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CINEMA, PSICOLOGIA POSITIVA E A RESILIÊNCIA DO CORPO: SUPERAR PARA A FELICIDADE

CINEMA, PSICOLOGÍA POSITIVA Y LA RESILIENCIA DEL CUERPO: SUPERAR PARA LA FELICIDAD

RESUMO

Este artigo trata de uma investigação centrada na relação humana com o cinema, do ponto de vista da Psicologia Positiva, cujo propósito é a promoção de valores e bem-estar. Essa busca emerge da seguinte inquietação: poderia o cinema potencializar o enfrentamento para superação de contundentes adversidades contingenciais à vida humana? Especificamente, o propósito do artigo é discutir como o cinema pode potencializar a resiliência do corpo. Dessa forma, explora-se o sentido da resiliência quando o próprio corpo aparenta limitar alguém a realizar tarefas corriqueiras. Para tanto, os filmes Meu pé esquerdo (1989) e A teoria de tudo (2014), que retratam, respectivamente, as histórias de Christy Brown e Stephen Hawking são utilizados como exemplos de que a limitação do corpo não é suficiente para limitação da felicidade. Ao final, espera-se que os elementos identificados, nas narrativas cinematográficas, ajudem a fortalecer o cinema como uma tecnologia fundante para o desenvolvimento humano, especialmente pela ótica da psicologia positiva.

Palavras-chave:
Cinema; psicologia positiva; resiliência

RESUMEN

Este artículo trata de una investigación centrada en la relación humana con el cine desde el punto de vista de la Psicología Positiva, cuyo propósito es la promoción de valores y bienestar. Esta búsqueda surge de la siguiente inquietud: ¿podría el cine potenciar el enfrentamiento para superar las contundentes adversidades contingentes a la vida humana? En concreto, el propósito del artículo es discutir cómo el cine puede potenciar la resiliencia del cuerpo. De esta forma, se explora el sentido de la resiliencia cuando el propio cuerpo aparenta limitar a alguien a realizar tareas corrientes. Para tanto, las películas Meu pé esquerdo (1989Brown, C. (1988). My left foot. Londres, UK: Vintage/Random House.) y A teoria de tudo (2014), que retratan, respectivamente, las historias de Christy Brown y Stephen Hawking se utilizan como ejemplos claros de que la limitación del cuerpo no es suficiente para limitar la felicidad. Al final, se espera que los elementos identificados en las narrativas cinematográficas seleccionadas, ayuden a fortalecer el cine como una tecnología fundadora para el desarrollo humano, especialmente por la óptica de la Psicología Positiva.

Palabras clave:
Cinema; psicología positiva; resiliencia

ABSTRACT

This paper deals with an investigation centered on the human relationship with the movies, from a Positive Psychology point of view, which focuses on the promotion of values and well-being. This search emerges from the following question: could movies potentiate the confrontation to overcome strong contingent adversities to human life? Specifically, the purpose of the paper is to discuss how movies can enhance the body resilience. Therefore, the sense of resilience is explored when the body itself seems to limit someone to perform ordinary tasks. For that, the movies Meu pé esquerdo (1989) and A teoria de tudo (2014), which portray, respectively, the stories of Christy Brown and Stephen Hawking are both used as clear examples that the limitation of the body is not enough to limit the happiness. In the end, the elements identified in the selected narratives are expected to help strengthen movies as foundational technology for human development, especially from the perspective of Positive Psychology.

Keywords:
Movies; positive psychology; resilience

Introdução

[...] Filmes transcendem todas as barreiras e diferenças, sejam essas barreiras culturais de linguagem, religião, fronteiras geográficas ou sistemas de crenças. A linguagem é uma forma de comunicar pensamentos e sentimentos, e é um sistema que apresenta regras, sinais e símbolos específicos, que lhe dão forma e significado [...] Sendo assim, filmes são mais do que uma expressão da sociedade - eles nos informam sobre a condição humana (Niemiec & Wedding, 2012Niemiec, R., & Wedding, D. (2012). Psicologia positiva dos filmes: usando filmes para construir virtudes e características fortes (Sonia Strong, trad.). Barueri, SP: Novo Século., p. 19).

Poderia a linguagem do cinema permitir que alguém se fortaleça a ponto de superar aspectos negativos da própria vida? Ou seja, poderia o cinema apresentar-se como elemento potencializador da resiliência humana? Recente levantamento sistemático identificou a relação cinema, psicologia positiva e resiliência como uma lacuna nos estudos a respeito do desenvolvimento (Fortunato & Schwartz, 2019Fortunato, I., & Schwartz, G. M. (2019). Psicologia positiva e resiliência: uma revisão sistemática. Interfaces Científicas - Humanas e Sociais, 8 (2). No prelo.). Foram identificados estudos que relacionam a psicologia positiva com a resiliência (Brown, 2015Brown, R. (2015). Building children and young people’s resilience: lessons from psychology. International Journal of Disaster Risk Reduction, 14 (2), 115-124.; Shoshani & Slone, 2016Shoshani, A., & Slone, M. (2016). The resilience function of character strengths in the face of war and protracted conflict. Frontiers in Psychology, 6(1), 1-10 (art 2006).), e estudos que relacionam o cinema com a psicologia positiva (Leão, Souza, & Castro, 2015Leão, M. A. B. G., Souza, Z. R., & Castro, M. A. C. D. (2015). Desenvolvimento humano e teoria bioecológica: ensaio sobre “O contador de histórias”. Psicologia Escolar e Educacional, 19(2), 341-348.), mas nenhum que contemple essa relação tríplice. Neste artigo, produzido a partir de tese de doutorado em Desenvolvimento Humano e Tecnologias (Fortunato, 2018Fortunato, I. (2018). Quando a resiliência vai ao cinema: superação e felicidade pela ótica da psicologia positiva (Tese de Doutorado em Desenvolvimento Humano e Tecnologias). Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.), busca-se preencher parte desta lacuna, ao demonstrar como o cinema pode favorecer a criação de uma nova impressão de realidade, construída subjetivamente pela inspiração de quem vive uma realidade inventada pela e para a narrativa fílmica.

O trecho reproduzido na epígrafe, elaborado pela ótica da psicologia positiva (ora referida como PP), concentra elementos que ajudam a considerar o cinema como repositório da resiliência para uma vida feliz. Isso não acontece porque os filmes são capazes de retratar fidedignamente os sentimentos das pessoas, mas porque oferecem, por meio das narrativas de suas personagens, retratos intensos de ‘partes da vida humana’. Tais retratos carregam a potencialidade de refletir cada uma das subjetividades, atuando como uma linguagem metafórica do ‘eu’. Disso decorre a basilar ideia de que as aventuras e desventuras vividas pelos personagens potencialmente modificam as pessoas, pois podem ser catalisadores de transformações de crenças, valores e atitudes pessoais e coletivos. Inclusive, uma narrativa criada (ou adaptada) para o cinema, pode ajudar as pessoas a compreenderem melhor sua própria existência e, quiçá, até auxiliar na superação de adversidades limitantes. Como visto, por exemplo, na pesquisa conduzida por Carvalho, Passini e Baduy (2015Carvalho, P. R., Passini, P. M., & Baduy, R. S. (2015). Cinema e psicologia: dos processos de subjetivação na contemporaneidade. Psicologia em Estudo, 20 (3), 389-398., p. 397), a qual buscou demonstrar a intrínseca relação entre o cinema e a psicologia, afirmando que “[...] uma questão que articula essas produções é a concepção do humano que elas veiculam e difundem”.

