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PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO VIVENCIADOS POR MÃES EM UMA UNIDADE DE NEONATOLOGIA

LOS PROCESOS DE SUBJETIVACIÓN VIVIDOS POR LAS MADRES EN UNA UNIDAD DE NEONATOLOGÍA

Resumos

Nesta pesquisa buscou-se investigar a experiência de ser mãe de um bebê prematuro na unidade neonatal, contexto da primeira etapa do Método Canguru. O conceito processos de subjetivação foi utilizado com base nas leituras de Deleuze, Guattari e Rolnik. O estudo se caracterizou como qualitativo com a produção de dados empíricos realizada em um hospital público da Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG. Foram envolvidas seis mães de bebês prematuros internados na unidade de neonatologia desse hospital e utilizadas entrevistas semidirigidas e a observação participante para a produção dos dados. Os resultados da investigação se revelaram em duas categorias centrais: a experiência de ser mãe de um bebê prematuro; e as relações mediadas pela internação do bebê na unidade neonatal. As ligações estabelecidas entre as mães, máquinas, objetos e narrativas provocaram a compreensão de formas singulares de se experimentar a maternidade.

Processos de subjetivação; maternidade; recém-nascidos prematuros


Este estudio tuvo como objetivo investigar la experiencia de ser madre de un bebé prematuro en la unidad neonatal, el contexto de la primera etapa del Método Canguro. El concepto de los procesos de subjetivación fue utilizado basado en las lecturas de Deleuze, Guattari y Rolnik. El estudio se caracterizó como cualitativo con la producción de datos empíricos realizada en un hospital público en la región metropolitana de Belo Horizonte/MG. Participaron seis madres de bebés prematuros ingresados en la unidad de neonatología de este hospital y se utilizaron entrevistas semidirigidas y la observación participante para la producción de los datos. Los resultados de la investigación se revelaron en dos categorías principales: la experiencia de ser madre de un bebé prematuro y las relaciones mediadas por la hospitalización del bebé en la unidad neonatal. Los vínculos establecidos entre las madres, máquinas, objetos y relatos provocaron la comprensión de formas singulares de experimentarse la maternidad.

Procesos de subjetivación; maternidad; recién nacidos prematuros


This research aimed to investigate the experience of being the mother of a premature infant admitted to a neonatal unit, context of the first stage of the Kangaroo Care. The concept of subjectification processes was used based on readings of Deleuze, Guattari and Rolnik. This is a qualitative study, with production of empirical data collected in a public hospital located in the metropolitan area of Belo Horizonte, Minas Gerais. It counted with the participation of six mothers of premature babies admitted to the neonatology unit of said hospital, and used semi-structured interviews, in addition to participating observation for data production. The results of the investigation were revealed in two major categories: the experience of being the mother of a premature baby, and the relationships mediated by the hospitalization of the baby in the neonatal unit. The bonds established between mothers, machines, objects and narratives led to the comprehension of singular forms of experiencing maternity.

Subjectification processes; maternity; premature infants


O recém-nascido prematuro ou pré-termo (RNPT) é aquele que nasce com menos de 37 semanas de gestação (WHO, 1961World Health Organization. (1961). Public health aspects of low birth weight. (WHO, Technical Report Series, 217), Genebra, Suiça.). Segundo dados do Ministério da Saúde (Brasil, 2009Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde da Criança. (2009). Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. Brasília: Ministério da Saúde.), nascem anualmente, em todo o mundo, 20 milhões de bebês prematuros e com baixo peso. Destes, 1/3 morre antes de completar o primeiro ano de vida, o que representa elevado índice de morbidade e mortalidade neonatal.

A fragilidade e a imaturidade dos bebês prematuros contribuem para a possibilidade de riscos e agravos no processo de desenvolvimento e crescimento neonatal. Os acometimentos perinatais compreendem principalmente os problemas respiratórios, a asfixia ao nascer e as infecções, além de distúrbios metabólicos, dificuldade na alimentação e regulação da temperatura corporal (Brasil, 2009Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde da Criança. (2009). Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. Brasília: Ministério da Saúde.). Por isso o atendimento a essa população de risco tem sido foco primordial na tentativa de reduzir a mortalidade infantil.

Para Sales et al. (2005Sales, C. A., Vrecchi, M. R., Mikuni, P. K., Ferreira, E. A., Andrade, V. C. C., Godoy, A. V., et al. (2005). Vivenciando a facticidade em dar existência a filho prematuro: compreensão dos sentimentos expressos pelas mães. Acta Scientiarum: Health Sciences. 27(1), 19-23.), a partir do momento em que a mulher descobre estar grávida, ela desenvolve um sentimento de apego à futura criança; porém, ao vivenciar o nascimento prematuro, a mãe passa a enfrentar uma situação de dor diante da possibilidade de morte do filho. O nascimento prematuro, em geral, ocorre de maneira inesperada, contrapondo-se a todas as expectativas da mãe e da família. Segundo Moreira (2007Moreira, J. O. (2007, junho). A ruptura do continuar a ser. Mental, 5(8), 91-106.), a mãe precisa elaborar a distância entre o bebê imaginário e o bebê real. Para Brum e Schermann (2004Brum, E. H., & Schermann, L. (2004). Vínculos iniciais e desenvolvimento infantil: abordagem teórica da situação de nascimento de risco. Ciência e Saúde Coletiva. 9(2), 457-467.), que estudaram os vínculos iniciais e o desenvolvimento infantil nas situações de risco, os pais de filhos prematuros mergulham em um ambiente de preocupação, sentindo-se ansiosos, cansados, assustados e desamparados. Nesta situação, o nascimento prematuro pode representar um trauma tanto para o bebê quanto para a mãe e demais familiares. A mãe precisa elaborar o nascimento inesperado, e neste contexto as condições da maternagem são atravessadas pela vivência da culpa, ante o fato de não poder acolher o filho no colo e medo constante de perdê-lo (Moreira, Romagnoli, Dias & Moreira, 2009Moreira, J. O. (2007, junho). A ruptura do continuar a ser. Mental, 5(8), 91-106.).

