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APOIO INTERGERACIONAL EM FAMÍLIAS COM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA1 1 Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

APOYO INTERGENERACIONAL EN LAS FAMILIAS CON NIÑOS CON DISCAPACIDADES

Resumos

As distintas formas de comportamento entre as gerações influenciam a qualidade das relações familiares, as quais permitem que o indivíduo se construa, desenvolva-se e se realize como um ser social. Neste artigo, objetivou-se identificar a experiência de avós e de mães de famílias de crianças com deficiência intelectual, acerca do cotidiano, das práticas de apoio e da intergeracionalidade. O estudo exploratório de abordagem qualitativa contou com a participação de seis mães e seis avós de crianças/adolescentes com deficiência intelectual. Para a coleta de dados, foram utilizados roteiros de entrevistas semiestruturadas. Os principais resultados apontaram que as práticas de apoio exercidas no contexto familiar integram o cotidiano das avós e representam importante fonte de apoio às mães e aos netos. Além disso, o estudo apontou a importância dos relacionamentos intergeracionais, tendo em vista os benefícios por eles produzidos para ambas as gerações envolvidas. Considerando-se a heterogeneidade das famílias brasileiras, aponta-se ainda para a necessidade de estudos intergeracionais que focalizem a opinião de diferentes gerações em localidades e contextos distintos.

Relações entre gerações; avós; deficiência mental


The different forms of behavior among generations influence the quality of family relationships, which allow the individual to build, to develop and to achieve himself as a social being. This study aimed to identify the experience of the grandmothers and the mothers of families of children with intellectual disabilities, regarding their everyday life, the support and the intergenerationality practices. The exploratory study of qualitative approach had the participation of six mothers and grandmothers of six children / adolescents with intellectual disabilities. Semi-structured interviews scripts were used to collect the data. The main results showed that support practices exercised within the family are part of the grandparents' daily lives and represent an important source of support for mothers and their grandchildren. In addition, the study pointed out the importance of the intergenerational relationships in view of the benefits produced by the same for both the generations involved. Considering the heterogeneity of Brazilian families, yet it is pointed out to the need for further intergenerational studies that focus on the opinion of different generations in different locations and contexts.

Relaciones entre generaciones; abuelas; discapacidad mental


The different forms of behavior among generations influence the quality of family relationships, which allow the individual to build, to develop and to achieve himself as a social being. This study aimed to identify the experience of the grandmothers and the mothers of families of children with intellectual disabilities, regarding their everyday life, the support and the intergenerationality practices. The exploratory study of qualitative approach had the participation of six mothers and grandmothers of six children / adolescents with intellectual disabilities. Semi-structured interviews scripts were used to collect the data. The main results showed that support practices exercised within the family are part of the grandparents' daily lives and represent an important source of support for mothers and their grandchildren. In addition, the study pointed out the importance of the intergenerational relationships in view of the benefits produced by the same for both the generations involved. Considering the heterogeneity of Brazilian families, yet it is pointed out to the need for further intergenerational studies that focus on the opinion of different generations in different locations and contexts.

Relations among generations; grandmothers; intellectual disabilities


As distintas formas de comportamento entre as gerações influenciam a qualidade das relações familiares, as quais permitem que o indivíduo se construa, desenvolva-se e se realize como um ser social. É por meio destes relacionamentos que os vínculos se estabelecem e diferentes papéis são desempenhados. Estes papéis, assumidos por cada membro da família, regem os relacionamentos intergeracionais e são responsáveis por criar a coerência entre o grupo e os vínculos que se estabelecem dentro dele (Herédia, Casara, & Cortelletti, 2007Herédia, V. B. M., Casara, M. B., & Cortelletti, I. A. (2007). Impactos da longevidade na família multigeracional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 10(1), 7-28.).

Pesquisas contemporâneas têm descrito que os relacionamentos entre as gerações são influenciáveis por questões, como idade e gênero, variáveis socioeconômicas, nível educacional, proximidade geográfica e frequência de contato, compatibilidade psicológica e características de personalidade, diversidade étnica e cultural, entre outros. Assim, para entender os relacionamentos intergeracionais contemporâneos, devem-se considerar a diversidade e o contexto nos quais o relacionamento está embasado, as experiências familiares e outros aspectos (Stelle, Fruhauf, Orel, & Landry-Meyer, 2010Stelle, C., Fruhauf, C. A., Orel, N., & Landry-Meyer, L. (2012). Grandparenting in the 21st century: issues of diversity in grandparent-grandchild relationships. Journal of Gerontological Social Work, 53(8), 682-701.; Herédia et al., 2007Herédia, V. B. M., Casara, M. B., & Cortelletti, I. A. (2007). Impactos da longevidade na família multigeracional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 10(1), 7-28.).

O sistema familiar, por sua longa duração e pelo seu nível de inter-relação, pode ser considerado o mais importante na vida dos indivíduos. Se considerarmos ainda a intergeracionalidade, podemos dizer que esse sistema tem uma continuidade e um nível de complexidade que desafiam as nossas investigações sobre o tema (Cerveny & Berthoud, 2002, p. 18).

