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Aprimoramento cognitivo farmacológico: motivações contemporâneas1 1 Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Perfeccionamiento cognitivo farmacológico: motivaciones contemporáneas

RESUMO.

O objetivo deste artigo, de caráter teórico descritivo, foi analisar as principais motivações para o aprimoramento cognitivo farmacológico na contemporaneidade, mediante o diálogo com autores que investigaram alguns fenômenos da denominada pós-modernidade, tais como Deleuze (1992), Foucault (2000), Bauman (2001) e Han (2015), além de autores do campo psicanalítico (Bezerra Júnior, 2010; Ferraz, 2014; Birman, 2014) que tecem críticas à questão da medicalização da educação e seus desdobramentos. Constatou-se que, na atualidade, a busca pelo aprimoramento cognitivo farmacológico está intimamente ligada ao estilo de vida e ao de sociedade construídos nas últimas décadas. Independentemente da palavra utilizada para nomear o momento histórico vivido, está cada vez mais difícil lidar com a realidade e, nesse contexto, o aprimoramento cognitivo farmacológico revela-se como uma das facetas do fenômeno recente conhecido como psiquiatrização da normalidade. Como resultado, nota-se também que o uso não médico e indiscriminado de medicamentos para ‘turbinar’ o cérebro tem tornado uma prática comum entre os estudantes universitários; por esse motivo, não se trata meramente de uma questão educacional relacionada à interferência nos processos de ensino e de aprendizagem, mas de um problema de saúde pública. Conclui-se que esse fenômeno suscita, na sociedade atual, desafios de diferentes ordens, razão pela qual merece atenção especial da comunidade científica.

Palavras-chave:
Aprimoramento cognitivo farmacológico; medicalização da educação; contemporaneidade

RESUMEN.

El objetivo de este artículo, de carácter teórico descriptivo, ha sido el de analizar las principales motivaciones para el perfeccionamiento cognitivo farmacológico en la contemporaneidad, el diálogo con autores que investigaron algunos fenómenos de la llamada posmodernidad, tales como Deleuze (1991), Foucault (2000), Bauman (2001) y Han (2015), además de autores del campo psicoanalítico (Bezerra Júnior, 2010; Ferraz, 2014; Birman, 2014) que lanzan críticas a la cuestión de la medicalización de la educación y sus desdoblamientos. Se constató que actualmente, la búsqueda por el perfeccionamiento cognitivo farmacológico está íntimamente conectada al estilo de vida y de la sociedad construido em las últimas décadas. Independientemente de la palabra utilizada para nombrar el momento histórico vivido, está cada día más difícil lidiar con la realidad y, en ese contexto, el perfeccionamiento cognitivo farmacológico se revela cómo a una de las facetas del fenómeno reciente conocido como psiquiatrización de la normalidad. Como resultado, se nota también que el uso no medico e indiscriminado de medicinas para potencializar el cerebro se ha tornado una práctica común entre los estudiantes universitarios; por ese motivo, no se trata meramente de una cuestión educacional relacionada a la interferencia en los procesos de enseñanza y aprendizaje, pero de un problema da salud pública, se concluye que ese fenómeno suscita, en la sociedad actual, desafíos de diferentes órdenes, razón por la cual merece atención especial de la comunidad científica.

Palabras clave:
Perfeccionamiento cognitivo farmacológico; medicalización de la educación; contemporaneidad

ABSTRACT.

The aim of this theoretical descriptive study was to analyze the main motivations for pharmacological cognitive enhancement in contemporary times through the dialogue with authors who investigated some phenomena of the so-called post-modernity, such as Deleuze (1992), Foucault (2000), Bauman (2001) and Han (2015), in addition to authors of the psychoanalytic field (Bezerra Júnior, 2010; Ferraz, 2014; Birman, 2014) that criticize the issue of medicalization of education and its consequences. It was found that, currently, the search for pharmacological cognitive enhancement is closely linked to the lifestyle and society built in the last decades. Regardless of the name given to the historical moment the society is, it is increasingly difficult to deal with reality and, in this context, the pharmacological cognitive enhancement is revealed as one of the facets of the recent phenomenon known as ‘psychiatrization of normality’. As a result, it is also noted that the non-medical and indiscriminate use of drugs to boost brainpower has become a common practice among college students; for this reason, it is not merely an educational issue that may interfere with the teaching-learning process, but also a public health problem. It is concluded that this phenomenon raises, in today’s society, challenges of different orders, which is why it deserves special attention from the scientific community.

Keywords:
Pharmacological cognitive enhancement; medicalization of education; contemporaneity

Introdução

O consumo de medicamentos para o aprimoramento das funções cognitivas é uma prática que vem crescendo consideravelmente na contemporaneidade. Caracteriza-se pelo uso de psicotrópicos por indivíduos saudáveis, que visam a aperfeiçoar seu funcionamento cognitivo, emocional e motivacional, especificamente pelo aumento de níveis de concentração, de organização e de vigília, a fim de melhorar o rendimento escolar ou o desempenho no trabalho (Barros & Ortega, 2011Barros, D; & Ortega, F. (2011). Metilfenidato e aprimoramento cognitivo farmacológico. Saúde e Sociedade, 20(2), 350-362. DOI: 10.1590/S0104-12902011000200008
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; Araújo, 2017Araújo, M. (2017). Próteses na cultura do período entreguerras: uma investigação sobre as origens do debate filosófico sobre “aprimoramento humano”. Prometeus Filosofia em Revista, 10(23), 267-298. Recuperado de: https://seer.ufs.br/index.php/prometeus/article/view/6518/5396
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).