O contato diário de uma das autoras com recém-nascidos prematuros, suas mães e suas histórias, como fisioterapeuta da divisão de serviços de neonatologia de um hospital público da Região Metropolitana de Belo Horizonte, contribuiu para o conhecimento de questões acerca desse contexto, em que novos modos de ser mãe pareciam ser forjados. Deflagrou-se, com essas questões iniciais, o desenho da pesquisa desenvolvida durante o mestrado em Psicologia, orientada pela necessidade de compreender quem eram as mães marcadas por essa realidade.

Em face disto, buscou-se uma literatura teórico-conceitual da área da psicologia para analisar os processos de subjetivação que marcam a experiência de ser mãe de um bebê prematuro internado em uma unidade neonatal, cenário da primeira etapa do Método Canguru. O conceito processos de subjetivação foi utilizado para essa tarefa, trabalhando-se com leituras de Deleuze, Guattari e Rolnik.

Como pressuposto desta pesquisa, acreditava-se que a experiência de ser mãe podia se modificar nesta nova cena, resultado dos múltiplos atravessamentos que o ambiente, os profissionais e a linguagem especializada produzem, contribuindo para o processo de produção de subjetividades. Mesmo reconhecendo a expressão dos papéis culturais frequentemente atribuídos às mulheres que se tornam mães, esperava-se encontrar experiências multifacetadas diante da prematuridade, dos equipamentos e dos procedimentos que compõem a assistência neonatal.

Em vista deste cenário, buscou-se apoio na explicação de Rose (2011Rose, N. (2011). Inventando nossos selfs. Petrópolis, RJ: Vozes.), que toma a subjetividade pela visão da socialização, compreendendo a interação do humano com o ambiente em que está inserido. São essas variadas relações e ligações que produzem o sujeito como agenciamentos que mudam suas propriedades à medida que ampliam e integram outras conexões (Rose, 2011Rose, N. (2011). Inventando nossos selfs. Petrópolis, RJ: Vozes.). Segundo Lemos (2013Lemos, R. F. S. (2013). As várias faces da mãe contemporânea. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.), o que parece emergir são possibilidades de montagens de elementos discursivos e não discursivos que compõem os modos de ser mãe na contemporaneidade. A mãe e suas conexões com o novo espaço e seus arranjos, assim como com a prematuridade do bebê, produzem um novo sujeito, um novo encontro. Por isso, a subjetividade não é vista como algo adquirido, ou já pronto, mas é processual, está em constante movimentação e se constitui de vários elementos a partir de múltiplos agenciamentos.

Esse contexto nos faz pensar na invenção histórica da maternidade e na figura idealizada da mãe, o que se evidencia na prática de normatizações como o Método Canguru, na narrativa dos profissionais de saúde e no que é socialmente perpetuado na cultura. Esses e outros elementos que se conectam na cena da prematuridade se impõem para que a mãe encontre uma forma singular de estabelecer uma relação com o filho. Aposta-se, com o conceito de processos de subjetivação, na desconstrução de perspectivas universais de maternidade. A possibilidade de combinar elementos diversificados convocaria a mãe a alcançar novos territórios e estabelecer construções singulares de afeto e maternagem na vivência da prematuridade.

Baseadas em discussões presentes em Deleuze e Guattari, essas premissas sobre o conceito de processos de subjetivação mostram que tais processos são marcados por um jogo de relações múltiplas, coexistentes e, de certa forma, complementares (Haesbaert & Bruce, 2002Haesbaert, R., & Bruce, G. (2002). A desterritorialização na obra de Deleuze e Guattari. Geographia. 4(7), 1-15.). Na cena da unidade neonatal podem-se vivenciar novos modos de ser mãe, uma vez que os agenciamentos que compõem este cenário podem construir simultaneamente tanto posições identitárias (representações de ser mãe, papéis cristalizados e estereótipos que são frequentemente tomados como universais) como a singularidade de cada relação entre as mães, seus filhos, a equipe, as máquinas e toda a gama de encontros que ali se processam. Espera-se que as discussões aqui apresentadas contribuam para que a assistência neonatal tenha em vista a dimensão multifacetada das experiências de tornar-se mãe de um bebê prematuro, ampliando as possibilidades de intervenção e propiciando melhor qualidade e humanização no atendimento, além de abordar a necessidade de uma melhor compreensão das práticas de saúde pública na atenção perinatal.

A atenção humanizada e de qualidade ao prematuro e à família é preconizada pelo Governo Federal e se firmou oficialmente através da criação do Método Canguru. A mudança na forma do cuidado neonatal proposta por este método está baseada na promoção do contato pele a pele, no respeito às individualidades, na promoção do aleitamento materno e no envolvimento da mãe nos cuidados com o filho. Tal método é desenvolvido em três etapas. A primeira etapa, a qual foi objeto do presente estudo, é realizada na unidade neonatal. A segunda ocorre na enfermaria Canguru, onde o bebê permanece de maneira contínua com a mãe, vindo a seguir o acompanhamento ambulatorial da criança e da família, o que acontece na terceira etapa.

