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CONJUGALIDADE E PARENTALIDADE NA PERSPECTIVA DE MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA1 1 Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

MATRIMONIO Y PARENTALIDAD EN LA PERSPECTIVA DE MUJERES JEFAS DE FAMILIA

Resumos

O presente estudo é de caráter qualitativo e teve como objetivo compreender as questões que perpassam o fim do relacionamento conjugal, a parentalidade desempenhada após a dissolução bem como as diferenças atribuídas ao desempenho dos papéis parentais sob o olhar de mulheres chefes de família. Participaram do estudo dez mulheres mães que eram provenientes de grupos populares e compunham uma família monoparental. Destas, sete eram solteiras, uma era separada e duas divorciadas. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e grupos focais e foram analisados seguindo os pressupostos da análise de conteúdo temática. Os resultados apontaram uma vivência na separação conjugal na qual os parceiros transferem conflitos para a relação com os filhos. Além disso, evidenciou-se a importância de ultrapassar alguns paradigmas que permeiam a maternidade e a paternidade, dissolvendo, em especial, as perspectivas naturalizadas em relação ao fato de a mãe ser sempre a melhor cuidadora e o pai ser secundário na relação com os filhos.

Separação conjugal; parentalidade; mulheres


Se trata de un estudio cualitativo que tuvo como objetivo comprender las cuestiones que interfieren en el fin de la relación conyugal y la parentalidad realizada post-disolución, además de comprender las diferencias asignadas a la realización de los papeles parentales bajo la mirada de mujeres jefas de familia. Participaron del estudio diez mujeres, madres, provenientes de grupos populares y que eran miembros de una familia monoparental. De éstas, siete eran solteras, una separada y dos divorciadas. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas y grupos focales y se hizo el análisis siguiendo los presupuestos del análisis de contenido temático. Los resultados apuntaron para una experiencia en la separación conyugal, en la que los compañeros transfieren las disputas para la relación con sus hijos. Además de eso, se hizo evidente la importancia de rebasar algunos paradigmas que permean la maternidad y la paternidad, disolviendo, especialmente, las perspectivas naturalizadas en relación a la madre ser siempre la mejor cuidadora y el padre ser secundario en la relación con los hijos.

Separación conyugal; parentalidad; mujeres


It is a qualitative study that aimed to understand the issues that underlie the end of the marriage relationship and the parenthood performed post-dissolution as well as to understand the differences attributed to the performance of the parental roles under the eyes of the women householders. The study included ten women, who are mothers, from lower class groups and that made a single-parent family. Among them, seven were single, one separated and two divorced. Data were collected through semi-structured interviews and focus groups and were analyzed according to the assumptions of the thematic content analysis. The results pointed to a marital separation experience, in which the partners transfer the conflicts to the relationship with their children. In addition, we evidenced the importance of overcoming some paradigms related to the motherhood and the fatherhood, dissolving, in particular, the naturalized perspectives on the mother always be the best caregiver while the father is secondary in relation to his children.

Marital separation; parenthood; women


O aumento do número de separações e recomposições conjugais é uma realidade do contexto contemporâneo nacional (Cano, Gabarra, Moré & Crepaldi, 2009Cano, D. S., Gabarra, L. M., Moré, C. O., & Crepaldi, M. A. (2009). As transições familiares do divórcio ao recasamento no contexto brasileiro. Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(2), 214-222.; Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S., & Wagner, A. (2010). Casa do Pai, Casa da Mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1), 77-87.). Nesse panorama, entende-se que cada vez mais se torna necessário o esclarecimento a respeito do que pertence ao âmbito da relação do casal e do que concerne ao desempenho dos papéis parentais (exercício da paternidade e da maternidade), pois o que aparenta ser uma das principais dificuldades enfrentadas pelo ex-casal após a dissolução é a não distinção da experiência da parentalidade e da conjugalidade (Brito, 2014Brito, L. M. T. (2014). Rupturas familiares: olhares da Psicologia Jurídica. In D. M. Arpini & S. D. Cúnico (Orgs.), Novos olhares sobre a família: aspectos psicológicos, sociais e jurídicos (pp. 11-26). Curitiba:CRV.). Neste estudo o termo conjugalidade foi utilizado para caracterizar qualquer relação afetiva entre um casal, não se limitando àquelas relações formalizadas por lei.

O termo parentalidade (parenthood) difundiu-se a partir de 1970, quando passou a substituir o termo autoridade paterna. Esta substituição de paternal por parental objetivou colocar o casal em condição de igualdade no que tange à criação e educação dos filhos, bem como definir o pai de acordo com sua qualidade de pai ou sua faculdade de alcançar uma função dita parental (Roudinesco, 2003Roudinesco, E. (2003). A família em desordem (A. Telles, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar.). O termo coparentalidade (coparenting), por sua vez, pode ser definido como o nível de interação que o pai e a mãe relatam possuir um com o outro e o modo como decidem as questões que permeiam a vida dos filhos (Madden-Derdich & Leonard, 2000Madden-Derdich, D., & Leonard, S. (2000). Parental role identity and father's involvement in coparental interaction after divorce: father's perspectives. Family Relations, 49(3), 311-318.). Ainda hoje estes termos são amplamente referidos em estudos com referencial psicanalítico e/ou sistêmico e que tratam sobre a questão do exercício da paternidade e da maternidade (Corso & Corso, 2011Corso, D. L., & Corso, M. (2011). A psicanálise na Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia. Porto Alegre: Penso.; Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S., & Wagner, A. (2010). Casa do Pai, Casa da Mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1), 77-87.).

Sabe-se, não obstante, que a parentalidade desempenhada após a separação, incluídos aí o período que se segue à separação e a vivência posterior, sempre redundará em diferenças significativas daquela exercida pelo casal enquanto moravam juntos, uma vez que existe uma série de reformulações quanto aos hábitos e à rotina familiar (Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S., & Wagner, A. (2010). Casa do Pai, Casa da Mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1), 77-87.; Wallerstein & Kelly, 1998Wallerstein, J., & Kelly, J. (1998). Sobrevivendo à separação: como pais e filhos lidam com o divórcio (M. A. V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: Artmed.). Ademais, o tempo de acomodação de cada contexto familiar parece difícil de prever de forma generalizada, pois o tempo que se segue à separação demandará mudanças importantes e de impacto, uma vez que são as primeiras experiências da vivência com os pais separados que podem, ao longo do tempo, tornarem-se menos intensas, ao se incorporarem à rotina familiar.

