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Michel Foucault e as lutas políticas do presente: para além do sujeito identitário de direitos

Michel Foucault and the present political struggles: beyond the identitarian subject of rights

Michel Foucault y las luchas políticas del presente: más allá del sujeto identitario de derechos

Resumos

O texto discute as noções de estética da existência e de subjetivação, de Michel Foucault, buscando empregá-las a fim de esclarecer as novas formas de ação política promovidas pelos coletivos autônomos de inspiração queere anti-identitária, como o coletivo Marcha das Vadias. Argumentamos que este coletivo se distingue dos movimentos de minorias baseados na noção de identidade como suporte do sujeito de direitos, motivo em função do qual ele apresenta uma interessante proximidade com a reflexão foucaultiana, também ela situada num marco pós-jurídico, ainda que sem desprezar a importância do reconhecimento de direitos nas lutas contemporâneas. Para Foucault, como para o coletivo Marcha das Vadias, tão importante quanto a conquista de direitos é a promoção de novas formas de vida e de relação entre os agentes políticos, as quais sejam capazes de criticar as formas hegemônicas da violência e da discriminação contra minorias que não se adequam aos padrões normativos da vida em nossas sociedades contemporâneas.

Discurso do sujeito coletivo; ação social; Foucault, M


The text discusses Foucauldian notions such as aesthetics of existence and subjectivation, employing them in order to clarify new forms of political action promoted by autonomous collectives such as the Slut Walk, whose queer inspiration establishes a clear distinction against traditional identity movements. We argue that the political actions conducted by this particular collective can be best understood by relating them to Foucault's arguments on the issue of identity, as well as to his interest in surpassing a rights acknowledgment centered politics. For Foucault, as much as for the Slut Walk collective, it matters not only to struggle for rights, but also and mainly to promote new forms of life and new forms of relationships amongst political actors, in order to criticize the hegemonic violence and discrimination disseminated against minorities, which do not conform to normative ways of being in contemporary society.

Collective subject discourse; social action; Foucault, M


El texto discute las nociones de estética de la existencia y de subjetivación, de Michel Foucault, empleándolas a fin de esclarecer las nuevas formas de acción política promocionadas por colectivos autónomos de inspiración queer y anti-identitária, como la Slutwalk. El argumento es que tal colectivo se distingue de los movimientos de minorías basados en la noción de identidad como fundamento del sujeto de derechos, motivo por el cual este colectivo se aproximaría del pensamiento de Foucault, el cual se sitúa más allá de los marcos jurídicos, aunque sin olvidar la importancia del derecho en las luchas contemporáneas. Para Foucault, como para el colectivo Slutwalk, tan importante cuanto la conquista de derechos es la promoción de nuevas formas de vida y de relación entre los actores políticos, formas de vida que sean capaces de criticar las formas hegemónicas de la violencia y de la discriminación contra las minorías que no se cuadran en los patrones normativos del vivir en nuestras sociedades contemporáneas.

Discurso del sujeto colectivo; acción social; Foucault, M


ARTIGOS TEMÁTICOS

Michel Foucault e as lutas políticas do presente: para além do sujeito identitário de direitos1 1 Agradecemos a Thays Athayde, mestranda em Educação pela UFPR sob orientação de Maria Rita de Assis César e uma das organizadoras da Marcha das Vadias em Curitiba. ,2 2 Apoio e financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através de bolsa produtividade em pesquisa.

Michel Foucault and the present political struggles: beyond the identitarian subject of rights

Michel Foucault y las luchas políticas del presente: más allá del sujeto identitario de derechos

André de Macedo Duarte; Maria Rita de Assis César

Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, bolsa sanduíche CNPq na New School for Social Research, pós-doutorado pela Université de Paris VII com bolsa Capes, pós-doutorado pela Universidade de Barcelona com bolsa Capes, professor da Universidade Federal do Paraná na Graduação e na Pós-Graduação em Filosofia, bolsista de produtividade em pesquisa 1-D

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Alice, 194/803, Laranjeiras, CEP 22. 241-020 - Rio de Janeiro-RJ, Brasil. E-mail: saleh.amado@gmail.com

RESUMO

O texto discute as noções de estética da existência e de subjetivação, de Michel Foucault, buscando empregá-las a fim de esclarecer as novas formas de ação política promovidas pelos coletivos autônomos de inspiração queere anti-identitária, como o coletivo Marcha das Vadias. Argumentamos que este coletivo se distingue dos movimentos de minorias baseados na noção de identidade como suporte do sujeito de direitos, motivo em função do qual ele apresenta uma interessante proximidade com a reflexão foucaultiana, também ela situada num marco pós-jurídico, ainda que sem desprezar a importância do reconhecimento de direitos nas lutas contemporâneas. Para Foucault, como para o coletivo Marcha das Vadias, tão importante quanto a conquista de direitos é a promoção de novas formas de vida e de relação entre os agentes políticos, as quais sejam capazes de criticar as formas hegemônicas da violência e da discriminação contra minorias que não se adequam aos padrões normativos da vida em nossas sociedades contemporâneas.

Palavras-chave: Discurso do sujeito coletivo; ação social; Foucault, M.

ABSTRACT

The text discusses Foucauldian notions such as aesthetics of existence and subjectivation, employing them in order to clarify new forms of political action promoted by autonomous collectives such as the Slut Walk, whose queer inspiration establishes a clear distinction against traditional identity movements. We argue that the political actions conducted by this particular collective can be best understood by relating them to Foucault's arguments on the issue of identity, as well as to his interest in surpassing a rights acknowledgment centered politics. For Foucault, as much as for the Slut Walk collective, it matters not only to struggle for rights, but also and mainly to promote new forms of life and new forms of relationships amongst political actors, in order to criticize the hegemonic violence and discrimination disseminated against minorities, which do not conform to normative ways of being in contemporary society.

Key words: Collective subject discourse; social action; Foucault, M.

RESUMEN

El texto discute las nociones de estética de la existencia y de subjetivación, de Michel Foucault, empleándolas a fin de esclarecer las nuevas formas de acción política promocionadas por colectivos autónomos de inspiración queer y anti-identitária, como la Slutwalk. El argumento es que tal colectivo se distingue de los movimientos de minorías basados en la noción de identidad como fundamento del sujeto de derechos, motivo por el cual este colectivo se aproximaría del pensamiento de Foucault, el cual se sitúa más allá de los marcos jurídicos, aunque sin olvidar la importancia del derecho en las luchas contemporáneas. Para Foucault, como para el colectivo Slutwalk, tan importante cuanto la conquista de derechos es la promoción de nuevas formas de vida y de relación entre los actores políticos, formas de vida que sean capaces de criticar las formas hegemónicas de la violencia y de la discriminación contra las minorías que no se cuadran en los patrones normativos del vivir en nuestras sociedades contemporáneas.

Palabras-clave: Discurso del sujeto colectivo; acción social; Foucault, M.