Esse fenômeno ganhou contornos farmacológicos mais intensos na passagem do século XX para o século XXI. Sujeitos ‘normais’, na esperança de potencializar suas funções cognitivas, passaram a consumir substâncias psicotrópicas de venda controlada que, em sua maioria, podem causar dependências física e psíquica. Mesmo com o uso crescente dessas substâncias, a comunidade científica ainda não reconheceu a segurança e a eficácia das mesmas para o aprimoramento das funções cognitivas.

Os medicamentos utilizados para essa finalidade são os psicotrópicos ou psicoestimulantes, também denominados, na literatura especializada, nootrópicos - do grego nous, mente’, mais tropos, ‘curvar ou mudar’ -, termo usado para nomear uma classe de substâncias (sintéticas ou naturais) que, supostamente, teria a capacidade de promover a melhoria das funções cognitivas, como o pensamento, a linguagem, a percepção, a memória, a aprendizagem e a atenção, desde que não apresentem toxicidade ou potencial para a adição.

Entre os nootrópicos disponíveis no mercado estão o Nootropil® (Piracetam), o Stavigile® (Modafinila), o Venvanse® (Dimesilato de lisdexanfetamina), a Donepezila® (Cloridrato de donepezila) e a Ritalina® (Metilfenidato), este, indiscutivelmente, o mais popular e o mais consumido no Brasil e no mundo (Gonçalves & Pedro, 2018Gonçalves, C. S; & Pedro, R. M. L. R. (2018). “Drogas da Inteligência?”: cartografando as controvérsias do consumo da Ritalina® para o aprimoramento cognitivo. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 8(2), 71-94. DOI: 10.26864/pcs.v8.n2.5
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).

Esses nootrópicos funcionam como estimulantes do sistema nervoso central, com mecanismo de ação ainda não elucidado e estruturalmente relacionado às anfetaminas - substâncias prescritas, em regra, para narcolepsia, para Alzheimer e para Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). No entanto, segundo o Boletim de Farmacoepidemiologia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados [SNGPC] da Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA (2012)Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA]. (2012). Prescrição e consumo de metilfenidato no Brasil: identificando riscos para o monitoramento e controle sanitário. Boletim de Farmacoepidemiologia do SNGPC, 2(2), 1-14. Recuperado de: https://docplayer.com.br/3953312-Prescricao-e-consumo-de-metilfenidato-no-brasil-identificando-riscos-para-o-monitoramento-e-controle-sanitario.html
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], o aumento exponencial do consumo desses medicamentos se deve ao uso não médico para o ‛aprimoramento cognitivo’, como instrumento para a melhoria do desempenho escolar de crianças, de adolescentes, bem como de adultos.

Vários nomes são atribuídos a essa prática, tais como ‘neurologia cosmética’ (Chatterjee, 2004Chatterjee, A. (2004). Cosmetic neurology: the controversy over enhancing movement, mentation, and mood. Neurology, 63(6), 968-974. DOI: 10.1212/01.WNL.0000138438.88589.7C
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), ‘psiquiatria cosmética’ (Giannini, 2004Giannini, J. (2004). The case for cosmetic psychiatry: treatment without diagnosis. Psychiatric Times, 21(7), 1-2.), ‘doping intelectual’, ‘doping mental’ (Han, 2015Han, B. (2015). Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes .) e ‘aprimoramento cognitivo farmacológico’5 5 Passaremos a utilizar a sigla ACF para nos referirmos à nomenclatura ‘aprimoramento cognitivo farmacológico’. , designação criada por Barros e Ortega (2011Barros, D; & Ortega, F. (2011). Metilfenidato e aprimoramento cognitivo farmacológico. Saúde e Sociedade, 20(2), 350-362. DOI: 10.1590/S0104-12902011000200008
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) a qual adotamos nesse artigo por considerá-la mais precisa.

Apesar de não ser uma novidade, no Brasil, o fenômeno do ACF passou a ser debatido com mais intensidade pela comunidade científica a partir de dezembro de 2008, por ocasião da publicação do artigo manifesto intitulado Towards responsible use of cognitive-enhancing drugs by the healthy (Greely et al., 2008Greely, H; Sahakian, B; Harris, J; Kessler, R. C;Gazzaniga, M; Campbell, P; & Farah, M. J. (2008). Towards responsible use of cognitive-enhancing drugs by the healthy. Nature, 456, 702-705. DOI: 10.1038/456702a
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) na revista Nature. Desde então, elevou-se o número de publicações sobre esse tema, sendo que alguns autores se posicionam favoravelmente ao uso de medicamentos para o aprimoramento cognitivo, enquanto outros são contrários.

Com o objetivo de analisar as principais motivações para o ACF na contemporaneidade, postulamos o seguinte problema de pesquisa: em que medida a realidade socioeconômica vem transformando o mundo psíquico dos indivíduos e motivando a prática do ACF?

Organizamos o artigo de maneira a explorar as transformações no modo de produção capitalista na virada do século XIX para o século XX e na passagem do século XX para o XXI, cujo momento é compreendido por Bauman (2001Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar .) como a passagem da modernidade sólida para a modernidade líquida. Em uma perspectiva dialética, pressupomos que as motivações para o ACF devem ser compreendidas no contexto onde estão inseridas, ou seja, elas se transformam de acordo com as mudanças que ocorrem no meio social, em razão das demandas de cada época, portanto são historicamente determinadas.