Neste artigo, espera-se demonstrar uma maneira como a linguagem do cinema pode auxiliar no desenvolvimento da percepção de que um corpo limitado não é, em absoluto, uma circunscrição para uma vida feliz; mesmo que exista uma implicação cultural, na qual a limitação não é a deficiência do corpo em si, mas uma espécie de mácula social que ameaça o direito fundamental de estar no mundo de quem é diferente (Medeiros, Diniz, & Barbosa, 2010Medeiros, M., Diniz, D., & Barbosa, L. (2010). Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In D. Diniz, M. Medeiros, & L. Barbosa (Org.), Deficiência e igualdade(p. 9-18). Brasilia, DF: Letras Livres.). Por isso, são analisadas duas histórias de vida prenunciadas por doenças incuráveis, que foram dramatizadas pelo cinema. No filme Meu pé esquerdo (Sheridan, 1989Sheridan, J. (Diretor). (1989). Meu pé esquerdo: a história de Christy Brown [1 filme]. Miramax.), observa-se que a paralisia cerebral não foi capaz de impedir Christy Brown de brincar com seus irmãos, aprender a escrever, pintar, se casar. No filme A teoria de tudo (Marsh, 2014Marsh, J. (Diretor). (2014). A teoria de tudo [1 filme].), detalha-se a história de enfrentamento da doença vivida pelo personagem que retrata o físico Stephen Hawking, cujo diagnóstico inicial lhe dava apenas dois ou três anos de vida.

Ambos os casos foram guiados, principalmente, pelas atitudes dos personagens que, cientes dos desafios impostos pela debilidade de seus próprios corpos, foram capazes de superar aquilo que poderia ser visto como restrição não apenas à mobilidade, ao trabalho, ao autocuidado, ao lazer etc., mas à própria capacidade de ser. Assim, ao invés de sucumbir às imperfeições do corpo, os personagens Christy e Stephen demonstram como é possível viver a vida de maneira positiva, ultrapassando, removendo, subjugando os obstáculos. Dessa forma, o objetivo principal deste artigo é investigar possibilidades que o cinema oferece para que o espectador possa identificar, para si e para o outro, maneiras de lidar com as limitações físicas impostas pelo próprio corpo, seja por doença, acidente, violência, genética etc.

Para que os objetivos deste artigo sejam alcançados, o cinema, a resiliência e a PP foram entrelaçados nas seções que seguem. A primeira, ‘um pé esquerdo para felicidade’, apresenta a vida de Christy Brown conforme foi retratada nas telas pelo vencedor do Oscar de melhor ator de 1990, Daniel Day-Lewis. Nesta seção, espera-se que essa história recriada para o cinema ajude a demonstrar como a resiliência depende da ação de superar para tornar-se elemento fundante de uma vida mais jubilosa. A segunda seção, ‘dos buracos negros à resiliência do corpo’, toma a vida de Stephen Hawking romanceada para o cinema como elemento de apoio para explicar a resiliência. Acometido por uma doença degenerativa, o personagem demonstra como fez para superar os percalços que a atrofia de seu corpo lhe impunha, incluindo sua morte prenunciada para poucos anos após o diagnóstico.

Ao final, buscaram-se indícios para identificar como o cinema possibilita reconhecer ações de superação para edificar a resiliência do corpo e, dessa forma, ampliar as possibilidades de uma vida mais próspera, de felicidade e bem-estar.

Um pé esquerdo para felicidade

Ao tentar explicar ‘o que é o cinema’, Jean-Claude Bernadet (1985Bernadet, J. (1985). O que é cinema (2a ed.). São Paulo, SP: Brasiliense.) anotou que uma novidade foi trazida para a vida humana, quando, no final do século XIX, uma pequena plateia, reunida em um café francês, pensou que o trem que chegava à estação Ciotat, no sudeste do país, fosse projetar-se sobre quem assistia. O autor afirmou que todos sabiam se tratar de uma imagem, afinal, o trem foi projetado em preto e branco, sem qualquer som ou ruído. Mesmo assim, essa plateia foi acometida por um grande susto. Assim, já na primeira exibição, estava estabelecida a ilusão cinematográfica ‘como se fosse verdadeira’. Aliás, ver um filme, anotou Bernadet (1985Bernadet, J. (1985). O que é cinema (2a ed.). São Paulo, SP: Brasiliense., p. 12), “[...] parece tão verdadeiro - que dá para fazer de conta, enquanto dura o filme, que é de verdade”.

Esse faz de conta é possível porque o cinema extrapola a impressão de realidade, na medida em que a recria. Isso fica mais evidente nos casos que se dizem ‘baseados em fatos reais’, como é a dramatização da vida de Christy Brown. Isso porque a recriação fílmica de alguém que é ‘real’, numa concepção materialista da existência, ou seja, uma pessoa de carne e osso, de emoção e razão, de pulso e impulso, é uma forma alegórica e metafórica de retratar a existência humana. Assim, quando se assistem aos desafios de se relacionar com o mundo apenas com os movimentos de seu pé esquerdo, não se vê apenas a superação de Christy, mas, pode-se projetar parte das dificuldades particulares da ‘vida real’ na interpretação do ator.

Dessa forma, em filmes dessa natureza, fica mais fácil reconhecer a ‘impressão de realidade’, destacada por Bernadet (1985Bernadet, J. (1985). O que é cinema (2a ed.). São Paulo, SP: Brasiliense.), como uma expressão mais nítida da ‘elevação cinemática’ de Niemiec e Wedding (2014Niemiec, R., & Wedding, D. (2014). Positive psychology at the movies 2: using films to build character strength and well-being. Boston, MA: Hogrefe., 2012Niemiec, R., & Wedding, D. (2012). Psicologia positiva dos filmes: usando filmes para construir virtudes e características fortes (Sonia Strong, trad.). Barueri, SP: Novo Século.). Isso porque o filme potencializa o processo de perceber os comportamentos virtuosos, amplifica a possível inspiração advinda da superação e, consequentemente, aproxima o espectador de um devir de bem-estar e felicidade. Niemiec (2011)Niemiec, R. M. (2011). Positive psychology cinemeducation: a review of happy. International Journal of Wellbeing, 1(3), 328-334. esclareceu como funciona a ‘elevação’: um termo recente da PP, o qual se refere às sensações fisiológicas (como um formigamento ou aquecimento no peito) originadas pela observação de um comportamento positivo, o qual motiva o próprio observador a realizar igualmente um comportamento positivo. Para o autor, quando essa sensação é provocada pela ação de um personagem do cinema, motivando a mimetizar suas condutas em prol de si e/ou de outros, tem-se a ‘elevação cinemática’.

Nesse sentido, um filme de PP parece ter mais chances de estimular a elevação cinemática, pelas suas próprias qualidades positivas. Niemiec (2007Niemiec, R. M. (2007). What is a positive psychology film? [Review of the motion picture The pursuit of happyness]. Psyc CRITIQUES, 52(38), art. 18.) apresentou quatro características necessárias para qualificar um filme como positivo, sendo que todas são facilmente reconhecidas no filme Meu pé esquerdo. A primeira é a descrição de um personagem que demonstra forças de caráter da PP e, na primeira metade do filme, já é possível reconhecer em Christy Brown as seguintes forças, conforme classificação de Park, Peterson e Seligman (2004Park, N., Peterson, C., & Seligman, P. (2004). Strengths of character and well-being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23(5), 603-619.): bravura, criatividade e esperança.