A presente reflexão articula duas discussões teóricas complementares. Inicialmente, propomos um breve esclarecimento acerca das noções foucaultianas de estética da existência e de subjetivação política. Em um segundo momento, recorremos a elas para iluminar o potencial ético-político de coletivos autônomos como a Marcha das Vadias, movimento feminista pós-identitário cujas primeiras manifestações ocorreram no Brasil a partir de 2011, e que, em nossa opinião, propõe novas formas de viver e agir politicamente. Argumentaremos que as noções de estética da existência e de subjetivação, oriundas das pesquisas tardias de Michel Foucault sobre o cuidado de si entre os antigos, podem ser transpostas para o cenário político contemporâneo com importantes ganhos teóricos. No âmbito desta transposição, que não pode se reduzir à mera aplicação de noções oriundas de uma pesquisa sobre a ética dos antigos em um contexto contemporâneo, pensamos que as noções de subjetivação e estética da existência podem ser referidas ao conjunto de práticas e discursos reflexivos e de liberdade que orientam as lutas de resistência dos novos coletivos políticos contra os efeitos normalizadores de individuação e de totalização, próprios aos dispositivos disciplinares e biopolíticos dos poderes contemporâneos.

A segunda etapa da discussão também procurará estabelecer diferenças entre os novos coletivos feministas de inspiração queer, como a Marcha das Vadias,e os movimentos sociais tradicionais de minorias, de inspiração identitária. Contra os riscos implicados na assunção essencialista do sujeito identitário como fundamento da luta por direitos, a qual pode acabar reproduzindo efeitos de normalização, domesticação e exclusão entre as próprias populações gay, lésbica e transgênera, os coletivos autônomos de minorias parecem promover novas formas de articulação entre vida e política, as quais transcendem a esfera do direito e da identidade na direção da experimentação de novas formas de viver em comum. Os agentes políticos dos novos coletivos autônomos não se definem pelo recurso a identidades sexuais ou de gênero previamente estabelecidas, mas as embaralham e as confundem, problematizando os estreitos limites do binarismo sexual e de gênero. Pretendemos argumentar que as e os participantes dos novos coletivos autônomos, como a Marcha das Vadias, raramente empregam a noção de identidade, e quando o fazem não a entendem como um marcador visando definir e qualificar um determinado sujeito em busca de reconhecimento jurídico ou interpessoal. Por outro lado, quando este coletivo recorre à noções identitárias ele o faz de maneira estratégica e performativa, ou seja, no contexto preciso de discursos e atos de resistência públicos, os quais visam não apenas a obtenção de certas conquistas jurídicas, mas também, e sobretudo, a multiplicação de novas formas de amizade e de relação, novas formas de viver politicamente, não fundadas em identidades essencialistas. O texto se conclui com a ideia de que as noções foucaultianas de forma de vida e de “transformação do sujeito” (Foucault, 2010, p. 413) projetam seu pensamento ético-político para além do cenário das identidades sexuais e dos sujeitos de direito, ajudando-nos, assim, a compreender as estratégias de ação e as tarefas críticas assumidas pelos agentes políticos dos novos coletivos feministas. Advertimos, contudo, que não pretendemos tomar partido por uma forma de organização política contra a outra, contrapondo os coletivos aos movimentos sociais associados a ONGs e demais entidades da sociedade civil. Antes, queremos esclarecer as diferenças existentes entre tais formas distintas de organização e atuação política, visando explicitar o pontencial crítico das novas formas de organização e expressão das demandas de minorias pós-identitárias.

SOBRE AS NOÇÕES DE ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA E DE SUBJETIVAÇÃO EM FOUCAULT

Comecemos, pois, com um comentário breve e não exaustivo sobre as noções foucaultianas de estética da existência e de subjetivação ético-política. Ao investigar as diferentes práticas e discursos voltados para o cuidado de si ( epiméleia heautô; cura sui) entre gregos, romanos e cristãos da antiguidade, Foucault discutiu inúmeras técnicas de si e exercícios ascéticos destinados a estilizar a própria vida e a fazer dela uma obra de arte, transformando assim a maneira de viver ( êthos). Nestas práticas, sempre mediadas por uma relação de amizade ou de autoridade, tratava-se de “um esforço para afirmar sua liberdade e para dar à própria vida certa forma, na qual alguém poderia reconhecer-se, ser reconhecido pelos outros, e na qual a própria posteridade poderia encontrar um exemplo. ” (Foucault, 1994 p. 731). Tais exercícios visavam fazer da própria bios uma obra bela, sem, contudo, que tais escolhas éticas pudessem ser generalizadas ou universalizadas aos demais, isto é, sem que devessem constituir o princípio ou o modelo universal, religioso ou jurídico, de regramento da vida de todos. Neste sentido, tratava-se de impor voluntariamente regras a determinados comportamentos num domínio de condutas em que se era livre para fazê-lo ou não, de maneira que tal regramento não resultava de qualquer imposição social ou moral externas. Do mesmo modo, as relações de direção de consciência no mundo antigo, assim como as relações de prescrição de comportamentos e de obediência, eram também voluntárias e de modo algum anulavam a liberdade daquele que se submetia à vontade de outrem, tendo em vista conquistar a própria liberdade e autonomia, entendidas como autodomínio ou tranquilidade inabalável da alma ( apátheia). Na aula de 12/03/1980 do curso Le gouvernement des vivants, por exemplo, ao discutir as diferenças entre a direção de consciência estoica em oposição à direção de consciência cristã, Foucault afirma que

se denominarmos de subjetivação a formação de uma relação definida de mim comigo mesmo, podemos dizer que a direção é uma técnica que consiste em vincular duas vontades de maneira que elas permaneçam sempre livres uma em relação à outra, vinculando-as de tal modo que uma queira o que a outra quer, e isto para fins de subjetivação, quer dizer, em vista do acesso a uma certa relação de mim comigo mesmo. O outro e sua vontade são por mim aceitos livremente para que eu possa estabelecer comigo mesmo uma certa relação. (Foucault, 2012, p. 227).

A partir deste curso de 1980, Foucault (2012) pensa a subjetivação como o resultado de uma relação de sujeição a outrem, um mestre do cuidado de si, por exemplo, mas tal sujeição é caracterizada por ser voluntária, limitada e livre, encerrando-se com a conquista daquela forma de relação consigo mesmo na qual o sujeito é para si mesmo o objeto de seu autocontentamento e satisfação (beatitude). Foi, portanto, no contexto da análise das práticas, discursos e exercícios ascéticos com que os gregos e romanos da antiguidade fizeram de suas próprias vidas o problema ético de uma transformação estilizada de si mesmos, que Foucault não apenas conferiu novo sentido à noção de sujeição ( assujetissement), explicitando que a noção de liberdade era central àquela forma de vinculação entre duas vontades, como também foi neste mesmo contexto teórico que ele conferiu novo significado à própria terminologia da subjetivação ( subjectivation).

