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SÍNDROME DE DOWN: IRMÃOS FAZEM DIFERENÇA NA QUALIDADE DE VIDA DOS PAIS?

SÍNDROME DE DOWN: ¿HERMANOS HACEN DIFERENCIA EN LA CALIDAD DE VIDA DE LOS PADRES?

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar e discutir a influência da presença de irmãos com desenvolvimento típico na qualidade de vida (QV) de pais de adolescentes com síndrome de Down (SD). Tratou-se de um estudo qualitativo, transversal, descritivo e exploratório. A amostra foi formada por 25 famílias representadas por um cuidador, com filhos em idade entre dez e 19 anos. Essas famílias foram divididas em dois grupos: a) grupo de pais com filhos únicos com SD (GSDU) e b) grupo de pais com filhos com SD e outro (os) filho (os) com desenvolvimento típico (GSDI). Os participantes responderam à entrevista semiestruturada, cujo roteiro focalizava temas como o planejamento familiar, presença do irmão na família, relações entre os irmãos (para GSDI), o futuro do filho com SD e aspectos referentes aos sentimentos dos pais diante do nascimento do filho e da notícia. Os dados foram coletados em um único encontro, individualmente, com duração aproximada de 30 minutos. Os resultados evidenciam que a presença de irmãos com desenvolvimento típico pode mudar a estrutura e a dinâmica familiar, porém, não de forma a influenciar a melhor QV, já que os relatos de ambos os grupos foram muito parecidos.

Palavras-chave:
Síndrome de Down; qualidade de vida; cuidadores

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue evaluar y discutir la influencia de la presencia de hermanos con desarrolloDesarrollo Desarrollo en la adoscencia. World Health Organization. [s.d.]. Disponível em<Disponível emhttp://www.who.int/maternal_child_adolescent/topics/dev/es/ >. Acesso em 10 ago. 2017.
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típico en la calidad de vida (CV) de padres de adolescentes con síndrome de Down (SD). Se trata de un estudio cualitativo, transversal, descriptivo y exploratorio. La muestra fue formada por 25 familias representadas por un cuidador, con hijos en edad entre 10 y 19 años. Estas familias fueron divididas en dos grupos: a) grupo de padres con hijos únicos con SD (GSDU) y b) grupo de padres con hijos con SD y otro (s) hijo (s) con desarrollo típico (GSDI). Los participantes respondieron a la entrevista semiestructurada, cuyo itinerario enfocaba temas como la planificación familiar, presencia del hermano en la familia, relaciones entre los hermanos (para GSDI), el futuro del hijo con SD y aspectos referentes a los sentimientos de los padres ante el nacimiento del hijo y de las noticias. Los datos fueron recolectados en un solo encuentro, individualmente, con una duración de cerca de 30 minutos. Los resultados evidencian que la presencia de hermanos con desarrollo típico puede cambiar la estructura y la dinámica familiar, pero no para influir en una mejor CV, ya que los relatos de ambos grupos fueron muy parecidos.

Palabras clave:
Síndrome de Down; calidad de vida; cuidadores

ABSTRACT

The objective of this study was to evaluate and to discuss the influence of the presence of siblings with typical development on the quality of life (QoL) of parents of adolescents with Down Syndrome (DS). It was a qualitative, cross-sectional, descriptive and exploratory study. The sample consisted of 25 families represented by the caregiver with children aged from 10 to 19 years old. These families were divided in two groups: a) a group of parents with single child with DS (GDSU) and b) group of parents with children with DS and other(s) with typical development (GDSI). Participants answered the semi structured interview whose script focused on topics such as family planning, the presence of the sibling in the family, relationships among the siblings (for GDSI), the future of the child with DS, and aspects related to the parents' feelings about the birth of the child and of the news on his coming to their family. Data were collected, individually, in a single meeting with approximately 30 minutes of duration. The results indicate that the presence of siblings with typical development can change the family structure and dynamics, but not in order to influence a better QoL, since the reports of both groups were very similar.

Keywords:
Down syndrome; quality of life; caregivers

Introdução

O diagnóstico de uma deficiência em seus filhos é uma das revelações mais inesperadas e quiçá bruscas, o qual muda a vida dos pais e da família (Chambers & Chambers, 2015Chambers, H. G., & Chambers, J. A. (2015). Effects of caregiving on the families of children and adults with disabilities. Physical Medicine and Rehabilitation Clinics of North America, 16(1), 1-19. Recuperado de: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1047965114001016?via%3Dihub. doi: 10.1016/j.pmr.2014.09.004
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). Um lado do impacto emocional se dá por essas crianças terem uma influência sobre a vida familiar, já que necessitarão de cuidados extra durante toda sua vida, os quais serão (mais frequentemente) fornecidos pelos pais (Geok, Abdullah, & Kee, 2013Geok, C. K., Abdullah, K. L., & Kee, L. H. (2013). Quality of life among Malaysian mothers with a child with Down syndrome. International Journal of Nursing Practice, 19(4), 381-389. Recuperado de: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23915407. doi:10.1111/ijn.12083
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).

A experiência dos pais ao receber a notícia é variável. Depende da forma como é realizada, sendo muito importante as pessoas que estão envolvidas nesse momento, o local, a linguagem utilizada e as informações fornecidas. Quando estes aspectos são inadequados, são gerados sentimentos contrários à alegria do nascimento de um filho, tornando difícil o processo de ligação com o recém-nascido (Paul, Cerda, Correa, & Lizama, 2013Paul, M. A., Cerda, J., Correa, C., & Lizama, M. (2013). ¿Cómo reciben los padres la noticia del diagnóstico de su hijo con síndrome de Down?. Revista médica de Chile, 141(7). Recuperado de: https://scielo.conicyt.cl/pdf/rmc/v141n7/art07.pdf. doi:10.4067/S0034-98872013000700007
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).

O momento da descoberta é o mais difícil para essas famílias, que podem experimentar sentimentos e reações variados. Esses podem ser influenciados por variáveis indiretas como recurso financeiro, tipo de deficiência da criança e rede social de apoio. No que se refere aos irmãos sem deficiência, esses sentimentos podem ser ambivalentes e contraditórios, como inveja, ciúmes, tristeza, vergonha, felicidade com comportamentos de carinho e afetos recebidos pelo irmão com deficiência (Pereira-Silva & Almeida, 2014Pereira-Silva, N. L., & Almeida, B. R. (2014). Reações, sentimentos e expectativas de famílias de pessoas com necessidades educacionais especiais. Psicologia Argumento, 32(79), 111-122. Recuperado de:https://www.researchgate.net/publication/279750795. doi: 10.7213/psicol..argum.32.s02.AO10
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).

