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DESENVOLVIMENTO DA AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS: UM ESTUDO QUALITATIVO1 1 Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

DESARROLLO DEL APRENDIZAJE AUTORREGULACIÓN EN LOS ESTUDIANTES UNIVERSITARIOS: UN ESTUDIO CUALITATIVO

RESUMO.

Estudantes autorregulados tendem a gerenciar suas demandas acadêmicas de modo flexível e crítico a fim de alcançar suas metas. Sendo assim, o objetivo dessa pesquisa foi compreender o processo de desenvolvimento da autorregulação da aprendizagem em estudantes universitários. Foi realizado um estudo de caso coletivo, sendo entrevistados três estudantes de graduação em três momentos distintos durante suas participações em uma intervenção com foco na promoção de competências autorregulatórias. Os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo, seguindo categorias teóricas a partir do ciclo autorregulatório: fase de antecipação, de desempenho e de autorreflexão. Foi possível observar trajetórias particulares de desenvolvimento, caracterizadas pelo papel da autoeficácia como motivadora para proposição de objetivos e de estratégias. Além disso, conforme esperado teoricamente, o desenvolvimento autorregulatório pareceu depender inicialmente de reguladores externos para sua consolidação. Discute-se a importância de se promover feedbacks acadêmicos relacionados não apenas aos resultados das avaliações, mas também ao processo de estudos, para colaborar na construção de um estudante mais autônomo, crítico e autorregulado.

Palavras-chave:
Desenvolvimento; autorregulação; aprendizagem

RESUMEN.

Estudiantes autorregulados tienden a gestionar sus demandas académicas de forma flexible y crítico. Por lo tanto, el objetivo de esta investigación fue comprender el proceso de desarrollo de la autorregulación del aprendizaje en los estudiantes universitarios. Se llevó a cabo un estudio de caso colectivo con tres estudiantes universitarios en tres ocasiones distintas durante su participación en una intervención centrada en la promoción de las habilidades de autorregulación. Los datos se analizaron utilizando análisis de contenido, siguiendo categorías teóricas a partir del ciclo autorregulatorio: fase de anticipación, de desempeño y de autorreflexión. Observaron trayectorias de desarrollo individuales que se caracterizan por el papel de la autoeficacia y la motivación para proponer metas y estrategias. El desarrollo de autorregulación apareció inicialmente depender de los reguladores externos para su consolidación. Se hace hincapié en la importancia de promover evaluaciones académicas relacionadas no sólo con los resultados de las evaluaciones, sino también el proceso de estudios, contribuyendo así a la construcción de un estudiante más autónomo, autorregulado y crítica.

Palabras clave:
Desarrollo; autorregulación; aprendizaje

ABSTRACT.

Self-regulated learners manage their academic demands in a flexible and critical way in order to achieve their goals. The aim of this research was to understand the development of self-regulated learning in college students. It was conducted a collective case study, with three undergraduate students interviewed at three different times during their participation in an intervention focused on the promotion of self-regulatory skills. Data were analyzed using content analysis, following theoretical categories based on the self-regulation cycle: anticipation, performance and self-reflection phases. Particular development trajectories were observed and self-efficacy was a motivator to propose objectives and strategies. Self-regulated learning seems to initially depend on external regulators for its consolidation. It was noted the importance of promoting academic feedbacks related not only to the results of the evaluations, but also to the process of studies, thus contributing to building a more autonomous, critical and self-regulated learner.

Keywords:
Development; self-regulation; learning

Introdução

Ingressar no ensino superior caracteriza-se como uma experiência desafiadora, pois a universidade tende a ser mais exigente do que o ensino médio, demandando mais esforço e autonomia do estudante (Fagundes, 2014Fagundes, C. V. (2014). Percepção de estudantes universitários acerca do acesso à educação superior: um estudo exploratório. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 95(241), 508-525. doi:org/10.1590/S2176-6681/310212495
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). Sabe-se que não basta que o estudante ingresse na universidade, é necessário que ele permaneça e construa uma trajetória acadêmica de qualidade a fim de alcançar suas metas profissionais. Esse novo contexto acadêmico promove, ou deveria promover, uma postura mais ativa do estudante ao lidar com seu processo de aprendizagem. No entanto, nem todos os estudantes conseguem se engajar na realização das demandas acadêmicas.

Cabe ao estudante, então, desenvolver a capacidade de se autorregular, apropriando-se do seu aprender de modo autônomo, crítico e motivado. A aprendizagem é um processo proativo que demanda ao estudante regular seus pensamentos, sentimentos e comportamentos a fim de alcançar determinados objetivos (Zimmerman, 2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.). O estudante autorregulado é guiado por metas e estratégias, monitora seu comportamento e reflete sobre sua efetividade, o que aumenta sua motivação para persistir frente às dificuldades buscando constantemente melhorar sua forma de estudar. Com isso, maior autorregulação (com maior planejamento estratégico, monitoramento e autorreflexão) está associada a melhores resultados acadêmicos e a uma postura mais ativa, crítica e determinada (DiBenedetto, & Zimmerman, 2013DiBenedetto, M. K., & Zimmerman, B. J. (2013). Construct and predictive validity of microanalytic measures of students’ self-regulation of science learning. Learning and Individual Differences, 26, 30-41. doi:10.1016/j.lindif.2013.04.004
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; Lau, Kitsantas, & Miller, 2015Lau, C., Kitsantas, A., & Miller, A. (2015). Using microanalysis to examine how elementary students self-regulate in math: a case study. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 174, 2226-2233. doi:10.1016/j.sbspro.2015.01.879
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).