De fato, a primeira aparição do termo subjetivação no pensamento de Foucault dera-se no final da aula de 22/02/1978 do curso Segurança, território, população (Foucault, 2008), no contexto de sua discussão do poder pastoral cristão. Ali, Foucault estabelecera uma interessante relação entre sujeição e subjetivação, entendendo esta última como um reforço e uma acentuação das relações de estrita e absoluta obediência incondicionais devidas pelo monge a seu superior hierárquico no interior da vida monástica dos primeiros séculos da era cristã. No referido curso, portanto, a subjetivação dizia respeito à produção de um discurso verdadeiro sobre si mesmo por meio da tecnologia do exame de consciência associado à confissão e à direção de consciência, no contexto do cristianismo monástico. Tal tecnologia de poder aplicada reflexivamente sobre si mesmo dependia de uma contínua investigação do próprio pensamento e dos próprios desejos, os quais deveriam ser relatados da maneira a mais transparente e extensa possível a um diretor de consciência, reforçando-se assim o princípio de obediência ilimitada e incondicional que deveria pautar a vida do monge no monastério, práticas sem as quais a salvação de sua alma estaria comprometida. Assim, Foucault afirmava que “identificação analítica, sujeição e subjetivação” (2008, p. 243) complementavam-se mutuamente e constituíam os “principais procedimentos da individualização humana no Ocidente.... Digamos ainda que é a história do sujeito. ” (Foucault, 2008, p. 243) Na conclusão de sua análise da constituição do sujeito cristão, Foucault afirmava que tal sujeito é aquele cujos “méritos são identificados de maneira analítica,” (2008, p. 243) tratando-se ainda de

um sujeito que é sujeitado em redes contínuas de obediência, de um sujeito que é subjetivado pela extração de verdade que lhe é imposta. Pois bem, é isso, a meu ver, essa constituição típica do sujeito ocidental moderno, que faz que o pastorado seja um dos momentos decisivos na história do poder nas sociedades ocidentais. (Foucault, 2008, pp. 243-244).

Se nos textos arqueogenealógicos dos anos 60 e 70, Foucault demonstra a constituição histórica do sujeito moderno como objeto tramado por discursos de saber e relações poder, por outro lado, em suas pesquisas tardias sobre a ética dos antigos Foucault se dedicou a uma análise das práticas ou técnicas de si por meio das quais “um ser humano se transforma em sujeito” (Foucault, 1994, p. 223) ao tomar-se a si mesmo como sujeito de experimentação, de transformação e de crítica. Na aula de 19/03/1980 do curso Le gouvernement des vivants, Foucault (2012) afirma que, contrariamente ao princípio da obediência e da sujeição ilimitadas entre diretor e dirigido no caso do cristianismo cenobítico, entre os antigos, particularmente entre os estóicos, a direção de consciência visava justamente o oposto, ou seja, tratava-se de

obter que o indivíduo pudesse se liberar com relação a seus mestres, com relação aos outros, com relação aos acontecimentos. Tratava-se, nesta direção, de que o indivíduo se estabelecesse em uma posição de suficiência e de autonomia com relação a todo o resto, aos outros ou ao mundo. Esta autonomia é exatamente o inverso da subditio, da submissão que faz com que sejamos submissos a tudo o que nos acontece e que faz com que tudo se torne uma ordem da qual dependemos. (Foucault, 2012, p. 268).

Assim, a partir do momento em que Foucault se aprofundou no estudo das práticas e técnicas de constituição ética do sujeito entre os antigos, sujeição e subjetivação se articularam em outro sentido, distinto daquele que havia sido estabelecido para o contexto da vida cristã nos monastérios: agora, a sujeição e a obediência a outrem se tornavam a condição para se alcançar a subjetivação, e esta era então entendida como culminação de um processo de ascese ao longo do qual o indivíduo estabelecia uma relação de cuidado livre e autônomo para consigo mesmo. Assim, a partir dos cursos dos anos oitenta as noções de sujeição e de subjetivação caracterizariam a constituição de um sujeito capaz de autodomínio altivo, autárquico e capaz de discernimento com respeito àquilo de que tal sujeito poderia se orgulhar. (Foucault, 2010, p. 214-215). Ao desdobrar, ampliar e redefinir seu projeto incial de uma História da Sexualidade (Foucault, 1999), o autor foi levado a considerar a noção de “'artes da existência'” (1994, p. 545) isto é, aquelas

práticas refletidas e voluntárias pelas quais os homens não apenas se fixam regras de conduta, mas buscam transformar-se a si próprios, a se modificar em seu ser singular e a fazer de sua vida uma obra que possui certos valores estéticos e que responde a certos critérios de estilo. (Foucault, 1994, p. 545; itálicos nossos).

A análise foucaultiana do comportamento moral dos antigos privilegiou a discussão daquela dimensão da moral pela qual cada um se constitui como sujeito moral ao agir e comportar-se tendo como referência os elementos prescritivos de um código moral auto-imposto. Em suas análises sobre a ética dos antigos, portanto, Foucault (1994) interessou-se pelo “ modo de sujeição, isto é, a maneira pela qual o indivíduo estabelece sua relação com essa regra e se reconhece como ligado à obrigação de pô-la em prática. ” (p. 556; itálicos do autor). Ao analisar o modo de sujeição do indivíduo ao código moral, Foucault passou a considerar a atividade do sujeito que livremente se sujeita a um código e, assim, se distingue dos demais, reconhecendo-se como sujeito ético, isto é, o sujeito de um processo de subjetivação. Se há morais que privilegiam a codificação em sua “sistematicidade e riqueza” (Foucault, 1994, p. 559), também há morais nas quais a tônica não se encontra no quadro das prescrições, mas no modo como cada indivíduo se submete às regras que ele se dá visando transformar a própria existência em obra de arte, em exemplo moral duradouro. No primeiro caso, exemplificado pela moralidade cristã, a

subjetivação se efetua, no essencial, de uma forma quase jurídica, em que o sujeito moral se refere a uma lei ou a um conjunto de leis às quais ele deve se submeter, sob pena de incorrer em faltas que o expõem a um castigo. (Foucault, 1994, p. 559).

No segundo, isto é, no caso das “'morais orientadas para a ética'” (Foucault, 1994, p. 559), próprias da antiguidade greco-romana, o elemento moral deve ser procurado

no lado das formas de subjetivação e das práticas de si.... a ênfase é posta, então, nas formas das relações consigo, nos procedimentos e nas técnicas pelos quais são elaboradas, nos exercícios pelos quais o próprio sujeito se dá como objeto a conhecer e nas práticas que permitem transformar seu próprio modo de ser. (Foucault, 1994, p. 559).

Mas aqui cabe formular duas perguntas cruciais para o desenvolvimento de nosso texto: teria Foucault reconhecido a relevância das noções de estética da existência e de subjetivação para os debates e para as lutas políticas contemporâneas? E, em segundo lugar, quais ganhos heurísticos elas poderiam nos oferecer para a compreensão dos modos de ser e agir dos novos coletivos autônomos e pós-identitários, em relação aos movimentos sociais de inspiração identitária? Para responder à primeira pergunta é preciso antes recordar que Foucault jamais procurou encontrar entre os antigos respostas que pudessem solucionar problemas morais contemporâneos: “Não! Eu não busco uma solução de substituição; não se encontra a solução de um problema na solução de outro problema, posto em uma época diferente e por pessoas diferentes. ” (Foucault, 1994, p. 386). Ademais, em vez de uma história das soluções morais, Foucault estava interessado em formular uma história das diferentes formas de problematização moral. No entanto, como ele também deixou claro em passagem imediatamente anterior àquela que acabamos de citar, ele se mostrava impactado ( frappé) com a similaridade entre a maneira como os antigos estabeleceram sua própria forma de sujeição moral e o modo como muitos de nós entendemos e experimentamos o problema da moral na atualidade. Afinal, “a maior parte de nós não crê que uma moral possa ser fundada na religião e nem tampouco queremos um sistema legal que intervenha em nossa vida moral, pessoal e íntima. ” (Foucault, 1994, p. 386). A similaridade detectada por Foucault entre as formas antigas e contemporâneas de problematização moral diz respeito ao fato de que muitos de nós já não pautamos nossa conduta pela obediência a um código moral universal, a um sistema jurídico, a instituições de tipo disciplinar ou pela obediência a comportamentos orientados pelo mercado competitivo de trabalho do neoliberalismo, visto que todas essas instâncias se encontram em crise atualmente e já não são mais capazes de disseminar seus efeitos de constituição de subjetividades de maneira hegemônica ou incontestável.