Deste modo, o programa pretende não apenas favorecer a melhora e manutenção da saúde do recém-nascido prematuro, mas também incentivar a formação do vínculo entre a díade mãe-bebê. O Método aposta na aproximação cotidiana da mãe com o bebê, no contato físico de forma gradual, crescente e seguro, no estímulo à amamentação e participação nos cuidados diários como elementos que reforçam o envolvimento afetivo precoce e os papéis de cuidado com os filhos concentrados principalmente na mãe.

Trabalha-se aqui com o viés de uma subjetividade constantemente produzida, o que implica na possibilidade de se desinventar, desterritorializar-se e reterritorializar-se, estabelecendo-se novos e singulares agenciamentos na experiência de se tornar mãe. As ligações estabelecidas na unidade neonatal entre o sujeito, máquinas e narrativas produzem capacidades e experiências subjetivas, elementos de produção de subjetividades.

A vivência da prematuridade, seus agenciamentos e tudo que faz parte deste encontro contribuem para a composição e modulação da mãe de um bebê prematuro. A forma de se apropriar do programa faz parte de composições singulares de cada mãe. É importante considerar a unidade neonatal como elemento de produção dos processos de subjetivação vivenciados pelas mães segundo a experiência individual e a maneira pessoal de singularizar. Esta abordagem foi o ponto de partida para o direcionamento da pesquisa que ora se apresenta.

MÉTODO

Participantes

Foram envolvidas seis mães de bebês prematuros internados na Unidade de Neonatologia de um hospital público da Região Metropolitana de Belo Horizonte. As mães foram abordadas diretamente pela pesquisadora responsável pela produção dos dados empíricos após a primeira semana de internação do bebê. Foram abordadas as mães de recém-nascidos prematuros nascidos entre 31 e 36 semanas de idade gestacional, com peso médio de 1.500 e 2.500 gramas e com estabilidade clínica, observando-se o maior número de internações nessa unidade. Em vista da capacidade de internações da unidade (24 leitos), considerava-se que esse número de sujeitos se adequava aos objetivos do estudo, uma vez que estudos de caso não aludem à generalização dos dados produzidos, mas buscam o aprofundamento das questões colocadas na pesquisa.

Apenas as mães foram envolvidas. Não foram incluídos como sujeitos diretos da pesquisa os avôs, as avós, pais e outros parentes do bebê que também costumam circular pela unidade, embora, em alguns momentos, possa ser notória a participação desses familiares no cuidado com o recém-nascido. Não constituíram critérios de inclusão ou exclusão para essa pesquisa aspectos como a religião, a idade, o estado civil, a escolaridade ou a condição econômica, embora se tivesse conhecimento de que o hospital, por ser público, atende principalmente mulheres de baixa renda.

As seis mães entrevistadas tinham idades entre 21 e 36 anos e concluíram no mínimo até o Ensino Fundamental. As características podem ser acompanhadas no Quadro 1.

Quadro 1.
Caracterização das Entrevistadas

As mães foram referidas pela letra M seguida de um número de 1 a 6, como consta no Quadro 1. Todas as mães demonstraram interesse em participar deste trabalho e foram muito receptivas durante a entrevista.

A cena

A unidade de neonatologia onde foi realizada esta pesquisa encontra-se no quarto andar de um hospital público da Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG. O atendimento é garantido pelo convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS). O hospital possui o título da "Iniciativa Hospital Amigo da Criança2 2 A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) foi idealizada em 1990 pela OMS e UNICEF para promover, proteger e apoiar a amamentação. Foi incorporada pelo Ministério da Saúde como ação prioritária em 1992 e desde então, com o apoio das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde vem capacitando profissionais, realizando avaliações e estimulando a rede hospitalar para o credenciamento (Brasil, 2011). ", que consiste em incentivar e promover o aleitamento materno. Bebês que necessitem de acompanhamento médico após o nascimento e não tenham condições clínicas de ficar com a mãe no alojamento conjunto são o público alvo deste serviço. Segundo os dados de controle gerencial da unidade de neonatologia, no primeiro semestre de 2011, de janeiro a julho, a unidade recebeu 308 recém-nascidos, dos quais 160 eram prematuros, o que corresponde a 51,94% dos bebês internados na unidade de neonatologia.

Neste setor estão instalados 24 leitos, dos qual catorze são de alto risco, credenciados como unidade de tratamento intensivo, e dez de baixo risco. A área física é dividida em alto risco (isolado e "atrás do muro") e baixo risco, além do descanso e da sala de evolução. A nomeação deste espaço físico de "atrás do muro" foi dada pela própria equipe de saúde que trabalha nessa unidade. Os bebês que permanecem nesse local estão estáveis clinicamente e provavelmente estão próximos de serem encaminhados para o ambiente de baixo risco.

O ambiente de alto risco é o local onde acontecem as admissões de recém-nascidos provenientes do bloco obstétrico e de Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Neste espaço permanecem os bebês que necessitam de cuidado mais rigoroso, por apresentarem instabilidade respiratória, hemodinâmica ou metabólica. Para bebês de alto risco ainda existe uma enfermaria isolada, para pacientes em isolamento de contato ou respiratório. Nas instalações de baixo risco permanecem os bebês que estão estáveis clinicamente, em aleitamento materno e ganho de peso ou treinamento de familiares para alta hospitalar.