Nos limites de um artigo, iniciamos nossa reflexão destacando algumas características da modernidade sólida e do tipo de homem que ela engendra. Em seguida, analisamos traços da modernidade líquida dividida em dois momentos distintos, com ênfase nas transformações sociais responsáveis pela constituição de novas subjetividades. Na sequência, refletimos sobre o ACF como expressão de um fenômeno recente conhecido como ‘psiquiatrização da normalidade’. Concluímos o texto destacando desafios de diferentes ordens que são suscitados por esse tema.

O sujeito confinado da sociedade disciplinar

Temos consciência de que a nossa sociedade vem tornando-se cada vez mais competitiva e o nível de exigência a que estamos sujeitos na atualidade tem afetado tanto a nossa saúde física quanto a nossa saúde mental. Sabemos, também, que, no seu processo evolutivo, os homens superaram uma infinidade de condições adversas com sérias consequências para o nosso organismo. Todavia, os agentes estressores dos dias atuais são difusos e silenciosos, bem distintos, por exemplo, dos felinos que, há milhares de anos, ameaçam os homens nas savanas africanas e das guerras que, nos últimos séculos, marcaram a nossa luta por territórios (Bezerra Júnior, 2002Bezerra Júnior, B. (2002). O ocaso da interioridade e suas repercussões sobre a clínica. In C. A. Plastino (Org.), Transgressões (p. 229-239). Rio de Janeiro, RJ: Contracapa.).

Essas mudanças se intensificaram nas décadas recentes e, segundo Bezerra Júnior (2002Bezerra Júnior, B. (2002). O ocaso da interioridade e suas repercussões sobre a clínica. In C. A. Plastino (Org.), Transgressões (p. 229-239). Rio de Janeiro, RJ: Contracapa., p. 232), atualmente, elas ocorrem por meio de formas e de meios distintos, como

[...] por meio da criação de certos ideais, da valorização de modelos de pensamento, da propagação de certos repertórios de conduta, da difusão de metáforas que se incorporam ao senso comum, enfim pela criação de novos jogos de linguagem, repertório de sentidos ou jogos de verdade que dão consistência ao imaginário de uma época, imaginário através do qual o mundo, a existência e a experiência pessoal ganham consistência e significação.

Começamos, portanto, a nossa reflexão pela Segunda Revolução Industrial, com o seu início em meados do século XIX. A lógica da produtividade determinava que se fabricasse o maior número de produtos no menor período de tempo possível. Naquele momento histórico, mudanças na matriz energética e na eficiência das máquinas, que se tornaram mais complexas e aperfeiçoadas, possibilitaram a produção em larga escala.

Faltava, portanto, equacionar a questão do consumo de toda essa produção em série, pois a cultura predominante ainda era a de se poupar para o futuro. Pelos princípios básicos da economia, em uma sociedade em que a renda adquirida é poupada, os ciclos econômicos são inevitavelmente mais lentos.

Bauman (2001Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar .) designa esse modelo societário de ‘modernidade sólida’, que tinha, na fábrica, o paradigma mediante o qual todas as instituições iam moldando-se e ocupando definitivamente os poucos espaços que ainda pertenciam ao mundo agrário. Vale lembrar que essa experiência de tempo-espaço, denominada modernidade sólida, veio a ser estudada/conhecida quando ela própria deu sinais de que seria substituída por outro modelo. Sobre essa questão, o autor diz que “[...] o que pensamos que o passado tinha é o que sabemos que não temos” (Bauman, 1998Bauman, Z. (1998). O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 111).

A maioria das pessoas seguia uma trajetória padrão de vida: elas eram formadas em uma família nuclear e instruídas em uma escola-fábrica que as preparava para o trabalho a ser desenvolvido em grandes companhias, públicas ou privadas. Cada fase da vida ficava a cargo de uma das instituições fundamentais da organização societária; a vida pessoal não se misturava à vida profissional, ou seja, lar e trabalho ocupavam espaços distintos no cotidiano das pessoas.

Foucault (2000Foucault, M. (2000). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes.) se refere a essa forma de organização social como a ‘sociedade disciplinar’, pautada pelo modelo mecânico, analógico e submetida a técnicas de controle e de vigilância; um mundo feito de hospitais, de asilos, de conventos, de seminários, de presídios, de quartéis, de escolas, de fábricas e de outras instituições disciplinares criadas para o confinamento, ocupadas por sujeitos obedientes e com seus limites bem definidos por paredes e por muros que separavam o ‘normal’ do patológico.

Era uma sociedade fundada na negatividade, no dever realizado sob coerção, no compromisso com a regulamentação e com as obrigações impostas aos cidadãos por meio de leis (Han, 2015Han, B. (2015). Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes .). O protagonista dessa sociedade disciplinar era o ‘sujeito confinado’, que vivia em um tempo-espaço estruturado, rijo, sólido e durável. Um sujeito, segundo Bauman (1998Bauman, Z. (1998). O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., 2016Bauman, Z. (2016). Babel: entre a incerteza e a esperança. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.), capaz de sacrificar a própria liberdade em nome da segurança, que era o seu valor preponderante.

O ideário político que ajudou a moldar a modernidade sólida também surgiu na primeira metade do século XX, mais precisamente após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, ocorrida em 1929. Para amenizar o prejuízo causado por esse episódio, o presidente Delano Roosevelt inaugurou, no início da década de 1930, oNew Deal, um novo acordo caracterizado por políticas econômicas intervencionistas, adotadas com o objetivo de reverter a depressão socioeconômica provocada por aquele acontecimento o qual se refletiu em toda a economia mundial. Nascia, assim, o Welfare State, conhecido, em nosso idioma, como o Estado de Bem-Estar Social, “[...] concebido como um instrumento manejado a fim de reabilitar os temporariamente inaptos e estimular os que estavam aptos a se empenharem mais, protegendo-os do medo de perder a aptidão no meio do processo” (Bauman, 1998Bauman, Z. (1998). O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 121).