Mas é justamente então que a moral se torna para Foucault um genuíno problema de investigação e de experiência, isto é, não um campo a ser recusado ou abandonado, mas sim um âmbito de problematizações que merece ser reinventado para além das respostas já dadas, e isto, justamente no plano do engajamento prático-político:

Os movimentos de liberação recentes sofrem por não encontrar um princípio sobre o qual fundar a elaboração de uma nova moral. Eles têm necessidade de uma moral, mas não chegam a encontrar outra moral do que aquela fundada sobre um pretenso conhecimento científico do que seja o eu, o desejo, o inconsciente, etc. ” (Foucault, 1994, p. 386).

Em uma entrevista tardia, Foucault também afirma que seu interesse pelas práticas ético-políticas da antiguidade deveu-se ao fato de que o modelo da moral cristã, isto é, a “moral como obediência a um código de regras, está começando agora a desaparecer, já desapareceu. E a esta ausência de moral responde, deve responder, uma pesquisa que é a de uma estética da existência. ” (Foucault, 1994, p. 732). Nota-se, portanto, que Foucault não deixou de reconhecer a importância que suas pesquisas tardias sobre a ética dos antigos poderiam ter em nossa atualidade. Assim, a hipótese que gostaríamos de propor neste texto, mesmo se não podemos desenvolvê-la suficientemente neste momento, é a de que, ao longo de suas investigações sobre o cuidado de si entre gregos e romanos, Foucault entreviu sutis correspondências transhistóricas entre as práticas refletidas de liberdade da antiguidade e certos exercícios de crítica e de autotransformação presentes nas práticas de resistência coletiva aos poderes contemporâneos. Na segunda hora da aula de 29/02/1984 do curso A coragem da verdade (Foucault, 2009), por exemplo, ao discutir aquilo que ele próprio denominou como o “cinismo como categoria moral na cultura ocidental” (Foucault, 2009, p. 155), Foucault deixou entreaberta uma via que pode nos permitir estabelecer conexões e associações entre o cinismo antigo e sua possível atualidade, sobretudo se considerarmos as práticas de engajamento crítico e político dos novos coletivos autônomos. Pensamos que a atitude crítica, tal como entendida e exercida por Foucault, seria complementar à exigência parresiástica do dizer franco, corajoso e verdadeiro, tal como praticado pelos cínicos da antiguidade, cujo modo de vida marginal e escandaloso criticava veementemente os padrões de conduta dos cidadãos na praça pública e em suas vidas privadas, operando assim uma verdadeira transfiguração daquilo que podemos entender por política e por espaço político (Chaves, 2013). Para avaliarmos o alcance contemporâneo das práticas de cuidado de si da vida cínica, devemos pensar nas novas formas de engajamento político dos coletivos que politizam comportamentos e espaços sociais que antes não eram considerados políticos, visando assim instaurar uma radical transformação de si, dos outros e do próprio mundo. O lema do cinismo antigo, tal como formulado por Foucault (2009) em A coragem da verdade, isto é, “só pode haver verdade na forma do outro mundo e da vida outra” (p. 298), também poderia constituir a divisa de inspiração de coletivos como a Marcha das Vadias, como veremos a seguir.

Finalmente, pensamos que tais correspondências entre passado e presente também se deixariam entrever nos textos e entrevistas de Foucault (1994) do mesmo período de seus últimos cursos no Collège de France, particularmente, aqueles em que o autor discutiu o papel da crítica e a importância transformadora do movimento gay. Pensamos não ser casual, por exemplo, que Foucault (1994) tenha estabelecido uma correlação entre o que ele denominou como atitude crítica da modernidade e o êthos grego, compreendendo a ambos como um

modo de relação com respeito à atualidade; uma escolha voluntária que é feita por alguns; enfim, um modo de pensar e de sentir, uma maneira também de agir e de se conduzir que, simultaneamente, marca uma pertença e se apresenta como uma tarefa. ” (Foucault, 1994, p. 568).

Tampouco nos parece ser casual que, no mesmo momento em que Foucault se debruçou sobre as experiências de amizade no mundo antigo, ele também tenha explicitado, como o veremos a seguir, a importância das relações de amizade no contexto das novas formas de engajamento político em nosso tempo.

A descoberta dessas sutis correspondências transhistóricas entre as artes do existir da antiguidade e as novas formas de ação política do presente também parece ter tornado mais complexa a sua própria compreensão das resistências aos poderes de produção de subjetividades sujeitadas. Ao estudar as práticas refletidas de liberdade dos antigos, Foucault incorporou a exigência da autoreflexividade e da autotransformação mediada pela relação com outros enquanto dimensões críticas inerentes às práticas coletivas de subjetivação resistente. À noção de resistência como reversão e curtocircuito de relações de forças historicamente estabelecidas, tal como ele a explicitara no texto “ Nietzsche, a genealogia e a história” (Foucault, 2000), do início dos anos setenta, acrescentar-se-ão, a partir dos anos oitenta, as exigências da reflexividade e da autotransformação, ressaltando-se assim a importância política da crítica e das relações de amizade nos movimentos sociais de minorias. A partir dos anos oitenta, portanto, Foucault pensará a resistência não apenas como um enfrentamento de forças contrapostas, visando promover curtocircuitos nas relações hegemônicas estabelecidas, mas também, e sobretudo, como prática crítica de transformação do modo de existir, destinada a nos liberar das identidades sociais e sexuais impostas pelos dispositivos contemporâneos de normalização, controle e condução de condutas. Pensamos que a partir de suas pesquisas sobre o sujeito ético da antiguidade, Foucault passou a considerar os resistentes do presente como aqueles que fazem de suas vidas, de suas amizades e de suas relações sociais um campo de experiências de subjetivação resistente, um campo de experimentações contra as formas de captura normalizadora de suas singularidades.

Essa dimensão moderna da crítica, da reflexão que toma o eu como um problema e como um campo de experiência dedicado à transformação ou transfiguração de si, parece encontrar-se intimamente articulada às novas experiências de vida em comum e compartilhada, tal como promovidas por coletivos como a Marcha das Vadias. Fazer a crítica torna-se agora uma atividade que comporta diversas tarefas contíguas e complementares, pois diz respeito à denúncia e ao combate das práticas de exclusão social, mas também requer a denúncia e recusa das práticas de inclusão social domesticada e normalizadora das condutas dos indivíduos, difundidas seja por políticas estatais, seja por padrões comportamentais inspirados em preceitos de veridicção promovidos pelo mercado neoliberal de competição. Ademias, fazer a crítica também implica o exercício contínuo de um repensar e redefinir nossas formas de convivência e de relação conosco, com os outros e com o mundo. Considerando que Foucault não deixou de atribuir relevância contemporânea às suas investigações sobre as práticas de transformação do modo de vida dos antigos, a segunda hipótese que gostaríamos de sugerir é que suas investigações tardias podem nos ajudar a melhor compreender como agem e quem são os novos agentes políticos dos coletivos autônomos, os quais devem ser caracterizados como instâncias de estilização crítica do modo como vivemos. Esta segunda hipótese também parece iluminar aspectos até agora pouco explorados do pensamento foucaultiano, particularmente aqueles relativos à sua peculiar concepção dos movimentos gays de resistência, a qual, como veremos, se projeta para além da esfera do direito na direção da exploração das implicações políticas de longo alcance, derivadas da criação de novas formas de vida e de novas relações sociais, afetivas, sexuais e de amizade entre tais agentes políticos.