No entanto, apesar da autorregulação ser importante no contexto acadêmico pela sua relação com o desempenho, a motivação e o planejamento (Sahranavard, Miri, & Salehiniya, 2018Sahranavard, S., Miri, M. R., & Salehiniya, H. (2018). The relationship between self-regulation and educational performance in students. Journal of Education and Health Promotion, 7, 1-5. doi:10.4103/jehp.jehp_93_18
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), alguns estudantes podem apresentar dificuldades em aplicar as competências autorregulatórias no cotidiano acadêmico. Dificuldades de organização, planejamento e motivação não são incomuns (Beiter et al., 2015Beiter, R., Nash, R., McCrady, M., Rhoades, D., Linscomb, M., Clarahan, M., & Sammut, S. (2015). The prevalence and correlates of depression, anxiety, and stress in a sample of college students. Journal of Affective Disorders, 173, 90-96. doi:org/10.1016/j.jad.2014.10.054
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). Ao invés de adotarem estratégias proativas, os estudantes podem depender de métodos reativos que, na maioria das vezes, não se mostram efetivos na regulação das atividades (Zimmerman, 2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.).

A autorregulação, segundo Zimmerman (2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.), pode ser compreendida por meio de três níveis: motivacional, comportamental e metacognitivo, por um sistema de antecipação (pré-ação), desempenho (ação) e autorreflexão (pós-ação), respectivamente. De forma geral, a fase de antecipação refere-se à proposição de objetivos e as crenças de automotivação. Durante a fase de desempenho, os estudantes efetivamente se engajam em uma atividade específica e empregam diferentes estratégias a fim de maximizar sua aprendizagem. Já a autorreflexão envolve os processos que ocorrem após o ato de estudar e que influenciam e regulam os aspectos motivacionais, concluindo o ciclo autorregulatório (Zimmerman, 2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.).

A autorregulação não é um traço de personalidade que o estudante tem ou não tem, já que envolve conseguir adaptar processos específicos para cada demanda acadêmica. Entende-se, assim, que as competências autorregulatórias podem ser desenvolvidas ao longo da vida (Weinstein, Husman, & Dierking, 2000Weinstein, C., Husman, J., & Dierking (2000). Self-regulation interventions with a focus on learning strategies. In M. Boekaerts, P. R. Pintrich, & M. Zeidner (Eds.), Handbook of self-regulation: theory, research, and applications(p. 727-747). San Diego, CA: Academic Press.). O desenvolvimento da autorregulação engloba quatro processos: a) observação; b) emulação; c) autocontrole e d) autorregulação. Inicialmente, as competências regulatórias são desenvolvidas através de um nível observacional. Durante essa fase, os modelos tornam-se importantes ao compartilharem resultados, aspectos motivacionais e valores (Zimmerman, 2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.). Apesar da importância da aprendizagem vicária, muitas vezes, há a necessidade de se aplicar as estratégias no cotidiano a fim de incorporá-las ao repertório comportamental. Então, em um segundo momento, denominado de emulação, o estudante aplica uma competência de forma aproximada ao que observou a partir do modelo. Esse processo não é uma simples imitação, pois o estudante raramente consegue copiar as exatas ações executadas pelo modelo, porém consegue replicar o padrão geral de funcionamento. O comportamento será ou não reforçado pelo ambiente, o que irá interferir na manutenção dos padrões aprendidos. Salienta-se que, para esses dois primeiros níveis de desenvolvimento, a fonte do desenvolvimento regulatório é basicamente externa e social (Zimmerman, 2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.).

Adquirir uma competência, em geral, envolve praticá-la de modo deliberado e autônomo, o que caracteriza o acesso ao terceiro nível de desenvolvimento, denominado nível autocontrolado. Aqui, o estudante pratica o domínio da competência em ambientes estruturados e distantes da presença do modelo/professor. O comportamento não é mais reforçado apenas por componentes externos, pois, agora, o estudante consegue refletir e autoavaliar seu desempenho (Zimmerman, 2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.). Por último, o nível autorregulatório é alcançado quando, além de praticar deliberadamente, o estudante consegue sistematicamente adaptar seu desempenho às condições contextuais. A variabilidade de estratégias torna-se maior e os ajustes são realizados a partir dos resultados obtidos. A motivação que sustenta esse nível depende basicamente da autoeficácia (Zimmerman, 2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.).

Salienta-se que o desenvolvimento da autorregulação não ocorre por meio de uma sequência estática e imutável de quatro estágios. Assume-se que à medida que o estudante vai alcançando níveis mais complexos no que tange à sua regulação, ele irá aprender mais e de forma mais efetiva. Todavia, mesmo atingindo o nível autorregulatório, o estudante pode não agir de forma autorregulada por questões contextuais, como cansaço, desinteresse ou falta de comprometimento (Zimmerman, 2000Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.).