Para possibilitar o consumo em larga escala, foi preciso movimentar corações e mentes. Nesse sentido, o grande desafio do sistema capitalista passou a ser a transformação do ‘sujeito confinado’ da sociedade disciplinar ‒ poupador e conservador por excelência ‒ em um sujeito voltado para o consumo. Valores como honra, honestidade, solidariedade, estabilidade e lealdade tornaram-se incompatíveis com uma sociedade que precisava dar vazão à produção em larga escala. A subjetividade, obediente a um conjunto de normas e a dispositivos burocráticos que delimitavam a sua relação com o tempo e com o espaço, precisava dar lugar a outra constituição subjetiva, muito mais flexível, maleável, enfim, líquida.

Da modernidade sólida à modernidade líquida

Ao término da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos assumem a liderança do mundo capitalista, tendo como oponente a União Soviética, principal referência do mundo socialista. Inicia-se, então, na segunda metade do século XX, uma intensa batalha para provar ao mundo qual dos dois modos de produção é o mais eficiente. Para enfrentar esse embate, ambos os lados passaram por uma profunda reestruturação econômica e um reajustamento social e político.

Segundo Leonard (2011Leonard, A. (2011). A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.), as mudanças no lado capitalista ocorreram pelas várias estratégias adotadas para fazer com que a renda, até então poupada, entrasse em circulação por meio da aquisição de produtos e de serviços, em um mercado cada vez mais expandido. Isso garantiria maior velocidade no ciclo econômico e, consequentemente, aumento na produção de riquezas. A produção em larga escala já era realidade; faltava a criação de um novo ambiente e de uma nova cultura baseados no consumo, e isso dependia de fatores tanto de ordem subjetiva quanto de ordem objetiva.

Os fatores objetivos estavam relacionados à renda das pessoas e à durabilidade dos bens de consumo. Quanto ao primeiro, em vez de aumentar o salário dos trabalhadores, optou-se por lhes dar crédito, iniciativa possível somente pela ‘financeirização’ da economia e pelo consequente aumento do endividamento das famílias. Já o segundo fator foi resolvido com a adoção da lógica da obsolescência perceptível, a cargo da indústria da moda, e da obsolescência programada, que transformou produtos duráveis em descartáveis. Não é sem razão que a indústria da moda e o capital financeiro estão entre os mais poderosos no capitalismo tardio, tendo superado o poder do capital industrial na sociedade disciplinar (Leonard, 2011Leonard, A. (2011). A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.).

Já o fator de ordem subjetiva, de acordo com Bauman (2001Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar .), dependia de alterações no modus vivendi das pessoas, até porque o aumento de renda, por si, não implica elevação de consumo. Era preciso levar o consumidor a assumir a ideia de que ele não precisava poupar, porque a sua segurança não viria dessa prática, mas do fato de ele ser uma ‛pessoa especial’. Assim, foi sendo despertado nas pessoas de todos os estratos sociais o desejo de comprar. Isso não foi uma tarefa tão complicada, já que elas demonstravam descontentamento com a vida fundada na segurança da modernidade sólida e almejavam mais liberdade.

Nesse sentido, o marketing e um de seus instrumentos, a publicidade, foram decisivos para convencer as pessoas de que elas eram únicas e especiais, pois só abre mão da segurança de poupar quem admite a liberdade como um valor fundamental. Foi assim, isto é, pela transformação dos valores que predominavam e davam sustentação à ‘modernidade sólida’ que se gestou a ‘modernidade líquida’, fruto do desenvolvimento, sem precedentes, de um novo modelo organizacional e tecnológico (Bauman, 2001Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar .).

Fundada no avanço da informática, nas novas tecnologias da comunicação e na nanotecnologia, a modernidade líquida rompeu barreiras geográficas e temporais, transformando a Terra em um imenso mercado consumidor, globalizado e dominado por grandes grupos multinacionais. Tivemos, assim, o nascimento de um novo sujeito, fascinado por tudo o que a sociedade do consumo lhe apresenta, deslumbrado com todas as possibilidades de gozar a vida, mas ainda sem consciência do preço que pagaria por esse ‘admirável mundo novo’.

O sujeito endividado da sociedade do controle

Dando continuidade ao pensamento de Foucault (2000Foucault, M. (2000). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes.) sobre a ‘sociedade disciplinar’ e teorizando sobre as mudanças radicais nos modos de viver e de produzir ao longo do século XX, Deleuze (1992Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo, SP: Editora 34.) nominou de ‘sociedade do controle’ esse nascente modelo societário que Bauman (2001Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar .) denominou de ‘modernidade líquida’.

Na esfera política, o socialismo começava a dar sinais de esgotamento e, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, entramos na última década do século XX com o triunfo do capitalismo como o modo de produção e de organização social considerado mais eficaz. A partir de então, intensificou-se o desmanche do Estado de Bem-Estar Social, tendo os Estados Unidos como o carro-chefe dessa nova geopolítica planetária. Bauman (1998Bauman, Z. (1998). O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.) sustenta que o Estado, sob forte influência neoliberal, foi deixando para as forças desregulamentadas do mercado a tarefa de organizar a reprodução da ordem sistêmica, tornando-se cada vez menos intervencionista.