É evidente que, ocorrida a dissolução do relacionamento amoroso, o ex-casal precisará vivenciar uma nova realidade a fim de manter um bom relacionamento coparental. Considerando que a conjugalidade apresenta atualmente atributos de transitoriedade, isto é, as relações são mais breves e instáveis, alguns autores (Corso & Corso, 2011Corso, D. L., & Corso, M. (2011). A psicanálise na Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia. Porto Alegre: Penso.; Décoret, 2001Décoret, B. (2001). Organisation parentale et persistance du lien après divorce. Recherche ethnométhodologique avec des divorcés. Dialogue, 151(1), 39-49.; Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.) reforçam a importância de que os cônjuges em processo de separação tenham a clareza de que as responsabilidades de cada um em relação aos filhos não se dissolvem com a separação. Em outras palavras, o casal se percebe na tarefa de ter que criar os filhos mesmo com o fim do relacionamento conjugal (Dolto, 1989/2011Dolto, F. (2011). Quando os pais se separam (V. Ribeiro, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar. (Original publicado em 1989).; Pereira, 2011Pereira, R. C. (2011). Divórcio - teoria e prática. Rio de Janeiro: GZ.).

Quanto a isto, cumpre observar que não é raro perceber quanto a conjugalidade e a parentalidade podem se misturar e se confundir para o ex-casal, mesmo após a dissolução do relacionamento conjugal. Isto fica evidente nos casos em que há um afastamento do genitor que não detém a guarda - que geralmente é o homem - por conta dos desentendimentos e atritos que surgem no contato com a ex-companheira (Brito, 2007Brito, L. M. T. (2007). Família Pós-Divórcio: a visão dos filhos. Psicologia: Ciência e Profissão, 27(1), 32-45.; Cúnico & Arpini, 2013Cúnico, S. D., & Arpini, D. M. (2013). O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, 17(1), 99-108.) ou mesmo em função do recasamento do pai (Soares, 2008Soares, L. C. E. C. (2008). A família com padrasto e/ou madrasta: um panorama. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica(pp. 81-112). Rio de Janeiro: ED/UERJ.; Wallerstein & Kelly, 1998Wallerstein, J., & Kelly, J. (1998). Sobrevivendo à separação: como pais e filhos lidam com o divórcio (M. A. V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: Artmed.).

De forma geral, sem o intuito de definir o tempo decorrido da vivência da separação, observa-se que muitas das dificuldades enfrentadas pelo ex-casal com filhos se devem à forma como o casal se relacionou durante a vida conjugal (Décoret, 2001Décoret, B. (2001). Organisation parentale et persistance du lien après divorce. Recherche ethnométhodologique avec des divorcés. Dialogue, 151(1), 39-49.; Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S., & Wagner, A. (2010). Casa do Pai, Casa da Mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1), 77-87., Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.). Um exemplo disto são as mães que, ao dispensarem a ajuda do pai, alimentam a dependência dos filhos para com elas próprias, não deixando espaço para que o companheiro invista na relação paterna durante a vida conjugal. No entanto, após a separação, muitas delas passam a se queixar do pouco envolvimento paterno com os filhos (Reis, 2010Reis, E. F. (2010). Varas de família - Um encontro entre Psicologia e Direito. Curitiba: Juruá.).

Evidentemente, não se pretende afirmar que todos os homens que são pais e não se engajam no cuidado cotidiano e/ou se distanciam do convívio com os filhos após a separação conjugal, assim procedem porque são levados a isso (Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.), porém é inegável o grande privilégio materno no que diz respeito à guarda de filhos - por exemplo, em 2011, 87,64% das guardas foram concedidas unilateralmente à mãe e apenas 5,33% ao pai (IBGE, 2011Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011). Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira. Diretoria de Pesquisas. Estudos e Pesquisas - Informação Demográfica e Socioeconômica. Rio de Janeiro:IBGE.). É importante destacar que este número não deve ser analisado isoladamente, uma vez que certamente há relações a serem estabelecidas com a história da mulher na cultura ocidental (Roudinesco, 2003Roudinesco, E. (2003). A família em desordem (A. Telles, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar.) e mais recentemente com a condição das mulheres chefes de família (Carloto, 2005Carloto, C. M. (2005). A chefia familiar feminina nas famílias monoparentais em situação de extrema pobreza. Revista Virtual Textos & Contextos, 4, 1-17.) e a feminilização da pobreza (Novellino & Belchior, 2008Novellino, M. S. F., & Belchior, J. R. (2008). Políticas de mulheres na perspectiva da cidadania econômica. Anais do Fazendo gênero: Corpo, Violência e poder, Florianópolis, SC, Brasil.).

De qualquer modo, pode-se pensar que tal cenário ainda reflete a crença desde muito imperante de que a mãe é naturalmente a mais bem preparada para o cuidado com os filhos, atribuindo-se ao pai uma condição periférica. Assim, o descumprimento por parte do pai de suas responsabilidades parentais foi um comportamento naturalizado e até mesmo aceito sob a égide do dever materno de dedicação (Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.). Desta forma, embora algumas mudanças venham acontecendo - uma das quais é o crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho, que possibilita a elas serem provedoras de suas famílias - percebe-se que tal crescimento não corresponde ao crescimento dos homens na vida doméstica e de cuidado com os filhos (Freitas et al., 2009Freitas, W. M. F., Silva, A. T. M. C., Coelho, E. A. C., Guedes, R. N., Lucena, K. D. T., & Costa, A. P. T. (2009). Paternidade: responsabilidade social do homem no papel de provedor. Revista de Saúde Pública, 43(1), 85-90.).

Neste contexto percebe-se que, embora haja atualmente uma demanda de que os homens se tornem mais participativos no âmbito doméstico, a maternidade continua sendo cercada por uma série de mitos, deveres, funções e prerrogativas, e ainda parece assumir uma função maior de grandeza se comparada à paternidade (Reis, 2010Reis, E. F. (2010). Varas de família - Um encontro entre Psicologia e Direito. Curitiba: Juruá.) - entendimento que acaba sendo reforçado e perpetuado por muitas mulheres e compartilhado pela sociedade em geral (Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.; Vieira & Souza, 2010Vieira, E. N., & Souza, L. (2010). Guarda paterna e representações sociais de paternidade e maternidade. Análise Psicológica, 4(28), 581-596.).