Nem todos os indivíduos que compartilham do mesmo contexto apresentarão o mesmo nível de desenvolvimento regulatório. Por exemplo, na comparação entre novatos e veteranos na prática esportiva, os novatos apresentam dificuldades em reforçar os aspectos motivacionais, levando-os a agirem mais de forma reativa do que proativa frente aos acontecimentos. Sendo assim, podem falhar ao estabelecer objetivos e monitorar o processo de desempenho. Por outro lado, os veteranos demonstram maiores níveis de motivação e estabelecimento de objetivos, com o encadeamento de objetivos proximais e distais, monitoram o alcance das metas e ajustam o andamento das atividades, caso necessário (Cleary & Zimmerman, 2001Cleary, T. J, & Zimmerman, B. J. (2001). Self-regulation differences during athletic practice by experts, nonexperts, and novices. Journal of Applied Sport Psychology, 13, 61-82. doi:10.1080/104132001753149883
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).

Como medir de modo mais apropriado a autorregulação da aprendizagem tem sido um assunto cada vez mais discutido. Instrumentos de autorrelato ainda são os mais utilizados por pesquisadores e educadores (Clearly, Callan, & Zimmerman, 2012Zimmerman, B. J. (2000). Attaining Self-Regulation: A Social Cognitive Perspective. In M. Boekaerts; P . R. Pintrich; & M. Zeidner(Orgs.), Handbook of self-regulation(p. 13- 35). San Diego, CA: Academic Press.). No entanto, tais instrumentos costumam medir o fenômeno de uma forma estática, atemporal e descontextualizada, o que não condiz com a definição da autorregulação da aprendizagem. Dessa forma, como alternativa, técnicas microanalíticas vêm sendo desenvolvidas a fim de acessar o fenômeno autorregulatório respeitando sua dinamicidade e processualidade. Por exemplo, na área de desenvolvimento musical, novos protocolos relacionados à prática musical têm sido utilizados para acompanhar o processo autorregulatório de aprendizagem dos estudantes (McPerson, Osborne, Evans, & Miksza, 2019McPherson, G. E., Osborne, M. S., Evans, P., & Miksza, P. (2019). Applying self-regulated learning microanalysis to study musician’s practice. Psychology of Music, 47(1), 18-32. doi:10.1177/0305735617731614
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).

Entendendo que a promoção da autorregulação é um processo dinâmico e contextualizado, buscou-se compreender como ocorre o desenvolvimento da autorregulação da aprendizagem em estudantes universitários. Para isso, serão apresentados três casos de universitários que participaram de uma intervenção com foco em aspectos autorregulatórios, descrevendo descrever diferentes trajetórias de regulação e de mudanças ao longo do tempo. É importante ressaltar que a proposta desse trabalho não envolve a avaliação da intervenção em si mesma. A intervenção foi adotada, aqui, como o contexto compartilhado pelos participantes.

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo longitudinal e de caso coletivo (Stake, 1994Stake, R. E. (1994). Case studies. In N. Denzin Y. Lincoln, Handbook of qualitative research(p. 236-247). Newsbury Park, CA: Sage.), cujo intuito foi descrever como ocorreu o processo de desenvolvimento da autorregulação da aprendizagem em estudantes universitários ao longo do período em que ocorria uma intervenção. A estratégia de estudo de caso foi adotada por possibilitar melhor compreensão do fenômeno, não seguindo um critério de saturação.

O programa de intervenção foi composto por três encontros, um por semana, com a duração de 02 horas cada. A atividade teve a seguinte organização: no encontro 1 foram trabalhados os aspectos motivacionais, em especial o desenvolvimento de carreira; no encontro 2, exploraram-se os aspectos motivacionais relacionados à autoeficácia acadêmica e metas de realização, além do foco nas estratégias de aprendizagem e monitoramento do processo de estudos; no encontro 3, realizou-se reflexão sobre o processo de estudos e a intervenção realizada. A intervenção foi realizada com estudantes dos cursos de engenharias, física, química e matemática, pelo maior número de reprovações e de dificuldades acadêmicas que estes cursos costumam ter.

Participantes

Participaram desse estudo três estudantes universitários que fizeram parte de uma intervenção voltada à autorregulação da aprendizagem. Optou-se por convidar apenas estudantes participantes de todos os encontros da intervenção, pois partiu-se do princípio de que estariam mais sensíveis a potenciais mudanças autorregulatórias, permitindo, assim, identificar e compreender o processo de desenvolvimento autorregulatório com maior detalhamento.