A segunda característica de um filme de PP é a representação dos obstáculos que demandam força máxima do personagem para que sejam vencidos. No caso de Christy Brown, o obstáculo mais evidente é sua doença degenerativa congênita, mas, ele ainda precisou superar o preconceito e o abandono da sociedade e até mesmo da própria família. Afinal, como bem apontaram Diniz, Squinca e Medeiros (2006Diniz, D., Squinca, F., & Medeiros, M. (2006). Deficiência, cuidado e justiça distributiva. In S. Costa, M. Fontes & F. Squinca (Org.), Tópicos em bioética (p. 82-94). Brasilia, DF: Letras Livres.), a deficiência nada mais é do que uma construção social e, portanto, as dificuldades de um corpo limitado nunca são dadas pelo próprio corpo, mas pelo ambiente, que pode ser hostil ou receptivo à diversidade corporal - ter que superar essa complexa relação de hostilidade e acolhimento da própria família é algo que fez parte do processo resiliente de Christy Brown. Dessa forma, ambos os desafios foram eclipsados pela sua autodeterminação em tornar-se alguém, apesar de sua existência ir sendo quase que ‘negada’ conforme ia crescendo. Isso, portanto, vai ao encontro da terceira característica de um filme de PP: à exibição clara das atitudes tomadas para a vitória sobre os obstáculos.

Na sequência, conforme o filme é decomposto e reconstituído para análise, espera-se destacar as forças de caráter, os obstáculos e as condutas de Christy Brown. Nessa revisão, o objetivo é ressaltar a quarta característica de um filme de PP, isto é, seu tom inspirador. Ainda, à medida que Meu pé esquerdo vai colaborando para estreitar a relação entre o cinema e a PP, pretende-se ir ressaltando suas qualidades resilientes de superação.

O filme em questão foi inspirado na homônima autobiografia publicada originalmente em 1954 (Brown, 1998). Apesar de retratar a história de vida de Christy Brown, de certa forma retrospectiva desde seu nascimento, o filme não é um documentário. Trata-se de um romance, cujo protagonista é um personagem que tem o mesmo nome, a mesma doença congênita, a mesma família e viveu no mesmo lugar que Christy Brown, mas não é, em absoluto, o mesmo Christy Brown que precisou lidar com todas as adversidades da doença e da falta de compreensão na família e na sociedade - principalmente social, pois, conforme destacou Marques (1998Marques, C. A. (1998). Implicações políticas da institucionalização da deficiência. Educação e Sociedade, 29(62), 105-122., p. 106), há um estigma de incapacidade em quem tem alguma deficiência, “[...] independentemente de suas potencialidades individuais [...]”, o que tende a colocar essas pessoas “[...] numa condição de inferioridade corpórea e de incapacidade produtiva”.

Outra importante distinção entre o personagem e a pessoa que ele representa está naquilo que Bernadet (1985Bernadet, J. (1985). O que é cinema (2a ed.). São Paulo, SP: Brasiliense.) nomeou como ‘ponto de vista do narrador’. Segundo o autor, este ponto de vista corresponde a uma linguagem ‘transparente’, ou seja, no caso da vida de Christy Brown interpretada para o cinema, sua história é contada por um narrador que não faz parte da história. Esse narrador inexiste para o espectador, pois apenas conta a história por meio do uso de planos, sequências, cortes, iluminação etc., ao mesmo tempo em que não participa da trama, pois não é um personagem. Bernadet (1985), inclusive, afirmou que a linguagem transparente já foi até chamada de ponto de vista de Deus, pois mesmo fora de tudo o que acontece, o narrador consegue ver, ouvir e até saber sobre a vida dos personagens, sem que esses sequer cogitem sua existência.

Christy Brown (1998) inicia seu livro autobiográfico recuperando memórias de seu nascimento, provavelmente como lhe foi contado pela própria família: era a décima parição de sua mãe, que daria luz a outras 12 crianças depois dele. Dessas, cinco foram natimortos, quatro faleceram ainda infantes, restando 13. O autor escreveu sobre as dificuldades no parto, sendo necessário permanecer no berçário enquanto a mãe se recuperava. Segundo Brown (1998), a primeira pessoa a suspeitar que havia algo de errado com ele foi sua própria mãe, no período de amamentação, quando ele tinha aproximadamente quatro meses de existência. O autor de sua própria história conta que seus pais procuraram ajuda médica imediatamente, recusando os diagnósticos de que nada poderia ser feito pela criança doente.

No filme, o narrador, por meio de sua linguagem transparente, inicia a contagem da história de vida Christy retratando a dificuldade no parto. No entanto, a cena foi construída da seguinte maneira: o pai adentra um quarto de enfermaria de hospital e caminha até a parteira, que lhe diz que o nascimento aconteceu duas horas atrás e que houve complicações. Em seguida, o pai está bebendo em um bar, sendo ridicularizado pelos companheiros de copo, dizendo que o filho recém-nascido deveria ser institucionalizado, pois é estigma social, conforme Marques (1998Marques, C. A. (1998). Implicações políticas da institucionalização da deficiência. Educação e Sociedade, 29(62), 105-122.), que ser deficiente implica ser alguém ineficiente, improdutivo e inadequado para a própria sociedade. Mas, no próximo plano, Christy já é um menino de bermudas, deitado no vão que fica embaixo da escada de sua casa.

Dessa maneira, vê-se que o texto autobiográfico revela que as primeiras evidências da doença de Christy foram percebidas quatro meses após seu nascimento, e que ambos os pais estavam dispostos a enfrentar o que fosse necessário pelo seu bem-estar. Não obstante, a linguagem do cinema prefere evidenciar a doença do personagem logo no parto, além de criar um pai decepcionado e uma mãe protetora. As diferenças entre autobiografia e cinema, identificadas na aurora da vida de Christy, são suficientes para demonstrar que o filme Meu pé esquerdo é uma ficção construída a partir das lembranças registradas no livro. Portanto, o Christy, interpretado pelo vencedor do Oscar de melhor ator Daniel Day-Lewis, é um personagem de cinema cujas características e atitudes servem, absolutamente, para declarar o cinema como um repositório ótimo para o desenvolvimento humano. Afinal, o personagem (re)inventado demonstra qualidades e ações com determinados propósitos para incentivar a vida do espectador. Um destes pode ser a amplificação da resiliência.

Ressaltar as diferenças entre o Chirsty, nascido, em 1932, em Dublin, na Irlanda, e o Christy do cinema, cuja interpretação foi filmada e editada no final de década de 1980, tem como propósito apenas registrar que a decomposição do filme e a reconstituição de algumas passagens dizem respeito ao personagem. É este Christy quem exibe as forças de caráter e demonstra como superou seus obstáculos, de forma a inspirar quem assiste.