PARA ALÉM DO DIREITO: ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA E SUBJETIVAÇÃO NA MARCHA DAS VADIAS

Antes de aprofundarmos a discussão da relevância das noções de subjetivação e de estética da existência para a definição do modo de ser e agir dos novos coletivos feministas de inspiração queer, como a Marcha das Vadias, cabe formular algumas considerações gerais sobre o próprio movimento em questão (César Athayde, 2013), destacando-se que a literatura acadêmica sobre esse assunto ainda é reduzida. Tudo começou em 2011, no Canadá, quando um grupo de mulheres jovens saiu às ruas para gritar um sonoro ' basta!' à cultura da violência e do desrespeito que, além do mais, culpa as mulheres pelas agressões por elas sofridas. Em uma palestra sobre segurança e criminalidade na Universidade de York, em Toronto, um policial teria sugerido que as mulheres não se vestissem como vadias ( slut) para evitar agressões sexuais. Foi então que o movimento surgiu para denunciar a perversa lógica machista que não apenas justifica, mas atenua, mascara e torna natural a violência cotidiana sofrida pelas mulheres. Não apenas no Canadá, mas em qualquer lugar do mundo, toda mulher já foi agredida física ou verbalmente. Toda mulher já foi chamada de vadia dentro e/ou fora de casa, toda mulher já foi constrangida e censurada por se vestir de maneira considerada inadequada ou desonesta, toda mulher já sentiu medo e raiva ao ser abordada de maneira agressiva ou insinuante por homens nas ruas, toda mulher conhece casos de mulheres aviltadas, destruídas, massacradas. Os agressores são homens, desde aqueles que se pretendem zeladores dos assim chamados bons costumes, até aqueles que simplesmente se aproveitam da força bruta e da surpresa para violar uma presa a mais. Tudo isto é bem conhecido, e tanto mais no Brasil, um dos países com maiores índices de violências e violações contra as mulheres.

Desde sempre o movimento feminista lutou contra tais violências, denunciando-as. De maneira geral, a novidade da Marcha das Vadias se encontra não apenas em suas formas de organização e manifestação, mas também em suas estratégias de combate. Se a lógica da violência masculina culpabiliza a mulher agredida, chamando-a de 'vadia' para justificar a agressão, então será preciso fazer da denúncia da violência uma arma a favor da afirmação do poder das mulheres. Assim, foi em nome da inversão e ressignificação de valores sociais machistas associados à linguagem cotidiana, que a Marcha das Vadias se apoderou da antiga denominação pejorativa e transformou o termo 'vadia' num poderoso instrumento do poder feminino. Deste modo, as mulheres que saem às ruas e afirmam-se como vadias se afastam da figura da mulher frágil, assustada, acanhada e subordinada ao homem. As 'vadias' não aceitam ser julgadas por critérios e costumes cuja validade e legitimidade não reconhecem. Também não aceitam ser alvo constante da violência e do escárnio masculinos, e em vez de se limitarem ao papel de vítimas, se afirmam publicamente como livres, belas, poderosas e corajosas, liberando-se dos estereótipos que faziam delas seres destinados a servir e a sofrer a violência masculina. Por isso elas gritam nas ruas: “se ser vadia é ser livre, então somos todas vadias!” Invertendo a lógica machista que exige da mulher que ela seja bem comportada e cubra seu corpo com esmero, preservando-se para o 'seu' homem, a mulher vadia e liberta é aquela que ama seu corpo como ele é, com suas perfeições imperfeitas, e o exibe ali mesmo onde não esperaríamos vê-lo, isto é, no meio da rua, no mesmo lugar em que ela é vítima de tantas violências e discriminações. E é incrível que pernas, costas ou seios à mostra ainda possam parecer mais agressivos que a despudorada tolerância com que se cobre a violência que dilacera o corpo das mulheres a cada dia.

Como se percebe, neste contexto de poderosas inversões simbólicas, nomear-se como 'vadia' não significa aviltar a mulher ou a condição feminina. Muito pelo contrário, significa dar a si mesma um imenso poder de resistência. Por certo, muitas mulheres ainda se sentem incomodadas e vexadas com essa maneira de se afirmar e de se comportar em público. Compreensivelmente, muitas mulheres ainda recusam ou querem mesmo fugir da denominação de 'vadias'. Porém, o que elas ainda não entenderam é que simplesmente não há para onde fugir, pois não há como se proteger da violência física e verbal do machismo cotidiano, senão invertendo as regras do jogo, embaralhando as cartas, dando as próprias cartas. Finalmente, e para concluir esta primeira apreciação geral, cabe ainda observar que tal coletivo não é composto apenas por mulheres, e nem se define como um movimento exclusivo demulheres, posto que gays, lésbicas, transexuais e travestis também são vítimas da violência e do preconceito machista, motivo pelo qual também têm ocupado seu lugar no movimento ao lado de homens que também abraçaram a causa e as reivindicações do feminismo.

Passemos agora a uma análise mais detalhada do coletivo Marcha das Vadias. As e os participantes deste coletivo autônomo e de formação horizontal, desprovido de líderes ou de representantes autorizados, não pautam sua conduta pela observância a quaisquer parâmetros gerais de normalidade ou de normalização, bem como não se orientam de maneira exclusiva ou prioritária por discursos jurídicos, filosóficos ou políticos de caráter universalista e/ou essencialista. Este é um primeiro aspecto que distingue este coletivo em relação aos movimentos sociais que se definem por marcadores identitários, como os movimentos tradicionais LGBT. A Marcha das Vadias tampouco concebe sua atividade política e sua estrutura organizacional a partir de preceitos ou procedimentos jurídico-políticos próprios aos espaços institucionais da representação, preferindo, por outro lado, manifestar direta e publicamente, na rua mesmo, quem são e o que exigem: um mundo sem violências e discriminações contra as mulheres e outras minorias étnico-raciais, de orientação sexual e de gênero. Do ponto de vista de sua peculiar estrutura organizacional, em cada cidade onde o coletivo se estabelece sob o nome comum de Marcha das Vadias, eleé composto por pessoas que se encarregam de organizar e promover ações políticas e discussões, mas as/os organizadoras/res não representam o movimento para além de sua instância local, e mesmo ali eles/as são apenas organizadores/as e difusores/as de atividades e discussões encaminhadas previamente em reuniões coletivas. A Marcha das Vadias é independente de quaisquer estruturas burocrático-partidárias, embora observem-se relações de proximidade e também de tensão com partidos políticos de esquerda. Atualmente o movimento já é bastante conhecido no país, mas cada coletivo é autônomo e independente em relação aos demais que vão surgindo e se manifestando a cada dia nas mais diversas cidades brasileiras, desde as grandes capitais até as pequenas cidades. é certo que cada coletivo interage e comunica-se livremente com os demais, formando redes virtuais nas mídias sociais para a discussão dos problemas e das questões que vão aparecendo ao longo das intervenções públicas promovidas por cada grupo, mas não há representantes autorizados/as de cada um dos coletivos, e muito menos uma/um representante nacional do próprio coletivo enquanto tal.