Instrumentos

Foram realizadas três entrevistas semiestruturadas com cada participante, de forma individual, a fim de se investigar as possíveis mudanças ocorridas durante o período de intervenção. As entrevistas foram organizadas da mesma forma nos três momentos de investigação, sendo que o parâmetro adotado foi a relação do estudante com suas atividades acadêmicas na semana anterior. Foram investigadas três etapas autorregulatórias (antecipação, desempenho e autorreflexão) por meio dos seguintes aspectos relacionados ao processo de estudos: objetivos traçados e resultados alcançados, estratégias utilizadas, nível de satisfação, próximas metas etc. (Cleary, Callan, & Zimmerman, 2012Cleary, T., Callan, G. L., & Zimmerman, B. J. (2012). Assessing self-regulation as a cyclical, context-specific phenomenon: overview and analysis of SRL microanalytic protocols. Education Research International, 1-19. doi:10.1155/2012/428639
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). Tais entrevistas tiveram como objetivo identificar aspectos do processo autorregulatório que ocorriam durante atividades acadêmicas, o que é diferente de se avaliar retrospectivamente a percepção da efetividade da intervenção realizada. Buscou-se, assim, uma medida microanalítica, cujas perguntas foram abertas, a fim de facilitar os relatos dos estudantes sobre o que pensaram e como agiram durante os momentos de aprendizagem (Clearly, Callan, Malatesta, & Adams, 2015Cleary, T., Callan, G.L., Malatesta, J., & Adams, T. (2015). Examining the level of convergence among self-regulated learning microanalytic processes, achievement, and a self-report questionnaire. Journal of Psychoeducational Assessmen t, 33(5), 439-450. doi:10.1177/0734282915594739
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).

Procedimentos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética (parecer nº 790.311) do Instituto de Psicologia da universidade onde se desenvolveu a intervenção. Durante o primeiro encontro, foram explicados os objetivos da pesquisa e seu caráter longitudinal. Aqueles que demonstraram interesse e disponibilidade de realizarem as entrevistas foram posteriormente contatados. Na primeira entrevista, foi colhida a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram agendadas após cada encontro em grupo: a entrevista um foi realizada após o primeiro encontro do grupo; a entrevista 2, após o segundo encontro; e a entrevista 3, após o terceiro encontro. Entre cada entrevista houve o tempo de uma semana. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas para análise. Foram mantidos os casos que finalizaram todos os três encontros da intervenção. Ressalta-se que os estudantes participaram de edições diferentes da intervenção. Ao total, foram realizadas cinco edições da intervenção, no decorrer do período de dez meses. O processo de convite para participação no estudo qualitativo ocorreu da mesma forma em todas as edições, porém foi possível contar com apenas três participantes que se mostraram interessados e que concluíram os encontros na sua totalidade.

Análise de dados

Os dados foram analisados a partir de categorias teóricas definidas a priori: antecipação - desempenho - autorreflexão (Braun & Clark, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3, 77-101. doi:10.1191/1478088706qp063oa
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; Cleary, Callan, & Zimmerman, 2012Cleary, T., Callan, G. L., & Zimmerman, B. J. (2012). Assessing self-regulation as a cyclical, context-specific phenomenon: overview and analysis of SRL microanalytic protocols. Education Research International, 1-19. doi:10.1155/2012/428639
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). Na categoria antecipação, encontram-se os processos que precedem a ação de estudar, o que pode incluir o estabelecimento de objetivos, a autoeficácia e o autoconceito vocacional. A categoria desempenho envolve os processos que ocorrem durante a ação e que afetam o seu desenrolar, o que, nesse caso, inclui as estratégias de aprendizagem e o automonitoramento. Já na categoria autorreflexão, estão os processos que ocorrem após a ação de estudar, o que pode incluir a autoavaliação, atribuição causal e autossatisfação. Ressalta-se que tais processos ocorrem simultaneamente, sendo sua divisão apenas teórica para melhor compreensão do desenvolvimento autorregulatório.

Resultados

Os casos serão apresentados individualmente e de forma sucinta. Dentro de cada fase apresentada, há a descrição das três entrevistas realizadas.

Caso 1 (A.)

O estudante A., de 21 anos, cursava engenharia mecânica e, na época, estava, de acordo com a própria definição, aproximadamente no quarto semestre; possuía cinco reprovações, avaliando seu desempenho acadêmico como ‘Ruim’; relatou que já havia pensado em abandonar o curso em função disso, e buscou a intervenção a fim de aprender novas estratégias e se organizar melhor para lidar com as demandas acadêmicas.

Fase de antecipação/motivação

Inicialmente, para A., estudar era visto como uma obrigação a fim de responder a prazos externos, como provas e avaliações. Sua organização ocorria pelas urgências. Referia desânimo e desinteresse no curso pela dificuldade de desempenho, inclusive, cogitando abandonar o curso. Na segunda entrevista, indicou mudanças no seu planejamento, estipulando horários e objetivos de estudos. Sentia-se mais determinado a seguir seu cronograma, inclusive acrescentou novas atividades, como academia e nutricionista. Por fim, na última entrevista, avaliou que havia conseguido seguir os objetivos propostos, porém tinha ido mal em uma das avaliações. Tal resultado interferiu na sua motivação em seguir em frente e, inclusive, em permanecer no curso.