Ao qualificar as forças de caráter, Park, Peterson e Seligman (2004Park, N., Peterson, C., & Seligman, P. (2004). Strengths of character and well-being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23(5), 603-619., p. 606, tradução nossa) assim descreveram a bravura, uma das primeiras forças bastante evidentes na narrativa: “Não se intimidar diante de uma ameaça, desafio, dificuldade ou dor; defender o que é certo, mesmo que haja oposição; agindo sobre suas convicções, mesmo que não agrade; inclui bravura física, mas não se limita a isso”3 3 “Not shrinking from threat, challenge, difficulty, or pain; speaking up for what is right even if there is opposition; acting on convictions even if unpopular; includes physical bravery but is not limited to”. . Uma cena que revela sua bravura física e emocional, demonstrando sua capacidade de enfrentar um desafio, foi projetada por volta dos dez minutos de filme. A cena se desenvolve em três planos, sendo que o narrador tem a intenção de demostrar que a mãe de Christy está doente. No primeiro plano, ela explica ao menino que irá se ausentar da casa para ir ao hospital por alguns dias. Em seguida, o narrador quer mostrá-la ofegante, com bastante dificuldade de carregar Christy escada acima, até deitá-lo em sua cama. Na sequência, o narrador não mostra, mas deixa a entender que a mãe desmaiou enquanto tentava descer a escada, provocando forte queda. Eis que vemos o garoto juntar forças e, apenas com movimentos parciais da perna esquerda, saltar da cama, rastejar até o pé da escada onde sua mãe estava caída e chutar, com força, a porta de sua casa, na tentativa de conseguir ajuda.

Outra cena construída para mostrar sua bravura é a do futebol na rua, projetada por volta dos 30 minutos do filme. Christy está no final da adolescência, já sendo interpretado por Daniel Day-Lewis, e o narrador quer mostrar que mesmo praticamente paralisado, o jovem consegue se divertir com seus irmãos e vizinhos. Como goleiro, Christy deita para defender uma bola com sua cabeça. Um vizinho, jogador do time adversário, começa a chutar a bola contra a cabeça de Christy, o qual, sem se deixar intimidar pela violência, revida mordendo sua canela. Para fortalecer ainda mais a simpatia do espectador, Christy foi carregado pelo seu irmão até a marca do pênalti para, deitado, usar seu pé esquerdo para marcar um gol.

A criatividade é outra força de Christy. Definida por Park, Peterson e Seligman (2004Park, N., Peterson, C., & Seligman, P. (2004). Strengths of character and well-being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23(5), 603-619., p. 606, tradução nossa) como “Pensar em formas inovadoras e produtivas para fazer as coisas; inclui a realização artística, mas não se limita a ela”4 4 “Thinking of novel and productive ways to do things; includes artistic achievement but is not limited to it”. . É possível retomar a primeira cena utilizada para explicar a bravura para localizar sua criatividade não artística. Nessa cena, é visível a engenhosidade do garoto para se locomover de sua cama até escada abaixo e, ainda, chutar a porta com violência para atrair atenção e conseguir ajuda para sua mãe. Não obstante, é a criatividade artística que melhor define Christy Brown, o artista plástico e escritor do pé esquerdo. O narrador do filme revela, na cena apresentada aos 16 minutos, como foi o primeiro momento em que o garoto consegue segurar um pedaço de giz com seu pé esquerdo e rabiscar. Na cena, o pai está sentado à mesa acompanhando a lição de casa de dois de seus filhos. A menina faz uma pergunta de matemática ao Christy e é repreendida pelo pai. Na sequência, Christy agarra o giz com o pé, fazendo com que a família assista e o encoraje a ‘deixar sua marca’ - exceto o pai, que lamenta o fato dele ser ‘apenas um aleijado’, corroborando com o estigma social delineado por Marques (1998Marques, C. A. (1998). Implicações políticas da institucionalização da deficiência. Educação e Sociedade, 29(62), 105-122.), no qual a deficiência do corpo passa a ser sinônimo de um indivíduo incapaz

Por fim, é notável em Christy sua esperança, força definida por Park, Peterson e Seligman (2004Park, N., Peterson, C., & Seligman, P. (2004). Strengths of character and well-being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23(5), 603-619., p. 606, tradução nossa) como: “Esperar o melhor no futuro, mas trabalhar para alcançá-lo, acreditando que um bom futuro é algo que pode ser conquistado”5 5 “Expecting the best in the future and working to achieve it; believing that a good future is something that can be brought about”. . Provável, contudo, que essa esperança no futuro tenha sido edificada por causa da persistência de sua mãe em acreditar no seu potencial. Na cena que se desenrola a partir dos 17 minutos, vimos a mãe e a irmã mais velha transportando Christy em um carrinho feito de madeira. Ambas riem, Christy ri. O pai também participa da brincadeira, assim como vários dos seus irmãos. O riso e a alegria coletiva parecem terem suscitado-lhe a esperança. Para reforçar a tese de que a mãe foi sua inspiração maior para a esperança, o narrador apresenta a cena, aos 24 minutos de filme, na qual Christy escreve sua primeira palavra com seu pé esquerdo: a palavra ‘mamãe’.

Pinheiro (2004Pinheiro, D. P. N. (2004). A resiliência em questão. Psicologia em Estudo, 9(1), 67-75.) anotou que toda existência humana perpassa por dificuldades e se encontra diante de incertezas e adversidades emocionais, sociais, físicas ou econômicas. Para a autora, a resiliência é um processo de enfrentamento dessas adversidades, sendo esse processo uma capacidade de todas as pessoas, em menor ou maior grau. O que amplia o grau de enfrentamento, explica, é a identificação de pelo menos um sentido para existência, podendo este ser “[...] a capacidade de amar, trabalhar, ter expectativas e projeto de vida” (p. 75). A devoção da mãe de Christy parece ter desencadeado sua capacidade a amar e, assim, despertado o garoto para outros propósitos de vida, principalmente da criatividade artística.

Dessa forma, o narrador vai mostrando o crescimento de Christy, tornando-se jovem e participando das aventuras de adolescente com seus irmãos, se apaixonando e tendo sua primeira decepção amorosa: a garota que recusa sua declaração de amor na forma de desenho e poesia, pois foi caçoada pelas amigas, acusada de estar apaixonada por um aleijado. As cenas subsequentes vão mostrando várias situações de problemas familiares: o desemprego do pai e a necessidade de economizar com comida e carvão (para o aquecimento central da casa), a filha mais velha grávida antes do casamento etc. O tempo vai passando rápido e o narrador optou por elipsar o desenvolvimento motor, da fala e das habilidades artísticas de Christy. Não obstante, boa parte do filme recobre a relação de Christy com a doutora Cole, médica especialista em paralisia cerebral, e todo seu progresso até se tornar um pintor reconhecido pela sua arte. O narrador revela a afeição de Brown pela médica e sua decepção amorosa; expõe seus problemas com álcool e sua personalidade ‘forte’. As cenas finais revelam como ele conheceu sua esposa, em uma cerimônia de lançamento de seu livro autobiográfico.

Com a exposição da vida do personagem Christy Brown, a linguagem transparente do narrador pode permitir que o espectador possa divisar os elementos que permitiram o artista e escritor do pé esquerdo conseguir manter suas forças de bravura, criatividade e esperança, apesar de seu corpo não lhe permitir muito. Sua elevada capacidade resiliente pode ser explicada pelo que Pinheiro (2004Pinheiro, D. P. N. (2004). A resiliência em questão. Psicologia em Estudo, 9(1), 67-75.) nomeou como ‘fatores de proteção’, que são as condições favoráveis à resiliência. Os principais fatores, catalogados em três tipos, são evidentes no filme: (1) condições emocionais individuais, como o engajamento em atividades artísticas; (2) condições familiares, especialmente o amor e apoio incondicional da mãe e a amizade com seus irmãos; e (3) relações de alteridade consistentes, de aceitação, afeto e apoio, existentes primeiro em sua própria casa e, quando mais velho, na clínica da médica especialista, no público que cativou e, ao final, sua esposa.