“Quando controlava a conduta disciplinada de seus membros por meio de seus ‘papéis produtivos’, a sociedade incitava forças combinadas e a busca de avanço mediante esforços coletivos” (Bauman, 1998Bauman, Z. (1998). O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 54, grifo do autor); porém, em uma sociedade em que o produtor passa a ser definido primordialmente como consumidor, as ações coletivas perdem o sentido e novos valores precisam ser cultivados. O consumo, ao contrário da produção, é uma atividade inteiramente individual e coloca os sujeitos em campos opostos. Eis a razão da crise dos valores e das instituições de confinamento que moldaram a vida na modernidade sólida. O curioso é que a rejeição a essas instituições e a repulsa a esses valores, em vez de garantir mais liberdade, acabaram produzindo novas estruturas de poder e de controle.

A fábrica deu lugar à empresa, uma instituição mais dinâmica, horizontal e flexível, mas com um ambiente de trabalho pautado na rivalidade e na desconfiança recíprocas. No discurso, o trabalhador deixa de ser considerado funcionário para se tornar um ‘colaborador’; desse modo, passa a se sentir com mais liberdade e autonomia. No entanto, a empresa foi apropriando-se do espaço e do tempo dos trabalhadores - os ‘colaboradores’ - em sua totalidade. “O espaço tornou-se irrelevante, perdeu seu valor estratégico, pois pode ser atravessado num click e assim não impõe mais limites à ação e seus efeitos. O tempo, por seu turno, não mais confere valor ao espaço” (Bauman, 2001Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro, RJ: Zahar ., p. 136).

Assim, o tempo de trabalho passou a fazer parte de todas as esferas da vida do sujeito, eliminando a separação entre vida pessoal e vida profissional que havia na modernidade sólida. O chefe foi substituído pelo líder, encarregado por motivar e integrar os colaboradores para maximizar o desempenho do seu time.

Novos valores foram moldando a cultura do consumo, tendo a flexibilidade como o paradigma para a construção de subjetividades inteiramente diferentes das existentes na modernidade sólida. O sujeito confinado, poupador e seguro de outrora cede espaço a um novo protagonista social, a quem Deleuze (1992Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo, SP: Editora 34.) denomina de ‘sujeito endividado’. Jorge (2014Jorge, M. F. (2014). Desempenho tarja preta: medicalização da vida e espírito empresarial na sociedade contemporânea (Dissertação de mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói., p. 35), ao se referir ao sujeito desse novo modelo societário, assim o descreve:

Despido do sentimento de satisfação e do conformismo com o rumo de sua vida, o protagonista da contemporaneidade parece estar sempre um passo atrás em relação às novidades do consumo, bem como às novas competências e exigências do mercado, à formação contínua e ilimitada, ao fluxo de informações irrestrito que circula pelas redes, e aos diversos papéis sociais que cada um desempenha sempre em busca da alta performance que lhe é exigida (e quase nunca alcançada) em todos os âmbitos da vida.

Na sociedade do controle, a formação é permanente, interminável. Como diz Ferraz (2014Ferraz, M. C. F. (2014). Avaliação e performance: a era do homem avaliado. Anais do 23° Encontro Anual da Compós. Belém, PA. Recuperado de: http://compos.org.br/encontro2014/anais/Docs/GT06_COMUNICACAO_E_SOCIABILIDADE/compos2014formatado_2182.pdf
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, p. 4), “[...] já não se trata de seguir moldes, mas de se modular continuamente, tal qual uma ondulante serpente”. Deleuze (1992Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo, SP: Editora 34.) concebe o mundo em que se encontra o sujeito endividado por meio da metáfora da moratória ilimitada, em variação contínua e infinita, bem distinto da lógica operante na sociedade disciplinar em que havia a possibilidade, mesmo que aparente, de quitação das dívidas.

Para efeito didático, neste artigo, entendemos por bem dividir a modernidade líquida em duas fases distintas: a sociedade do controle, descrita neste tópico, que tinha no ‘sujeito endividado’ a sua quintessência, e a sociedade do desempenho, a qual esmiuçamos no tópico seguinte.

O sujeito avaliado da sociedade do desempenho

Como vimos, a queda do Muro de Berlim é o fato histórico que simboliza o triunfo do capitalismo e a consolidação do ideário neoliberal como modelo político e econômico dos países centrais. Por isso, retomamos essa questão política, caracterizada pelo desmantelamento da rede de segurança do Estado de Bem-Estar Social, para analisar como esse fato histórico está implicado na construção de subjetividades afeitas ao ACF, de acordo com estudiosos da psicanálise (Bezerra Júnior, 2010Bezerra Júnior, B. (2010). A psiquiatria e a gestão tecnológica do bem-estar. In J. Freire Júnior (Org.), Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade (p.117-134). Rio de Janeiro, RJ: FGV.; Birman, 2014Birman, J. (2014). Drogas, performance e psiquiatrização na contemporaneidade. Ágora, 17, 23-37. DOI: 10.1590/S1516-14982014000300003
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).

Entre as várias consequências da influência neoliberal nas políticas públicas, temos o progressivo abandono da concepção de saúde pública e a transferência dessa responsabilidade para o próprio indivíduo. “Propaga-se a crença de que o indivíduo pode e deve ser capaz não só de evitar doenças, mas sobretudo gerenciar os riscos à sua saúde, minimizando de forma consciente a possibilidade de patologias e otimizando seus próprios recursos” (Bezerra Júnior, 2002Bezerra Júnior, B. (2002). O ocaso da interioridade e suas repercussões sobre a clínica. In C. A. Plastino (Org.), Transgressões (p. 229-239). Rio de Janeiro, RJ: Contracapa., p. 232). Nesse contexto, a saúde deixou de ser a vida no silêncio dos órgãos para se tornar um espetáculo a ser exibido na superfície da imagem corporal. Temos, por conseguinte, um estilo de vida que combina hedonismo com uma obsessiva preocupação com a aparência de saúde e de beleza.