Fase de desempenho/comportamental

Inicialmente, A. descreveu que utilizava uma planilha para se organizar, em especial no que se refere aos horários, porém não especificava os conteúdos a serem estudados. Costumava ler, fazer resumos e exercícios. Caso sentisse alguma dificuldade, retomava os conteúdos. Por sua vez, no segundo contato, relatou que houve duas mudanças de estratégia: 1) passou a definir o que estudar em cada horário e 2) pediu ajuda ao seu orientador de pesquisa para realizar um exercício. Já na última entrevista, referiu a manutenção dos horários de estudo, incluindo o sábado, caso houvesse necessidade. Além disso, distribuiu seus horários de lazer e tempo com a família. Passou a controlar mais os distratores, em especial, as redes sociais.

Fase de autorreflexão

Inicialmente, A. não demonstrou satisfação com seu processo de estudos e percebia procrastinação. Apesar de possuir estratégias de estudo, não conseguia aplicá-las. Por sua vez, no segundo momento, identificou que a desorganização nos horários era a sua principal dificuldade e era nesse foco que vinha trabalhando. Estava se sentindo feliz com as mudanças percebidas na sua motivação e no seu comportamento, avaliava como positivo seu processo de estudos, apesar de não ter tido ainda o retorno de suas avaliações. Por fim, no terceiro momento, avaliava que teve uma semana boa de estudos. No entanto, sentia-se chateado com o retorno negativo de uma das avaliações e entendia que precisava prestar mais atenção durante a realização da avaliação, pois errou uma das questões pela confusão entre unidades de medida e atribuiu que a prova estava acima do seu nível de conhecimento, sendo algo não visto em aula.

Caso 2 (C.)

A estudante C., de 20 anos, cursava engenharia elétrica; estava aproximadamente no segundo semestre, tendo três reprovações, avaliava seu desempenho como ‘razoável’, mas relatou que já pensou em abandonar o curso por dificuldades relacionadas aos estudos. C. buscou a intervenção como última alternativa para lidar com as reprovações e sua desmotivação com o curso.

Fase de antecipação

Inicialmente, a estudante ponderou os prós e os contras do seu processo de escolha, chegando a pensar em desistir do curso pelas dificuldades acadêmicas, priorizava aquilo que possuía mais interesse, ou seja, aqueles conteúdos que entendia serem mais relacionados com a prática profissional e passou a focar no aprender e não mais em simplesmente ser aprovada. Ao mesmo tempo, percebia que demorava muito para iniciar os estudos. No segundo momento, referiu dificuldades para alcançar os objetivos traçados durante a semana, planejava diluir o conteúdo das disciplinas ao longo do tempo, em especial, queria priorizar as disciplinas que considerava mais chatas e, consequentemente, mais exigentes. Não se sentia muito confiante para passar em todas as disciplinas, assim, projetava a possibilidade de ter que abrir mão de alguma delas, caso não conseguisse se organizar. Por fim, na última entrevista, referiu mais uma vez não ter alcançado todos os objetivos que se propôs. No entanto, sentia-se mais esperançosa sobre ser aprovada. Referiu estar antecipando as atividades que irá realizar e passou a refletir sobre seus objetivos, o que a deixou mais motivada por ter agora parâmetros de comparação; percebia-se mais autodidata, não esperando tanto apenas pelo professor, mas buscar alternativas.

Fase de desempenho/comportamental

Inicialmente, suas estratégias relacionavam-se a ler partes do conteúdo que não entendia. Referia não ter paciência de fazer exercícios e experimentou novos lugares para estudar, como a biblioteca, pois avaliou que em casa possui muitos distratores. Já na segunda entrevista, referiu que otimizou pequenos períodos vagos para estudar. Além disso, passou a ler e a realçar partes importantes dos textos, porém, novamente não conseguiu se organizar para fazer os resumos. No entanto, contou que conseguiu prestar mais atenção na aula, o que a levou a identificar com mais facilidade como ocorre em seu processo de estudos. Por último, conseguiu estudar com uma amiga e reconheceu a importância de fazer exercícios, algo que não costumava fazer e adotou comportamentos de automonitoramento, assim passou a perceber mais o que sabe e o que não sabe, e o que precisa ainda aprender.

Fase de autorreflexão

De início, refletiu que entrou no curso sem ter muitas informações. Quanto aos estudos, definiu como um processo difícil e torturante, levando-a a avaliar como ruim sua forma de estudar; entendia que era necessário algo externo ajudando-a a lembrar de suas atividades. Já na segunda entrevista, relatou estar mais consciente sobre o que não estava certo no seu processo de estudar e o que precisava realizar para mudar isso; refletiu que ficou chateada por não conseguir lidar com os distratores e as atividades extraclasse, acreditava que necessitava ser pressionada por prazos e estímulos externos para dar conta das suas demandas; obteve o resultado de uma prova e identifica que não foi bem, pois faltou dominar conceitos importantes. Por fim, no último contato, mesmo não realizando um dos trabalhos previstos, conseguiu identificar o que era para ser feito e o que fez de errado. Além disso, passou a analisar de forma diferente as suas provas. Anteriormente, apenas olhava o resultado. Agora, buscava entender o porquê de seus erros e qual o raciocínio utilizado, observou a presença de um processo gradual de mudança de postura e de hábito.