Ter um filho com distúrbio do desenvolvimento pode afetar a qualidade de vida (QV) familiar. QV é um sentimento subjetivo do indivíduo para a melhoria de vida, bem como a satisfação e felicidade na vida. Isso inclui o bem-estar físico, estado psicológico, relações sociais dentro e fora da família, os efeitos ambientais e as crenças (Tekinarslan, 2013Tekinarslan, I. C. A. (2013). Comparison study of depression and quality of life in Turkish mothers of children with Down syndrome, cerebral palsy, and autism spectrum disorder. Psychological Reports, 112(1), 266-287. Recuperado de: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23654042. doi:10.2466/21.02.15.PR0.112.1.266-287
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).

Para compreender melhor a dinâmica familiar, é necessário focalizar todos os subsistemas, incluindo, além dos subsistemas parental e conjugal, o de irmão-irmão e avós-netos, considerados relevantes (Silva & Dessen, 2006Silva, N. L. P., & Dessen, M. A. (2006). Padrões de interação geitores-crianças com e sem síndrome de Down. Psicologia : Reflexão e Crítica, 19(2). Recuperado de:http://www.scielo.br/pdf/prc/v19n2/a15v19n2.pdf. doi: 10.1590/S0102-79722006000200015
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). Esse sistema é composto por relações recíprocas nas quais a criança contribui ativamente nessa interação; cada membro do sistema influencia e é influenciado por todos os outros (Dessen, 1997Dessen, M. A. (1997). Desenvolvimento familiar: transição de um sistema tríadico para poliádico. Temas em Psicologia, 5(3). Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v5n3/v5n3a06.pdf
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). Deste modo, qualquer criança ao nascer altera as relações familiares; afinal, é um novo membro que se apresenta com as suas características próprias e interfere diretamente no ambiente onde irá viver, impondo novos papéis (Pereira & Fernandes, 2010Pereira, A. P. A., & Fernandes, K. F. (2010). A visão que o irmão mais velho de uma criança diagnosticada com síndrome de Down possui da dinâmica da sua família. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 10(2), 507-529. Recuperado de: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=451844632014. doi: 10.12957/2010.8980
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). Portanto, a família não deve mais ser vista como um conjunto de díades separadas, e é necessário salientar como esta criança é inserida no sistema familiar e como este os acomoda (Dessen, 1997Dessen, M. A. (1997). Desenvolvimento familiar: transição de um sistema tríadico para poliádico. Temas em Psicologia, 5(3). Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v5n3/v5n3a06.pdf
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).

Historicamente, no âmbito familiar, o cuidado às pessoas com alguma dependência é realizado essencialmente por seus familiares, denominados de cuidadores informais. Esse cuidar pode apresentar diferentes dificuldades dependendo do tipo de deficiência e dependência, acarretando impacto sobre o núcleo familiar e podendo afetar negativamente a QV do cuidador familiar principal (Amendola, Oliveira, & Alvarenga, 2008Amendola, F., Oliveira, M. A. C., & Alvarenga, M. R. M.(2008). Qualidade de vida dos cuidadores de pacientes dependentes no programa de saúde da família do município de São Paulo. Texto & Contexto-Enfermagem, 17(2), 266-272. Recuperado de:http://www.scielo.br/pdf/tce/v17n2/07.pdf. doi:10.1590/S0104-07072008000200007
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).

As pessoas com Síndrome de Down (SD) desenvolvem-se de forma mais lenta, e necessitam de maior dedicação, principalmente dos pais, o que acaba por gerar mudanças na rotina, causando alterações funcionais, estruturais e emocionais em todos os membros da família, podendo influenciar na QV de todos eles. A maioria dos estudos apontam a mãe como a figura que desempenha mais frequentemente o papel de cuidador, a qual fica com a responsabilidade de prestar assistência física, emocional, medicamentosa e, algumas vezes, financeira (Oliveira & Limongi, 2011Oliveira, E. F., & Limongi, S. C. O. (2011). Qualidade de vida de pais/cuidadores de crianças e adolescentes com síndrome de Down. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 23(4), 321-327. Recuperado de:http://www.scielo.br/pdf/jsbf/v23n4/v23n4a06.pdf. doi: 10.1590/S2179-64912011000400006
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).

Segundo King, Zwaigenbaum, Bates, Baxter e Rosenbaum (2012King, G., Zwaigenbaum, L., Bates, A., Baxter, D., & Rosenbaum, P. (2012). Parent views of the positive contributions of elementary and high school-aged children with autism spectrum disorders and Down syndrome. Child Care Health and Development, 38(6), 817-828. Recuperado de: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21916929. doi: 10.1111/j.1365-2214.2011.01312.x
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), diversos estudos têm focado nos aspectos negativos da criação de uma criança com deficiência ao invés das alegrias que essa experiência, embora desafiante, pode fornecer. Porém há um interesse recente nas contribuições positivas que essas crianças podem trazer para cada família, principalmente em relação a conceitos psicológicos. Considerando a literatura consultada, o objetivo deste estudo foi avaliar a influência da presença de irmãos com desenvolvimento típico na QV de pais de adolescentes com SD, discutindo qualitativamente a presença de irmãos na família no que se refere ao planejamento familiar e futuro do filho com SD.

Método

Este estudo foi de caráter exploratório, transversal e descritivo, na linha de investigação qualitativa. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Paulista - UNIP em 08 de junho de 2017, sob o parecer número 2.109.032.

Os cuidadores principais (pai ou mãe) de adolescentes com SD foram selecionados a partir de uma amostragem de conveniência, utilizando-se também a técnica de amostragem por saturação. Participaram do estudo 25 famílias representadas por um cuidador, cujo critério de inclusão era ter um filho com SD em idade entre dez e 19 anos, do sexo masculino ou feminino. Essas famílias foram divididas em dois grupos: a) grupo de pais com filhos únicos com síndrome de Down (GSDU) representadas por 11 pais ou mães e b) grupo de pais com filhos com síndrome de Down e outro (os) filho (os) com desenvolvimento típico (GSDI), representada por 14 mães. Essa faixa etária é definida como adolescência pela classificação da Organização Mundial de Saúde (World Health Organization [WHO], 2017World Health Organization [WHO]. Desarrollo en la adoscencia. 2017. Recuperado de: http://www.who.int/maternal_child_adolescent/topics/dev/es/
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). Os critérios de exclusão foram pais de adolescentes institucionalizados (residentes), hospitalizados e com outras comorbidades associadas e famílias com outro integrante com algum distúrbio neurológico sem estar relacionado com a SD.