A família monoparental pode ser definida como um arranjo familiar composto pelo pai ou pela mãe - que podem estar na condição de solteiro, separado, divorciado ou viúvo - e seus filhos (Pinto et al., 2011Pinto, R. M. F., Micheletti, F. A. B. O., Bernardes, L. M., Fernandes, J. M. P. A., Monteiro, G. V., Silva, M. L. N., Barreira, T. M. H. M., Makhoul, A. F., & Cohn, A. (2011). Condição feminina de mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade social. Serviço Social & Sociedade, 105, 167-179.). No que tange à monoparentalidade feminina em grupos populares, muitas destas famílias não são decorrentes de um divórcio ou de uma separação, mas de uma gravidez precoce ou não planejada, instabilidade familiar e/ou abandono (Pinto et al., 2011Pinto, R. M. F., Micheletti, F. A. B. O., Bernardes, L. M., Fernandes, J. M. P. A., Monteiro, G. V., Silva, M. L. N., Barreira, T. M. H. M., Makhoul, A. F., & Cohn, A. (2011). Condição feminina de mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade social. Serviço Social & Sociedade, 105, 167-179.). Por isto estas famílias são, em grande parte, associadas a situações de vulnerabilidade econômica, já que a mulher não só assume as funções do lar e o cuidado dos filhos, mas também passa a ser a provedora do sustento familiar, situação que muitas vezes as vinculam a trabalhos mal remunerados, em tempo parcial ou em períodos intermitentes (Carloto, 2005Carloto, C. M. (2005). A chefia familiar feminina nas famílias monoparentais em situação de extrema pobreza. Revista Virtual Textos & Contextos, 4, 1-17.; Novellino & Belchior, 2008Novellino, M. S. F., & Belchior, J. R. (2008). Políticas de mulheres na perspectiva da cidadania econômica. Anais do Fazendo gênero: Corpo, Violência e poder, Florianópolis, SC, Brasil.).

Evidentemente, outros aspectos precisam ser levados em consideração ao se trabalhar com esta configuração familiar, como a raça e a etnia, a participação em redes de apoio e solidariedade, a natureza do vínculo mantido - ou a inexistência dele - com o pai de seus filhos, de modo a não cair numa perspectiva de vitimização das mulheres que vivem nesse contexto (Macedo, 2008Macedo, M. S. (2008). Mulheres chefes de família e a perspectiva de gênero: trajetória de um tema e a crítica sobre a feminização da pobreza. Caderno CRH, 21(53), 385-399.). Considerando o cenário exposto, este estudo buscou compreender as questões que perpassam o fim do relacionamento do casal e a parentalidade desempenhada após a dissolução, assim como as diferenças atribuídas ao desempenho dos papéis parentais na perspectiva de mulheres chefes de família provenientes de grupos populares.

MÉTODO

Delineamento

O estudo constitui de uma pesquisa qualitativa, a qual é definida por Minayo (2012Minayo, M. C. S. (2012). O desafio da pesquisa social. In M. C. S. Minayo. (Org.), Pesquisa Social - Teoria, método e criatividade (31a. ed.). (pp. 09-29). Petrópolis, RJ: Vozes.) como uma forma de trabalhar com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes, ou seja, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. A escolha por este modelo de pesquisa deveu-se ao fato de que uma abordagem qualitativa geralmente é utilizada quando o pesquisador entende que para o fenômeno ou conceito estudado existirão diversas e variadas significações (Creswell, 2010Creswell, J. W. (2010). Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed.). Para Turato (2005Turato, E. R. (2005). Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Revista de Saúde Pública, 39(3), 507-514.) entender o significado individual ou coletivo que as pessoas atribuem a determinados fenômenos é compreender o que estes fenômenos representam para elas.

Participantes

Participaram deste estudo dez mulheres mães, provenientes de grupos populares, que compunham uma organização familiar do tipo monoparental e eram residentes na periferia de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. As idades das mães variaram entre 22 e 49 anos, sendo sete delas solteiras, uma separada e duas divorciadas. Não houve qualquer restrição no tocante ao estado civil das participantes, bastando que não residissem com o pai do(s) filho(s) ou outro companheiro. Todas elas estavam empregadas no momento em que a pesquisa foi realizada, sendo este conjunto representado pela mais diversa gama de profissões, como garçonete, auxiliar de serviços gerais, confeiteira e atendente, por exemplo. Das dez participantes, quatro não recebiam pensão alimentícia, e destas, três já haviam entrado com uma ação judicial para solicitar o pagamento e apenas uma relatou não ter interesse em receber a pensão do ex-companheiro.

Instrumentos e procedimentos

Os dados foram coletados em dois momentos. O primeiro momento compreendeu a realização de entrevistas semiestruturadas, a qual se constitui em uma troca de ideias e de significados na qual tanto o entrevistado quanto o entrevistador estão, de maneiras distintas, envolvidos na produção de conhecimento. Seu objetivo diz respeito a "uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações em relação aos comportamentos dos indivíduos em contextos sociais específicos" (Gaskell, 2005Gaskell, G. (2005). Entrevistas individuais e grupais. In M. Bauer., & G. Gaskell. (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som (pp. 64-89). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 65).

As participantes foram identificadas por meio de consulta às fichas cadastrais do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de uma cidade do Interior do Rio Grande do Sul. As mulheres que atendiam aos critérios de inclusão - serem mães e comporem uma família monoparental - foram contatadas por telefone, e as entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade de cada uma e a partir de consentimento verbal e escrito (assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido). Todas as entrevistas foram realizadas individualmente e uma única vez com cada participante, e aconteceram nas dependências do CRAS, tendo sido gravadas e transcritas literalmente para posterior análise.

Ao final desta etapa as mães entrevistadas foram convidadas a participar do segundo momento do estudo, em que se propôs a realização do grupo focal. Das dez participantes da pesquisa, seis compareceram aos grupos. Desta forma, realizaram-se dois encontros, cada um deles com três mães. Um dos grupos foi realizado nas dependências do CRAS e o outro nas dependências do Departamento de Psicologia da instituição à qual as autoras estão vinculadas, porque o horário que melhor atendia aos interesses das participantes era um horário em que o CRAS já se encontrava fechado. Os grupos tiveram como temas de discussão duas situações-problemas elaboradas a partir da análise das entrevistas individuais. Uma das situações abordava o afastamento do pai após o fim do relacionamento do casal e a outra dizia respeito à ocorrência da gestação em um momento não estável do relacionamento conjugal. Assim como as entrevistas, ambos os grupos foram gravados e transcritos na íntegra.