Diante da complexidade e da importância do tema, estudos recentes procuram ampliar a compreensão acerca do desenvolvimento e dos processos de adaptação familiar através do enfoque intergeracional na realidade brasileira de famílias de crianças com e sem deficiência (Araújo & Dias, 2002Araújo, M. R. G. L., & Dias, C. M. S. B. (2002). Papel dos avós: apoio oferecido aos netos antes e após situações de separação/divórcio dos pais. Estudos de Psicologia, 7(1), 91-101.; Dias & Silva, 2003Dias C. M. S. B., & Silva M. A. S. (2003). Os avós na perspectiva de jovens universitários. Psicologia em Estudo, 8(esp), 55-62.; Falcão & Salomão, 2005Falcão, D. V. S., & Salomão, N. M. R. (2005). O papel dos avós na maternidade adolescente. Estudos de Psicologia, 22(2), 205-212.; Grisante & Aiello, 2012Grisante P. C., & Aiello, A. L. R. (2012). Interações Familiares: Observação de diferentes subsistemas em família com uma criança com Síndrome de Down. Revista Braileira de Educação Especial, 18(2), 195-212.; Gvozd & Dellaroza, 2012Gvozd, R., & Dellaroza, M. S. G. (2012). Velhice e a relação com idosos: o olhar de adolescentes do ensino fundamental. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 15(2), 295-304.; Herédia et al., 2007Herédia, V. B. M., Casara, M. B., & Cortelletti, I. A. (2007). Impactos da longevidade na família multigeracional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 10(1), 7-28.; Matsukura & Oliveira, 2010Matsukura, T. S., & Oliveira, B. T. (2010). Estudo Intergeracional: percepção de suporte social e padrões de relacionamento entre netos e avós (relatório de bolsa de pesquisa). São Paulo: FAPESP.; Matsukura & Yamashiro, 2012Matsukura, T. S., & Yamashiro, J. A. (2012). Relacionamento Intergeracional, Práticas de Apoio e cotidiano de famílias de crianças com necessidades especiais. Revista Brasileira de Educação Especial, 4(18), 647-660.; Ruschel & Castro, 1998Ruschel, A. E., & Castro, O. P. (1998). O vínculo intergeracional: o velho, o jovem e o poder. Psicologia: Reflexão e Crítica, 11(3), 523-539.).

Dessen e Braz (2000Dessen, M. A., & Braz, M. P. (2000). Rede social de apoio durante transições familiares decorrentes do nascimento de filhos. Psicologia: teoria e pesquisa, 16(3), 221-231.), em estudo que envolveu a participação de quinze pais e quinze mães residentes no Distrito Federal com o objetivo de descrever as transformações na rede de apoio das famílias em decorrência do nascimento de filhos, apontam que, no período do nascimento de um filho com desenvolvimento típico, as avós apresentam-se como significativa fonte de apoio e cuidados às mães e à família do neto. Assim, segundo as autoras, tanto os pais quanto as mães apreciam os variados tipos de ajuda que as avós prestam à família e destacam o apoio psicológico, a preocupação, o auxílio financeiro e material e a contribuição advinda de suas experiências de vida no enfrentamento e manejo de situações difíceis.

No caso das famílias de crianças com deficiência, embora a escassez de estudos intergeracionais que abordem o tema com tais famílias seja evidente, sabe-se que as características particulares por elas vivenciadas repercutem na qualidade e na quantidade das interações estabelecidas entre seus membros (Lee & Gardner, 2010Lee, M., & Gardner, J. E. (2010). Grandparents' involvement and support in families with children with disabilities. Educational Gerontology, 36(1), 467-499.; Matsukura & Yamashiro, 2012Matsukura, T. S., & Yamashiro, J. A. (2012). Relacionamento Intergeracional, Práticas de Apoio e cotidiano de famílias de crianças com necessidades especiais. Revista Brasileira de Educação Especial, 4(18), 647-660.; Mirfin-Veitch, Bray, & Watson, 1997Mirfin-Veitch, B., Bray, A., & Watson, M. (1997). We're just that sort of family: intergenerational relationship in families including children with disabilities. Family Relations, 46(1), 305-311.; Mitchell, 2007Mitchell, W. (2007). Research review: the role of grandparents in intergenerational support for families with disable children: a review of the literature. Child & Family Social Work, 12(1), 94-101.; Ravindram & Rempel, 2010Ravindran, V. P., & Rempel, G. R. (2010). Grandparents and siblings of children with congenital heart disease. Jounal of Advanced Nursing, 67(1), 169-175.).

Em décadas passadas, pessoas com deficiência eram estigmatizadas e não vistas em público, normalmente vivendo no interior de uma instituição. Com isso, quem não possuía em sua família uma pessoa com deficiência estava privado do contato e da experiência com esta realidade, como é o caso de uma significativa parcela da geração de avós da atualidade, que adquiriram pouco conhecimento e/ou experiência com crianças com deficiência (Turnbull & Turnbull, 2001Turnbull, A. P., Turnbull, H. R. (2001). Families, professionals and exceptionality: Collaboration for empowerment. (4. ed.) Columbus: Merrill Publishing Company.).

Não obstante, embora a atitude da sociedade tenha mudado significativamente com relação à deficiência, é possível que muitos avós não considerem ou estejam despreparados para a possibilidade da experiência de cuidar de uma criança com deficiência (Woodbridge, Buys, & Miller, 2011Woodbridge, S., Buys, L., & Miller, E. (2011). My grandchild has a disability: impact on grandparenting identity, roles and relationships. Journal of Aging Studies, 25(4), 355-363.). Apesar disso, a literatura tem apontado que as avós desempenham um importante e fundamental papel de apoio às mães e aos demais membros da família, ao conferirem suporte prático, financeiro, emocional e afetivo (Katz & Kessel, 2002Katz, S., & Kessel, L. (2002). Grandparents of children with developmental disabilities: perceptions, beliefs and involvement in their care. Issues in Comprehensive Pediatric Nursing, 25(1), 113-128.; Lee & Gardner, 2010Lee, M., & Gardner, J. E. (2010). Grandparents' involvement and support in families with children with disabilities. Educational Gerontology, 36(1), 467-499.; Matsukura & Yamashiro, 2012Matsukura, T. S., & Yamashiro, J. A. (2012). Relacionamento Intergeracional, Práticas de Apoio e cotidiano de famílias de crianças com necessidades especiais. Revista Brasileira de Educação Especial, 4(18), 647-660.; Mitchell, 2007Mitchell, W. (2007). Research review: the role of grandparents in intergenerational support for families with disable children: a review of the literature. Child & Family Social Work, 12(1), 94-101.; Ravindran & Rempel, 2010Ravindran, V. P., & Rempel, G. R. (2010). Grandparents and siblings of children with congenital heart disease. Jounal of Advanced Nursing, 67(1), 169-175.; Woodbridge et al., 2011Woodbridge, S., Buys, L., & Miller, E. (2011). My grandchild has a disability: impact on grandparenting identity, roles and relationships. Journal of Aging Studies, 25(4), 355-363.).