O local de coleta de dados foi uma instituição de atendimento especializado às pessoas com deficiência na região metropolitana de São Paulo. O representante da instituição também assinou um termo autorizando a pesquisa no local. Os 20 participantes foram convidados pelo pesquisador com a entrega de uma carta convite com explicações sobre o trabalho, além de esclarecimento dos procedimentos éticos. A partir do aceite, foram agendadas reuniões para coleta dos dados individualmente, em dia e horário conveniente aos colaboradores, nas quais foram assinados os termos de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e todas as dúvidas foram esclarecidas. Para complementar a amostra com mais cinco participantes, foi realizado contato com uma Organização não Governamental (ONG), com o uso da técnica de amostragem não probabilística denominada bola de neve, que utiliza cadeias de referência.

Os dados foram coletados em um único encontro, individualmente, com duração aproximada de 30 minutos. Os participantes responderam a uma ficha de identificação e posteriormente à entrevista semiestruturada, cujo roteiro focalizava temas como o planejamento familiar, relações entre os irmãos, o futuro do filho com SD, além de aspectos referentes aos sentimentos dos pais diante do nascimento do filho e outros fatos relevantes que os mesmos quisessem relatar sobre o tema.

Os dados coletados por meio de entrevistas semiestruturadas foram transcritos na íntegra, lidos repetidamente e organizados em núcleos temáticos com desenvolvimento de cinco categorias para posterior análise.

Resultados e discussão

A amostra total dos participantes foi composta por 25 cuidadores, sendo 11 no GSDU e 14 no GSDI. Todos os detalhes da amostra estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra do GSDU e GSDI

Momento do diagnóstico e reação inicial

De todos os cuidadores dos dois grupos, apenas dois souberam o diagnóstico dos filhos antes do nascimento, no ultrassom morfológico e tiveram a confirmação com a amniocentese. O restante, embora tenham relatado que realizaram o pré-natal, só descobriram o diagnóstico após o nascimento e, de acordo com os depoimentos a seguir, de uma forma angustiante:

Só soube quando nasceu mesmo, o médico falou frio e grosso: sua filha tem SD e vai ter um problema para sempre. Me mandaram procurar a APAE que iriam me explicar o que era. Eu entrei em depressão [...], foi muito chocante, como um luto de um filho, você não conhece e não sabe o que vai ser (P10 - GSDI).

O diagnóstico foi só depois do nascimento, ele nasceu normal, só era molinho, mas eu não sabia muito de criança recém-nascida, mas parecia que todo mundo fugia de mim, que todo mundo sabia menos eu. A sensação foi de muita tristeza, luto, chorei muito, me senti mal de não ter percebido, senti vergonha disso, era meu filho, né?! (P5 - GSDU).

A notícia de que uma criança tem alguma afecção crônica, geralmente é inesperada para pais e familiares. O diagnóstico da SD pode ser feito durante o pré-natal, com o ultrassom morfológico do primeiro trimestre e pode ser confirmado por cariótipo ou a aminiocentese. De acordo com Paul et al. (2013Paul, M. A., Cerda, J., Correa, C., & Lizama, M. (2013). ¿Cómo reciben los padres la noticia del diagnóstico de su hijo con síndrome de Down?. Revista médica de Chile, 141(7). Recuperado de: https://scielo.conicyt.cl/pdf/rmc/v141n7/art07.pdf. doi:10.4067/S0034-98872013000700007
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), o diagnóstico pré-natal permite informar e orientar as famílias, no entanto, principalmente em países latino-americanos, não acontece rotineiramente e a maioria dos diagnósticos ocorrem após o nascimento, o que aconteceu na maioria dos casos do presente estudo, de acordo com os relatos dos cuidadores. Os autores ainda afirmam que os pais, cujo diagnóstico foi feito durante o pré-natal, estão quatro vezes mais satisfeitos com a experiência vivida em relação aos pais com diagnóstico pós-natal. Isto ocorre provavelmente por eles terem um tempo maior para se adaptar à notícia e elaborar a ideia do nascimento de um filho com características diferentes das imaginadas até então.

Cunha, Blascovi-Assis e Fiamenghi Jr. (2010Cunha, A. M. F. V., Blascovi-Assis, S. M., & Fiamenghi Jr., G. A. (2010). Impacto da notícia da síndrome de Down para os pais: histórias de vida. Ciência & Saúde Coletiva, 15(2), 445-451. Recuperado de:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000200021. doi:10.1590/S1413-81232010000200021
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) realizaram um estudo de caráter qualitativo, sobre o impacto da notícia da SD para os pais com quatro casais. Destes, três também só receberam a notícia após o nascimento. Todos eles relataram falta de notícias mais esclarecedoras e relataram um sentimento de luto, de perda do filho idealizado. Semelhantes resultados foram observados no presente estudo, a sensação de luto relatada por algumas mães (relatos acima P10 - GSDI e P5 - GSDU), quando elas ’perdem‘ o filho perfeito e idealizado, e precisam abrir espaço inesperadamente para uma realidade desconhecida, a qual provoca medo e tristeza. Esse sentimento de luto pode ser agravado pela sensação de fracasso que elas podem sentir por não conseguirem gerar uma vida perfeita. Outra condição encontrada refere-se à forma como esse diagnóstico foi dado, algumas mães relataram estar sozinhas nesse momento, o que tornou a notícia mais impactante. Observa-se isso no relato a seguir de P6 - GSDU. Cunha et al. (2010)Cunha, A. M. F. V., Blascovi-Assis, S. M., & Fiamenghi Jr., G. A. (2010). Impacto da notícia da síndrome de Down para os pais: histórias de vida. Ciência & Saúde Coletiva, 15(2), 445-451. Recuperado de:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000200021. doi:10.1590/S1413-81232010000200021
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complementam ainda que é consenso, entre os pesquisadores que estudam o tema, que a notícia seja dada na presença dos dois, pai e mãe.

Só ficamos sabendo dois dias depois do nascimento. Sabia que tinha algo errado, mas ninguém me falava nada. Aí a enfermeira chegou e disse que o bebê tinha passado mal e tava na UTI e estavam suspeitando da SD, foi do nada, e eu estava sozinha, meu marido tinha acabado de ir embora. Eles não podiam ter esperado? Parecia que não era comigo, que era uma história, foi a pior sensação do mundo (P6 - GSDU).