Análise de dados

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo(ed. rev. e amp.). (L. A. Reto, & A. Pinheiro, Trad.). Lisboa: Edições 70.) que foi orientada pelos objetivos da pesquisa. Tal tipo de análise é de caráter científico metodológico, na medida em que se desenvolve em três momentos: 1- pré-análise; 2- exploração do material; 3- tratamento de resultados, inferência e interpretação (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo(ed. rev. e amp.). (L. A. Reto, & A. Pinheiro, Trad.). Lisboa: Edições 70.). Neste sentido, iniciou-se pela leitura de cada entrevista em particular e em seguida foram lidas comparando-se umas com as outras. Como resultado desta primeira análise, surgiram as situações-problemas que foram utilizadas como disparadores nos grupos focais. Após a realização dos grupos, realizou-se a leitura da transcrição de cada um deles separadamente para em seguida analisá-las em conjunto. Por fim, realizou-se a análise das transcrições das entrevistas e dos grupos conjuntamente, momento em que emergiram as categorias de análise.

Considerações éticas

Cabe ressaltar que durante a realização desta pesquisa, foram respeitados os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, tal como estabelecem as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Considerando-se o caráter sigiloso da identidade das participantes, as falas serão identificadas pelas letras M (Mãe) seguida do número que representa a ordem da realização das entrevistas, sendo diferenciadas pelas letras E (entrevista) e G (grupo).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir da análise dos dados, destacaram-se as categorias "A parentalidade e a conjugalidade" e "Papéis parentais", as quais serão descritas a seguir, juntamente com as respectivas subcategorias.

A parentalidade e a conjugalidade

Esta categoria se destacou por pontuar as reflexões trazidas pelas mães a respeito do impacto do fim da conjugalidade no exercício da parentalidade. Será apresentada pelas subcategorias: "O pai só ama o filho enquanto ele ama a mãe": a parentalidade pós-separação; e "Ele já tem outra": o novo relacionamento do pai.

"O pai só ama o filho enquanto ele ama a mãe": a parentalidade pós-separação

É sabido que a ruptura conjugal não deve ser equiparada à ruptura parental. No entanto, a manutenção da relação parental parece estar muito atrelada ao relacionamento mantido pelo ex-casal após a separação (Castillo, 2010Castillo, J. T. (2010). The Relationship Between Non-Resident Fathers' Social Networks and Social Capital and the Establishment of Paternity. Child and Adolescent Social Work Journal, 27(3), 193-211.; King & Heard, 1999King, V., & Heard, H. (1999). Nonresident father visitation, parental conflict, and mother's satisfaction: What's best for child well being? Journal of Marriage and the Family, 61(2), 385-396.). Muitas das participantes deste estudo, relataram não possuir uma boa relação com o ex-companheiro, o qual é pouco presente na vida dos filhos. "Muito mal... [a relação com o ex], porque a gente só conversa, às vezes, pra brigar, porque eu imponho as coisas, eu quero colocar pra ele e ele não aceita, ele acha que tá fazendo a coisa certa." (M1-E).

Nesse sentido, pode-se pensar que a vivência de uma separação conflituosa, com conflitos não elaborados pelo casal, pode afastar do convívio com os filhos aquele genitor que não detém a guarda - na maioria dos casos, o pai - na tentativa de evitar o contato com a ex-companheira (Cúnico & Arpini, 2013Cúnico, S. D., & Arpini, D. M. (2013). O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, 17(1), 99-108.; Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S., & Wagner, A. (2010). Casa do Pai, Casa da Mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1), 77-87.). Tais considerações visam esclarecer que nem sempre o fim do relacionamento conjugal significa o fim das brigas e/ou desentendimentos entre os pares, ficando os filhos, muitas vezes, expostos a tais desavenças (Brito, 2007Brito, L. M. T. (2007). Família Pós-Divórcio: a visão dos filhos. Psicologia: Ciência e Profissão, 27(1), 32-45.). A fala a seguir ilustra esta afirmação.

Eu disse: "Oi, filho"... daí ele [filho de quatro anos] disse bem assim: "porque que tu não me liga, que não sei o quê". E daí o pai dele: "Porque ela não tá nem aí pra ti, ela não quer saber de ti". E daí eu disse assim: "Não filho, não é assim! É que a mãe tava trabalhando, e a mãe tava sem dinheiro pra botar crédito no celular e daí a mãe não pôde te ligar, não dá conversa... não acredita no que o teu pai fala, isso não é verdade. A mãe te ama e não sei o quê, e daí ele: "Tá mãe, tá mãe". Daí ele disse: "O pai é louco", ele diz, ele mesmo fala. (M9-E).

Outro aspecto apontado pelas mães como um empecilho para a consolidação da coparentalidade a pós a separação se refere à questão financeira. Resultados similares foram encontrados no estudo de Grzybowski e Wagner (2010Grzybowski, L. S., & Wagner, A. (2010). Casa do Pai, Casa da Mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1), 77-87.), que, ao entrevistarem pais e mães separados, evidenciaram que, em muitos casos, o pagamento da pensão é causador de muitos conflitos entre o ex-casal, porque muitas vezes,o pai que paga a pensão sente-se explorado, enquanto a mãe que a recebe sente-se desvalorizada:

Na cabeça dele, o dinheiro que às vezes, ele paga ele pensa que é pra mim, ele não pensa que a criança come, que eu tenho também as despesas que é apartamento, que é luz, que é tudo, né? Transporte escolar, roupa, material... tudo, durante o ano a criança gasta um monte (M8-E).

Daniel [ex-companheiro], manda dinheiro, eu quero que tu mande dinheiro pras guria, pra ajudar, pra mim poder ficar mais perto delas e não trabalhar tanto e deixar elas sozinha", e daí ele: "Não, eu vou mandar, eu vou mandar". "Mas da outra vez tu prometeu e eu fiquei esperando e não mandou nada!". "Não, mas eu vou mandar". "Então tá, a partir de agora se não tiver na minha conta, eu estou indo na justiça entrando contra a tua mãe...a tua mãe vai ter que pagar". Se ele não pagar, alguém vai pagar (M9-E; destaque-se que todos os nomes são fictícios).

Para as participantes, parece haver uma dificuldade inerente aos homens de compreender que os possíveis conflitos decorrentes da relação conjugal desfeita não devem influenciar no exercício da paternidade, tal como as falas a seguir parecem registrar. "Até uma vez me falaram assim que o pai só ama o filho enquanto ele ama a mãe, depois ele não ama mais." (M5-E).