Como corolário desse novo estilo de vida, “[...] as exigências de competitividade acirrada, o culto à flexibilidade, a celebração da performance, a ideologia da prosperidade, a exaltação da competência pessoal etc.” são aspectos aos quais nos sujeitamos (Bezerra Júnior, 2002Bezerra Júnior, B. (2002). O ocaso da interioridade e suas repercussões sobre a clínica. In C. A. Plastino (Org.), Transgressões (p. 229-239). Rio de Janeiro, RJ: Contracapa., p. 232). Somos diuturnamente convocados a enfrentar os riscos desse novo mundo, a sermos empreendedores e a desenvolvermos uma notória capacidade de empoderamento, fincando no horizonte metas inalcançáveis, infinitas. A palavra de ordem na atualidade é ‘superação’ e o céu deixou de ser o limite.

Afirmamos anteriormente que as mudanças ocorrem, dentre outros meios, pela propagação de certos repertórios de conduta que dão consistência ao imaginário de uma época. Nesse sentido, a mídia vem fazendo a sua parte na consolidação dos valores prezados por aquilo que apresentamos como a segunda fase da modernidade líquida. Juventude, beleza, sucesso, proatividade, resiliência, competitividade, força e flexibilidade são alguns desses valores, os quais podem ser resumidos em uma palavra: performance.

Para confirmar isso, Jorge (2014Jorge, M. F. (2014). Desempenho tarja preta: medicalização da vida e espírito empresarial na sociedade contemporânea (Dissertação de mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói.) analisou as 27 primeiras edições da revista Veja ‒ semanário de maior tiragem no Brasil ‒ publicadas no ano de 2012. Das 27 edições, 11 (40%) tiveram, em suas capas, reportagens com narrativas sobre trajetórias de sucesso, de vitória e de enriquecimento ou que debatiam temas ligados às performances corporal e mental.

Competitividade, produtividade e eficiência são, portanto, os valores que vão delineando o ser humano do século XXI, definido precisamente por Gil (2013Gil, J. (2013). Em busca da identidade: o desnorte. Lisboa, PT: Relógio d’Água.) como o ‘sujeito avaliado’. Proativo e, ao mesmo tempo, submisso ao imperativo do desempenho, é um sujeito premido por metas a serem atingidas - constantemente reformuladas e atualizadas. Em perene avaliação, esse ser é mensurado e categorizado em todas as áreas da vida durante a sua existência. Aqueles que ignoram esse imperativo correm o risco da exclusão social e da reprovação moral. Aqueles que, mesmo se esforçando, não conseguem se integrar, inevitavelmente são excluídos e passam a formar legiões de inaptos (Ferraz, 2014Ferraz, M. C. F. (2014). Avaliação e performance: a era do homem avaliado. Anais do 23° Encontro Anual da Compós. Belém, PA. Recuperado de: http://compos.org.br/encontro2014/anais/Docs/GT06_COMUNICACAO_E_SOCIABILIDADE/compos2014formatado_2182.pdf
http://compos.org.br/encontro2014/anais/...
).

O culto à performance, no entanto, cobra o seu preço dessa figura símbolo da sociedade do desempenho, pago pela busca por todo tipo de ajuda especializada. Sentimo-nos na obrigação de exibir ao mundo uma imagem saudável, independente, responsável, confiável, dotada de vontade e de autoestima; precisamos romper com o anonimato, tornando-nos visíveis. Para isso, temos à disposição uma série de instituições especializadas na oferta de aprimoramento das funções cognitivas, afetivas, apreciativas e motoras do corpo humano, como é o caso das academias de ginástica, dos shopping centers, dos estúdios de beleza e de estética, das clínicas de cirurgia plástica, dos laboratórios de genética e de medicamentos etc.

Han (2015Han, B. (2015). Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes .), em um texto escrito duas décadas depois da análise de Deleuze (1992Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo, SP: Editora 34.) sobre a sociedade de controle, dá, ao momento em que vivemos, o nome de ‘sociedade do desempenho’, caracterizada pela positividade do poder e pela busca incansável da excelência por meio da superação do normal.

Não havendo uma meta fixa e estável, sempre se estará aquém. Restam ‘graus’ de perfectibilidade, de otimização, aperfeiçoamento, em uma escalada sinuosamente comparatista e mutante, estendendo a exclusão no mesmo passo em que se dissolve a fixação de horizontes finais e de pontos de chegada definitivos. A ‘dívida’ se torna assim impagável; não há mais ‛vencimentos’: eis de fato implantado um sistema de moratória ilimitada (Ferraz, 2014Ferraz, M. C. F. (2014). Avaliação e performance: a era do homem avaliado. Anais do 23° Encontro Anual da Compós. Belém, PA. Recuperado de: http://compos.org.br/encontro2014/anais/Docs/GT06_COMUNICACAO_E_SOCIABILIDADE/compos2014formatado_2182.pdf
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, p. 7, grifo do autor).