Skotko (2005Skotko, B. G. (2005). Communicating the postnatal diagnosis of Down’s syndrome: an international call for change. Italian Journal of Pediatrics, 31, 237-243. Recuperado de:https://pdfs.semanticscholar.org/58fc/0c6ad7412e5471376d0fe720f380c80524c0.pdf
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) realizou uma pesquisa intitulada: Communicating the postnatal diagnosis of Down’s syndrome: an international call for change, na qual analisaram as reflexões de 882 mães nos Estados Unidos e 422 mães na Espanha. Constatou-se que as mães, nos dois países, raramente relataram que o nascimento de seus filhos foi uma experiência positiva, pois ficaram muito assustadas e ansiosas no momento da descoberta do diagnóstico. As mães ainda concordaram que o momento da notícia não precisaria ser sombrio, se os médicos adotassem algumas recomendações e, completaram com sugestões de melhoria para esse momento, tais como 1) quem dá o diagnóstico deve ser o médico; 2) o médico deve dar o diagnóstico com ambos os pais juntos, sempre que possível; 3) o diagnóstico deve ser feito em um local privado; 4) o diagnóstico tem que ser comunicado o mais rápido possível, assim que o médico suspeitar; 5) deve ser utilizada uma linguagem sensível; 6) o médico deve incluir os aspectos positivos da SD; 7) o médico não deve compartilhar sua opinião pessoal; 8) os pais deveriam receber um material impresso atualizado e 9) o médico deveria oferecer as informações de contato de um grupo local de apoio.

Planejamento familiar e relação entre os filhos (quando houver).

No grupo GSDI, os filhos com SD eram os filhos mais novos. Uma única mãe teve um filho com desenvolvimento típico depois do filho com SD. No entanto, ela relatou que a gestação do segundo filho não havia sido planejada. Todas essas mães afirmaram não querer mais filhos e nenhuma mãe planejou um filho depois de ter tido um filho com SD. Quanto às gestações dos filhos com SD e dos filhos mais velhos, houve grande variação entre a gestação ter sido planejada ou não. A maioria das mães relatou que a relação entre os filhos é boa, porém já apareceram alguns problemas, principalmente em relação a ciúmes.

As três gestações foram planejadas sim. A relação é boa hoje, mas no começo as minhas filhas tinham ciúmes porque eu saia com ele todos os dias, e eu dava muito mais atenção pra ele [...], mas hoje a minha filha mais velha faz pedagogia pra trabalhar com inclusão (P2 - GSDI).

Skotko, Levine e Goldstein, (2011aSkotko, B. G., Levine, S. P., & Goldstein, R. (2011a). Having a brother or sister with Down syndrome: perspectives from siblings. American Journal of Medical Genetics, (10), 2348-2359. Recuperado de: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21910244. doi: doi:10.1002/ajmg.a.34228
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) referem que pais que têm filhos com SD sentem que seus filhos sem SD têm um bom relacionamento com os irmãos. A maioria dos pais também sentia que seus filhos sem o diagnóstico são mais sensíveis e carinhosos, atribuindo esta atitude ao fato de terem um irmão com SD. Cuskelly e Gunn (2003Cuskelly, M., & Gunn, P. (2003). Sibling relatioships of children with Down syndrome: perspectives of mothers, fathers and siblings. American Journal of Mental Retardation, 108(4), 234-244. Recuperado de:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12780335. doi:10.1352/0895-8017(2003)108<234:SROCWD>2.0.CO;2
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) afirmam que ter um irmão com SD pode trazer benefícios. Na comparação entre irmãos de pessoas com SD com o grupo controle (sem irmão), os primeiros demonstraram interação mais positiva, maior tolerância ao diferente e mais empatia e gentileza em relação aos seus irmãos.

Skotko, Levine e Goldstein (2011bSkotko, B. G., Levine, S. P., & Goldstein, R. (2011b). Having a son or daughter with Down Syndrome: Perspectives from Mothers and Fathers. American Journal of Medical Genetics, 155A(10), 2335-2347. Recuperado de:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3353148/. doi:10.1002/ajmg.a.34293
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), em outro estudo sobre a perspectiva dos próprios irmãos sobre ter um irmão com SD, constataram que a maioria dos irmãos de todas as idades amam seus irmãos e, especialmente os mais velhos, orgulham-se dos seus irmãos com SD. Uma minoria destes disse se sentir triste, sentir pena e/ou vergonha dos seus irmãos. Mas mesmo com esses sentimentos, quase 100% dos irmãos disseram que não trocariam o seu irmão com SD. Referiram ainda que a minoria dos irmãos relatou que sentem que seus pais dão muito mais atenção ao seu irmão e não o suficiente para eles próprios. Em relação a esse ponto, foi encontrada uma diferença na percepção das mães avaliadas no presente estudo, no qual algumas mães relataram sentir que os outros filhos tinham ciúmes do filho com SD, principalmente pela atenção dada a ele. Pode-se interpretar esse fato, se não for apenas por uma alteração de percepção, como um sentimento de culpa das mães por saberem que dão mais atenção a esse filho, já que ele realmente necessita. O que pode ser observado no relato citado anteriormente da mãe P2 - GSDI. Outra hipótese pode ser a possível vergonha dos irmãos assumirem que sentem ciúmes, pois são conscientes de que os irmãos necessitam de mais atenção realmente.

No caso desta pesquisa, foi constada a narrativa sobre a boa relação entre os filhos por todos os cuidadores do grupo GSDI. O fato de não terem tido mais filhos após o filho com SD foi justificado, algumas vezes, pela idade avançada, por já terem outros filhos mais velhos e/ou pelo gasto financeiro que outro filho acarretaria. Em relação ao grupo GSDU, apenas quatro mães relataram querer mais filhos, porém não concretizaram esse desejo por fatores como tentativas frustradas, a idade, o não querer do parceiro (a), separação, medo, preocupação com a situação financeira e divisão de tempo entre os filhos. Isso retrata que na amostra estudada como um todo, poucas mães efetivamente programaram outro filho.

Hoje eu não planejo mais filhos, mas tentei bastante e tive dois abortos naturais e depois de muita conversa com os médicos, decidimos não tentar mais (P4 - GSDU).

Eu quero outro filho, mas a mãe não quer devido à idade [...] mas acho que seria bem importante, pois mesmo que a gente queira fantasiar que ela seja capaz de coisas sozinha, nós temos que enfrentar a realidade que sozinha talvez ela não se suporte (P8 - GSDU).