Justamente em virtude de sua organização flexível, descentralizada e horizontal, tais coletivos multiplicam e difundem com grande rapidez novas e ousadas estratégias de visibilização pública de suas demandas. Assim, em pouco mais de três anos de existência no Brasil, a Marcha das Vadias já é amplamente conhecida, sobretudo entre a população jovem, universitária e do ensino médio, e já há até mesmo um calendário de manifestações em diversas cidades, com datas distintas e escolhidas em conformidade com particularidades locais. Para se ter ideia da eficácia e efetividade dessa forma rizomática de organização e difusão de ideiais e ideais, vale ressaltar que em Curitiba alguns alunos, alunas e mesmo professores e professoras gays e lésbicas das escolas de ensino médio, vítimas de discriminação e violências diversas, já começam a entrar espontaneamente em contato com o coletivo para demandar sua presença no ambiente escolar, como forma de enfrentar a violência cotidiana de que são vítimas sob o olhar complacente de professores, diretores e colegas de turma. Ainda é cedo para avaliar os efeitos das visitas de participantes do coletivo às escolas, mas já há testemunhos que relatam o extremo interesse dos alunos e alunas nas reuniões que vem sendo promovidas em Curitiba (Athayde, 2013). Outro sinal da força provocativa do movimento são os frequentes editoriais e reportagens de natureza conservadora, publicados nos jornais locais nos dias da marcha ou que o antecedem.

Do ponto de vista de suas manifestações públicas, a Marcha das Vadias vale-se de estratégias estético-políticas impactantes: em primeiro lugar, porque ocupam e politizam as ruas, fazendo dos corpos nus (ou vestidos) das e dos manifestantes o suporte privilegiado de veiculação sarcástica, debochada, criativa e provocativa de mensagens políticas de denúncia contra todas as formas de discriminação e de violência. Mas também porque politizam e ressignificam a própria linguagem corrente ao recorrerem ao adjetivo 'vadia' para autodenominar-se, desafiando e questionando publicamente preconceitos que hierarquizam os sujeitos em função de suas práticas e orientações sexuais. Esta é também uma maneira de identificar-se estrategicamente com o/a oprimido/a ao conferir significados positivos e poderosos a uma qualificação pejorativa. Assim, quando os/as manifestantes gritam publicamente “ somos vadias!”, o que se instaura não é um clamor por tolerância, aceitação e reconhecimento do direito à diferença, mas sim um gesto de auto-afirmação que desnaturaliza e torna risível o preconceito entranhado nos processos de identificação, triagem e valoração cotidiana dos sujeitos respeitáveis e de seus negativos abjetos. Não por acaso, as manifestações públicas da marcha assumem um caráter simultaneamente festivo e combativo, divertido e agressivo, operando a inversão crítica de padrões morais e comportamentais bem assentados. Evidentemente, a despeito de certa homogeneidade nas manifestações, todas elas estridentes, aguerridas, coragosas e carnavalescas, observam-se diferenças locais em conformidade com as orientações teóricas e ideológicas das e dos organizadores, que podem estar mais ou menos abertas à inclusão de questões étnico-raciais e relativas à transgeneridade. Também se observam variações com respeito aos happenings que acontecem de maneira prevista (e imprevista) em cada marcha, e que podem ser mais ou menos ousados, mais ou menos provocativos, mais ou menos consensuais entre as e os organizadores/as.

Distintamente dos movimentos identitários de minorias, os quais tendem a privilegiar os canais burocráticos de representação política como foros privilegiados de atuação – de sorte que, quando saem às ruas, procuram não gerar demasiado escândalo – A Marcha das Vadias, por outro lado,faz do escândalo do corpo nu uma arma e um campo aberto de experiências, tendo em vista definir uma outra relação entre vida e política. Poder-se-ia mesmo afirmar que se trata aí de uma política da vida escandalosa ou da vida como escândalo político, em reverberação do que Foucault denominara como o “cinismo como categoria moral na cultura ocidental” (Foucault, 2009, pp. 154). Suas manifestações públicas se desdobram, pois, numa política corporal, isto é, numa política do corpo ou numa política como corpo-a-corpo em luta pela ocupação e ressignificação simbólica dos valores que orientam nossa conduta no espaço público. A cada manifestação geram-se imagens poderosas que, rapidamente, circulam pelas redes sociais e pela mídia convencional, imagens que perturbam a 'normalidade' das convenções sociais, morais, sexuais e políticas. Se o corpo é o lugar privilegiado de inscrição de múltiplas formas de sujeição e violência na cidade, seja então o corpo uma arma de combate político cotidiano por novas possibilidades de existência e de circulação em comum na cidade. Coletivos como a Marcha das Vadias politizam a vida cotidiana e promovem curtocircuitos nos sistemas biopolíticos de regramento e normalização da vida, revertendo a fragilidade do corpo exposto a toda sorte de riscos e violências em nova força político-simbólica. Contra a redução da vida ao estatuto de vida nua e desprotegida, este coletivo propõe a manifestação poderosa e inusitada da nudez no centro da polis, assumindo o corpo desnudo como força estratégica para a instauração de uma outra relação entre política e vida. Enseja-se assim uma forma de ação que é uma forma de vida e que, deste modo, não se restringe a um cálculo a respeito da conquista de direitos ou a respeito da boa gestão administrativa dos corpos na cidade. Assim, tornar os visíveis os corpos sobre os quais se exercem todas as violências e discriminações é muito mais do que um meio para conquistar um fim, pois constitui o próprio exercício de uma outra relação entre política, corpo e vida, uma relação que transcende a luta pela conquista de direitos, embora não recuse o direito enquanto tal.