Geralmente, o recém-nascido é admitido nas instalações de alto risco e assim que o quadro clínico o permitir ele é encaminhado às de baixo risco para posterior alta hospitalar. Vale ressaltar que nas instalações de alto risco o bebê é admitido na área maior, e após estabilidade é encaminhado às de baixo risco ou vai "para trás do muro", e daí o próximo passo é ser encaminhado às de baixo risco. Estas divisões de espaço físico dentro da unidade e sua referência com a estabilidade clínica do bebê são bem conhecidas pelas mães, que na maioria das vezes fazem a vigilância constante dessa movimentação. A denominação destes espaços os revelou como importantes componentes dos processos subjetivos experimentados na unidade pesquisada, por isso eles serão retomados adiante no texto.

A equipe de saúde é multidisciplinar, composta por 31 pediatras, dois fisioterapeutas, uma fonoaudióloga, dois terapeutas ocupacionais, nove enfermeiras e 57 técnicos de enfermagem. A psicóloga e as duas assistentes sociais atuam em conjunto com a maternidade. Todos os profissionais, ao ingressarem neste serviço, recebem treinamento sobre a promoção do aleitamento materno. A unidade possui alguns projetos terapêuticos, como as atividades artesanais com as mães, acompanhamento de grupo de mães, incentivo ao aleitamento materno e método canguru, visando-se sempre a uma atenção centrada na humanização da assistência.

Procedimentos

Para a produção dos dados, os instrumentos utilizados foram a pesquisa bibliográfica, a entrevista semidirigida e a observação. A pesquisa bibliográfica contou com a utilização das bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde e com acervos de bibliotecas e bancos de teses e dissertações disponíveis na internet. Os principais termos utilizados na realização da busca foram recém-nascido prematuro, maternidade e processos de subjetivação. Entre os trabalhos encontrados estavam artigos, teses e dissertações. Os textos permitiram, além de um aprofundamento teórico, um conhecimento de pesquisas desenvolvidas em contextos similares.

No primeiro momento da coleta de dados foi utilizada a entrevista semidirigida com as mães de bebês prematuros internados na unidade de neonatologia. A pesquisadora desejava obter informações percebidas pelas mães em suas trajetórias, tais como a história da gravidez, do parto e hospitalização do recém-nascido prematuro. Estes eixos estavam presentes no guia dos temas pensados neste estudo para abordagem às mães.

Segundo Chizzotti (2001Chizzotti, A. (2001). Pesquisa em ciências humanas e sociais (5a. ed.). São Paulo: Cortez.), as informações colhidas sobre fatos e opiniões em entrevistas semidirigidas são fruto de um diálogo preparado, com objetivos e estratégias previamente estabelecidos. Da mesma forma, Minayo (2010Minayo, M. C. S. (2010). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde (12a. ed). São Paulo: Hucitec.) afirma que a entrevista não significa uma conversa imparcial, mas tem propósitos bem-definidos, pois é utilizada como meio de coleta dos fatos relatados pelos indivíduos enquanto sujeitos e objetos da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo estudada.

A observação, outra estratégia metodológica desta pesquisa, promove o contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, o que permite obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos (Minayo, 2010Minayo, M. C. S. (2010). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde (12a. ed). São Paulo: Hucitec.). As observações foram realizadas no momento em que a mãe estava presente na unidade neonatal, junto ao seu bebê. Foram observadas as intervenções, cuidados, conversas e contatos entre a mãe e o bebê prematuro, assim como o ambiente em que acontecia esse encontro. Também foram incluídos o atendimento direto de profissionais aos recém-nascidos e às mães, em como a relação com outras mães presentes. Os elementos observados foram anotados em um diário de campo para comporem os dados da pesquisa e para posterior análise.

Análise dos dados

Para a análise dos dados obtidos foram utilizados a análise de conteúdo e o aporte conceitual dos processos de subjetivação. Segundo Kind (2007Kind, L. (2007). Elementos para a análise temática em pesquisa qualitativa {CD-ROM}. In Colóquio Interinstitucional de Laboratórios de Psicologia, 1. Belo Horizonte: PUC Minas.), o processo analítico é iniciado com a clareza do pesquisador sobre o que será investigado, pressupondo-se opções metodológicas que permitam explorar o assunto escolhido. Concordamos com Turato (2003Turato, E. R.(2003). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Rio de Janeiro: Vozes.), para quem "o pesquisador deve ter a mente aberta, ser capaz de ver onde outros não viram poder interpretar os dados em profundidade, indo além do aparente, modificando caminhos de forma criativa, sempre rumo ao novo, ao não conhecido" (p. 21).

Todas as entrevistas foram transcritas e impressas para facilitar as leituras exaustivas e a análise do conteúdo. Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Edições 70.) configura análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise de todas as comunicações. Caracteriza-se pela utilização de técnicas e procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, estabelecendo o significado, definindo as categorias e percorrendo o texto para codificá-lo.

Nesta pesquisa, a análise de conteúdo foi demonstrada pela análise temática dos dados. Realizar uma análise temática compreende a busca e descoberta dos núcleos de sentido presentes na comunicação cuja presença ou frequência de aparição possa apresentar significado para o objetivo analítico escolhido (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Edições 70.).