Grisante e Aiello (2012)Grisante P. C., & Aiello, A. L. R. (2012). Interações Familiares: Observação de diferentes subsistemas em família com uma criança com Síndrome de Down. Revista Braileira de Educação Especial, 18(2), 195-212. realizaram um estudo intergeracional, de abordagem qualitativa, que teve como objetivo descrever os padrões de interação estabelecidos entre uma criança com síndrome de Down e seus familiares. Com a participação de uma família composta por pai, mãe, uma filha mais velha (onze anos), uma criança com síndrome de Down (sete anos) e avó materna, observou-se que, sob a ótica do pai e da mãe, o apoio social é oriundo dos membros da família, em especial dos avós maternos, dos próprios filhos e do esposo ou esposa, e sob a ótica da avó, o marido, as filhas e as vizinhas são as principais pessoas a oferecer suporte. A partir de tais resultados, observa-se que em famílias de crianças com deficiência o suporte social provém, principalmente, dos próprios familiares. Além disso, destaca-se a presença e a ajuda prestada à família pela avó materna.

Matsukura e Yamashiro (2012)Matsukura, T. S., & Yamashiro, J. A. (2012). Relacionamento Intergeracional, Práticas de Apoio e cotidiano de famílias de crianças com necessidades especiais. Revista Brasileira de Educação Especial, 4(18), 647-660., em um estudo que envolveu a participação de avós, mães e irmãos de crianças com disfunções físicas, identificaram que as mães destas crianças sentem-se frequentemente sobrecarregadas pelas demandas de cuidado com o filho com deficiência e que as avós parecem aliviar esta sobrecarga à medida que conferem apoio não somente às próprias mães, mas também aos netos.

Katz e Kessel (2002Katz, S., & Kessel, L. (2002). Grandparents of children with developmental disabilities: perceptions, beliefs and involvement in their care. Issues in Comprehensive Pediatric Nursing, 25(1), 113-128.) investigaram as percepções e crenças dos avós em relação ao envolvimento no cuidado dos netos. As autoras observaram que a qualidade e a quantidade de interação dos avós na vida de seu neto com deficiência eram determinadas pela dinâmica intergeracional estabelecida entre os avós e os pais das crianças.

Lee e Gardner (2010Lee, M., & Gardner, J. E. (2010). Grandparents' involvement and support in families with children with disabilities. Educational Gerontology, 36(1), 467-499.), por meio de uma revisão de literatura, apontam que ao longo do tempo os avós de crianças com deficiência tornam-se envolvidos na família ao proverem suporte prático e emocional; no entanto, o suporte e o envolvimento destes com a família é influenciado pela proximidade das residências e pelo nível de compreensão por parte dos avós acerca da deficiência do neto.

Segundo Herédia et al. (2007Herédia, V. B. M., Casara, M. B., & Cortelletti, I. A. (2007). Impactos da longevidade na família multigeracional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 10(1), 7-28.), a geração mais velha atribui grande valor à família e, devido às próprias características da velhice, busca um maior estreitamento das relações com os familiares também como forma de suprir a necessidade de companhia e atenção. Assim, dada a importância dos relacionamentos intergeracionais para todos os envolvidos e as complexidades e especificidades presentes no cotidiano destas relações, o presente estudo teve como objetivo identificar a experiência de avós e de mães de famílias de crianças com deficiência intelectual acerca do cotidiano, das práticas de apoio e da intergeracionalidade.

MÉTODO

Este trabalho consistiu de um estudo exploratório de abordagem qualitativa.

Participantes

Foram participantes do estudo seis mães e seis avós de crianças/adolescentes com deficiência intelectual vinculadas a instituições de ensino especial e/ou regular localizadas em uma cidade do Interior do Estado de São Paulo.

Adotou-se como critério de inclusão dos participantes as mães morarem com os filhos e as avós residirem na mesma cidade que as mães.

Instrumentos de Medida

Roteiros de entrevistas semiestruturadas

Foram elaborados dois roteiros de entrevistas semiestruturadas, destinados, respectivamente, às avós e às mães das crianças com deficiência intelectual.

Os roteiros de entrevistas utilizados para as avós compreendiam três partes. A primeira parte referia-se à própria avó; a segunda, à mãe de seus netos (sua filha ou nora); e a última, aos seus netos (com deficiência intelectual ou com desenvolvimento típico).

De maneira semelhante, nos roteiros das entrevistas com as mães as questões estavam divididas em três grandes temas: o primeiro referente à própria mãe; o segundo, aos seus filhos, e o último, à avó participante do estudo.

Questionário de identificação da família

Este questionário foi elaborado com o objetivo de obter dados pessoais dos participantes da pesquisa, como o nome, a idade, a profissão e o grau de escolaridade, além de informações sobre o diagnóstico das crianças com deficiência.

Local

O estudo foi realizado em uma cidade do Interior do Estado de São Paulo. A coleta de dados foi feita nas residências dos participantes. Para a localização das famílias, foi contatada a APAE do município.

Procedimentos Éticos

A proposta de pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, que a aprovou mediante o Parecer n. 186/2011.

Após aprovação do Comitê de Ética e a permissão das instituições para a entrada da pesquisadora, os participantes do estudo foram contatados e esclarecidos acerca dos objetivos e das etapas da pesquisa. Em seguida, tanto as mães quanto as avós participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Coleta de Dados

As seis famílias localizadas foram contatadas a fim de dar início à coleta de dados. Os dias, horários e locais foram combinados previamente com os participantes de acordo com a preferência deles. Todas as famílias optaram por responder aos instrumentos da pesquisa em suas próprias residências.

Cada membro da família teve a oportunidade de responder à sua entrevista individualmente, sem a presença de outras pessoas. Vale ressaltar que a participação apenas de avós, e não de avôs, foi estabelecida de acordo com a indicação das mães, que deveriam apontar um dos avós (dentre os maternos e paternos).