Caso 3

A estudante P., 30 anos, cursava física - licenciatura. Na época, estava aproximadamente no terceiro semestre, tendo quatro reprovações. Avaliava seu desempenho como ‘razoável’, porém já havia pensado em abandonar o curso pelas dificuldades relacionadas aos estudos. P. possuía família própria e havia trocado de curso anteriormente (cursava matemática); buscou a intervenção para aprender a identificar suas dificuldades e a lidar melhor com elas, desenvolvendo novas estratégias.

Fase de antecipação/motivacional

De início, notou uma mudança na sua forma de encarar os estudos, passando a apresentar mais persistência na busca por alternativas para sua aprendizagem; relatou que não conseguia equilibrar os horários de estudos e as demandas de forma a dar conta de todas as disciplinas. Por sua vez, na segunda entrevista, relatou maior organização de tempo e alcance dos objetivos propostos. Quanto ao seu foco de estudos, seguia com o objetivo de aprender o conteúdo e, para isso, estava se sentindo mais segura para experimentar novas estratégias de estudo. Por fim, no último momento, relatou maior segurança e confiança, inclusive para o semestre seguinte e identificou também maior foco nos objetivos, apesar dos imprevistos cotidianos.

Fase de desempenho/comportamental

De início, passou a ficar mais atenta às suas atitudes. Antes, não identificava onde estava seu erro e, consequentemente, não sabia onde buscar ajuda. Percebeu que tem aplicado uma variedade maior de estratégias. Já na segunda entrevista, indicou que segue prestando atenção no seu processo de estudo e acrescentou novas estratégias ao seu repertório: tem usado bilhetes coloridos, sinaliza pontos no livro, toma nota das explicações dos professores etc. Realizou trabalho em grupo, inclusive, convidou uma colega para estudar, algo que jamais tinha feito durante sua graduação. Por último, refinou seu processo de monitoramento, identificando que costuma errar nos cálculos mais básicos e não na técnica. Pela primeira vez, estava lendo os enunciados com atenção e passou a revisar a prova antes de entregá-la.

Fase de autorreflexão

Percebia-se como uma estudante curiosa e estava se sentindo mais satisfeita com a forma como passou a lidar com seu processo de estudos. Relatou que tinha aprendido mais e não esquecia seus aprendizados. Em um segundo momento, reforçou a ideia trazida anteriormente, indicando maior satisfação e referindo que estava aprendendo a estudar. Por último, avaliou que queria manter o que foi construído até então, comparando a qualidade do seu processo de estudo com o rendimento das suas notas.

Discussão

O processo de desenvolvimento da autorregulação apresentou-se de forma diferenciada para cada caso. Na Tabela 1 é apresentada uma síntese das mudanças vivenciadas ao longo da intervenção.

No caso 1, observa-se que a motivação do estudante para seguir estudando dependia dos resultados obtidos nas avaliações, inclusive já havia pensado em abandonar o curso pelas dificuldades de desempenho vivenciadas. Nesse sentido, apesar de ter realizado alguns avanços no que se refere ao estabelecimento de objetivos (definiu antecipadamente horários e conteúdos do que estudar, não estudando apenas de acordo com as urgências), sua confiança e persistência ainda se mostravam dependentes dos resultados das avaliações. No ciclo autorregulatório, observa-se que a autoeficácia possui papel importante na forma como o sujeito encara seus desafios, como se comporta frente às dificuldades e sustenta suas práticas regulatórias, culminando em melhores resultados acadêmicos (Brown et al., 2008Brown, S. D., Tramayne, S., Hoxha, D., Telander, K., Fan, X., & Lent, R. W. (2008). Social cognitive predictors of college students’ academic performance and persistence: a meta-analytic path analysis. Journal of Vocational Behavior, 72, 298-308. doi:10.1016/j.jvb.2007.09.003
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). O caso 1 apresentou um padrão instável de autoeficácia, atrelado a um componente externo de regulação (resultado da prova), o que tornou seu processo regulatório dependente disso. Mesmo ainda se baseando em um referencial externo, o estudante percebeu que seu processo de estudos era diferente do resultado da prova. Apesar de estar chateado com o resultado da prova, sentia-se satisfeito com os estudos realizados. Tal reflexão denota avanço qualitativo na sua capacidade de diferenciar o que é processo e o que é resultado. Focar no processo proporciona que as práticas sejam guiadas e monitoradas pelo próprio indivíduo, aumentando sua motivação pela regulação interna dos caminhos necessários para alcançar determinada competência (Lau, Kitsantas, & Miller, 2015Lau, C., Kitsantas, A., & Miller, A. (2015). Using microanalysis to examine how elementary students self-regulate in math: a case study. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 174, 2226-2233. doi:10.1016/j.sbspro.2015.01.879
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).