A cena final parece ter sido projetada para inspirar o espectador, pois nela estão todos os predicados de um ‘viveram felizes para sempre’. Sozinhos, no alto de uma montanha de onde podiam divisar a capital irlandesa, sua noiva recomenda que eles brindem à Dublin, pois é a cidade natal de Christy Brown. Uma música alegre de fundo, um champanhe é estourado e ambos gargalham sua felicidade... eis o último momento do longa-metragem!

Dos buracos negros à resiliência do corpo

Seria o filme A teoria de tudo um filme de PP? Poderia seu enredo inspirar o desenvolvimento humano? As atitudes do protagonista colaboram com a resiliência? Espera-se, no desenrolar desta seção, responder positivamente estas três questões elaboradas a partir da escolha do filme tema para as discussões que entrelaçam o cinema com o desenvolvimento humano positivo e com a resiliência.

À semelhança do filme sobre Christy Brown, o longa A teoria de tudo pretende contar a história de uma pessoa ‘real’. A linguagem transparente também é utilizada pelo narrador, o qual não faz parte de nenhuma tomada do filme. Outro aspecto símile entre os filmes é que ambos foram instigados por livros autobiográficos; a vida de Hawking, contudo, foi romanceada pela esposa Jane Hawking (2014Hawking, J. (2014). A teoria de tudo: a extraordinária história de Jane e Stephen Hawking (Sandra Martha Dolinsky e Júlio de Andrade Filho, trad.). São Paulo, SP: Única.), tornando a narrativa da resiliência do corpo um testemunho observado e não vivido. Mais uma curiosa semelhança entre os filmes é que os atores principais ganharam o Oscar pela interpretação. Não obstante, há uma diferença plena: o personagem Christy Brown foi criado a partir de memórias autobiográficas e de pessoas próximas, pois o filme é póstumo, mas, o personagem Stephen Hawking teve a oportunidade de ser interpretado a partir de memórias contadas e recontadas diretamente pelo Stephen Hawking cientista. Mesmo assim, a história da ‘teoria de tudo’ não pode ser interpretada como um documentário, mas, antes, como uma produção cinematográfica que cria impressões de realidade. Dessa forma, por mais que o ator Eddie Redmayne tenha sido influenciado pela pessoa que iria interpretar, é importante destacar que o Hawking da tela é um personagem.

Parece sensato afirmar que A teoria de tudo apresenta as quatro características de um filme de PP: seu personagem principal expõe suas forças de caráter (de forma equivalente às de Christy Brown) ao enfrentar uma doença degenerativa como claro obstáculo para sua felicidade, ao mesmo tempo em que as atitudes para superação são evidenciadas pelo narrador da história. A quarta característica de um filme de PP é, provavelmente, a mais difícil de se atestar a partir da decomposição e reconstituição da história fílmica, pois pressupõe inferir um tom inspirador.

Como bem alertou Xavier (1983Xavier, I. (1983). Introdução. In I. Xavier (Org.), A experiência do cinema: antologia (p. 19-24). Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal.), quem assiste a um filme não é um ‘elemento passivo’, pois participa da trama revivendo conscientemente, mesmo na posição passiva de um espectador, situações análogas de suas próprias experiências no mundo exterior. Isso tudo, explica o autor, confere ao cinema uma posição estética privilegiada, já que a imagem colorida, sonora e em movimento é capaz de relativizar e até mesmo amenizar aspectos da vida particular do espectador, levando-o a partilhar sua vivência com os personagens e/ou aprender com a impressão de realidade criada a lidar com sua própria realidade vivida. Dessa forma, parece que a quarta característica de um filme de PP recai em uma subjetividade que o cinema (produtores, roteiristas, atores etc.) não consegue dar conta. Ainda assim, pode ser sensato tentar localizar possíveis tentativas inspiradoras em um filme. Em A teoria de tudo, os mecanismos de superação de Stephen podem ser qualificados como uma estratégia inspiradora, conferindo ao longa-metragem essa característica positiva.

A primeira meia-hora do filme parece ter como missão fazer com que o espectador crie laços de afeto com o personagem. Isso porque as cenas vão sendo construídas de forma a demonstrar os desafios acadêmicos de um estudante universitário e seus esforços para cortejar uma colega universitária. São cenas inconclusivas, elaboradas para que a maioria dos espectadores permaneça entretida, torcendo para que Stephen encontre seu potencial acadêmico e, mais importante, inicie um relacionamento afetivo, amoroso com Jane, do tipo ‘felizes para sempre’. Essas cenas correspondem às ideias de Munsterberg (1983Munsterberg, H. (1983). As emoções. In: I. Xavier (Org.), A experiência do cinema: antologia (p. 25-54). Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal., p. 27), as quais devem “[...] despertar vestígios de experiências anteriores, mobilizar sentimentos e emoções, atiçar a sugestionabilidade, gerar ideias”. Aliás, o próprio autor retoma essa reflexão, para expressar que o cinema deve ter como meta “[...] retratar as emoções” (p. 46).

Um filme de PP deve, portanto, expressar emoções positivas. Fredrickson (2003Fredrickson, B. L. (2003). The value of positive emotions. American Scientist, 91(4), 330-335.) já havia apontado a dificuldade de se pesquisar tais emoções, isso porque as positivas, explica a autora, são em menor número e muito similares, como alegria, diversão e prazer. Por outro lado, raiva, medo e tristeza - emoções negativas - são amplamente distintas e fáceis de serem reconhecidas, seja por quem as sente, seja pelas expressões faciais que elas provocam. A autora ainda anota que, para cada emoção positiva, existem três ou quatro negativas. Tudo isso apenas amplia o desafio de um filme de PP, pois uma emoção negativa, destaca Fredrickson (2003)Fredrickson, B. L. (2003). The value of positive emotions. American Scientist, 91(4), 330-335., cria o impulso de agir de acordo com o que se sente. De forma bem simplista, pode-se dizer que é mais fácil fazer com que o espectador se identifique mais rapidamente com uma emoção negativa, seja porque as emoções negativas excedem em quantidade, seja porque a reconhece na expressão do personagem.

Munsterberg (1983Munsterberg, H. (1983). As emoções. In: I. Xavier (Org.), A experiência do cinema: antologia (p. 25-54). Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal.) já havia reconhecido dois tipos de emoções organizadas pelo cinema: as que comunicam os sentimentos dos personagens e aquelas que um filme suscita dentro de cada espectador. A primeira é evidente tanto pela trama quanto pelas expressões dos atores. A segunda, por sua vez, é tão subjetiva que pode, inclusive, ser oposta às sentidas pelos personagens. Isso quer dizer que uma cena de tristeza pode causar alegria a um espectador e vice-versa. Sobre essa emoção, subjetivamente instaurada pela projeção, não é possível haver nenhum tipo de controle ou previsão. Por isso, a decomposição e a restituição de um filme somente podem ser feitas a partir da emoção comunicada pelos personagens.