A duração das entrevistas com as mães foi de 20 a 45 minutos, e com as avós, de 25 a 55 minutos.

Análise dos Dados

Para a análise das entrevistas semiestruturadas utilizou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo - DSC (Lefèvre & Lefèvre, 2005Lefèvre, F., & Lefèvre, A. M. C. (2010). Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo: a metodologia do discurso de sujeito coletivo. Brasília: Líber livro., 2010Lefèvre, F., & Lefèvre, A. M. C.(2005). O discurso do sujeito coletivo. Um novo enfoque em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: Ed. Universidade de Caxias do Sul.). Tal técnica vem sendo desenvolvida desde o final da década de 1990 para pesquisas de representação social. Esse método prevê que por meio de um único discurso a opinião de uma coletividade seja exposta de modo a não descaracterizar a natureza qualitativa de cada depoimento analisado e reunido para a composição desse discurso coletivo. Dessa forma, busca-se recuperar, por meio da opinião dos indivíduos participantes, os atributos da dimensão coletiva contidos em cada fala (Lefèvre & Lefèvre, 2005Lefèvre, F., & Lefèvre, A. M. C. (2010). Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo: a metodologia do discurso de sujeito coletivo. Brasília: Líber livro., 2010Lefèvre, F., & Lefèvre, A. M. C.(2005). O discurso do sujeito coletivo. Um novo enfoque em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: Ed. Universidade de Caxias do Sul.). Assim, após todos os depoimentos serem coletados, faz-se a "reunião em discursos-síntese dos conteúdos e argumentos que conformam essas opiniões semelhantes" (Lefèvre & Lefèvre, 2010Lefèvre, F., & Lefèvre, A. M. C. (2010). Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo: a metodologia do discurso de sujeito coletivo. Brasília: Líber livro., p. 17). A técnica, dessa forma, consiste em uma série de operações sobre os discursos coletados a fim de elaborar depoimentos coletivos a partir de extratos literais significativos e de sentidos semelhantes dos diferentes discursos relatados.

Com isso, os dados obtidos no presente estudo foram analisados por meio da transcrição integral das entrevistas, as quais tiveram seu conteúdo agrupado e categorizado de forma a identificar temas representativos presentes nos discursos dos participantes e construir discursos comuns representativos de cada grupo (avós e mães), considerando-se os objetivos que foram propostos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização das Participantes

Cinco das avós participantes eram maternas e apenas uma era paterna. A idade dessas avós variou de 44 a 90 anos. Todas referiram ser donas de casa, com exceção de uma participante. Quanto ao grau de instrução, houve variação entre não possuir estudos e ter concluído o Ensino Fundamental. Acerca da situação conjugal, três avós declararam-se casadas, duas viúvas e uma separada. Além disso, todas afirmaram ter religião.

As mães participantes tinham idades entre 26 e 45 anos e de dois a três filhos. Quanto à situação conjugal, quatro mães residiam com os pais das crianças e duas eram solteiras. Além disso, todas declararam ter religião.

Sobre a ocupação, quatro mães declararam exercer atividade remunerada fora de casa e duas referiram ser donas de casa. Quanto ao nível de escolaridade, uma das mães afirmou não ter estudado e o grau de instrução das demais variou entre ter cursado até a 2ª série do Ensino Fundamental e ter completado o Ensino Médio.

Quanto ao diagnóstico das crianças/adolescentes pertencentes ao grupo GDI, duas tinham diagnóstico de síndrome de Down e quatro, de Deficiência Intelectual inespecificada. As crianças/adolescentes com deficiência serão aqui representadas por "D" quando referências a elas forem feitas nas respostas dos participantes.

Cotidiano, Práticas de Apoio e Relacionamentos Intergeracionais

A família é um sistema em constante transformação, que evolui em seu desenvolvimento como unidade ao mesmo tempo em que assegura a diferenciação de seus membros. Dessa forma, ao longo do ciclo de vida familiar ocorre o ciclo de vida individual de cada um de seus membros, os quais estão em complexa interdependência. Neste sentido, pode-se dizer que, assim como os demais membros da família, os idosos vivenciam, ao longo de seu ciclo de vida individual e familiar, a perda e o ganho de novos papéis (Cerveny & Berthoud, 2002Cerveny, C. M. O., & Berthoud, C. M. E. (2002). Visitando a Família ao Longo do Ciclo Vital. São Paulo: Casa do Psicólogo.).

Nesta perspectiva, tornar-se avô(ó) implica a aquisição de novos papéis a serem desempenhados no contexto familiar. Sobre o assunto, as avós participantes do presente estudo, ao expressarem sua opinião acerca do papel que exercem na família, enfatizam a ajuda que concedem às mães e aos netos, como se observa com o DSC a seguir:

Eles podem ficar muito aqui em casa, eu ajudo a cuidar, tudo. O D. vem, fica aqui, aí a gente faz o que pode. Se a gente pode ajudar, a gente ajuda. Então eu vejo bem, eu me vejo bem com eles. Quando eles vêm em casa, é uma alegria, me consideram muito, temos uma amizade bonita. (DSC das avós, categoria "Papel na família como um todo").

Observa-se ainda que o discurso das mães participantes deste estudo corrobora a visão das avós acerca do papel que desempenham na família, também evidenciando a importância da ajuda prestada por elas em seu dia a dia, como pode ser verificado através do DSC apresentado a seguir:

Um papel muito importante de mãe, avó e amiga da gente, que aconselha a gente. É o papel de uma mãezona, de uma vozona, que gosta muito dos netos, carinhosa com os netos. Ah! Ela é tudo, boa pra minha família, ela é o meu porto seguro, o alicerce. Desde pequena eu vejo o papel dela como mãe, chefe de casa e pai, então ela é tudo pra gente. É um exemplo, ela que me ensinou tudo, então eu tenho ela como um exemplo. Quando eu preciso de alguma coisa, ou quando eu preciso conversar um pouco, eu converso com ela, então é ela. (DSC das mães, categoria "Papel de mãe, avó, amiga e

como um exemplo").