Primeiramente, foi realizada a construção do corpus de análise, composto pelas transcrições das entrevistas e pelas notas de observação. Em seguida foram realizadas leituras repetidas e exploratórias para facilitar a identificação dos temas e das categorias. Vale ressaltar que esta abordagem priorizava as hipóteses e objetivos do trabalho. Duas categorias foram elaboradas: 1- a experiência de ser mãe de um bebê prematuro; e 2- as relações mediadas pela internação do bebê na unidade neonatal. Algumas subcategorias foram vinculadas a esses dois eixos organizadores dos dados.

Essa divisão foi muito importante para o procedimento analítico dos relatos, pois proporcionou a apreensão das conexões entre os temas encontrados, além da percepção dos processos de subjetivação apresentados pelas mães dos bebês prematuros. Esta etapa de categorização também permitiu identificar pontos de articulação analítica com os estudos sobre subjetivação. Como produto desse processo, construiu-se um texto de análise caracterizado pelo diálogo entre as categorias, os objetivos e o referencial teórico do trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os materiais produzidos para análise derivaram dos relatos de mães que vivenciaram a experiência do nascimento prematuro e internação dos filhos numa unidade neonatal. Foi possível descrever e compreender como esta situação atravessa os processos de subjetivação dessas mães. Assim, a discussão dos resultados enfatiza os elementos que dizem respeito à maternidade e suas implicações subjetivas construídas com as marcas da prematuridade em uma unidade neonatal.

A experiência de ser mãe de um bebê prematuro

As mães entrevistadas lidavam com a experiência de ter a gestação interrompida precocemente com a chegada do filho prematuro. Essa interrupção, enquanto um componente de subjetivação, desafia a experiência antecipada nas trajetórias de algumas delas, que se viam "capazes" para o exercício da maternidade. Os trechos de entrevista de M2 e M3 expressam essa interrupção, que ultrapassa a condição da prematuridade, desterritorilizando a posição imaginada do tornar-se mãe.

É muito difícil, viu, vou te falar, eu não desejaria estar nesse lugar nunca, porque é muito ruim. A mãe quer tá com o filho é no colo, a gente nasce, a gente quer dar o amor, quer dar o carinho, a gente quer dar o peito, a gente que quer abraçar o filho da gente, quer poder cuidar e... e a gente não poder fazer isso é muito ruim, é uma sensação horrível (M3).

Eu fui babá dez anos ... então assim, eu fiquei pensando como ia ser quando eu ter o meu filho, como ia ser cuidar, né, curar o umbigo, como é ser mãe, e acabou que eu fui interrompida um pouco agora... Outras pessoas que tão mexendo, que tão trocando fralda, que tão ficando a noite, então assim, eu vou pra casa e não vejo choro de menino, eu não tô com ele, é... Complicado, é bem difícil, é bem difícil (M2).

A compreensão de M2 como "autorizada" a ser mãe pela própria experiência como babá foi interrompida pelo nascimento prematuro do filho, como caracterizado em sua fala sobre a ausência dos cuidados e do choro de um menino. O evento narrado remete à ausência dela mesma em seu projeto de maternagem, interrompido nessa trajetória de se tornar mãe.

Nesse recorte, a experiência profissional pode ser considerada como um componente de produção de subjetividade, uma vez que esta mãe estabeleceu criações individuais e coletivas, moldando sua singular construção de maternidade. Embora as subjetivações sejam processos que se produzem e aparecem nas multiplicidades, estas não entram em nenhuma totalidade, estão sujeitas a diversas modificações. A subjetividade é plural, processual, está em constante movimento (Guattari, 1992Guattari, F. (1992). Caosmose: um novo paradigma estético(34a. ed.) São Paulo: Coleção Trans.). Como afirmam Guattari e Rolnik (1999)Guatari, F., & Rolnik, S. (1999). Micropolítica: cartografias do desejo (5a. ed.) Petrópolis: Vozes., "{existe} esta ou aquela subjetividade, dependendo de um agenciamento de enunciação produzi-la ou não" (p. 322).

Assim, a partir do nascimento prematuro e da internação na unidade neonatal, o tornar-se mãe passa a ser afetado e, por vezes, "interrompido" em seu "curso normal". A subjetividade proporciona a possibilidade de desterritorializar, reterritorializar e estabelecer esse novo encontro, uma nova experiência de ser mãe no universo da prematuridade.

O nascimento de um filho prematuro traz consigo o risco iminente de morte e a fragilidade de um recém-nascido que pode não sobreviver. Segundo Moreira et al. (2009)Moreira, J. O., Romagnoli, R. C., Dias, D. A. S., & Moreira, C. B. (2009). Programa mãe-canguru e a relação mãe-bebê: pesquisa qualitativa na rede pública de Betim. Psicologia em Estudo, 14(3), 475-483., todas as mães sofrem com a possibilidade de morte do bebê pelos riscos efetivos da prematuridade ou por questões subjetivas e imaginárias das mães. Sales e colaboradores (2005Sales, C. A., Vrecchi, M. R., Mikuni, P. K., Ferreira, E. A., Andrade, V. C. C., Godoy, A. V., et al. (2005). Vivenciando a facticidade em dar existência a filho prematuro: compreensão dos sentimentos expressos pelas mães. Acta Scientiarum: Health Sciences. 27(1), 19-23.), corroborando este pensamento, afirmam que, ao vivenciarem o nascimento prematuro, as mães vislumbram a possibilidade de morte do filho. Essa possibilidade encontra-se adicionada à dor e à angústia provocadas por esta situação.