Enquanto a sociedade disciplinar, por diferenciar o normal do patológico, gerava loucos e delinquentes, nossa sociedade, pela ânsia por performance, tem registrado um aumento exponencial de indivíduos acometidos por ansiedade, por sensação de fracasso e por depressão; esta, não por acaso, a doença mais incapacitante do mundo. De acordo com o relatório global, publicado em fevereiro de 2017 pela Organização Mundial da Saúde [OMS] (2017Organização Mundial da Saúde [OMS]. (2017). OMS registra aumento de casos de depressão em todo o mundo; no Brasil são 11,5 milhões de pessoas. Recuperado de: https://nacoesunidas.org/oms-registra-aumento-de-casos-de-depressao-em-todo-o-mundo-no-brasil-sao-115-milhoes-de-pessoas/
https://nacoesunidas.org/oms-registra-au...
), o número de pessoas que vivem com depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015. No mundo, a doença afeta 4,4% da população, enquanto, no Brasil, a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas (5,8% da população). Ademais, somos o país com a maior incidência de ansiedade, ou seja, 9,3% dos brasileiros apresentam este estado psíquico.

O sujeito avaliado da sociedade do desempenho é altamente eficiente, rápido e produtivo; paradoxalmente, essa eficiência se conquista por meio de rígida disciplina e controle. Esse sujeito é, ao mesmo tempo, vítima e agressor, cansado de fazer e de poder. Aliás, não lhe é dada sequer a possibilidade de não querer, em um mundo que vende a ideia de que nada é impossível. Tendo escapado da sociedade disciplinar e do controle, o sujeito contemporâneo vê seu sonho de liberdade transformado no pesadelo da coerção social (Han, 2015Han, B. (2015). Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes .).

O sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coerção de maximizar o desempenho. O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se na autoexploração, que é mais eficiente que a exploração pelo outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. [...] Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal (Han, 2015Han, B. (2015). Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes ., p. 29-30).

Na sociedade de desempenho, o cansaço e o esgotamento, tanto físico quanto mental, são inevitáveis, apresentando-se como “[...] característicos de um mundo que se tornou pobre em negatividade e que é dominado por um excesso de positividade” (Han, 2015Han, B. (2015). Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes ., p. 70). Por essa razão, recorremos às substâncias que, hipoteticamente, teriam a capacidade de maximizar o desempenho e de fazer o organismo funcionar além do que era considerado normal na sociedade disciplinar, dando origem ao ACF.

O aprimoramento cognitivo farmacológico como expressão da ‘psiquiatrização do normal’

A psiquiatria, na sociedade do desempenho, vem promovendo o apagamento da fronteira entre o tratamento de supostas patologias e o aperfeiçoamento físico e mental do ser humano. Esse fenômeno, segundo vários autores, caracteriza-se pela prescrição de medicamentos aos indivíduos normais para torná-los mais que normais (Bezerra Júnior, 2010Bezerra Júnior, B. (2010). A psiquiatria e a gestão tecnológica do bem-estar. In J. Freire Júnior (Org.), Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade (p.117-134). Rio de Janeiro, RJ: FGV.; Camargo Júnior, 2013Camargo Júnior, K. R. (2013). Medicalização, farmacologização e imperialismo sanitário.Cadernos de Saúde Pública, 29(5),844-846. DOI: 10.1590/S0102-311X2013000500002
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; Birman, 2014Birman, J. (2014). Drogas, performance e psiquiatrização na contemporaneidade. Ágora, 17, 23-37. DOI: 10.1590/S1516-14982014000300003
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; Frances, 2016Frances, A. (2016). Voltando ao normal: como o excesso de diagnóstico e a medicalização da vida estão acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retomarmos o controle. Rio de Janeiro, RJ: Versal.).

Já não discutimos se devemos usar medicamentos para ampliar nossas potencialidades e melhorar o rendimento escolar e/ou o desempenho no trabalho, mas como devemos fazê-lo. Como diz Bezerra Júnior (2010Bezerra Júnior, B. (2010). A psiquiatria e a gestão tecnológica do bem-estar. In J. Freire Júnior (Org.), Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade (p.117-134). Rio de Janeiro, RJ: FGV., p. 127-128),

Com o aparecimento de drogas e outras biotecnologias cada vez mais eficazes no controle e normalização de funções e comportamentos alterados pela patologia, a ideia de fazer com que as pessoas saudáveis possam fazer uso delas, tornando-se indivíduos mais do que saudáveis, ganhou o imaginário social. Se pessoas que estão bem podem ficar mais do que bem, por que não utilizar o que estiver ao nosso alcance para atingir esse objetivo? A psiquiatria cosmética já entrou em cena, suscitando reações que vão da desconfiança ao entusiasmo.

Vivemos a era da ‘supernormalidade’, cuja obsessão por eficiência, por produtividade e por reconhecimento caminha de mãos dadas com o consumo, em massa, de medicamentos psicotrópicos. Ehrenberg (2010Ehrenberg, A. (2010). O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida, SP: Ideias & Letras., p. 156), um dos primeiros estudiosos a alertar sobre as consequências dessa cultura da conquista, assim se manifesta:

As condições da vida moderna, a concorrência e a competição desenfreadas dos candidatos para obter um diploma, um posto, um sucesso, um reconhecimento profissional ou gratificações afetivas tornam frequentemente indispensável o recurso a produtos tonificantes e estimulantes. [...] Não é mais o bastante participar, como o proclamava Pierre de Coubertain, mas sim triunfar, dominar, esmagar o adversário, enfim, subir ao pódio.

De fato, falta de concentração e de foco, desorganização, baixa produtividade e fadiga são ‘defeitos’ cada vez menos tolerados socialmente e considerados respostas abaixo do esperado para o indivíduo contemporâneo que, ao não vislumbrar outra saída para alcançar a performance que lhe é exigida, apela para a via medicamentosa.