Quando eu me separei do pai dos guris, ele ficou muito tempo sem fazer visita, sabe, é como se ele tivesse se separado de mim e se separado dos guris. Eles separam da mulher, mas na verdade 90% dos homens acham que eles têm que se separar também dos filhos, que não têm mais responsabilidade com os filhos, sabe? (M1-G).

Os recortes apresentados parecem deixar evidente que o afastamento do pai após o fim do relacionamento do casal é considerado por muitas mães como natural, uma vez que seria próprio dos homens isentar-se da responsabilidade parental após a separação, ainda que tivessem se mantido presentes durante o relacionamento do casal. De fato, por muito tempo, os conceitos de conjugalidade e parentalidade foram unificados, predominando o entendimento de que "... com a separação conjugal, o afastamento de um dos pais seria inevitável" (Brito, 2007Brito, L. M. T. (2007). Família Pós-Divórcio: a visão dos filhos. Psicologia: Ciência e Profissão, 27(1), 32-45., p. 44), sendo que estudos têm indicado que esse afastamento tem sido bem mais frequente por parte do pai (Cúnico & Arpini, 2013Cúnico, S. D., & Arpini, D. M. (2013). O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, 17(1), 99-108.). Nesse ensejo, Padilha (2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.) pontua a existência de uma crença compartilhada pela própria família, pela mãe da criança e pelos amigos, que de certa forma naturalizam um comportamento mais distante do pai após a dissolução do relacionamento amoroso.

Em contrapartida, também foram identificadas dificuldades em relação à discriminação entre as dimensões da conjugalidade e da parentalidade por parte das próprias participantes do estudo. Esta questão ficou evidente no momento em que as mães foram questionadas a respeito da importância do pai no ambiente familiar, tendo aparecido também em diversos outros momentos das entrevistas e dos grupos realizados. "No ambiente familiar ali eu nem sei mais se é tão importante assim [o pai]. É que eu estou há tanto tempo sozinha que eu acho que já nem me faz falta, sabe?" (M1-E).

Pôde-se perceber, a partir do relato anterior, que a resposta dada pela mãe parecia se relacionar mais ao desejo dela de não se separar, do que à sua percepção quanto à parentalidade. Isto se evidencia quando ela afirma: "[o pai] já nem me faz falta", como se a importância da paternidade estivesse diretamente relacionada à sua insatisfação com os relacionamentos amorosos que teve.

"Ele arrumou outra companheira": o novo relacionamento do pai

Como os homens tendem a recasar mais rapidamente do que as mulheres (Cano et al., 2009Cano, D. S., Gabarra, L. M., Moré, C. O., & Crepaldi, M. A. (2009). As transições familiares do divórcio ao recasamento no contexto brasileiro. Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(2), 214-222.), compreende-se que a constituição de uma nova família por parte do pai e os prováveis filhos dessa união podem, de certa maneira, intensificar o afastamento paterno em relação à primeira família, a família anterior (Soares, 2008Soares, L. C. E. C. (2008). A família com padrasto e/ou madrasta: um panorama. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica(pp. 81-112). Rio de Janeiro: ED/UERJ.; Wallerstein & Kelly, 1998Wallerstein, J., & Kelly, J. (1998). Sobrevivendo à separação: como pais e filhos lidam com o divórcio (M. A. V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: Artmed.). Isso ocorre, principalmente, quando há dificuldade de aceitação por parte da atual companheira (Cúnico & Arpini, 2013Cúnico, S. D., & Arpini, D. M. (2013). O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, 17(1), 99-108.). Este entendimento foi explicitado por algumas das participantes, conforme relatos a seguir.

Tem duas hipóteses: ou ele era uma criança também rejeitada pelo pai e é até hoje e não sabe dar amor depois que sai da convivência, ou a mulher que ele tá convivendo diz que não, que não aceita... é ou ela ou os filhos. (M2-G).

Então assim, já converso com a Camila, eu digo: "Camila, teu pai por enquanto está sozinho; no momento que ele arrumar outra pessoa, é difícil da outra pessoa conciliar a outra família que teu pai tinha, nós vamos ter que ir acostumando. Vai diminuir visita. Agora ele é todo teu, mas o momento que tiver outra pessoa no meio...". Claro que elas [as atuais mulheres dos ex-] não aceitam. É difícil porque é sempre uma ligação que vai ter, e um problema. (M3-G).

Por outro lado, algumas mães mencionaram que o recasamento do pai o aproximou mais dos filhos, uma vez que a nova companheira desempenhava papéis complementares aos seus (Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S., & Wagner, A. (2010). Casa do Pai, Casa da Mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1), 77-87.).

Daí ele arrumou outra companheira e ele começou a dar atenção pras filhas, porque a companheira dá atenção pras filhas, a companheira dele tem a mesma atenção que eu tenho de mãe, elas chamam ela de mãe, a mãe do coração e a mãe de sangue, daí eu acho que ele aprendeu com ela, sabe, a dar atenção pras duas. (M10-E).

Nesse ensejo, evidencia-se a relevância de se compreender o papel que a atual companheira do pai assume em relação à manutenção do laço parental entre o pai e os filhos da relação anterior. Isto é, o comprometimento paterno aparenta depender significativamente deste novo relacionamento conjugal e do apoio ou desaprovação da nova companheira (Wallerstein & Kelly, 1998Wallerstein, J., & Kelly, J. (1998). Sobrevivendo à separação: como pais e filhos lidam com o divórcio (M. A. V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: Artmed.), numa clara demonstração das dificuldades que alguns pais possuem em separar o que é próprio da conjugalidade e o que se refere à parentalidade. Além destas questões, pôde-se perceber que a presença da atual companheira do pai pode aumentar os possíveis conflitos já existentes entre o pai e a mãe da criança, tal como as falas a seguir parecem registrar.

Eu briguei com o pai dele, briguei assim, ó, de parar no chão; aí o pai dele [ex-sogro] nos separou. Aí depois dessa briga eu retirei o João do convívio deles, de todo mundo; eu disse assim ó: "Ninguém nunca mais vai ver o João". É por causa que nesse dia eu conheci a outra, sabe, e vi que realmente tinha essa mulher na vida dele, conheci ela, vi que era verdade, aí eu enlouqueci. (M4-E).

Depois ele teve uma nova relação, e foi aí que ele começou a procurar o filho dele... No momento que ele achou uma pessoa, ele achou no direito de alguém cuidar, sabe? Uma pessoa feminina, no caso, então a gente tinha uma relação muito conturbada, sabe? Ele ia visitar, aí levava o Pablo pra casa dele, se achava no direito de ficar com o Pablo na hora que ele quisesse, mas daí eu ia buscar. (M1-G).