Preocupação com o futuro do filho com SD e ausência dos pais

Uma preocupação que sempre existiu em pais de pessoas com algum distúrbio do desenvolvimento é “[...] o que será do meu filho quando eu morrer?” “Quem cuidará dele?” Atualmente, esta preocupação é mais frequente em decorrência do aumento da expectativa de vida de pessoas com SD. No passado, esses indivíduos não ultrapassavam a idade adulta, por complicações que se agravavam no decorrer da vida. Todavia, com os avanços da medicina, a longevidade dessas pessoas aumentou consideravelmente.

A perda dos pais, pelos filhos, é algo natural considerando-se o ciclo da vida e o envelhecimento. Porém, para pais que têm um filho com SD ou outra deficiência, a imaginação sobre essa situação pode gerar angústias e desassossego pela preocupação com a dependência do filho e quem cuidará de seu filho na sua ausência, já que poucos conseguem efetivamente uma vida independente.

Na pesquisa atual, todos os cuidadores demonstram preocupação com o futuro de seus filhos ou quando da falta deles. Um cuidado neste trabalho foi pertinente à amostra de pais com adolescentes, cujos filhos e pais já estão mais velhos. Esse é o ponto em que um irmão, com desenvolvimento típico, poderia fazer diferença, pois pais que possuem mais filhos apresentam alguma segurança, por menor que seja, quando comparados a pais com filhos únicos. Mesmo que a presença de um irmão não seja garantia para eles de que haverá alguém para cuidar de seus filhos, percebe-se uma pequena diferença e segurança nos relatos de pais com mais filhos.

Eu ensino ele pra ser independente, mas ele é muito ingênuo, acha que as pessoas da rua são iguais as pessoas de casa. Acho que minhas filhas cuidariam dele, o problema é que quando eu deixo ele com elas, ele fica emburrado, ele não pede as coisas se ele quer alguma coisa, ele não fica à vontade. Eu não sei se ele vai se cuidar direito e é a minha maior preocupação porque a gente não tá aqui pra sempre (P2 - GSDI).

Meus outros filhos falam que eu sou egoísta, porque eu falo que quero que quando eu for, ele vá comigo, e quando ele for, eu vá com ele. Porque falar que eu cuido e eu amo, é fácil, mas cada um cuida do seu jeito né?! E pra tudo na vida tem que ter horário e controle [...] às vezes eu chego em casa quando saio sozinha e pergunto se ele bebeu água e não, foi o dia inteiro de coca cola e suco, você acredita?! (P14 - GSDI).

Imagino que ele vá sobreviver sem mim, vai arrumar uma esposa, emprego e vai continuar sendo um orgulho. Eu ensino o irmão a cuidar dele, se um dia eu vier a faltar, que um tenha o outro (P4 - GSDI).

Voltando para o estudo realizado por Cuskelly e Gunn (2003Cuskelly, M., & Gunn, P. (2003). Sibling relatioships of children with Down syndrome: perspectives of mothers, fathers and siblings. American Journal of Mental Retardation, 108(4), 234-244. Recuperado de:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12780335. doi:10.1352/0895-8017(2003)108<234:SROCWD>2.0.CO;2
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), as autoras mencionam que, quando os pais planejam o futuro do filho com deficiência intelectual (DI) após suas mortes, na maioria das vezes, esse planejamento associará um irmão como sucessor dos cuidados. O ônus do cuidado normalmente recai sobre o irmão primogênito, assumem maior responsabilidade doméstica, em relação a seus pares sem irmãos com DI.

Os dados do presente estudo, combinados com os resultados de Cuskelly e Gunn (2003Cuskelly, M., & Gunn, P. (2003). Sibling relatioships of children with Down syndrome: perspectives of mothers, fathers and siblings. American Journal of Mental Retardation, 108(4), 234-244. Recuperado de:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12780335. doi:10.1352/0895-8017(2003)108<234:SROCWD>2.0.CO;2
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) e Rosa, Alves e Faleiros (2015Rosa, E. R. A., Alves, V. P., & Faleiros, V. P. (2015). Com quem ficará meu filho? Uma preocupação dos pais que estão envelhecendo e não têm com quem deixar seus filhos com SD, que também estão envelhecendo. Revista Kairós Gerontologia, 18(3), 109-121. Recuperado de:https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/26474
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), indicam que ter outros filhos não garante cuidados ao irmão com deficiência, mas pode trazer uma segurança maior aos pais, supondo que, pelo menos algum auxílio essa pessoa terá. De acordo com os relatos, as mães que têm mais filhos, falam do possível cuidado dos irmãos, mas nenhuma demonstra estar tão confiante.

Essa é uma situação que piora no relato apresentado no GSDU, uma vez que, conforme os relatos que estão destacados a seguir, muitos cuidadores dizem ser este um assunto muito angustiante, preocupante e preferem não pensar sobre. Como consequência da falta de um possível cuidado, muitos pais falam sobre a tentativa de criar o filho o mais independente possível. Esse foi o momento da entrevista no qual a relação com a religião se tornou mais evidente, com verbalizações sobre a fé.

Não penso nisso não, não consigo nem pensar, não tem ninguém, nem o pai. Sou só eu e isso me aflige muito, mas confio em Deus (P1- GSDU).

Preparo a minha filha para o mundo. Tento dar todas as oportunidades para ela, é isso o que eu posso fazer por ela [...] Eu não penso muito quando eu não estiver aqui, o futuro a Deus pertence (P3- GSDU).

Imagino um futuro bom, tranquilo, mas se eu não tiver vai ser difícil. O que mais me pega na vida é isso, e se ela não tiver nem o pai e nem eu? Acho que ela se acaba, não vive nem 1 mês (P11 - GSDU).

No artigo de Rosa et al. (2015Rosa, E. R. A., Alves, V. P., & Faleiros, V. P. (2015). Com quem ficará meu filho? Uma preocupação dos pais que estão envelhecendo e não têm com quem deixar seus filhos com SD, que também estão envelhecendo. Revista Kairós Gerontologia, 18(3), 109-121. Recuperado de:https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/26474
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), cujo título é ‘Com quem ficará meu filho? Uma preocupação dos pais que estão envelhecendo e não têm com quem deixar seus filhos com SD, que também estão envelhecendo’, verificou-se que muitos familiares demoram a aceitar o fato de que pessoas com SD envelhecem e que a solidão e culpa foram sentimentos recorrentes entre as famílias, pois seus filhos dependentes exigem muita dedicação, e estes se sentem culpados só de imaginar que tamanha responsabilidade possa recair sobre os outros filhos, possíveis cuidadores no futuro e como seria essa transição e adaptação dos irmãos sem sua presença. Essa situação pôde ser verificada no relato a seguir da mãe P10 - GSDU, que diz que nunca pensou em jogar a sua responsabilidade em um filho que nem existe ainda.

