006, p. 135) aponta ainda como fatores de proteção na família "a coesão familiar, apoio afetivo e financeiro da família ampliada, valorização do estudo e do trabalho pelo grupo familiar, crença na melhoria das condições de vida, consciência política dos direitos como cidadãos." Uma reação familiar positiva diante do abuso, o suporte materno e o vínculo afetivo com um cuidador não abusivo foram considerados fatores de proteção contra os efeitos do abuso sexual (Santos & Dell'Aglio, 2009).

Entre os fatores de proteção comunitários estão o atendimento psicológico oferecido na rede de proteção e o grupo de pares. No que se refere ao acompanhamento psicológico, Luíza comentou: "A (L) é ótima, gosto muito de conversar com ela". Já Laura relatou que "é ótimo, a minha psicóloga era a J.,..., eu adorava ir lá, era muito bom, eu conversava, ela me escutava, era muito bom". E ainda acrescentou: "...é muito bom, porque conselho de amigo nem sempre é certo, aqui a gente pede conselho, conversa, é uma terapia, eu adoro". Neste sentido, pode-se apontar que os serviços e os profissionais da rede de proteção desempenham um papel importante no suporte às adolescentes vítimas de abuso sexual, desde que estejam pessoal e tecnicamente capacitados. Nesse sentido, um alto nível de apoio social está associado à capacidade da pessoa de enfrentar as adversidades e melhorar o funcionamento pessoal, promovendo o processo de resiliência (Mayer & Koller, 2012).

O grupo de pares também foi mencionado como protetivo no período após o abuso, ou seja, como rede de apoio social. Luíza então comenta: "Eu conheci umas pessoas de fora, que sabem o que aconteceu e vem me apoiando". Já Laura verbalizou que busca apoio no grupo de amigos, por exemplo, "...eu vô pedir ajuda pro único amigo, eu desabafo com a mulher dele, a gente é bem amiga.... Ele (o amigo) é chave de ouro, a gente brinca, sai junto, quando eu preciso de alguma coisa ele me ajuda". Nesse sentido, ter um bom relacionamento com amigos ou pessoas significativas, que possam assumir papel de referência e de segurança nos momentos de adversidade ao longo da vida, é considerado um fator de proteção, devido ao suporte social e afetivo dispensado (Pesce et al., 2004).

Os resultados deste estudo indicam uma presença maior de fatores de risco do que de fatores de proteção nos casos estudados (ver tabela 1). Sobretudo verificou-se uma escassez de fatores de proteção no microssistema familiar. Assim, torna-se relevante que os serviços da rede de proteção possam atuar de forma articulada e fortalecer o apoio social às famílias das adolescentes. A fragilidade do sistema familiar deve ser focada através de ações de vários serviços da rede de proteção.

CONCLUSÃO

Neste estudo buscou-se avaliar a presença de fatores de risco para a ocorrência de abuso sexual na adolescência e suas sequelas e de fatores de proteção individuais, familiares e comunitários após a revelação nos casos estudados. Observou-se a presença de fatores de risco para a ocorrência do abuso sexual, incluindo a presença de padrasto, a sobreposição de violências em casa e o uso de álcool. Além disso, no período que se seguiu à revelação também foi possível verificar riscos, como a culpabilização por parte da mãe, a permanência da adolescente na família, convivendo com o padrasto, a falha no serviço de porta de entrada na rede de proteção e a falta de comunicação dos serviços. Algumas das consequências do abuso sexual no caso de Laura foram o uso de substâncias, fugas de casa e comportamento agressivo. Por fim, ambas as adolescentes abandonaram a escola. Nesse sentido, nos diferentes contextos ecológicos há riscos presentes, que podem estar associados às consequências do abuso sexual ou ainda à sua própria ocorrência, conforme cita a literatura (Borges, 2007; Habigzang et al., 2006; Santos et al., 2012).

Quanto aos fatores de proteção, os resultados deste estudo indicaram que suporte familiar, espiritualidade e a rede de apoio social e afetiva, incluindo os serviços da rede e o apoio do grupo de pares, contribuíram no processo de ajustamento psicológico das vítimas; no entanto, no caso de Laura, estes não foram suficientes para minimizar o impacto negativo do abuso sexual e dos riscos nos diferentes contextos em que se encontra inserida. A visão ecológica do desenvolvimento humano permite compreender a relação entre risco e proteção, bem como olhar para o sujeito em desenvolvimento como produto desta relação.

Desta forma, um processo de resiliência na vida destas adolescentes só poderá ser pensado em termos de fortalecimento dos fatores de proteção e de intervenções junto às famílias, principalmente no caso de Laura. É nercessário que os serviços da rede de proteção ampliem suas ações para além da vítima e do foco psicoterapêutico individual (Paixão & Deslandes, 2011). Embora ainda se encontre em situação de risco, Laura apresenta planos futuros que podem ser levados a efeito. Ela fala: "Tenho muitos planos, terminar os estudos, ter minha felicidade, família, tudo aos poucos." Já Luiza, embora tenha vivenciado a experiência do abuso sexual na sua trajetória de vida, trouxe em seu relato: "Eu sou uma pessoa alegre, apesar de tudo."

Neste sentido, Assis et al. (2006, p.63) ressaltam ainda que "a resiliência é considerada o resultado final de processos de proteção que não eliminam os riscos experimentados, mas encorajam o indivíduo a lidar efetivamente com a situação e sair fortalecido da mesma." Torna-se necessário que os fatores de proteção individuais, familiares e comunitários sejam fortalecidos, para minimizar o impacto negativo do abuso sexual na trajetória de vida.

Entre as limitações deste estudo está seu caráter qualitativo, baseado em apenas dois casos, em que se buscou compreender a presença de fatores de risco e de proteção, mas não se cuidou de generalizar os dados. A amostra foi por conveniência, ou seja, as adolescentes participantes foram indicadas pela equipe técnica do serviço. Há um viés de gênero, uma vez que foram pesquisadas duas meninas adolescentes, sendo necessários estudos com meninos vítimas de abuso sexual. Os dados dos prontuários das adolescentes, os quais se constituíram também em fonte de dados, estavam incompletos, o que dificultou a compreensão de algumas informações sobre o abuso sexual sofrido pelas adolescentes. Não obstante este fato, acredita-se que os dados encontrados podem ajudar a compreender melhor como interagem os fatores de risco e de proteção, dando subsídios para possíveis intervenções. Sugerem-se pesquisas referentes aos estudos relacionados à resiliência e aos aspectos positivos da vida do ser humano (espiritualidade e boa autoestima, por exemplo) em vítimas de abuso sexual, uma vez que estes podem apontar como fortalecer os aspectos saudáveis das vítimas, ajudando-as a reconstruir a própria vida.

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Recebido em 14/06/2012

Aceito em 04/09/2013

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2015
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Aceito
      04 Set 2013
    • Recebido
      14 Jun 2012
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