O caso 2 apresentou maiores dificuldades para alcançar os objetivos propostos, avaliando seu processo de estudos como torturante. Obteve alguns avanços ao antecipar e projetar determinadas atividades que precisava realizar. No entanto, definia-se como procrastinadora, referindo que possuía dificuldades para iniciar seu processo de estudos. A procrastinação vem sendo associada a resultados acadêmicos ruins ou abaixo do esperado (Kim & Seo, 2015Kim, K. R., & Seo, E. H. (2015). The relationship between procrastination and academic performance: a meta-analysis. Personality and Individual Differences, 82, 26-33. doi:10.1016/j.paid.2015.02.038
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), o que pode ser compreendido pela dificuldade do estudante em colocar em prática aquilo que planeja. Mesmo reconhecendo-se como procrastinadora e compreendendo as consequências desse tipo de postura, a estudante não conseguiu adotar comportamentos que a deslocassem dessa posição. Nesse sentido, ainda se faziam necessários estímulos externos para ajudá-la a lidar com as demandas acadêmicas, pois ela apresentava dificuldade em sustentar de forma autônoma sua motivação para iniciar e manter as estratégias delineadas.

Tabela 1
Síntese das mudanças vivenciadas ao longo da intervenção

De forma geral, os estudantes que se definem como autorregulados tendem a se engajar menos em comportamentos procrastinatórios, se comparados com outros estudantes. Em especial, aqueles estudantes que se mostram mais confiantes na sua capacidade de lidar com as demandas acadêmicas tendem a procrastinar menos (Wolters, 2003Wolters, C. A. (2003). Understanding procrastination from a self-regulated learning perspective. Journal of Educational Psychology, 95(1), 179-187. doi:10.1037/0022-0663.95.1.179
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). A aprendizagem autorregulada depende de uma postura proativa do estudante não apenas no estabelecimento de objetivos, mas também na sua execução. No caso 2, pode-se observar avanço na auto-observação e na identificação dos erros cometidos, porém tais ajustes, apesar de serem antecipados, não eram colocados em prática pela estudante.

Estudantes que procrastinam têm dificuldades em adotar estratégias autorregulatórias, sejam elas cognitivas e/ou metacognitivas (Wolters, 2003Wolters, C. A. (2003). Understanding procrastination from a self-regulated learning perspective. Journal of Educational Psychology, 95(1), 179-187. doi:10.1037/0022-0663.95.1.179
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). Com isso, a procrastinação acabou reforçando a necessidade de estímulos externos para se lidar com as demandas acadêmicas.

Por último, pode-se afirmar que o caso 3 foi o que mais se destacou como tendo construído um funcionamento autorregulatório no decorrer da intervenção. A estudante reforçou seus aspectos motivacionais, em especial a crença na sua capacidade de buscar alternativas e a segurança para tentar novas estratégias. A partir disso, o ciclo autorregulatório pareceu entrar em ação e ocorrer quase naturalmente. Percebeu-se maior repertório de estratégias, maior automonitoramento e maior satisfação com o processo de estudos realizado. Observa-se, mais uma vez, a importância da autoeficácia como motivadora e propulsora de mudanças nas práticas autorregulatórias. Além de sua função no ciclo autorregulatório, a autoeficácia relaciona-se positivamente com a adaptação acadêmica (Haddad & Taleb, 2016Haddad, S., & Taleb, R. A. (2016). The impact of self-efficacy on performance (an empirical study on business faculty members on Jordanian universities). Computers in Human Behavior, 55, 877-887. doi:org/10.1016/j.chb.2015.10.032
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).

Como pode-se perceber, cada caso apresentou uma trajetória diferenciada de desenvolvimento das competências autorregulatórias. O caso 1 demonstrou avanços quanto ao estabelecimento de objetivos e repertório de estratégias, porém sua instabilidade quanto à crença de autoeficácia refletiu em uma trajetória de mudanças também instável e ainda dependente de resultados externos balizadores. O desenvolvimento da autorregulação estava sendo construído, o que pode justificar a presença concomitante de reguladores internos e externos, e a consequente ambivalência frente a essa situação. Pode-se pensar que o caso 1 necessitasse de mais tempo para construir sua nova postura autorregulatória.

No caso 2, observou-se a dificuldade em iniciar o ciclo autorregulatório. Provavelmente, a estudante encontra-se nos níveis iniciais do desenvolvimento da autorregulação - observação e emulação. A procrastinação pode limitar o avanço para os demais níveis de desenvolvimento que dependem de uma regulação mais interna (autocontrole e autorregulação). Já o caso 3 pode ser visto como oposto ao caso 2. A estudante do caso 3 demonstrou colocar em prática o ciclo autorregulatório (antecipação, desempenho e autorreflexão) de forma cada vez mais refinada e complexa. Seus movimentos, desde o primeiro, foram ao encontro de uma maior autorregulação, basicamente por meio de aumento na autoeficácia.

Os casos apresentados exemplificam diferentes trajetórias do processo de autorregulação da aprendizagem. Ressalta-se que tal processo não é linear, caracterizando-se por ambivalências, avanços e retrocessos. Nesse sentido, observa-se que o processo de internalização da regulação parece depender, inicialmente, de uma fonte externa de referência. Esse regulador externo atua ao dar apoio, suporte e/ou feedback. Sabe-se que no processo autorregulatório o sujeito monitora o alcance dos seus objetivos pelos parâmetros internos, porém quando esse processo ainda não está introjetado, há a necessidade de que algo externo desempenhe o papel de regulador. No caso 1, o feedback proveniente do resultado das avaliações atuou como parâmetro para guiar o estudante. No caso 2, por sua vez, a estudante necessitava de parâmetros externos para motivá-la a iniciar a execução das tarefas, algo que não conseguia realizar de forma autônoma. Já no caso 3, pode-se pensar que o próprio fato de ter participado da intervenção serviu como estímulo para que iniciasse o processo autorregulatório e, a partir disso, seguisse de forma mais autônoma.