A partir do relato das mães, observa-se o importante papel que as avós desempenham na vida das famílias, pelo que representam e também por conferirem diferentes tipos de apoio; porém as avós revelam que o papel desempenhado por elas nem sempre foi o mesmo e apontam o nascimento do neto com deficiência como o fator que as fez repensar este papel, como descrito na sequência:

Ah, porque tem que ter maior cuidado, né? Se ele chega em casa tem que olhar se ele vai pra casa dele ou se ele vai pra outro lugar, porque tem hora que ele não pensa. Se ele tá na rua e vê um carro com a porta aberta, ele entra dentro, sai. Então muda, porque a gente fica pensando, a gente tem dó porque criança é assim, sabe? Um probleminha desses tem hora que a gente tem que passar. Então eu mudei mais pra ajudar mais, entendeu? Tudo o que ele precisa eu ajudo. Eu ajudo no possível e no impossível. Ah, e eu acho que eu mudei porque eu me derreto pra ele (neto com deficiência). Eu gosto, é lógico, do meu neto mais velho, ele é tudo de bom, mas o D. eu tenho um cuidado especial, eu faço questão de levar ele nas coisas, eu saio com ele sempre, sem medo da vida. Às vezes me perguntam alguma coisa, a gente ainda não sabe responder, mas não tem vergonha dele ser assim, de jeito nenhum (DSC das avós, categoria "O papel de avó exercido anteriormente foi modificado").

As considerações das avós do presente estudo somam-se aos achados de Woodbridge et al. (2011Woodbridge, S., Buys, L., & Miller, E. (2011). My grandchild has a disability: impact on grandparenting identity, roles and relationships. Journal of Aging Studies, 25(4), 355-363.), os quais apontam que após passar pelo choque e descrença do diagnóstico do neto com deficiência, os avós veem como seu papel principal estar presente, ser positivo e ajudar o filho e o neto com deficiência da maneira como podem. Assim, de acordo com os autores, embora a deficiência do neto pareça não alterar drasticamente o papel do avô(ó), o suporte prestado à família parece ganhar uma nova dimensão à medida que, após o nascimento do neto, este passe a exercer parte integral de sua identidade.

Tal afirmação corrobora o discurso proferido pelas avós de crianças com deficiência intelectual participantes deste estudo, uma vez que, ao falarem acerca das possíveis mudanças ocorridas em seu papel de avó após o nascimento do neto com deficiência, estas evidenciaram que as práticas de apoio exercidas no contexto familiar foram ainda mais intensificadas. Além desta possível alteração, Woodbridge et al. (2011Woodbridge, S., Buys, L., & Miller, E. (2011). My grandchild has a disability: impact on grandparenting identity, roles and relationships. Journal of Aging Studies, 25(4), 355-363.) observaram que tal experiência alterou as próprias atitudes dos avós de seu estudo, por exemplo, quanto ao fato de serem menos impacientes e mais tolerantes. Observa-se, por meio do DSC seguinte, que tais atributos também foram citados pelas avós participantes do presente estudo:

Eu acho que tudo que Deus faz é bem feito, então tem que aceitar, porque é a vontade de Deus e nada nesse mundo acontece sem a vontade de Deus. Então ensinou a acreditar mais que Deus é bom e que a deficiência dele pra mim não... ele continuou sendo meu neto amado, tem coisa muito mais difícil por aí. É lógico que eu queria que ele estivesse lendo, é triste pra gente, mas eu sei que tem coisa pior e ele é meu neto e acabou, não deixei de ser feliz por isso. O nascimento dele ensinou também que a gente tem que ter mais paciência. Mais paciência, mais tranquilidade pra falar com ele, mais assim de dar mais atenção, de dar mais atenção porque ele é especial. Ah, ensina a viver. Ensina a viver (DSC das avós, categoria "Aprendizados adquiridos com o nascimento do neto com deficiência").

Observa-se ainda que a referência à fé e à religiosidade também aparece como elemento importante tanto de aprendizado como de ferramenta para o enfrentamento da situação. Sobre o assunto, no estudo realizado em Israel por Katz e Kessel (2002Katz, S., & Kessel, L. (2002). Grandparents of children with developmental disabilities: perceptions, beliefs and involvement in their care. Issues in Comprehensive Pediatric Nursing, 25(1), 113-128.), as avós participantes, ao falarem sobre o nascimento do neto com deficiência, citam a crença de que os pecados dos antepassados trazem punições ao longo de sete gerações, e relatam que o nascimento em tal condição "veio de cima".

Embora o contexto de vida dessas avós israelenses, sua cultura e sua religião sejam consideravelmente distintos daqueles vivenciados pelas avós brasileiras, tem-se a hipótese de que, independentemente da etnia ou da crença, os resultados deste estudo reforçam apontamentos sobre como as crenças religiosas medeiam a compreensão, o enfrentamento e o manejo da experiência de se ter um neto com deficiência. Estudos futuros abordando a questão do papel de diferentes crenças e/ou religiosidades e distintas culturas podem gerar um acréscimo no conhecimento de processos de adaptação e cuidado nessas famílias.

Ainda sobre os netos, as avós de crianças com deficiência participantes do presente estudo relatam as mudanças ocorridas na família após o seu nascimento:

Ah! Teve mudança, teve que ter mais carinho, maior preocupação, maior cuidado. Desde pequeno já teve que ajudar mais. Tem que dar mais atenção, não pode deixar muito ele sozinho. Então tinha que ter mais cuidado com ele, porque tudo que a gente vai falar, a gente tem mais cuidado na fala. Nas brigas, a gente tem mais cuidado por causa dele, e a melhor mudança é que eles (pais das crianças) brigavam mais, briga ainda, mas pararam um pouco. (DSC das avós, categoria "Aumento do carinho, cuidado e diminuição de brigas").