Podemos agora entender porque as noções foucaultianas de estética da existência e de subjetivação nos ajudam a compreender várias diferenças que distinguem os coletivos pós-identitários em relação aos movimentos de minorias fundados na definição das identidades gay, lésbica, bissexual ou transexual. Por certo, coletivos feministas de inspiração queercomo a Marcha das Vadias não abrem mão da luta pelo reconhecimento de direitos iguais para todos. No entanto, e é isto que importa ressaltar aqui, no âmbito deste coletivo a luta por direitos iguais não depende da definição ou afirmação de identidades particulares ou essenciais, não depende da definição de sujeitos determinados de maneira identitária. Talvez se possa até mesmo afirmar que a Marcha das Vadias não restringe nem funda suas lutas políticas em princípios jurídico-políticos, sem que isto implique, todavia, a sua mera recusa. Por outro lado, o aspecto que nos interessa ressaltar a este respeito é que sua denúncia da violência – não apenas contra as mulheres, foco central do movimento, mas também contra todos os gêneros (que, afinal, não são apenas dois) – não se esgota na proposta da criminalização jurídica das condutas discriminatórias, sem contudo descartá-la. Por outro lado, ela visa sobretudo promover novas formas de viver e conviver para além das fronteiras de gênero e das violências que estão associadas a elas. Em suma, tais denúncias se fazem em nome de novas formas de amizade, de relacionamento e de convivência entre os diferentes. Se é certo que a Marcha das Vadias nasceu em decorrência da culpabilização da mulher e de seu corpo pelas violências que elas cotidianamente sofrem, desde o assédio verbal às formas mais degradantes da violência que estraçalha corpos e almas, a ênfase das lutas deste coletivo, ao menos no Brasil, não se restringe à exigência de criminalização das condutas violentas, mas vincula a denúncia da violência ao questionamento crítico de sua naturalização, desmascarando, deste modo, os preconceitos que as disfarçam, protegem e, em última análise, as estimulam. Numa palavra, tão importante quanto punir juridicamente os agressores é impedir que novas agressões se repitam e, para isso, tal coletivo não recorre apenas ao direito, mas, principalmente, à ideia de que as diferenças podem e devem conviver no mesmo espaço urbano.

Não por acaso, portanto, a Marcha das Vadias promove o questionamento de todas as formas de violência e discriminação, denunciando-as sob o crivo geral do “machismo nosso de cada dia”, com suas brutais consequências sociais, psicológicas e afetivas. A esta ampla liberdade com relação a quaisquer fronteiras de gênero, acrescenta-se ainda a pluralidade das lutas e das reivindicações, as quais brotam do interior do movimento e não se vinculam de maneira específica ou restritiva a questões de ordem jurídica. Por certo, a Marcha das Vadias defende o direito de todas e todos casarem-se na justiça e terem reconhecidos todos os benefícios que lhes cabem em função deste instituto jurídico, mas, contrariamente às organizações dedicadas às lutas identitárias de minorias, este coletivo não faz do casamento homoafetivo uma pauta específica ou sequer prioritária. No âmbito da luta pelo reconhecimento de direitos, por outro lado, considera-se fundamental a descriminalização do aborto e a possibilidade de sua realização pelo sistema público de saúde, na estrita dependência da decisão da mulher. No entanto, uma vez mais, a ênfase da luta pela legalização do aborto não se restringe à aquisição e conservação de direitos, mas procura enfatizar a liberdade de decisão da mulher como sujeito soberano de sua própria vida e de seu próprio corpo.

A despeito dos importantes ganhos jurídicos e políticos obtidos pelos movimentos minoritários de inspiração identitária, não se deve perder de vista que tais conquistas jurídicas e a intensa relação de parceria estabelecida com o Estado tendem a enfraquecer seu potencial crítico e questionado (César, Duarte SIERRA, 2013). Ademais, no âmbito das dinâmicas organizacionais dos movimentos identitários, frequentemente tais ganhos jurídico-políticos se fazem acompanhar da reprodução da lógica disciplinar normalizadora, enraizada no “dispositivo da sexualidade” (Foucault, 1999, p. 101) Ao limitarem-se à lógica da luta pela inclusão de novos sujeitos identitários no universo jurídico dos direitos, os movimentos sociais fundados nas identidades de gênero e de orientação sexual tendem a reforçar o paradigma institucional disciplinar e normalizador, que opera de maneira a domesticar ou excluir o desconhecido, isto é, todos aqueles que, ao excederem a norma, são considerados como abjeções incompreensíveis (César, 2009) Num contexto identitário e normalizador, indivíduos e experiências de corpo e de gênero inclassificáveis e ininteligíveis permanecem por definição sob vigilância, sendo incluídos nesse paradigma jurídico-disciplinar ao preço de sua pacificação normalizada; ou, então, são excluídos do jogo político e social. A reiteração de discursos e práticas políticos que assumem e pressupõem de maneira não crítica o sujeito, a identidade e o direito, considerando a cidadania a partir da articulação das noções de identidade e de sujeito de direitos, tende a encerrar os corpos, as práticas, os prazeres e os modos de vida no interior de processos de sujeição normalizadora de caráter disciplinar e biopolítico. Prova disto é a recente produção de gays e lésbicas bem comportados/as, além de travestis e transexuais incluídos/as nas descrições e protocolos das patologias psicosexuais (Pocahi, 2008). Tais identidades normalizadas continuam a ser produzidas no interior do “dispositivo da sexualidade” (Foucault, 1999, p. 101), motivo pelo qual muitas vezes acabam por reivindicar um modo de vida orientado pelo campo da heterossexualidade como norma (Bourcier, 2001, 2007). Afinal, não se deve esquecer que o próprio conjunto das identidades LGBT foi constituído a partir do discurso médico-jurídico, entre outras instâncias sociais de regulação, vigilância, normalização e segregação de populações. Como nos recorda Foucault (1994),

foi somente a partir do momento em que o dispositivo da sexualidade tomou lugar de maneira efetiva, quer dizer, quando um conjunto de práticas, de instituições e de conhecimentos fez da sexualidade um domínio coerente e uma dimensão absolutamente fundamental do indivíduo, foi somente neste momento preciso que a questão 'qual é o seu ser sexual?' se tornou inevitável. (p. 662).

Por outro lado, em suas discussões e manifestações públicas, coletivos como a Marcha das Vadias põem em prática processos de subjetivação voltados para a autotransformação dos agentes em suas condutas e formas de pensar e se expressar, esta sendo a condição pela qual combatem a heterossexualidade enquanto norma e toda forma de enclausuramento identitário do sujeito. De maneira consciente ou não, tais coletivos parecem agir em sintonia com o pensamento de Foucault, pois parecem concordar com sua afirmação de que

hoje o principal objetivo não é descobrir quem somos, mas recusar o que somos. Precisamos imaginar e construir o que poderíamos ser a fim de nos desembaraçarmos desta forma de 'dupla constrição' política que são a individualização e a totalização simultâneas das estruturas do poder moderno. (Foucault, 1994, p. 232).

Numa palavra, o importante é “promover novas formas de subjetividade ao recusar o tipo de individualidade que nos foi imposta durante séculos. ” (Foucault, 1994, p. 232). Coletivos como a Marcha das Vadias, com sua ênfasenas lutas, isto é, nas práticas e nos discursos políticos, demarcam-se nitidamente em relação ao universo semântico normalizado dos movimentos de minorias que se fundam no sujeito de direitos e fundamentam suas ações nas mais diversas identidades. Obviamente, este coletivo reconhece a importância estratégica da afirmação da condição feminina, transexual, travesti, gay e lesbiana no contexto das lutas políticas de minorias, tanto mais que o Estado somente atribui direitos a sujeitos que possam ser seus portadores. Contudo, e aqui uma vez mais tal coletivo parece sintonizar-se com o pensamento de Michel Foucault, o aspecto mais importante em suas lutas e engajamentos é a recusa de toda forma de identificação de si mesmo a partir das figuras da sexualidade ou do desejo. Suspendem-se deste modo perguntas de caráter essencialista a respeito de quem sou e porque sou como sou; basta que eu seja como sou. A este mesmo respeito, Foucault costumava afirmar que

embora do ponto de vista tático seja importante poder dizer, em dado momento, 'Eu sou homossexual', não se deve, em minha opinião, por um tempo mais longo e no quadro de uma estratégia mais ampla, formular questões sobre a identidade sexual. Não se trata neste caso de confirmar sua identidade sexual, mas de recusar a injunção de identificação à sexualidade, às diferentes formas de sexualidade. (Foucault, 1994, p. 662).