Considerações finais

Mesmo que esse não seja um estudo com foco na efetividade de uma intervenção, foi possível perceber que uma atividade com foco na autorregulação da aprendizagem pode promover mudanças no desenvolvimento dessa competência, porém cada estudante/participante terá o seu processo de construção e desenvolvimento. No entanto, salienta-se que alguns participantes podem necessitar de intervenções mais individualizadas, como é o caso da estudante que se percebia procrastinadora, o que implica na identificação do perfil desses casos para um posterior acompanhamento.

Por fim, esse estudo teve por objetivo compreender como ocorre o desenvolvimento da autorregulação em estudantes universitários. Para isso, adotou-se então a intervenção como o contexto compartilhado entre os estudantes, a fim de se verificar potenciais mudanças a favor do desenvolvimento autorregulatório. Nesse sentido, adotou-se uma ferramenta microanalítica de acesso aos dados, respeitando o caráter dinâmico, processual e contextualizado da autorregulação da aprendizagem. Pondera-se, então, que o mérito deste estudo recaia na utilização de uma abordagem qualitativa, sensível a mudanças ao longo do tempo (McCardle & Hadwin, 2015McCardle, A. & Hadwin, A. F. (2015). Using multiple, contextualized data sources to measure learner’s perceptions of their self-regulated learning. Metacognition Learning, 10(1), 43-75. doi:10.1007/s11409-014-9132-0
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). O uso de medidas microanalíticas permitem que os educadores acessem informações contextualizadas sobre como seus estudantes autorregulam sua aprendizagem, em especial, enfatizando a promoção de objetivos processuais, e não apenas com foco em resultados de aprovação (Lau, Kitsantas, & Miller, 2015Lau, C., Kitsantas, A., & Miller, A. (2015). Using microanalysis to examine how elementary students self-regulate in math: a case study. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 174, 2226-2233. doi:10.1016/j.sbspro.2015.01.879
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).

Sendo um estudo qualitativo, poucos casos foram avaliados, o que significa que é possível que haja mais trajetórias diferenciadas quanto ao desenvolvimento da autorregulação da aprendizagem. Sugere-se que seja dada continuidade a esse estudo, com, por exemplo, a realização de um acompanhamento longitudinal mais longo, o que possibilitaria uma riqueza maior de informações. Nesse sentido, cabe refletir sobre um possível viés de seleção no estudo, com os estudantes mais autorregulados demonstrando interesse e organização para participar de todas as etapas da pesquisa.

Através dos casos analisados, identificaram-se trajetórias diferenciadas para cada estudante. No entanto, percebeu-se que os estudantes que apresentaram maiores dificuldades em se autorregular ainda se mostravam atrelados a regulações externas, em especial aos resultados das avaliações. Nesse sentido, torna-se importante pontuar que, no início do desenvolvimento da autorregulação, as regulações externas e sociais são necessárias para que o estudante possa incorporar posteriormente as práticas de forma autônoma e crítica. No entanto, cabe refletir se ao estudante estão sendo oferecidos outros feedbacks, além dos resultados das avaliações.

Sabe-se que, no contexto universitário, exige-se que o estudante atue de modo autônomo e proativo, porém algumas vezes isso pode ser confundido como agir de forma isolada e por conta própria. Oferecer feedback ao estudante é muito mais do que avaliá-lo através de uma prova e/ou um trabalho. Um feedback efetivo é visto como parte do processo de aprendizagem e desenvolvimento do estudante, ao encorajar a reflexão e focar na autorregulação. Além disso, em especial, estudantes no início do curso podem se beneficiar de um suporte mais ativo dos seus colegas veteranos, professores e orientadores no curso (Berkout, Helmich, Teunissen, Van der Vleuten, & Jaarsma, 2017Berkout, J. J., Helmich, E., Teunissen, P. W., Van der Vleuten, C. P. M., & Jaarsma, A. D. C. (2017). How clinical medical students perceive others to influence their self-regulated learning. Medical Education, 51, 269-279. doi:10.1111/medu.13131
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).

Nesse sentido, cabe também à universidade o papel de promotora e potencializadora de competências regulatórias nos estudantes. Se os docentes promovem retornos baseados apenas nas avaliações, dificilmente os estudantes terão parâmetros para avaliar a qualidade do seu processo de estudos, pois o parâmetro oferecido foca no resultado, não no processo. Para formar estudantes autorregulados, é necessário investir não apenas na transmissão e mensuração do conhecimento, mas também na proposição de avaliações e feedbacks que acompanhem o processo de desenvolvimento desse estudante. Essa mudança de abordagem, muitas vezes, implica e demanda uma mudança de proposta pedagógica dos cursos e das instituições. Implica em estar aberto a reconhecer a presença de diferentes formas de aprender e diferentes trajetórias de desenvolvimento autorregulatório.

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    Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2019
  • Aceito
    27 Fev 2020
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