Os personagens, para Munsterberg (1983Munsterberg, H. (1983). As emoções. In: I. Xavier (Org.), A experiência do cinema: antologia (p. 25-54). Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal., p. 51), atribuem valor e significado a um filme, pois são, segundo o autor, “[...] sujeitos de experiências emocionais”. Vivem, mesmo na realidade imaginada, as mais diversas situações e, com elas, sofrem, temem, se entristecem, riem... fazendo com que os espectadores, na sua maioria, se simpatizem com quem sofre, se indignem com quem é traído, sorriam com as alegrias e vibrem com as conquistas. Isso porque, explica Munsterberg (1983Munsterberg, H. (1983). As emoções. In: I. Xavier (Org.), A experiência do cinema: antologia (p. 25-54). Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal., p. 51), “[...] a percepção visual das várias manifestações dessas emoções se funde em nossa mente com a consciência da emoção manifestada; é como se estivéssemos vendo e observando diretamente a própria emoção”. Assim sendo, fica mais notável que o narrador da ‘teoria de tudo’ pretende compartilhar emoções positivas no primeiro quartil do filme, mostrando os impasses do jovem Stephen perante sua tese de doutoramento e todo o galanteio com a jovem estudante de literatura medieval.

As cenas que o narrador usa para elevar o afeto com o personagem Stephen demonstram várias forças de caráter, conforme descritas por Park, Peterson e Seligman (2004Park, N., Peterson, C., & Seligman, P. (2004). Strengths of character and well-being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23(5), 603-619., p. 606, tradução nossa). Ao tentar conquistar Jane e descobrir um tema para desenvolver sua tese, vê-se o jovem sempre de bom humor, força definida pelos autores como “[...] gostar de rir e gracejar; fazer com que as pessoas sorriam; ver o lado positivo das coisas; fazer graça (não necessariamente contando piadas)”6 6 “ […] liking to laugh and tease; bringing smiles too ther people; seeing the light side; making (not necessarily telling) jokes”. . Outra força bastante evidente é o amor, cuja definição dos autores é “[...] valorizar relações estreitas com os outros, em particular aqueles em que a partilha e o cuidado são recíprocos; estar perto das pessoas”7 7 “[…] valuing close relations with others, in particular those in which sharing and caring are reciprocated; being close to people”. .

Dessa maneira, a afeição pelo jovem personagem Stephen Hawking vai sendo garantida pela forma bem-humorada com que leva a vida, gostando de estar com os amigos e com eles se divertir, tratando com seriedade a difícil tarefa de definir sua linha de estudos e, principalmente, planejando meios de se aproximar da garota por quem se sentia apaixonado. No entanto, quando acertada sua vontade de desenvolver uma teoria a respeito do início do universo a partir de um buraco negro, e quando a garota foi conquistada depois de lindo passeio pelo baile universitário, eis o momento oportuno de o narrador revelar, dramaticamente, a queda violenta, no meio do campus universitário, ocasionada pela sua dificuldade de controlar as próprias pernas. Essa queda o levou ao hospital onde, depois de dramática bateria de exames, Stephen seria apresentado ao seu maior obstáculo de vida: o diagnóstico de sua doença degenerativa, acompanhado de um prognóstico de dois anos de vida. Sofria de Esclerose Lateral Amórfica (ELA), uma doença que acomete o sistema motor, causando, segundo Bandeira et al. (2010Bandeira, F. M. et al. (2010). Avaliação da qualidade de vida de pacientes portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em Brasília. Revista Neurociencias, 18(2), 133-138., p. 134), um declínio funcional nas extremidades, membros, tronco, musculatura da faringe e respiratória, “[...] culminando na incapacidade definitiva para a realização das atividades de vida diárias”.

O médico lhe explica sua situação quando ambos estão sentados em cadeiras no corredor do hospital. Ao saber que perderia controle sobre seus movimentos voluntários, preocupa-se com seu cérebro o qual, segundo o médico, não seria afetado, o que não faria diferença, pois Stephen perderia a habilidade de falar e qualquer outra forma de comunicação. Na sequência, depois de sentenciar sua curta expectativa de vida sem qualidade, o médico levanta, lhe dá as costas e desaparece da cena. Stephen permanece sentado, atônito, sozinho - literalmente, sem a presença de ninguém no corredor do hospital - como se a notícia afetasse a ele somente. Se uma das características de um filme de PP é a exposição clara de um (ou mais) obstáculo(s) que exija(m) força máxima para ser(em) superado(s), as cenas vividas por Stephen no hospital e a notícia de sua condição de saúde deixam a nu essa condição.

Se Christy Brown teve sua mãe como maior responsável pela partilha da força ‘esperança’, Stephen Hawking foi capaz de exibir sua esperança na máxima potência graças à jovem Jane Wilde, que não permitiu que a descoberta da doença fosse suficiente para extinguir a paixão que sentiam um pelo outro. Dessa maneira, o narrador toma as cenas subsequentes para exibir forças de caráter da moça, tais como persistência, esperança e bravura, além de grande entusiasmo (zest), qualificado por Park, Peterson e Seligman (2004Park, N., Peterson, C., & Seligman, P. (2004). Strengths of character and well-being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23(5), 603-619., p. 606, tradução nossa) da seguinte maneira “[...] abordar a vida com emoção e energia; não fazer as coisas pela metade ou sem vontade; viver a vida como uma aventura; sentir-se vivo e ativo”8 8 “[…] approaching life with excitement and energy; not doing things halfway or half heartedly; living life as an adventure; feeling alive and activated. .

A princípio, parece apenas que Jane está interessada na vida. Ela quem se mostra disposta a enfrentar os obstáculos, por mais difíceis que sejam, para mantê-los juntos e entusiasmados com a vida. Aos 38 minutos, o narrador revela as cenas do casamento e, na sequência, os cuidados com o primogênito, os avanços nos estudos e suas pesquisas, o nascimento da filha etc. O narrador escolhe momentos positivos para retratar a vida do casal Hawking e, em nenhum momento, qualquer personagem expressa o fato de que Stephen já havia superado a expectativa de dois anos de vida, como que se estivesse reservando essa constatação para o espectador. Com isso, portanto, parece que o personagem Stephen Hawking concorda com Fredrickson (2003Fredrickson, B. L. (2003). The value of positive emotions. American Scientist, 91(4), 330-335.) e que emoções positivas ampliam a longevidade, fazem bem ao momento presente, além de reduzir os danos físicos ao sistema cardiovascular, ocasionados por emoções negativas.

Sentir-se bem, notou Fredrickson (2003Fredrickson, B. L. (2003). The value of positive emotions. American Scientist, 91(4), 330-335., p. 334, tradução nossa, grifo do autor), “[...] [sentir-se bem] pode transformar pessoas para melhor, tornando-as mais otimistas, ‘resilientes’ e socialmente conectadas”9 9 “[…] can transform people for the better, making them more optimistic, ‘resilient’ and socially connected”. . A autora reforça que as emoções positivas são o ingrediente mais fundamental para a resiliência, mas que essas dependem de um significado positivo para a vida. Stephen parece demonstrar isso desde os tempos em que era um jovem estudante de pós-graduação, pois, logo no começo do filme ele revela a vontade de encontrar uma simples (e elegante) equação capaz de explicar o mundo. Mesmo doente, recebendo a notícia de perda gradativa de controle do próprio corpo, sua maior preocupação era com sua mente, pois precisaria dela para encontrar a tal equação que iria dar conta de tudo. Isso revela que Stephen tinha encontrado sentido maior para sua existência, por isso não estava disposto a abandonar seu propósito por causa de seu corpo que, eventualmente, entraria em colapso devido a uma condição orgânica inexplicável.