Tal discurso reforça os achados de Katz e Kessel (2002Katz, S., & Kessel, L. (2002). Grandparents of children with developmental disabilities: perceptions, beliefs and involvement in their care. Issues in Comprehensive Pediatric Nursing, 25(1), 113-128.), que relatam que muitos avós participantes de seu estudo citam quanto o nascimento de um neto com deficiência alterou a vida das famílias de diferentes formas. As autoras afirmam ainda que fatores socioculturais, a dinâmica e as experiências anteriores da família parecem determinar se a deficiência será percebida como uma fonte de desafios e amadurecimento emocional ou como uma fonte de incapacitação e desespero.

Carter e McGoldrick (1995Carter, B., & McGoldrick, M. (1995). As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas.) afirmam que o nascimento de um filho ou a morte de um membro da família, por exemplo, geram um "ponto de transição" (p. 11) no ciclo de vida familiar, que passa a ser marcado por estresses capazes de criar rompimentos neste ciclo e de produzir outras alterações no sistema familiar. Assim, a partir dos resultados do presente estudo, tem-se como hipótese que o estresse gerado por esse "ponto de transição" parece ser exacerbado no caso do nascimento de uma criança com deficiência.

Ainda que aspectos comparativos acerca do apoio recebido pelas famílias não tenham sido focalizados neste trabalho, alguns estudos intergeracionais têm apontado que o apoio de avós de crianças com deficiência é mais comum do que o de amigos ou de outros parentes, e que o suporte emocional oferecido tem maior influência no ajustamento psicológico dos pais e na redução do estresse parental (Trute, Worthington, & Hiebert-Murphy, 2008Trute, B., Worthington, C., & Hiebert-Murphy, D. (2008). Grandmother support for parents of children with disabilities: gender differences in parenting Stress. Families, Systems and Health, 26(2), 135-146.).

Verificou-se, por meio do DSC das mães, quanto a ajuda prestada pelas avós as auxilia em sua rotina diária:

Ajuda, sempre quando eu preciso que ela fique com o D. ou com o mais novo, ela sempre fica. Às vezes o D. vai lá, ela dá banho nele, cuida dele, faz o que pode e o que não pode fazer. Então tá sempre ajudando. Até porque eu trabalho, então quando eu não tô ela é meu vigia, ela fica em cima dessas crianças pra baixo e pra cima, cuidando dos meus filhos. (DSC das mães, categoria "Ajuda no cuidado dos netos").

Além da importante fonte de ajuda que as avós representam na rotina diária das mães, observa-se ainda que tal ajuda pode atenuar o estresse materno, como evidenciado pelo discurso das mães ao expressarem opinião sobre essa questão.

Diminui bastante. Às vezes eu estresso aqui em casa porque as responsabilidades caem tudo em cima de mim; mas quando eu não tenho dinheiro pra pagar aluguel, ela paga meu aluguel e paga minha força e paga água, entendeu? Então se não acontecesse isso eu ia enlouquecer, porque às vezes eu tô com aquele estresse e eu não posso falar tal coisa, aí eu pego, vou nela, começo a falar e ela me anima ou de vez que eu tô meio apurada, diminui, passa sim, viu? Porque eu já tô em peso de psiquiatra, então você imagina se eu não tivesse essa ajuda dela? Então dá uma melhorada no estresse sim. (DSC das mães, categoria "A ajuda oferecida pelas avós diminui o estresse materno, com destaque para a ajuda financeira e emocional").

Sobre o assunto, Trute et al. (2008Trute, B., Worthington, C., & Hiebert-Murphy, D. (2008). Grandmother support for parents of children with disabilities: gender differences in parenting Stress. Families, Systems and Health, 26(2), 135-146.), em estudo comparativo que focalizou avós e avôs maternos e paternos, apontam que as avós de crianças com deficiência apresentam-se mais prestadoras de suporte do que os avôs, e que, além disso, as maternas oferecem ainda mais ajuda do que as paternas. No presente estudo, nenhum avô foi indicado para participação e apenas uma avó paterna teve a indicação. Ainda que muitas variáveis possam estar implicadas na escolha/indicação, pressupõe-se que questões relativas à cultura e ao papel feminino nas famílias são componentes importantes nas práticas de apoio e também nas demandas apresentadas para os avós. Estudos futuros que se utilizem de abordagem quantitativa e instrumentos específicos para a verificação mais precisa dessa dimensão devem contribuir para o avanço na compreensão desses processos de apoio em diferentes tipos de situações e realidades familiares.

Em relação às avós paternas, neste estudo apenas uma foi indicada para a participação. Embora diversas motivações tenham ocorrido para esta escolha, apresenta-se a hipótese de que as indicações apresentadas por Trute et al. (2008Trute, B., Worthington, C., & Hiebert-Murphy, D. (2008). Grandmother support for parents of children with disabilities: gender differences in parenting Stress. Families, Systems and Health, 26(2), 135-146.) acerca do maior suporte oferecido pelas avós maternas podem ser também verificadas na realidade brasileira; no entanto, a compreensão sobre esse processo necessita ser contextualizada de forma mais ampla, uma vez que o oferecimento de suporte se coloca em situações em que é esperado aceito e implica uma relação de mão dupla (Vaux, 1990Vaux, A. (1990). An ecological approach to understanding and facilitating social support. Journal of Social and Personal Relationships, 7(1), 507-518.). Assim, é necessário considerar padrões culturais de relacionamento, especificidades, dentre outros fatores, e não apenas compreender tais diferenças de forma estanque.

Ainda sobre as práticas de apoio exercidas pelas avós junto às famílias, o que se observa no presente estudo é que as mães de crianças com deficiência disseram acreditar que as avós deixam de lado interesses próprios para ajudar a família, como pode ser verificado no DSC a seguir:

Às vezes deixa, porque às vezes ela tem que resolver coisas dela e ela fica com eles, não só com o D., mas com os outros netos, então deixa um pouquinho dela de lado. E ela tá precisando, coitada, fazer uma cirurgia no joelho, então ela tá guardando um dinheirinho. Aí eu falei que as crianças queriam um computador, ela foi lá desinteirou o dinheiro dela pra pagar a cirurgia, pra comprar o computador. Então pra minha família faz (DSC das mães, categoria "As avós deixam questões pessoais para ajudarem a família, com destaque para o cuidado dos netos e ajuda financeira").