Sabe de uma coisa, eu vou é cuidar da minha filha, já me perguntaram o que vai acontecer o dia que eu faltar, e eu penso: eu vou ter que ter outro filho pra jogar a responsabilidade em outro filho? A minha família tem oito irmãos, eles que decidam. Não vou ter um filho para nascer já com essa responsabilidade, e isso não é garantia nenhuma. Você já sabe que ninguém quer cuidar mesmo e eu não sei quem vai primeiro se sou eu ou ela, o amanhã pertence a Deus e não a mim (P10- GSDU).

Nunes e Dupas (2011Nunes, M. D. R., & Dupas, G. (2011). Independência da criança com síndrome de Down: a experiência da família. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 9(4). Recuperado de:http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n4/es_18.pdf. doi: 10.1590/S0104-11692011000400018
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) também discutem sobre essa questão, e afirmam que em estudos realizados com irmãos, normalmente eles se responsabilizam pelo irmão com SD, em caso de necessidade. Outra estratégia apontada pelos pais refere-se a deixar um suporte financeiro para o filho poder usufruir depois que eles morrerem, mas há a preocupação em atingir este objetivo diante da situação econômica atual. Complementam o estudo relatando a importância da religião e espiritualidade, como apoio para os familiares sendo fonte de conforto e esperança.

A crença em alguma religião ou espiritualidade pode proporcionar maior tranquilidade às pessoas que estão passando por algum tipo de necessidade ou doença. O estudo de La Longuiniere, Yarid e Silva (2018)La Longuinieri, A. C. F., Yarid, S. D., & Silva, E. C. S. (2018). Influência da espiritualidade/religiosidade do profissional de saúde no cuidado ao paciente crítico. Revista Cuidarte, 9(1), 1961-1972. Recuperado de:https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/23418/19096. doi: 10.5205/reuol.9799-86079-1-RV.1106sup201704
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sustenta que a religiosidade e espiritualidade influenciam no enfrentamento de situações adversas e causam impacto positivo na QV das pessoas. Afirmam ainda que a espiritualidade é um apoio para o paciente e também para os cuidadores que reconhecem que se utilizam dela para enfrentarem possíveis experiências desgastantes.

Em um artigo realizado sobre a experiência de homens taiwaneses de cuidar de seus irmãos com SD, Kuo (2014Kuo, Y. C. (2014). Brothers experiences caring for a sibling with Down syndrome. Qualitative Health Research, 24(8), 1102-1113. Recuperado de:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25023221. doi: 10.1177/1049732314543110
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) refere que assumir a responsabilidade pelo cuidado do irmão foi o tema mais abordado entre os indivíduos avaliados. Nesse caso, há grande impacto cultural, pois, os irmãos homens são os cuidadores óbvios dos irmãos com SD, principalmente irmãos mais velhos, e essa responsabilidade apareceu como indiscutível nessa população. Quase todos os participantes mencionaram o caos que eles experimentaram durante a fase de transferência para o papel como cuidador principal, especialmente pela falta de familiaridade com o papel. As diferenças culturais com o ocidente ficam claras nesse artigo, no qual a cultura ocidental, na maioria das vezes, atribui o papel de cuidador às mulheres. Isolando as diferenças culturais, um fator importante a se pensar sobre o estudo de Kuo, seria, como melhorar o processo de transferência para o papel do cuidador principal. A autora afirma que os pais precisam envolver os filhos, prováveis cuidadores, na vida de seus filhos com SD desde cedo, pois isso aumentará a capacidade e a competência dos irmãos para fornecer o cuidado e a ajuda adequada.

Esse último artigo traz reflexões para além do problema de quem cuidará do indivíduo com SD no futuro, ou seja, como esse novo cuidador deveria ser preparado para isso, como será a transferência desse cuidado e, a implícita responsabilidade herdada por esta pessoa, muitas vezes sem estar preparada para tal papel. Essa preocupação apareceu algumas vezes com as mães no presente estudo, mas poucas foram as que demonstraram preocupação com o possível filho cuidador, mas apenas com o filho com SD. Todavia, de acordo com Ardore e Regen (2014Ardore, M., & Regen, M. (2014). Tenho um irmão diferente. Vamos falar sobre isto?(4a ed.). São Paulo, SP: APAE), a preocupação com o futuro pode se tornar menor se pais e filhos puderem conversar sobre o assunto e tentar estabelecer um projeto de vida. As autoras ainda ressaltam que questões do tipo “[...] quem cuidará do meu irmão quando meus pais morrerem?” surgem para os irmãos, mas os mesmos têm certo receio em conversar com os pais sobre isso.

Muito embora o cuidado desse indivíduo recaia para algum familiar próximo, existem algumas famílias que não têm com quem contar, ou não confiam na certeza desse cuidado. Pinto e Simson (2012Pinto, S. P. L. C., & Simson, O. R. M. V. (2012). Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil: Sumário da Legislação. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 15(1), 169-174. Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v15n1/18.pdf. doi:10.1590/S1809-98232012000100018
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) afirmam que na Constituição de 1988, saúde e educação são entendidas como direito de todos e dever do Estado. Nela, o apoio aos idosos passa explicitamente a ser dever da família, do Estado e da sociedade. Na prática, porém, a família continuou sendo a principal responsável por este apoio. Mas fica aqui uma indagação: e quando a família não está mais apta para fornecer esse apoio?

Rosa et al. (2015Rosa, E. R. A., Alves, V. P., & Faleiros, V. P. (2015). Com quem ficará meu filho? Uma preocupação dos pais que estão envelhecendo e não têm com quem deixar seus filhos com SD, que também estão envelhecendo. Revista Kairós Gerontologia, 18(3), 109-121. Recuperado de:https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/26474
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) sustentam que, embora a legislação brasileira estabeleça que o cuidado dos membros dependentes deva ser responsabilidade das famílias, esta situação deve ser repensada na medida em que os familiares possam vir a falecer antes, e que não tenham o apoio de outros familiares para assumirem a tutela. Diante desse contexto, uma das alternativas de cuidados não familiares existentes, seriam as instituições de longa permanência para idosos, sejam públicas ou privadas. No entanto, não é uma prática comum na sociedade brasileira, principalmente quando pensamos em idosos com alguma deficiência.