Em algumas entrevistas Foucault também argumentou a favor de um emprego estratégico da noção de identidade. Nelas, ele a considerou como um jogo, isto é, como um possível marcador para identificar certas formas de relação entre pessoas e certas formas de fruição do prazer sexual, mas não como um elemento para a definição de seu ser. Deste modo, Foucault recusava a exigência de produzir discursos verdadeiros sobre si mesmo tomando como base concepções identitárias de caráter essencialista. Para Foucault, por outro lado, a identidade poderia ser útil no sentido de marcar diferenças e instituir novas possibilidades de relação entre as pessoas, relações mais criativas e menos submissas aos papéis sociais e sexuais prevalecentes. Acima de tudo, Foucault não queria permanecer sempre o mesmo, mas transformar a si próprio e aos outros:

Se a identidade é somente um jogo, um procedimento para favorecer relações, relações sociais e relações de prazer sexual que criarão novas amizades, então ela é útil. Mas se a identidade se torna o problema maior da existência sexual, se as pessoas pensam que devem 'revelar' sua 'identidade própria' e que esta identidade deve se tornar a lei, o princípio, o código de sua existência; se a questão que elas colocam perpetuamente é: 'Isto está conforme à minha identidade?', então penso que retornaremos a uma espécie de ética muito próxima da virilidade heterossexual tradicional.... é fastidioso ser sempre o mesmo. (Foucault, 1994, p. 739).

Se Foucault não deixou de reconhecer que os movimentos tradicionais de minorias contribuíram decisivamente para assegurar o direito do indivíduo de exercer livremente sua sexualidade, ele também afirmava que tais movimentos deveriam “dar um passo adiante” (Foucault, 1994, p. 736), no sentido de estimular a

criação de novas formas de vida, de relações, de amizade, na sociedade, na arte, na cultura, novas formas que se instaurem através de nossas escolhas sexuais, éticas e políticas. Devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e nos afirmar não somente enquanto identidade, mas enquanto força criativa. (Foucault, 1994, p. 736).

Foucault (1994) chamou a atenção para essa dimensão ético-política criativa, extra-jurídica, ao pensar os movimentos sociais de minorias a partir da noção de modo de vida, com a qual ele pretendeu introduzir no pensamento político contemporâneo outras formas de consideração das relações entre os indivíduos, para além das fronteiras identitárias e dos mecanismos convencionais de regulamentação jurídico-política de tais relações. Para o autor, um modo de vida deve ser entendido como uma forma de relação partilhada por indivíduos de idade, condição social, atividade social e orientação sexual diferentes entre si. Contra a naturalização das identidades sexuais, Foucault (1994) afirmou que “ser gay não é, creio, se identificar com os traços psicológicos e as máscaras visíveis do homossexual, mas buscar definir e desenvolver um modo de vida” (p. 165).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensamos que a Marcha das Vadias dedica-se justamente ao cultivo de um modo de vida não violento, aberto a experiências de gênero não previamente mapeadas e determinadas, não fechadas em torno a quaisquer identidades ou direitos, mas capazes de fomentar relações e interações livres entre indivíduos diferentes entre si. Temos aí o exemplo de uma política corporal praticada como desconstrução das formas correntes de viver e circular na cidade, uma política para a qual se requer de cada manifestante a tarefa de uma contínua autotransformação reflexiva e voluntária quanto aos modos de exibir e movimentar o corpo e as ideias. Na perspectiva da Marcha das Vadias, portanto, a ação, o pensamento e a discussão políticos não se dissociam do desejo de conviver e de expor corajosamente o corpo e a própria vida a processos de autotransformação e revelação de singularidades (Duarte & César, 2012). Numa palavra, a Marcha das Vadias encena publicamente novas formas de viver e conviver, estabelecendo uma unidade indissociável entre manifestação pública de agentes singulares e invenção de novas formas de relação, de amizades, de afetividades. Nas manifestações da Marcha, portanto, tão ou mais importante do que reivindicar direitos é afirmar um outro modo de viver e compartilhar publicamente novos modos de vida. A marcha não apenas questiona o isolamento atomizado do indivíduo contemporâneo, mas também as velhas formas hegemônicas do viver em comum, baseadas em comportamentos violentos, excludentes ou de inclusão domesticadora da diferença. Segundo tal perspectiva política, tão importante quanto obter conquistas jurídicas concretas é engajar-se, manifestar-se e experimentar novas formas de viver coletivamente na cidade, novas formas de vida que se singularizam no plural.

Consideramos que as noções foucaultianas tardias de subjetivação e de estética da existência contribuem de maneira decisiva para a demarcação das diferenças que distinguem as formas de engajamento político dos novos coletivos em relação às formas mais tradicionais ou convencionais do ativismo político LGBT. Como afirmamos anteriormente, não se trata de opor um movimento ao outro, nem tampouco de repudiar uma forma de organização e atuação política em nome da outra. Aliás, é interessante observar que os novos coletivos políticos não se recusam a interagir com os movimentos identitários de minorias, nem se fecham para as suas lutas pelo reconhecimento de direitos para os sujeitos LGBT. Por outro lado, entretanto, muitos dos conflitos que se deflagram entre movimentos LGBT e coletivos de inspiração queer estão relacionados com a desconfiança (teórica e prática) dos movimentos tradicionais em relação às exigências críticas promovidas pelos segundos. No entanto, consideramos que o pensamento de Foucault pode oferecer inspiração não apenas para as formas de atuação dos coletivos, mas também para os modos de engajamento dos movimentos LGBT em torno da conquista por direitos para aquela população específica. O aspecto central, assim nos parece, reside em fazer da identidade a mola propulsora para lutas estratégicas, sem, contudo, tornar-se presa das armadilhas identitárias que substancializam o ser dos sujeitos e, não raramente, reproduzem mecanismos de hierarquização e desvalorização de sujeitos com base em procedimentos sociais de normalização e pacificação das diferenças. Foucault continua sendo um pensador essencial para pensarmos as lutas estratégicas para a conquista de direitos para segmentos minoritários de nossas sociedades, mas não devemos esquecer sua importante sugestão no sentido de que tais movimentos deveriam dar um passo adiante, isto é, um passo decisivo na direção do questionamento das formas hegemônicas do viver em comum. O pensamento tardio de Foucault nos mostra que somente poderemos desarmar as estruturas sociais que promovem a violência e a discriminação contra as minorias se promovermos novas formas de vida e novas relações de amizade entre os diferentes.

Recebido em 03/11/2013

Aceito em 21/09/2014

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  • Endereço para correspondência

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  • 1
    Agradecemos a Thays Athayde, mestranda em Educação pela UFPR sob orientação de Maria Rita de Assis César e uma das organizadoras da Marcha das Vadias em Curitiba.
  • 2
    Apoio e financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através de bolsa produtividade em pesquisa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2014

    Histórico

    • Aceito
      21 Set 2014
    • Recebido
      03 Nov 2013
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