Importa que novos estudos aprofundem a percepção dos pais (segunda geração) sobre o que esperam dos avós e a avaliação que fazem do que recebem ou dos esforços que reconhecem advindos da terceira geração, quando, como apontam alguns trabalhos acerca do papel do suporte social em condições de estresse, apenas o suporte que é percebido/reconhecido e que fornece satisfação para quem o recebe está implicado na mediação entre as medidas de saúde e bem-estar e o estresse (Matsukura, Marturano, Oishi, & Borasche, 2007). Assim, o reconhecimento da ajuda prestada e a satisfação com essa ajuda são componentes importantes para ocorrer o processo de mediação possibilitado pelo suporte social. Compreender melhor esses fatores, de forma a considerar que a intergeracionalidade deve contribuir para o avanço de intervenções e políticas públicas voltadas para a qualidade de vida e a saúde das famílias em geral e, especificamente, das famílias de crianças com deficiência.

Outra dimensão referente ao tipo de suporte oferecido pelos avós foi observada neste estudo, no qual se evidenciou que, além de colocarem a família dos filhos e netos como prioridade em relação aos próprios afazeres, a ajuda financeira também é fornecida, como verificada através do DSC das mães apresentado anteriormente. Este achado sobre o tipo de apoio advindo dos avós também foi identificado no estudo de Woodbridge et al. (2011Woodbridge, S., Buys, L., & Miller, E. (2011). My grandchild has a disability: impact on grandparenting identity, roles and relationships. Journal of Aging Studies, 25(4), 355-363.), os quais indicam que, apesar de sua situação econômica, eles auxiliam a família do neto na ocasião dos inesperados custos associados com uma criança com deficiência.

Em contraposição, a revisão de estudos intergeracionais realizada por Mitchell (2007Mitchell, W. (2007). Research review: the role of grandparents in intergenerational support for families with disable children: a review of the literature. Child & Family Social Work, 12(1), 94-101.) revelou que alguns trabalhos têm questionado a necessidade de os avós receberem financeiramente pela ajuda que concedem à família; porém os estudos citados pela autora foram realizados na cidade de Londres, Inglaterra, onde a realidade é bem diferente da realidade brasileira. Assim, apresenta-se a hipótese de que a possibilidade de as famílias pagarem financeiramente as avós pela ajuda oferecida é algo discrepante da condição econômica vivenciada por grande parte das famílias brasileiras, em especial por aquelas cujos padrões econômicos e situação familiar sejam semelhantes às famílias participantes do presente estudo. Além disso, tem-se ainda a hipótese de que as concepções referentes a tal atitude seriam socialmente inaceitáveis e inconcebíveis na realidade e na cultura de tais famílias brasileiras.

Ao discorrerem acerca das características e complexidades dos relacionamentos intergeracionais, estudos nacionais e internacionais têm enfatizado os benefícios que tais interações trazem aos envolvidos de todas as faixas etárias (Herédia et al., 2007Herédia, V. B. M., Casara, M. B., & Cortelletti, I. A. (2007). Impactos da longevidade na família multigeracional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 10(1), 7-28.; Matsukura & Yamashiro, 2012Matsukura, T. S., & Yamashiro, J. A. (2012). Relacionamento Intergeracional, Práticas de Apoio e cotidiano de famílias de crianças com necessidades especiais. Revista Brasileira de Educação Especial, 4(18), 647-660.; Stelle et al., 2012Stelle, C., Fruhauf, C. A., Orel, N., & Landry-Meyer, L. (2012). Grandparenting in the 21st century: issues of diversity in grandparent-grandchild relationships. Journal of Gerontological Social Work, 53(8), 682-701.).

Apresenta-se a seguir a descrição feita pelas avós participantes do presente estudo acerca do relacionamento que mantêm com as mães de seus netos, isto é, suas filhas ou noras, também participantes do estudo: "É bom, é, a gente se entende bem, então é muito bom, ótimo. (DSC das avós, categoria "O relacionamento com as mães é descrito de maneira positiva").

Quando criança nos dávamos muito bem, gostava muito; agora depois que ela casou, tem a vida dela, a gente não entra mais muito em detalhe da vida dela, porque não é bom ficar entrando muito na vida dos filhos; mas também ela é muito quietin... Eu queria tanto que ela fosse uma menina falante, que me contasse tudo, sabe? Ah, mas é bom, não é uma coisa ruim, só que eu sinto falta disso e eu acho que ela também sente falta disso, mas existe assim uma barreira entre nós duas, sabe, de mãe e filha. Eu acho que eu sou muito dura com ela. Então ela me vê como um sargentão, sabe? (DSC das avós, categoria "O relacionamento com as mães é descrito de forma positiva, porém com ressalvas").

Primeiro a gente brigava muito, eu por qualquer coisinha brigava com ela, mas só que depois eu parei, depois eu parei porque eu sei, ela tá meio depressiva, então eu parei de discutir, porque eu discutia muito com ela, qualquer coisa que ela fazia, qualquer coisa eu já ficava brava, aí eu mudei um pouco. (DSC das avós, categoria "O relacionamento com as avós é descrito de forma a evidenciar os conflitos existentes").

Em consonância com os discursos apresentados acima, observa-se a seguir que as falas das mães participantes deste estudo também evidenciam as características positivas e as dificuldades enfrentadas no relacionamento entre as duas gerações: - "Ai é bem isolado, eu sinto muita falta de mãe, sabe? Eu sempre fui assim, porque ela é mais apegada a minha irmã" (DSC das mães, categoria "O relacionamento com as avós é descrito de maneira a evidenciar conflitos existentes").