Os discursos relatados no estudo atual corroboram com a literatura pesquisada quando se analisa sobre o envelhecimento dessa população, os sentimentos e preocupações desses pais. Esses trabalhos abordam o fato de quem dará continuidade ao suporte dos seus filhos quando eles vierem a faltar, porém, infelizmente, não concluem com sugestões ou soluções sobre o que fazer quando isso ocorrer.

Os serviços residenciais terapêuticos, também conhecidos como residências terapêuticas ou moradia assistida, foram instituídos pela portaria número 106, de 11 de fevereiro de 2000 pelo Ministério da Saúde tendo em vista a necessidade da reestruturação do modelo de atenção à pessoa com transtornos mentais, porém o que é verificado na própria portaria é a exclusividade a pessoas com transtorno mental, o que não abrange pessoas com DI e/ou deficiência física. Focada para a população com SD, é verificado esse tipo de moradia ou assistência somente por meio de algumas ONGs que oferecem esse acolhimento institucional ou entidades particulares com ou sem fins lucrativos.

A lei número 13.146Lei Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. (2015, 6 de julho). Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Diário Oficial da União, seção 1., de 6 de julho de 2015, institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), no capítulo 5, referente ao direito à moradia, diz no artigo 31 que “A pessoa com deficiência tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, com seu cônjuge ou companheiro ou desacompanhada, ou em moradia para a vida independente da pessoa com deficiência, ou, ainda, em residência inclusiva”. Porém na prática e nos relatos de muitos dos genitores entrevistados nessa pesquisa, a legislação existente nem sempre é cumprida.

Sentimento e percepção dos pais sobre o filho com SD

Foi observada concordância para esta categoria nos dois grupos. Essa uniformidade se apresenta, principalmente, em relação ao sentimento dos cuidadores sobre a capacidade de cuidarem de um filho com SD, a realização pessoal, a escolha e presente de Deus, o amor sentido e recebido, a proteção, e ao orgulho dos filhos com SD. São poucas as mães que discursam sobre a sobrecarga ou pressão do cuidar.

Como já foi dito anteriormente, o momento do diagnóstico ou nascimento de uma criança com SD pode ser um fator traumático na vida dos casais e familiares. Porém, o que foi notado neste estudo é que, depois do choque inicial, os cuidadores assumem sua criança e toda bagagem que vier junto com ela, de modo incondicional. Isso se dá pelo fato de serem mãe ou pai, e do vínculo e dependência que existe nessa relação. A facilidade com que cada mãe irá passar por esse processo, dependerá de sua filosofia de vida, crenças, harmonia psíquica, equilíbrio emocional e apoio social com o qual interage.

Na pesquisa atual, os cuidadores avaliados, por serem pais de adolescentes, já tiveram tempo suficiente para ultrapassar barreiras e momentos mais difíceis logo após o choque inicial. Essas observações aparecem bem marcadas nos relatos a seguir:

Ah me sinto muito bem, se Deus me deu é porque tenho capacidade de cuidar, então é ótimo porque ela é uma criança carinhosa e é saudável e eu me sinto muito capaz (P1 - GSDI).

Me sinto feliz, eu ganhei um presente de Deus. Um dia eu pedi pra Deus um amor puro e verdadeiro e ele me deu meu filho [...] Eu lembrei disso outro dia. Ele é uma benção pra tudo, e tudo é só comigo (P14 - GSDI).

Sinto que eu sou uma pessoa iluminada e capaz, tenho nele um companheiro pra vida toda, amoroso e alegre (P6 - GSDU).

Seguindo por esse caminho, um ponto importante para discussão, são as estratégias de coping, que é procedente do idioma inglês e significa enfrentar, lidar, lutar, e que pode ser também as estratégias de enfrentamento que esses pais têm para suportar uma situação indesejada. Algumas famílias têm mais facilidade em se adaptar a situações do que outras, muitas vezes mais vulneráveis. Essa diferença depende do nível de resiliência familiar.

No estudo de Rooke e Pereira-Silva (2016Rooke, M. I., & Pereira-Silva, N. L. (2016). Indicativos de resiliência familiar em famílias de crianças com síndrome de Down. Estudos de Psicologia, 33(1). Recuperado de:http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v33n1/0103-166X-estpsi-33-01-00117.pdf. doi:10.1590/1982-027520160001000012
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), as autoras afirmam que a DI ou SD não podem ser consideradas como sinônimos de sofrimento, tristeza, estresse e isolamento social, conforme a literatura de décadas passadas apontava. Complementam dizendo que, apesar dos relatos indicarem a SD como um evento ruim, a reação das famílias ao diagnóstico teve mais impacto positivo do que negativo. Em relação aos indicativos de resiliência familiar, os resultados apontaram para o fato dessas famílias, diante de problemas, se organizarem de maneira em que há união, diálogos com todos os membros e cooperação, havendo estreitamento dos laços entre os membros e adoção de uma perspectiva positiva.

No presente estudo, não foi dirigido foco para as estratégias de enfrentamento, propriamente dita, que cada família teve para encarar a situação de uma forma mais acolhedora, porém com os relatos obtidos, foi observado que a maior estratégia utilizada foi realmente o amor que uma mãe tem por um filho, o carinho recebido e a crença espiritual.

Eu já ouvi muita coisa: ah, você foi escolhida por Deus, não é qualquer um que consegue ter essa responsabilidade e também que eu tava pagando todos os meus pecados. Mas eu acho assim, se eu tive ele, eu tenho como um aprendizado na minha vida e me sinto feliz porque ele é muito amoroso. Quando eu tô triste, ele me abraça, me beija, fala que vai passar e fala: mamãe, você é a minha vida (P2 - GSDI).

Me sinto especial, tenho muita capacidade e paciência e as vezes acho que protejo ele demais. Mas é que ele tá sempre ali comigo, é carinhoso, e isso me dá segurança de que ele não vai se envolver com as coisas erradas, é bem pior ter um filho drogado do que um filho com o problema do meu (P12 - GSDI).

Eu tenho orgulho em ter uma filha como ela, sabe por que? Porque hoje tá difícil e essa menina não me dá trabalho nenhum, é muito amorosa e companheira (choro) (P10 - GSDU).

Outro ponto importante notado no presente estudo foi o apego acentuado entre os genitores e seus filhos, o que é, sem dúvida, genuíno pela natureza dessa relação, mas que pode ser amplificado pela deficiência, pelo remorso do sentimento de tristeza no momento da identificação da cromossomopatia e pela proximidade no cuidado diário e intenso, além da responsabilidade e dependência.