Parece que a dificuldade que algumas mães possuem em aceitar a nova união do ex-companheiro é, em muitos casos, expressa no modo com que elas buscam atuar como uma barreira significativa à participação do pai na vida dos filhos (Dolto, 1989/2011Dolto, F. (2011). Quando os pais se separam (V. Ribeiro, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar. (Original publicado em 1989)., Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.). Tal afirmação pode ser visualizada nas situações anteriores apresentadas, nas quais, por ciúme desta nova relação, uma das mães afastou o filho do convívio com a família paterna e a outra desqualificou a presença do pai, limitando o seu tempo de visitação.

Cumpre observar, não obstante, que este cerceamento materno, o qual, na maioria das vezes, está vinculado à existência de uma nova relação amorosa na vida do ex-companheiro, tende a diminuir com a maior aceitação desta nova união por parte da mãe e/ou quando ela própria inicia um novo relacionamento conjugal (Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.; Wallerstein & Kelly, 1998Wallerstein, J., & Kelly, J. (1998). Sobrevivendo à separação: como pais e filhos lidam com o divórcio (M. A. V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: Artmed.). "Antes não tinha diálogo, não tinha. Agora que está mais... a gente conversa, pelo menos a gente tenta." (M6-E).

No começo a gente passava só brigando, nem por telefone a gente conseguia conversar. Aí agora não, não sei se é porque eu estou aceitando mais a relação dele com a outra. Daí até que a gente não tem brigado agora... Não vou dizer que ele não é um bom pai só porque ele arrumou uma outra companheira... A gente não pode obrigar ninguém a ficar com ninguém. (M7-E).

A maneira como os pais irão conduzir esta situação de estabelecimento de uma nova união - neste caso, o pai - reverberará na maior ou menor aceitação dos filhos em relação à nova configuração familiar (Soares, 2008Soares, L. C. E. C. (2008). A família com padrasto e/ou madrasta: um panorama. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica(pp. 81-112). Rio de Janeiro: ED/UERJ.); ao mesmo tempo se entende que a atitude do pai em relação aos filhos da relação conjugal desfeita também poderá concorrer para a minimização ou para a potencialização dos conflitos advindos desta nova relação.

Papéis parentais

Esta categoria abarcou os significados atribuídos pelas mães às diferenças no desempenho dos papéis parentais. Será composta pelas seguintes subcategorias: "Mãe já é outra ligação completamente diferente" e "Homem é bem despreparado pra ser pai".

"Mãe já é outra ligação completamente diferente"

Os posicionamentos assumidos pelas participantes deste estudo elucidaram a ideia de que a relação entre a mãe e seu filho tende a ser mais íntima e forte do que a ligação que os filhos terão com o pai, reforçando a ideia de que a mãe é mais importante na vida da prole (Pinto et al., 2011Pinto, R. M. F., Micheletti, F. A. B. O., Bernardes, L. M., Fernandes, J. M. P. A., Monteiro, G. V., Silva, M. L. N., Barreira, T. M. H. M., Makhoul, A. F., & Cohn, A. (2011). Condição feminina de mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade social. Serviço Social & Sociedade, 105, 167-179.; Reis, 2010Reis, E. F. (2010). Varas de família - Um encontro entre Psicologia e Direito. Curitiba: Juruá.; Vieira & Souza, 2010Vieira, E. N., & Souza, L. (2010). Guarda paterna e representações sociais de paternidade e maternidade. Análise Psicológica, 4(28), 581-596.). As falas a seguir são ilustrativas nesse sentido. "Ser mãe é diferente de ser pai, eu acho. Mãe já é outra ligação completamente diferente. Pai pra mim é assim, porque ele não vai ter nunca a ligação que eu tenho com eles." (M3-E). "Qualquer um dos dois tem uma importância, e hoje em dia... do meu lado, eu acho que a mãe é bem mais importante que o pai na vida de um filho." (M5-E).

Em termos de avaliação do papel desempenhado por elas na vida dos filhos, evidenciou-se que as participantes avaliaram positivamente o seu exercício da maternidade, sustentando tal avaliação em uma questão altruísta e benevolente que seria inerente às mulheres que exercem as funções maternas (Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S., & Wagner, A. (2010). Casa do Pai, Casa da Mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(1), 77-87.). "Tudo o que eu faço é em função do meu filho, hoje em dia, sabe? Eu não penso nada por mim, só por mim" (M5-E). "É que coração de mãe é assim ó, eu sou assim... Se eu ganho algo, um chocolate ou qualquer coisa que eu ganho, eu não consigo comer, eu tenho que levar pra casa pra repartir." (M1-G). "Tem pais que são diferentes. Raridade! Mas não é que nem mãe, que mãe pensa com o coração, não pensa com a cabeça" (M10-G).

Esta tendência, observada com frequência nas mulheres, de valorizarem mais a maternidade do que paternidade, também transpareceu de forma clara no momento em que as mães falaram a respeito da possibilidade de um pai obter a guarda do filho, ficando a cargo da mãe o pagamento da pensão alimentícia (Reis, 2010Reis, E. F. (2010). Varas de família - Um encontro entre Psicologia e Direito. Curitiba: Juruá.).

Teve uma época que ele [ex-companheiro] ficou brabo comigo e ele disse que ele ia tirar ela de mim. Foi quando eu resolvi entrar na justiça. Até disse pra ele: "Não, tu quer fazer, tu faz, só que a guarda dela é minha desde o momento que tu saiu de casa. A guarda dela é minha, pra tu tirar ela de mim tu tem que provar que eu estou errada em alguma coisa". (M3-E).

Já paguei os quatro anos [pensão para o filho que morava com o pai] E a gente achava uma covardia, sabe, de eu ter que pagar pensão pra eles, embora tá na lei e coisa e tal, mas eu já tinha outro filho. (M4-E).

A partir dos recortes apresentados, é possível inferir quão significativo é o apego que as mães ter a arranjos classificatórios do que entendem serem as atribuições maternas e paternas, tendo dificuldades em pensar os lugares de pai e mãe de forma diferente. Assim, causa estranheza a possibilidade de um pai obter a guarda dos filhos sem precisar provar que a mãe não tem competência para exercê-la (Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.). Além disso, o pagamento da pensão por parte da mãe é visto como "covardia", já que, historicamente, cabe ao homem a função de prover materialmente a esposa e os filhos (Freitas et al., 2009Freitas, W. M. F., Silva, A. T. M. C., Coelho, E. A. C., Guedes, R. N., Lucena, K. D. T., & Costa, A. P. T. (2009). Paternidade: responsabilidade social do homem no papel de provedor. Revista de Saúde Pública, 43(1), 85-90.; Reis, 2010Reis, E. F. (2010). Varas de família - Um encontro entre Psicologia e Direito. Curitiba: Juruá.).