Fredrickson (2003Fredrickson, B. L. (2003). The value of positive emotions. American Scientist, 91(4), 330-335.) cunhou o termo teoria broaden-and-build (ampliar e construir, que pode ser compreendida como a teoria ampliada das emoções positivas), para explicar como as emoções positivas afetam o comportamento humano. Segundo a autora, mesmo quando discretas, as emoções positivas ampliam a percepção do momento e o pensamento, aumentam o repertório de comportamentos e ajudam a construir os recursos pessoais perenes, sejam estes intelectuais, psicológicos e, até mesmo, sociais. O narrador da ‘teoria de tudo’ permite que o espectador acompanhe a ampliação das emoções positivas de Stephen e sua esposa, bem como a construção de novas emoções, demonstrando, pela linguagem cinematográfica, como seria possível vivenciar a teoria broaden-and-build, mesmo diante de diversidades impostas pela vida. Mas, logo após conquistar seu merecido título de doutor em física, reunido com esposa e amigos para um jantar em sua casa, brindando sua conquista, batendo papo, rindo... Stephen é acometido por certa tristeza. Sua dificuldade ao participar da refeição é tomada como grande desafio, em especial ao reparar que todos conseguem manusear facas e garfos - uma tarefa corriqueira, cuja habilidade não é valorizada pelas pessoas... até que seja gradativamente perdida. O personagem deixa a mesa com certa dificuldade, mas ninguém o segue. Tenta subir as escadas, mas fracassa, triste, tomando cuidado para não permitir que o filho, ainda bebê, divise suas lágrimas por vir. Era preciso garantir-lhe que estava tudo bem.

As cenas seguintes vão revelando como Stephen consegue ir mantendo o bom humor, conforme seu corpo vai lhe dificultando o cotidiano. Não pode mais subir as escadas para o quarto, não é mais capaz de se vestir sozinho, sendo dependente da esposa para praticamente todas as atividades. Exceto pensar cosmologia, talvez sua grande paixão da vida, permitindo com que a doença fosse tomada como pano de fundo de sua existência. Nasce sua filha. Sua cadeira de rodas ganha motor elétrico. Suas ideias a respeito do universo são apresentadas para os grandes acadêmicos e, dessa forma, o jovem doutor vai ganhando notoriedade pelas ideias brilhantes. Continuava a busca por uma única elegante equação, capaz de explicar tudo: da origem do universo até o da previsão do seu término.

Assim, o desenrolar da vida do casal e do professor Hawking vão sendo contados pela linguagem do narrador. De um lado, a leveza da vida com que Stephen vai encarando sua doença e as verdades do mundo da ciência. Do outro, as dificuldades de Jane lidar com o cotidiano do marido, dos filhos, da casa, e do seu sonho de estudar literatura sendo colocado em apenso, por causa das contingências da vida que ela decidiu levar. Jane conhece um moço no coral da igreja e por ele se apaixona. A paixão é recíproca, mas eles não podem viver esse amor. O narrador revela a força de Jane ao manter-se fiel à sua família e permanecer ao lado do marido que, mesmo com seu corpo debilitado, não se deixava abater... e foi convidado para viajar para Bordeaux, para ouvir a orquestra tocando as composições de Wagner - que sempre lhe acompanhavam nos estudos. No teatro, seu corpo convalesce mais um pouco, perdendo sua habilidade de fala.

Dessa forma, vai se evidenciando a fundamental participação dos fatores de proteção familiar e social na capacidade resiliente de Stephen, conforme prenunciado por Ungaretti (2013Ungaretti, M. S. (2013). Revisão literária sobre a relação de resiliência com conceitos psicanalíticos. Diaphora, 13(1), 63-69.). Segundo a autora, a resiliência é sempre situacional e sua estruturação na vida de um indivíduo depende muito da quantidade e qualidade dos acontecimentos e sua relação com os fatores de proteção, especialmente no contato com o outro. Ungaretti (2013Ungaretti, M. S. (2013). Revisão literária sobre a relação de resiliência com conceitos psicanalíticos. Diaphora, 13(1), 63-69., p. 67) chama a atenção para a qualidade no atendimento às necessidades, pois, pessoas que desenvolvem alta força resiliente “[...] contaram com a presença de figuras significativas e estabeleceram vínculos, seja de apoio ou de admiração”. Esse apoio encontrado no outro passa a ser algo capital no fortalecimento da autoestima e autoconfiança.

Jane e Stephen se separaram e continuaram suas vidas com outros companheiros. Mas, o narrador do cinema quis manter um tom inspirador e uniu o casal e os filhos para as cenas finais, no castelo da rainha da Inglaterra, para a ordenação de Stephen Hawking como cavaleiro britânico. No jardim do castelo, os três filhos brincam, com muita alegria, enquanto Jane e Stephen conversam. Ela explica que ele pode declinar o título e agradece pelo dia e por tudo o que viveram. Stephen pede para ela ver o que eles construíram juntos: uma família. E, como na teoria do buraco negro, algumas emblemáticas imagens são rapidamente apresentadas em reverso, do jardim da rainha até o momento em que, no filme, os olhares de Stephen e Jane se cruzaram pela primeira vez: o final do universo será igual seu final. Eis a teoria de tudo: uma inspiração para superar as dificuldades da vida pelo amor e pelos sonhos.Ainda que Stephen tenha demonstrado os sintomas da doença ao longo do filme, os quais incluem, segundo Bandeira et al. (2010Bandeira, F. M. et al. (2010). Avaliação da qualidade de vida de pacientes portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em Brasília. Revista Neurociencias, 18(2), 133-138.), distúrbios motores que inibem a fala e a deglutição (causando desde engasgos com frequência até pneumonia), bem como desintegram movimentos voluntários e automáticos, o personagem não se deixou abater - não se percebeu deficiente, nem debilitado pelo próprio corpo, perseguindo seu sonho de cientista. Contrariando a literatura, como em Mello (2009Mello, M. P. et al. (2009). O paciente oculto: qualidade de vida entre cuidadores e pacientes com diagnóstico de E. L. A. Revista Brasileira de Neurologia, 45(4), 5-16.), por exemplo, a perda de sua independência funcional não foi capaz de impedir que vivesse sua vida com qualidade. No filme, seus fatores de proteção e seu trabalho se mostraram importantes elementos para resiliência de um corpo que poderia limitar sua própria vida.

A superação de Christy e Stephen inspiram a resiliência

Não basta, pois, isolar a projeção de um lado, a identificação do outro e, por último, as transferências recíprocas. É necessário considerar igualmente o complexo de projeção-identificação, o qual implica essas mesmas transferências. É o complexo projeção-identificação-transferência que comanda todos os chamados fenômenos psicológicos subjetivos, ou seja, os que traem ou deformam a realidade objetiva das coisas, ou então se situam, deliberadamente, fora desta realidade (estados da alma, devaneios) (Morin, 1983Morin, E. (1983). A alma do cinema. In I. Xavier(Org.), A experiência do cinema: antologia (p. 145-172). Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal., p. 146-147).