Sentimentos negativos e dificuldades

Ao final das entrevistas, a entrevistadora percebeu que os pais não haviam relatado sentimentos ou fatores negativos em relação ao filho com SD. Assim, fez uma pergunta mais objetiva sobre algum sentimento negativo em relação ao cuidar de filhos com SD e consequentemente mais dependentes. As respostas estão nos relatos a seguir.

Me sinto cobrada e é muito difícil pois o preconceito é muito grande e eu sinto isso. Porque você tem medo do que não conhece e eu não posso julgar as pessoas porque eu também era assim. As pessoas já olham com pena ou julgando, tipo assim, será que vai dar em alguma coisa? O mundo é cruel (P4 - GSDI).

A falta de pessoas preparadas, acho que principalmente nas escolas. Tem muito preconceito e parece que eles já nascem com um prognóstico de ser um problema (P6 - GSDU).

Buscaglia (2006Buscaglia, L. (2006). Os deficientes e seus pais (5a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Record.), em seu livro, discorre sobre o assunto da deficiência congênita ou adquirida, lembra que ninguém está livre de uma possível deficiência irreparável. O que todas essas famílias têm em comum é o confronto com uma realidade nova, inesperada e possivelmente devastadora. Uma deficiência nunca é desejável e quase sempre causará sofrimento, desconforto, lágrimas, confusão e gasto de muito tempo e dinheiro. Porém, embora possam não se dar conta disso, a pessoa que tem alguma deficiência que a incapacita, será menos limitada pela deficiência do que pela atitude da sociedade em relação a ela. Ou seja, é a sociedade, na maior parte das vezes, que definirá a deficiência como incapacidade, e é o indivíduo que sofrerá as consequências de tal definição. O autor afirma que a criança que possui uma deficiência física ou intelectual em nossa sociedade não é incapaz, apenas deficiente. Mas que são as pessoas em volta, mesmo as mais próximas e bem-intencionadas, se encarregarão de convencer essas pessoas, ou de ajudá-las a aprenderem, de que são incapazes. Isso ocorre pelo medo, ignorância e preconceitos.

O preconceito social existe, e é escancarado na sociedade diariamente. Seja pela raça, cor, condição econômica, religião e até mesmo opinião política. No caso de preconceitos com pessoas deficientes não é diferente, o que foi observado anteriormente no relato das mães P4 - GSDI e P6 - GSDU. Assim, muitas famílias se limitam as suas casas e refugiam-se nelas próprias, limitando mais ainda o desenvolvimento físico, social, emocional e psíquico das pessoas com deficiência.

Outras variáveis que apareceram durante os relatos a seguir foram sobre cansaço e dedicação. Apesar de o presente estudo ter tido poucos relatos sobre o cansaço do cuidar, é muito comum na literatura que pais de pessoas que necessitam de cuidado extra, tenham uma menor QV e maior estresse. Um ponto usual na literatura, que pode ser verificado nesse estudo, é a vantagem da SD em relação a outras doenças ou síndromes, isso se dá muito provavelmente por ser uma condição comum, consequentemente mais conhecida e, por, como visto bastante nos relatos das mães, serem filhos muito carinhosos, amorosos e preocupados.

Às vezes eu sinto um pouco de cansaço, porque você tem que ter mais responsabilidade pelo fato dele ser especial, tudo sou eu que tenho que estar lá para resolver (P12 - GSDI).

Um filho com SD exige mais dedicação, pois precisa de mais empenho e estimulação e com um resultado que nunca sabemos o que vai ser. É uma rotina diária e cansativa. Para a gente e para eles (P5 - GSDU).

Oliveira e Limonge (2011Oliveira, E. F., & Limongi, S. C. O. (2011). Qualidade de vida de pais/cuidadores de crianças e adolescentes com síndrome de Down. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 23(4), 321-327. Recuperado de:http://www.scielo.br/pdf/jsbf/v23n4/v23n4a06.pdf. doi: 10.1590/S2179-64912011000400006
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) mencionam vantagens que podem favorecer a SD em relação aos outros diagnósticos, incluindo o reconhecimento do quadro e diagnóstico precoce; origem cromossômica, que seria fator externo aos pais; ampla prevalência, sendo de acontecimento e reconhecimento comum; desenvolvimento lento, que permitiria maior tempo de adaptação às modificações no comportamento e por seu curso ser previsível.

Corrice e Glidden (2009Corrice, A. M., & Glidden, L. M. (2009). The Down syndrome advantage: fact or fiction?American Journal on Intellectual and Developmental Disabilities, 114(4), 254-268. Recuperado de: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19642708. doi: 10.1352/1944-7558-114.4.254-268
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) afirmam que mães que têm filhos com SD sofrem menos depressão e estresse do que mães que têm filhos com DI de outra etiologia. Há também impacto positivo nos relacionamentos dos pais, pois a taxa de divórcios dessas famílias é menor do que em famílias com outra deficiência, e melhor relacionamento entre irmãos.

Os dados aqui apresentados servem como base para reflexões acerca do planejamento familiar e do conhecimento das preocupações dos pais sobre seus filhos com SD. Estudos que tenham foco na relação mãe-filho ou pai-filho devem ser realizados a fim de promover maior conhecimento sobre as necessidades dessas famílias e suas formas de enfrentamento.

Considerações finais

Foi possível avaliar e discutir, a partir do grupo estudado, o impacto da presença dos irmãos na família de jovem com SD. Os dados qualitativos permitiram verificar que o fenômeno investigado pudesse ser compreendido por meio do relato verbal dos principais envolvidos.

Nas entrevistas semiestruturadas, os pais demonstraram que o momento do diagnóstico foi o mais duro e difícil de enfrentar e, todos os pais apresentaram preocupação com o futuro do filho quando na sua ausência. Todavia, observou-se que o comportamento resiliente, a religiosidade e o amor incondicional paternal foram evidenciados na amostra, sendo fundamental a continuidade de estudos nesse campo para que sejam conhecidas as necessidades das famílias que têm filhos com SD, do ponto de vista terapêutico, educacional e de políticas públicas de apoio às pessoas com necessidades especiais.

Concluiu-se que a presença de irmãos com desenvolvimento típico pode mudar a estrutura e a dinâmica familiar, porém, não de forma a influenciar uma melhor QV, já que os relatos de ambos os grupos foram muito parecidos.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2018
  • Aceito
    12 Dez 2018
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