De fato, apesar de mudanças significativas estarem acontecendo no cenário familiar, alterando os papéis familiares, visualiza-se que estas mudanças nem sempre têm sido igualmente vivenciadas no contexto cotidiano (Cúnico & Arpini, 2013Cúnico, S. D., & Arpini, D. M. (2013). O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, 17(1), 99-108.). No que tange às participantes deste estudo, muitas demonstraram possuir concepções extremamente tradicionais no que se refere aos papéis que pai e mãe devem desempenhar na família e como a legislação deveria se portar nesse contexto:

Porque, na verdade, o provedor é o homem da casa, não é a mulher. A mulher é a ajudadora do homem, ela é sempre uma auxiliadora, mas na verdade, o provedor é o homem. É ele que trabalha e a mulher é sempre a auxiliadora, ela sempre vai ficar pra trás, sempre ajudando, sempre auxiliando. Ela jamais vai ser a cabeça da casa, porque na verdade o cabeça é o homem. (M1-G).

Se a lei protegesse o filho talvez hoje eu nem condenasse. Assim ó: "Mãe, tu tem a obrigação de ficar em casa cuidando do teu filho e o senhor vai trabalhar, e dar uma pensão que pague todas as despesas do filho". Se tu analisar, seria que nem eu me criei, que o pai que mandava em casa, o pai que tinha obrigação de sustentar os filhos, de dar do bom e do melhor pra esposa, pros filhos (M10-G).

Como visto, antigas concepções e expectativas naturalizadas sobre a maternidade e a função do pai ainda permanecem atuais no imaginário coletivo tanto de homens quanto de mulheres (Reis, 2010Reis, E. F. (2010). Varas de família - Um encontro entre Psicologia e Direito. Curitiba: Juruá.). Neste sentido, parece ficar evidente quanto tais concepções acabam por tornar a mulher presa à família e aos papéis que dela são esperados (Carloto, 2005Carloto, C. M. (2005). A chefia familiar feminina nas famílias monoparentais em situação de extrema pobreza. Revista Virtual Textos & Contextos, 4, 1-17.). A fala a seguir aponta para isso:

No fim de 2006, numa audiência, eu cansei, sabe, eu cansei daquilo. Era uma tortura até pra todos. Então eu resolvi abrir a mão da guarda para que o pai levasse ele, já que era tanto o que eles [pai e filho] queriam, e ai eu achei que fosse melhor eu deixar e acabar com aquilo. Aí que eu digo: que tipo de mãe que eu sou? Eu tento o meu máximo, mas eu não consigo ser uma mãe que segure os filhos, entende? Eu sei que eu dou assim tudo que eu posso e o que eu não posso de material, mas a mãe acha que eu estou falhando... eu estou falhando em amor, eu acho. (M4-E).

Conforme o recorte apresentado, o desejo de seu filho de morar com o pai após a separação do casal parece ter sido vivenciado por esta mãe como algo que impactou o seu entendimento sobre o papel que desempenhava, pois ela aparenta conceber que a escolha de seu filho por morar com o pai é decorrente quase exclusivamente de uma falha sua enquanto mãe. Tal situação remete à dificuldade que muitas mulheres demonstram possuir de partilhar esse exercício histórico de poder que se refere à maternidade (Reis, 2010Reis, E. F. (2010). Varas de família - Um encontro entre Psicologia e Direito. Curitiba: Juruá.).

"Homem é bem despreparado pra ser pai"

No que diz respeito à atenção dispensada aos filhos, as mães asseveraram certa assimetria com relação à atenção dada por elas e pelo ex-companheiro, o qual foi descrito como incapaz de colocar os filhos como prioridade na sua vida. Resultados similares foram encontrados nos estudos de Carloto (2005Carloto, C. M. (2005). A chefia familiar feminina nas famílias monoparentais em situação de extrema pobreza. Revista Virtual Textos & Contextos, 4, 1-17.) e Turney (2011Turney, L. (2011). The Denial of Paternity: Pregnancy as a Risk to the 'Pure Relationship'. Sociology, 45(6), 1110-1125.). Isto se mostra presente na fala de M2-E:

Ele é uma pessoa muito egoísta, ele só pensa nele mesmo. Se ele tem duas balas, ele come as duas balas e não pensa em te dar uma pra ti, entende? E eu já sou o contrário, eu tiro de mim pra dar pros meu filhos.

Consoante os resultados de outros estudos (Carloto, 2005Carloto, C. M. (2005). A chefia familiar feminina nas famílias monoparentais em situação de extrema pobreza. Revista Virtual Textos & Contextos, 4, 1-17.), muitas mães mencionaram sua insatisfação em relação à parentalidade desempenhada pelo ex-companheiro após a separação. De acordo com elas, a preocupação paterna neste contexto seria somente quanto ao pagamento da pensão alimentícia, não se estendendo aos cuidados cotidianos e afetivos com os filhos. "Eles acham que é responsabilidade da mãe. Continua sendo tudo da mãe. Eu acho que é assim, eles acham que a responsabilidade é da mãe: 'eu já estou dando a pensão, então te vira', sabe?" (M1-G).

Eu acho que eles pensam assim porque, como nasceu de nós, nós que temos que se virar, sabe? Mais é o lado do egoísmo e materialismo que eles acham que dando ali duzentos reais de pensão "ah, dá pra comprar o leite do mês, se vira" - como se o dinheiro fosse um sentimento, sabe? Uma coisa assim, ah o dinheiro pros filhos, eles não entendem que pra criança é carinho, é amor, eles acham que o dinheiro é tudo (M10-G).

Diante da análise dos recortes apresentados, cumpre ressaltar duas questões. Uma delas refere-se à ideia, compartilhada por muitos homens, de que é papel da mãe tomar para si os cuidados com a prole. Nesse contexto, entende-se que a propagação de tal ideia tem potencial para contribuir, em certa medida, com a desresponsabilização paterna em relação aos cuidados e ao envolvimento com os filhos (Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.).