Além disso, a criança é percebida como frágil e pequena, muito diferente do bebê grande e sadio tão esperado pelas mães. Duas das entrevistadas explicitam o olhar sobre os respectivos filhos: "... muito fraquinho, muito magrinho, não dá nem pra definir assim" (M2); "... bem fraquinho, aquele trem bem pequenininho ... neném prematuro é assim, tem que ter mais cuidado com ele" (M1).

Outra entrevistada oferece sua apreensão do maquinário que revela as fragilidades das filhas:

Elas estavam na incubadora, só com oxigênio, né; a Ana estava com medicação e a Bia não, ela tava tão bem que nem medicamento ela tomou.... A alegria era tanta de ver elas ali que eu não tava preocupada com os aparelhos, só perguntei e a médica me falou que era só oxigênio, né, que era normal, porque elas estavam tomando antibiótico pra num ficar cansadinha nem nada. Na hora eu nem preocupei, depois que eu fiquei mais apreensiva do domingo pra cá, né, com o falecimento da Bia, ai eu fiquei mais.... (M5).

Evidencia-se neste ponto um processo pelo qual a maternidade se reorganiza e produz a mudança neste dispositivo a partir do óbito de uma das crianças: a mãe e sua nova conexão com a insegurança da sobrevivência prematura produzindo um novo encontro. Guattari e Rolnik (1999)Guatari, F., & Rolnik, S. (1999). Micropolítica: cartografias do desejo (5a. ed.) Petrópolis: Vozes. afirmam que a espécie humana está inserida num intenso movimento de territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Essa movimentação de abandono do território original e de construção do novo acontece como dois processos concomitantes. Na trajetória de M5 a morte aparece como um agenciamento, forjando um novo modo de ser mãe, levando-a a se tornar mais preocupada e insegura quanto à recuperação da outra criança.

Na unidade neonatal as mães de bebês prematuros podem vivenciar uma nova experiência de maternidade, como exposto anteriormente. Os agenciamentos que compõem este cenário podem construir a singularidade de cada relação, contrariando as normas supostamente pertencentes à natureza feminina e ao que é apoiado pelo fenômeno histórico e social do significado de ser mãe. O conceito de processos de subjetivação permite a desconstrução dessas perspectivas e o entendimento processual sobre maternidade. Deste modo, os sujeitos podem ser afetados pelas transformações da prática materna (Marcello, 2005Marcello, F. A. (2005). Enunciar-se, organizar-se, controlar-se: modos de subjetivação feminina no dispositivo da maternidade. Revista Brasileira de Educação. (29), 139-151.).

A percepção do Método Canguru

A primeira etapa do Método Canguru acontece na unidade neonatal. O acolhimento, as orientações e esclarecimentos aos pais, os cuidados, a promoção do aleitamento materno e do contato precoce com o bebê estão entre os procedimentos adotados pela equipe de saúde para a humanização da assistência (Brasil, 2009Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde da Criança. (2009). Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. Brasília: Ministério da Saúde.). Todas as mães que entram na unidade neonatal onde foi realizada esta pesquisa recebem orientações gerais como normas de funcionamento, lavagem de mãos, cuidados com os bebês e o ambiente, amamentação e esclarecimentos sobre o estado de saúde do recém-nascido. Essas informações fornecidas pela equipe e a garantia de permanência no setor pelo tempo que a mãe necessitar são alguns dos cuidados especiais que fazem parte do Método Canguru; porém na maioria das vezes esse conjunto de procedimentos não é apresentado pelos profissionais como uma das etapas do método.

Durante as entrevistas, a pesquisadora abordou o Método Canguru com propósitos definidos, visando obter informações sobre o conhecimento das mães a respeito deste programa que acontece na unidade neonatal. Mesmo que não nomeada pelas entrevistadas, a primeira etapa do programa foi descrita pelas mães com base em seu conhecimento prévio na vida familiar e nos cuidados diários com os bebês. Uma das entrevistadas relata: "Mas eu tenho esse conhecimento, sabe, de colocar o bebê aqui na gente, eu acho isso muito interessante" (M3). Outra mãe reporta um conhecimento específico sobre o Método:

Eu já ouvi falar desse Canguru na maternidade do [do interior do Estado]. Eu sei que lá tem, que minha irmã ganhou neném lá. Ela ficou com o neném penduradinho, assim amarrado.... Eles fala que pega peso mais rápido, né, criança fica sentindo o calor da mãe pega mais peso.... (M6).

Como se pode ver, geralmente o Método Canguru era previamente absorvido pelas famílias, podendo tornar-se um encontro com o tornar-se mãe. A acolhida de sua proposta, além das técnicas, faz parte das composições singulares de cada mãe.

Incorporando denominações mais técnicas, as mães passam a confiar no cuidado, no poder e na narrativa dos profissionais de saúde, que determinam a rotina dentro da unidade (Costa & Padilha, 2012Costa, R., & Padilha, M. I. (2012). Saberes e práticas no cuidado ao recém-nascido em terapia intensiva em Florianópolis (década de 1980). Escola Anna Nery Revista de Enfermagem. 16(2), 247-254.). Os agenciamentos coletivos de enunciação, segundo as ideias de Deleuze e Guattari (1995Deleuze, G., & Guattari, F. (1995). Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia (34a. ed.). (Vol.2). Rio de Janeiro.), remetem aos enunciados e a uma máquina de expressão que determinam a utilização dos elementos da língua e da palavra. Nas palavras dos autores, "{o} agenciamento não remete à uma produtividade de linguagem, mas à regimes de signos, a uma máquina de expressão cujas variáveis determinam o uso dos elementos da língua" (p. 32). Assim, a estratégia de implantação e desenvolvimento do Método Canguru na unidade neonatal deve levar em consideração essa relação, já que ele funciona como elemento de criação de subjetividades. A forma de apropriação de componentes da linguagem técnica torna-se própria de cada mãe, que experimenta subjetividades multifacetadas, construindo modalidades maternas.