Quando Edgar Morin (1983Morin, E. (1983). A alma do cinema. In I. Xavier(Org.), A experiência do cinema: antologia (p. 145-172). Rio de Janeiro, RJ: Edições Graal.) escreveu sobre a ‘alma’ do cinema, ele reconheceu que não há uma linearidade direta entre a vida criada dos personagens e a vida concreta dos espectadores. Isso quer dizer que o processo de identificação com as cenas inspiradoras de um filme de PP não é algo tão simples: não é bastante projetar a felicidade na tela para que as pessoas aprendam a serem felizes. Para complicar ainda mais a relação do espectador com um personagem do cinema, Morin (1983, p. 147) alertou que o complexo tripartido projeção-identificação-transferência acontece amiúde na experiência de cada um, mesmo que não se vá ao cinema ou assista a um filme cinematográfico. No entanto, o autor defende o cinema como potencial repositório para o desenvolvimento humano, pois a “[...] imagem do cinema é real o suficiente para atestar que sua percepção é capaz de originar a projeção-identificação-transferência [...]”. Eis, então, que o cinema pode ser considerado como propôs Mariás (1995)Mariás, J. (1955). La imagen de la vida humana. Buenos Aires, AR: Emece Editores., ou seja, como uma metafórica janela. Isso porque as cenas são horizontes que os espectadores podem divisar; mas, fazer agir em direção ao que foi avistado, já não cabe ao cinema.

As vidas narradas dos dois personagens aqui tomados como motivadores para a resiliência foram criadas para inspirar a superação. Christy nasceu praticamente paralisado e foi identificando meios criativos de fazer parte da família, ao mesmo tempo em que cultivava sua habilidade de desenhar e pintar. Stephen foi acometido por uma doença degenerativa no início da sua juventude, tendo sido apresentado a uma vida curta e sem qualidade, mas, descobrir os segredos do universo lhe parecia mais importante que padecer.

O cinema, portanto, habilita o florescimento de novas perspectivas na medida em que revela ao espectador os mecanismos utilizados, tanto por Christy, quanto por Stephen - personagens - para superar obstáculos aparentemente intransponíveis para uma vida plena: a imobilidade quase totalitária de seu próprio corpo. Obstáculos sociais, inclusive, pois, como demonstra Santos (2010)Santos, W. (2010). O que é incapacidade para a proteção social brasileira? In D. Diniz, M. Medeiros, & L. Barbosa (Org.), Deficiência e igualdade(p. 173-192). Brasilia, DF: Letras Livres., a deficiência se tornou mais um elemento de desigualdade cultural, assim como há preconceitos étnicos, de gênero, sexualidade etc., há também a crença de que um corpo deficiente representa um indivíduo menos capaz. As narrativas evidenciam forças de caráter que podem mobilizar, no espectador, um todo complexo projeção-identificação-transferência. Tomando como foco a possível existência de um espectador padrão, capaz de olhar para o cinema-janela e divisar sua própria existência, as vidas narradas nos filmes Meu pé esquerdo e A teoria de tudo são exemplos para estimular as forças de caráter.

A PP encontrou em Yearly (1990Yearly, L. H. (1990). Mencius and Aquinas: theories of virtue and conceptions of courage. Albany, NY: State of New York University Press., p. 13, tradução nossa) uma definição para a força de caráter, sendo “[...]uma disposição para agir, desejar e sentir que envolve o exercício do julgamento e leva a uma excelência humana reconhecida ou a um exemplo de florescimento humano”10 10 “[...] a disposition to act, desire, and feel that involves the exercise of judgment and leads to a recognizable human excellence or instance of human flourishing. . Debruçando-se sobre essa definição, Park, Peterson e Seligman (2004Park, N., Peterson, C., & Seligman, P. (2004). Strengths of character and well-being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23(5), 603-619.) explicam que, para a PP, as forças de caráter são plurais, ou seja, envolvem uma série de traços positivos intencionais, cujos pontos fortes do indivíduo são não apenas reconhecidos pela própria pessoa, como sobre eles pode refletir, partilhar e colocá-los dentro de um plano de vida. Eis, então, como os personagens Christy Brown e Stephen Hawking ajudam a compreender a resiliência como uma força de caráter, afinal, ambos demonstram atitudes de superação dentro de um plano muito maior para suas vidas do que apenas sobreviver. Superam o rótulo social de incapazes, e revelam o que Medeiros, Diniz e Barbosa (2010Medeiros, M., Diniz, D., & Barbosa, L. (2010). Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In D. Diniz, M. Medeiros, & L. Barbosa (Org.), Deficiência e igualdade(p. 9-18). Brasilia, DF: Letras Livres., p. 13) já tinham anotado: “[...] deficiência não é um conceito neutro que descreve corpos com impedimentos, mas o resultado da interação do corpo com impedimentos com ambientes, práticas e valores discriminatórios”.

Mais do que isso, ambos exibem, na sua superação, características similares que ajudam a compor a resiliência como mais uma força de caráter do rol da PP. Isso porque os filmes mostram que suas ações permitiram alcançar os seguintes traços de uma força de caráter, conforme Park, Peterson e Seligman (2004Park, N., Peterson, C., & Seligman, P. (2004). Strengths of character and well-being. Journal of Social and Clinical Psychology, 23(5), 603-619.): (a.) promoveram realização (fulfilling), na medida em que foram fundamentais para a satisfação pessoal e construção de sua própria felicidade; (b.) não obscureceram os outros (do not diminish others), ou seja, reconheceram as participações daqueles que estiveram presentes - a mãe de Christy e a primeira esposa, Jane; (c.) eram traços de sua personalidade (traitlike), pois conseguiram manter sua força, mesmo com alguns baixos ao longo da narrativa; e (d.) podem ser considerados prodígios (prodigies), pois demonstraram atitudes de superação ainda criança (no caso de Christy), ou jovem (no caso de Stephen).

Dessa forma, pode-se afirmar que a impressão de realidade criada pelos narradores dos filmes Meu pé esquerdo e A teoria de tudo servem a um possível devir de realidade vivida, na medida em que ambos protagonistas inspiram a superar obstáculos da vida. Afinal, sua imobilidade e degeneração não foram suficientes para permitir que sua existência fosse mera refração da sobrevivência orgânica, pois os dois conseguiram construir e consolidar sua presença no mundo de uma forma muito positiva.

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  • 3
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  • 4
    “Thinking of novel and productive ways to do things; includes artistic achievement but is not limited to it”.
  • 5
    “Expecting the best in the future and working to achieve it; believing that a good future is something that can be brought about”.
  • 6
    “ […] liking to laugh and tease; bringing smiles too ther people; seeing the light side; making (not necessarily telling) jokes”.
  • 7
    “[…] valuing close relations with others, in particular those in which sharing and caring are reciprocated; being close to people”.
  • 8
    “[…] approaching life with excitement and energy; not doing things halfway or half heartedly; living life as an adventure; feeling alive and activated.
  • 9
    “[…] can transform people for the better, making them more optimistic, ‘resilient’ and socially connected”.
  • 10
    “[...] a disposition to act, desire, and feel that involves the exercise of judgment and leads to a recognizable human excellence or instance of human flourishing.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2018
  • Aceito
    27 Mar 2019
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