Pra mim é ótimo, acho que nem tem o que falar. É boa a comunicação, a gente se comunica bem, se entende bem, conversa. Às vezes ela fala dos problemas dela lá, eu falo dos meus daqui, então é bom, é muito bom, eu sempre vou lá fazer visita pra ela que ela já tá idosa, eu já morei com ela também. Só que eu sou muito fechada, o meu problema é esse, mas assim, o essencial, que eu acho que eu posso falar, eu falo. Então a nossa convivência, pra mim eu acho bom, não sei ela né? (DSC das mães, categoria "O relacionamento com as avós é descrito de maneira positiva").

De forma semelhante ao que foi apresentado pelas avós e pelas mães participantes deste estudo, a convivência entre diferentes faixas etárias tem sido descrita pela literatura como algo benéfico ao desenvolvimento humano, embora também se constate a existência de conflitos e dificuldades (Leite, Battisti, Berlezi, & Scheuer, 2008Leite, M. T., Battisti, I. D. E., Berlezi, E. M., & Scheuer, A. I. (2008). Idosos residentes no meio urbano e sua rede de suporte familiar e social. Texto e contexto - enfermagem, 17(2), 250-257.; Matsukura & Yamashiro, 2012Matsukura, T. S., & Yamashiro, J. A. (2012). Relacionamento Intergeracional, Práticas de Apoio e cotidiano de famílias de crianças com necessidades especiais. Revista Brasileira de Educação Especial, 4(18), 647-660.; Herédia et al., 2007Herédia, V. B. M., Casara, M. B., & Cortelletti, I. A. (2007). Impactos da longevidade na família multigeracional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 10(1), 7-28.).

Leite et al. (2008Leite, M. T., Battisti, I. D. E., Berlezi, E. M., & Scheuer, A. I. (2008). Idosos residentes no meio urbano e sua rede de suporte familiar e social. Texto e contexto - enfermagem, 17(2), 250-257.) afirmam que a realidade da convivência simultânea de várias gerações em um mesmo espaço faz com que diferenças entre os indivíduos ao longo do ciclo da vida entrem em choque, o que pode causar conflitos intergeracionais.

Não obstante, estudos revelam os benefícios que os relacionamentos intergeracionais podem proporcionar aos diferentes indivíduos do grupo familiar, como, por exemplo, o apoio, a ajuda mútua, a troca de saberes, a reciprocidade advinda do convívio e a interação intergeracional (Araújo & Dias, 2002Araújo, M. R. G. L., & Dias, C. M. S. B. (2002). Papel dos avós: apoio oferecido aos netos antes e após situações de separação/divórcio dos pais. Estudos de Psicologia, 7(1), 91-101.; Gardner & Scherman, 1994Gardner, J. E., & Scherman A. (1994). Grandparents' beliefs regarding their role and relationship with special needs grandchildren. Education & Treatment Children , 17(1), 185-196.; Ravindran & Rempel, 2010Ravindran, V. P., & Rempel, G. R. (2010). Grandparents and siblings of children with congenital heart disease. Jounal of Advanced Nursing, 67(1), 169-175.).

Ao discorrerem acerca das perdas e dos ganhos da convivência intergeracional, Herédia et al. (2007Herédia, V. B. M., Casara, M. B., & Cortelletti, I. A. (2007). Impactos da longevidade na família multigeracional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 10(1), 7-28.), em estudo que envolveu avós, filhos e netos adultos de 27 famílias, apontam as convergências e contradições encontradas nas relações familiares. Destacando os ganhos, os autores apontam que as avós mostram afeto ao discorrerem acerca da convivência familiar, enquanto as mães realçam a ajuda.

Sobre as perdas que a convivência entre as gerações traz a cada membro da família, o estudo mostra os problemas e conflitos geracionais - que são causados muitas vezes pela doença de um dos membros da família, em geral o idoso, e também pela divergência de opiniões -, e conclui que as trocas entre as gerações acontecem em diferentes graus de intensidade, a depender dos interesses e das necessidades de cada indivíduo (Herédia et al., 2007Herédia, V. B. M., Casara, M. B., & Cortelletti, I. A. (2007). Impactos da longevidade na família multigeracional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 10(1), 7-28.). Dessa forma, os relatos apresentados pelas participantes do presente estudo vão ao encontro da literatura, pois mostram pontos positivos e também dificuldades na interação entre as diferentes gerações; mas cumpre destacar que, embora as mães e as avós deste estudo tenham apontado também conflitos no relacionamento estabelecido entre elas, a partir de discursos sobre outros temas ficam evidentes o apoio mútuo e a importância que uma geração representa para a outra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que o presente estudo respondeu aos objetivos propostos ao aprofundar o conhecimento acerca do relacionamento intergeracional entre avós e mães de crianças com deficiência intelectual, bem como ao ampliar a compreensão das trocas de apoio estabelecidas ante as demandas, a rotina e o cotidiano familiar.

Observou-se, ainda, que as práticas de apoio exercidas no contexto familiar integram o cotidiano das avós. Destaca-se que tais práticas representam importante fonte de apoio às mães e também aos netos, visto que as avós auxiliam tanto no cuidado das crianças como em outras atividades do dia a dia dessas famílias.

Além disso, considerando-se a heterogeneidade das famílias brasileiras e o fato de que todas as famílias participantes do presente estudo residem em semelhantes bairros periféricos localizados em uma única cidade do Interior do Estado de São Paulo, este trabalho aponta a necessidade de novos estudos intergeracionais que focalizem a opinião das diferentes gerações sejam realizados em localidades e contextos distintos, a fim de se compreender a realidade das famílias e a intergeracionalidade no Brasil.

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  • 1
    Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • 2
    Juliana Archiza Yamashiro: mestre em Terapia Ocupacional pelo Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial na mesma universidade.
  • 3
    Thelma Simões Matsukura: mestre e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP e pós-doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo; professora associada da Universidade Federal de São Carlos, orientadora do Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da mesma universidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2014
  • Aceito
    17 Nov 2014
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