Relações mediadas pela internação do bebê na unidade neonatal

A recuperação do bebê prematuro depende tanto dos cuidados médicos quanto do envolvimento das mães que desejam participar desse caminho para a sobrevivência. Como compreendido nas entrevistas, de modo semelhante a elementos encontrados no trabalho de Lamy, Gomes e Carvalho (1997Lamy, Z., Gomes, R., & Carvalho, M. (1997). A percepção dos pais sobre a internação de seus filhos em unidade de terapia intensiva neonatal. Jornal de Pediatria. (5)73.), a percepção de pais sobre a internação dos filhos na unidade neonatal logo após o nascimento pode ser um fato novo, inesperado e percebido como assustador. Nesta pesquisa, acentua-se que a alta materna não associada à alta da criança faz parte dessa novidade que provoca medo e dor.

A vontade da mãe de levar o filho para casa, para seu ambiente acolhedor e conhecido está presente desde a gestação, acompanhando os sonhos e fantasias. Mesmo compreendendo a necessidade clínica da internação, as mães sentem-se inseguras e preocupadas. Algumas falas são emblemáticas desse processo de desterritorialização:

Nossa Senhora, é terrível!... Teve um dia eu falei assim: "Ah, João, a mamãe vai ter que ir embora agora" e tal, e ele fez uma carinha de choro, sabe, tipo querendo chorar, aí eu.... Ai meu Deus, como é que eu vou embora? Eu falei assim... Não, mais não preocupa não que a mamãe vai voltar amanhã. Aí ele deu um sorriso.... Eu cheguei em casa deu uma vontade de voltar (riso) (M4).

... a partir do momento que a gente chega em casa agente fica sem cabeça, fica pensando como é que tá lá, será que ele tá bem, será que ele teve uma recaída, uma melhora, será que eu vou chegar lá e vai ter tirado alguma coisa ... fica rezando pra amanhecer o dia e vim logo pra ver como é que tá (M6).

O ambiente e suas interfaces, a maquinaria, a linguagem técnica da equipe, os procedimentos clínicos que precisam ser realizados e a presença dos profissionais que circulam pela unidade o tempo todo produzem subjetividades no processo de maternar e transitar por esse meio. Esse ambiente é significado por M2 como uma "substituição" de si mesma: "... eu acho que pra trabalhar ali tem que ter carinho mesmo, é Deus que pões essas pessoas pra cuidar do seu bebê ... Substitui um pouco a gente...." (M2).

Nessa fala pode ser percebida a confiança da mãe na equipe, na maneira de cuidar, o que pode ser experimentado até mesmo como "mães substitutas" das crianças enquanto presentes na unidade neonatal. Por um lado, os cuidados maternos protagonizados pela equipe "interrompem" a mãe biológica em seu processo de se fazer mãe: trocar fraldas, amamentar, cuidar à noite; por outro lado, atribui-se sentido aos agenciamentos múltiplos que compõem a cena possível para tornar-se mãe de um bebê prematuro.

A amamentação se apresenta como mais um ponto a ser compreendido neste estudo, pois é um assunto diário na unidade neonatal. Durante as entrevistas as mães falaram da representação desse momento e do desejo de amamentar: "É o período mais bonito que tem, é esse da mãe amamentando o filho. Eu acho o mais bonito... A melhor fase" (M4); "Ah... Eu adoro amamentar." (M5).

A gente tem essa vontade de pegar o bebê no colo, de poder dar o leite do peito pra ele. Eu acho que isso é melhor coisa pro bebê ... isso deve ser muito bom tanto pra gente quanto pro bebê (M3).

Uma mãe pode não desejar amamentar o filho por razões pessoais, mas a vinculação ao ganho de peso e à alta hospitalar feita pela própria equipe estimula a ansiedade em oferecer o seio materno o mais depressa possível. Entre as orientações oferecidas às mães no momento em que adentram a unidade neonatal, a importância de amamentar o filho é predominante. Por fazer parte da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, a equipe é treinada para favorecer o aleitamento materno. Percebe-se na rotina diária da unidade um olhar focalizado em iniciar a amamentação assim que o bebê tiver condições clínicas e for liberado pelo pediatra; porém, mesmo conhecendo essas orientações, a mãe pode permitir que a composição de forças externas estabeleça novas criações, sua singular experiência de ser mãe e alimentar seu filho neste novo encontro.

O espaço físico como elemento de subjetivação

O ambiente em que esta pesquisa foi realizada possui divisões de espaço nomeadas pela própria equipe de saúde. São lugares denominados de acordo com a estabilidade clínica da criança, por vezes, para favorecer a dinâmica do cuidado. As mães que têm o filho internado nesta unidade passam a conhecer as rotinas e tornam-se vigilantes dos cuidados, da equipe e até mesmo da localização da criança nesse espaço delimitado.