A outra questão diz respeito à visão das mães de que os homens vinculam a paternidade essencialmente com a questão de ser provedor. Sendo assim, de acordo com elas, os pais que cumprem com o pagamento da pensão alimentícia sentem-se liberados do relacionamento afetivo com os filhos, visto que, para eles, a sua função de pai estaria supostamente sendo cumprida (Freitas et al., 2009Freitas, W. M. F., Silva, A. T. M. C., Coelho, E. A. C., Guedes, R. N., Lucena, K. D. T., & Costa, A. P. T. (2009). Paternidade: responsabilidade social do homem no papel de provedor. Revista de Saúde Pública, 43(1), 85-90.). Os relatos das participantes deste estudo pareceram remeter a uma visão de paternidade alicerçada no despreparo dos homens para a função, sendo considerados raros aqueles pais que se vinculam verdadeiramente com a prole.

Eles já têm um despreparo, mesmo que ele diga assim: "Ai, eu quero muito ter um filho", quando a mulher engravida é um choque pra eles, porque vai mudar completamente não só a vida deles, mas a vida da mulher que está com eles... Se ele tinha um jogo, o jogo vai continuar lá e ele vai poder ir. Ela já não pode, ou porque o filho tá com cólica, ou porque tá muito frio ou não sei o quê. (M3-G).

Não são todos que querem ter esse laço eterno assim, tem muitos que não... "Vamos deixando aos poucos que quando crescer me esquecem". Eles não têm preparo, eu acho assim, homem é bem despreparado pra ser pai, é uma minoria que se apega assim. (M3-G).

Tal cenário também se salientou no momento do grupo focal em que as mães foram convidadas a discutir as situações-problemas apresentadas. Uma das situações relatava o caso fictício do casal Bruno e Luiza que namoravam havia dois meses quando ela decidiu que era o momento de eles terem um filho. Pouco tempo depois o relacionamento terminou e Bruno se distanciou totalmente de Luíza, que já estava grávida, não tenho acompanhado nem a gestação,nem o nascimento da filha. Ao serem indagadas dos motivos pelos quais Bruno se afastou, as mães asseveraram:

Não ficou preocupado, não queria ter filho, não queria se prender, queria liberdade. Não era ele que tava grávido, a barriga não era dele que ia crescer, ele quis continuar com a vidinha dele, de repente, que nem o meu continuou com a vidinha dele... Egoísmo...não sei; mas é em novela, que é essa coisa maravilhosa [dos homens ficarem felizes com a paternidade], na vida real não. (M4-G).

Eles não pensam: "Ai, eu vou ser pai, ai graças a Deus". Na vida real é pagar pensão ou ter que tá dando comida pra mais um... A mãe pode dizer pra um filho que "tu é meu, eu te fiz, eu que te gerei, tu é meu, pronto", o pai só compartilhou. (M2-G).

Como visto, as participantes demonstraram considerar os homens, de modo geral, despreparados e despreocupados com o exercício das funções paternas, além de colocarem o cuidado, o carinho e o amor como adjetivos femininos. Para as mães, o amor paterno e a vontade de ser pai não são inerentes ao homem, sendo tidos como exceção aqueles que vivenciam efetivamente o papel de pai.

Não obstante, cumpre referir que tais reflexões não acompanharam os relatos das participantes no que tange à maternidade, a qual foi descrita como algo inerente ao feminino. Nesse sentido, pode-se pensar que as próprias mães acabam reforçando e perpetuando a ideia do instinto materno, contribuindo para a visão de que a paternidade possui um lugar periférico dentro da família (Padilha, 2008Padilha, C. C. (2008). Quando o pai vira réu por alegação de abandono afetivo. In L. M. T. Brito (Org.), Famílias e Separações: Perspectivas da Psicologia Jurídica (pp. 187-217). Rio de Janeiro: ED/UERJ.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das discussões desenvolvidas, parece haver uma série de atravessamentos que perpassam o relacionamento coparental após a separação conjugal. Uma das principais dificuldades para o estabelecimento de uma relação coparental saudável parece ser a não distinção do que é próprio da conjugalidade e do que é inerente à parentalidade. Nesse sentido, não é raro perceber quanto a relação estabelecida entre o ex-casal interfere no modo como eles irão se relacionar com os filhos provindos desta união. Desse modo, um relacionamento conflituoso e/ou com resquícios dos sentimentos nutridos um pelo outro podem levar ao afastamento daquele genitor que não detém a guarda dos filhos - na grande maioria dos casos, o pai.

Além disso, identificou-se que o recasamento do pai também tem potencial para afastá-lo ou aproximá-lo ainda mais dos filhos provenientes da relação passada. Por esta razão, percebeu-se que a nova companheira passa a ter um papel de destaque nesta nova configuração familiar, porque a manutenção do relacionamento paterno com os filhos de outras relações parece ser permeada pelo apoio ou pela desaprovação da atual companheira, indicando, mais uma vez, quanto as dimensões de conjugalidade e parentalidade podem seguir integrados, mesmo após a dissolução do vínculo amoroso entre os ex-cônjuges.

Além destas questões, o estudo apontou a importância de superar alguns paradigmas que permeiam a maternidade e a paternidade, dissolvendo, em especial, as perspectivas naturalizadas de a mãe ser sempre a melhor cuidadora e o pai ser secundário na relação com os filhos. Entende-se que para que o pai possa vivenciar a paternidade de modo mais implicado é necessário que a mãe também ceda espaço para que o vínculo entre pai e filho se fortaleça. Em outras palavras, não há como estabelecer mudanças no exercício da paternidade sem que tais mudanças sejam acompanhadas por uma nova forma de vivenciar o papel de mãe.

Diante deste contexto, salienta-se a relevância de ações que busquem acompanhar os pais com relação ao exercício da parentalidade após a dissolução conjugal. Ademais, nota-se a importância de que haja espaços de escuta para os casais em processo de separação, que os auxiliem a refletir sobre os desdobramentos que surgem com o fim do relacionamento do casal, a fim de que possíveis conflitos não venham a interferir negativamente no contato entre pais e filhos.

Por fim, demarca-se a importância da realização de estudos que reflitam sobre as famílias de contornos distintos e as relações que nelas se estabelecem, especialmente os referentes às famílias que são chefiadas por mulheres. Entender como os filhos lidam com as transformações familiares e como sentem o impacto do fim da conjugalidade no relacionamento parental se torna relevante em um contexto em que as relações conjugais parecem ter contornos de instabilidade e transitoriedade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2014
  • Aceito
    24 Nov 2014
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