Por outro lado, as mães também percebem o lugar em que os filhos se encontram na unidade neonatal como uma pista de seu estado de saúde. Percebe-se, então, que a demarcação do ambiente possui um significado importante, e elas se tornam realmente vigilantes, o que também engloba a troca de experiência com outras mães ali presentes. Em anotações do diário de campo, foi registrada a seguinte fala de uma conversa entre mães: "Hoje eu cheguei, tinha mudado a incubadora de lugar, você já entra assustada...." (M5). Essa mãe estabelece uma referência com a localização do filho, e uma alteração pode provocar sentimento de insegurança e fazer voltar o medo da perda que ronda a prematuridade.

Na construção da relação com o bebê prematuro, a mãe adiciona o lugar onde essa criança se encontra como um dos elementos de subjetivação da maternagem. Haesbaert e Bruce (2002Haesbaert, R., & Bruce, G. (2002). A desterritorialização na obra de Deleuze e Guattari. Geographia. 4(7), 1-15.) trazem a noção de território de Guattari como relativo tanto a um espaço vivido quanto a um sistema no qual o indivíduo se sente "em casa", uma apropriação própria. Trata-se de um conjunto de representações nas quais desembocam inúmeros comportamentos nos tempos e espaços sociais, culturais, estéticos e cognitivos. Assim, território é um agenciamento que extrapola o espaço geográfico, porque tudo pode ser agenciado, desterritorializado e reterritorializado.

Neste sentido, o significado de território é muito mais amplo do que um mero arranjo espacial. A espacialidade geográfica e suas denominações na unidade neonatal, somadas às possibilidades de agenciamentos maquínicos e de enunciação produzindo subjetividades, reconfiguram a forma técnica de organização do serviço. Esse fator externo pode ser notado como componente dos processos de subjetivação, interferindo na composição do modo de existência materna na cena estudada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão central desta pesquisa era compreender a experiência de ser mãe de um bebê prematuro em uma unidade neonatal. Conclui-se que a unidade neonatal - palco da primeira etapa do Método Canguru -, a multiplicidade de componentes que envolvem os instrumentos, as técnicas, os profissionais e a linguagem especializada contribuem para a diversidade de maneiras de se experienciar a maternidade. Observou-se que o espaço é propício a combinações de papéis preconcebidos com movimentos inusitados (ou conhecidos, em função de experiências prévias de algumas mães) que permeiam o cotidiano da unidade. A interrupção de um processo supostamente "natural", a internação dos filhos - somada aos procedimentos e técnicas que incidem sobre eles e sobre suas mães - e a espacialidade sui generis do serviço podem constituir-se em alguns componentes discutidos ao longo deste texto que reterritorializam as possibilidades de tornar-se mãe na unidade neonatal estudada.

Sustenta-se, então, que experiência de ser mãe se modifica nesta nova cena, mesmo reconhecendo-se a expressão dos papéis culturais frequentemente atribuídos às mulheres que se tornam mães. Eles foram confirmados pela pesquisa, através do surgimento de mães marcadas pelo cenário da unidade neonatal, resultado dos múltiplos atravessamentos que o ambiente, os profissionais e a linguagem especializada produzem, contribuindo para a produção de subjetividades.

Na unidade neonatal as mães de bebês prematuros podem vivenciar uma nova experiência de maternidade repleta de múltiplas facetas, uma vez que os agenciamentos podem criar simultaneamente papéis culturais e sociais que forçam compreensões supostamente universais sobre o que é ser mãe e a singularidade de cada mãe e suas relações.

Na revisão de literatura acerca de temas afins com o deste estudo é comum encontrar o questionamento da idealização da figura materna dentro da política do Método Canguru; porém na leitura do manual relacionado a essa política consegue-se perceber que se aposta numa aproximação cotidiana da mãe com o bebê, no contato físico, no estímulo à amamentação e à participação dos cuidados como elementos que reforçam o envolvimento afetivo precoce e os papéis de cuidado com os filhos concentrados principalmente na mãe. Esta pesquisa não teve como propósito a desmontagem ou denúncia de problemas do método, ao contrário, ocupou-se em compreender seus efeitos em novas composições subjetivas. Nesse sentido, o estudo pretende contribuir para que se aprofundem os entendimentos sobre o que acompanha os avanços tecnológicos implementados pelo Método Canguru, fornecendo leituras analíticas que permitam repensar as formas cotidianas de se operar a favor do cuidado neonatal. Como horizonte, aposta-se na assistência neonatal integral no sentido de ampliar as possibilidades de intervenção e propiciar melhor qualidade no atendimento. Novos trabalhos abordando diretamente os profissionais de saúde fazem-se necessários, uma vez que eles próprios são elementos produtores de subjetividades.

Alerta-se, não obstante, para a função culturalmente instituída e condensada na figura da mãe, mesmo em situações de flagrante "interrupção" - para retomar o termo utilizado por uma das entrevistadas - daquilo que se constitui como experiência de maternagem nos primeiros dias de vida, como é o caso da prematuridade. A pesquisa apresenta à comunidade acadêmica, mas especialmente aos serviços e profissionais de saúde, uma visão ampliada, expandindo o foco para múltiplos agenciamentos em jogo na composição da mãe. Neste sentido, convida-se a conhecer as modificações que a experiência em uma unidade neonatal e seus elementos oferecem para a constituição de diversos modos de ser mãe.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2013
  • Aceito
    10 Set 2014
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