Está claro que esse fenômeno é fortemente motivado por interesses mercadológicos e segregadores da lógica capitalista. A indústria farmacêutica, uma das mais poderosas do planeta, vem aprimorando, competentemente, as suas estratégias de venda para expandir ainda mais o seu poder. Se vender remédio para ‘doentes’ sempre foi uma atividade altamente lucrativa, imagine vender remédio também para pessoas ‘normais’ (Frances, 2016Frances, A. (2016). Voltando ao normal: como o excesso de diagnóstico e a medicalização da vida estão acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retomarmos o controle. Rio de Janeiro, RJ: Versal.). Esse fenômeno ampliou sobremaneira o mercado consumidor de medicamentos apresentados em caríssimas e sofisticadas campanhas publicitárias como indispensáveis para a conquista do sucesso.

Como se não bastasse, a ‘psiquiatrização do normal’ ganhou um forte aliado com a publicação do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5, da Associação Psiquiátrica Americana (2014Associação Psiquiátrica Americana. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 (5a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.) -, que elevou consideravelmente a quantidade de transtornos mentais. Frances (2016Frances, A. (2016). Voltando ao normal: como o excesso de diagnóstico e a medicalização da vida estão acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retomarmos o controle. Rio de Janeiro, RJ: Versal., p. 2), um psiquiatra americano que ajudou a escrever o DSM-4, tornou-se um dos mais contundentes críticos do DSM-5.

O DSM-5 sofre a infeliz combinação de ambições excessivamente elevadas e de uma metodologia frouxa. Sua esperança otimista era criar um avanço revolucionário na psiquiatria; em vez disso, o triste resultado é um manual que não é nem seguro nem cientificamente correto. [...] A menos que esses diagnósticos sejam usados com moderação, milhões de pessoas essencialmente normais serão mal diagnosticadas e sujeitas a tratamentos potencialmente danosos e estigma desnecessário.

O autor prossegue sua crítica advertindo que é preciso encarar o fato de que o mau uso de drogas lícitas é um problema de saúde pública maior do que o dos entorpecentes vendidos nas ruas. “É inaceitável 7% da população ser viciada em drogas prescritas, e overdoses fatais destas excederem as causadas pelas ilegais” (Frances, 2016Frances, A. (2016). Voltando ao normal: como o excesso de diagnóstico e a medicalização da vida estão acabando com a nossa sanidade e o que pode ser feito para retomarmos o controle. Rio de Janeiro, RJ: Versal., p. 247). Em suma, as substâncias comercializadas pelos grandes laboratórios farmacêuticos, utilizadas em exagero ou de modo não prescrito, tornaram-se mais perigosas do que as drogas vendidas pelos cartéis do narcotráfico.

Ser ‘normal’, hoje em dia, tornou-se uma tarefa praticamente impossível. É cada vez mais fácil se encaixar em uma ou mais doenças listadas no DSM-5. A patologização do ‘normal’ se apresenta, na visão de Birman (2014Birman, J. (2014). Drogas, performance e psiquiatrização na contemporaneidade. Ágora, 17, 23-37. DOI: 10.1590/S1516-14982014000300003
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), como um fenômeno a serviço da promoção da performance do sujeito avaliado, para torná-lo capaz de enfrentar os desafios colocados pela sociedade da atualidade - a sociedade de risco. Psiquiatrizar os ‘normais’ é, portanto, produzir novas subjetividades, dispostas a superar os limites do corpo, sujeito ao sono, à fome e ao cansaço, para escapar do fantasma do fracasso e da invisibilidade.

Considerações finais

Nosso objetivo, com o presente estudo, foi refletir sobre como a realidade socioeconômica vem transformando o mundo psíquico dos indivíduos, motivando a prática do ACF. O caminho percorrido neste artigo, de caráter teórico-descritivo, revelou a complexidade do tema e os desafios educacionais, profissionais, éticos e políticos que ele suscita.

Vimos que a busca pelo ACF, na contemporaneidade, está intimamente ligada ao estilo de vida e de sociedade construídos nas últimas décadas. Para tanto, discorremos sobre distintas formas de organização societária, começando pela sociedade disciplinar, passando pela sociedade do controle até chegar à sociedade do desempenho, conhecida como sociedade pós-industrial, narcisista, individualista, hedonista, dos excessos, do consumo, do espetáculo, da informação, do risco, dentre outras designações. Independentemente do nome dado ao presente momento histórico - que não são poucos -, o fato é que está cada vez mais difícil atender às suas exigências.

Essa profusão de sinônimos que encontramos para a atual sociedade inspira um sem-número de qualificativos às subjetividades por ela forjada, tais como sujeito avaliado, sujeito motivado, sujeito performático, sujeito camaleônico, sujeito reticularis, sujeito economicus etc.

Ao dissecar essas subjetividades contemporâneas, encontramos, como seu signo mais eloquente, a busca por um padrão de normalidade definido não mais pelo caráter comum de um atributo, mas por grandes laboratórios farmacêuticos e por manuais de psiquiatria. Deparamo-nos, assim, com o paradoxo do sujeito competente, eficiente, produtivo, enfim, do sujeito performático, porém incapaz de lidar com o sofrimento, com os limites, com os conflitos e com as contradições próprias da condição humana. Um sujeito cada vez mais dependente de dispositivos ofertados pelo mercado, como são as substâncias psicotrópicas, capazes de proporcionar o tão cobiçado plus no desempenho cotidiano.

Não se trata de condenar ou de estimular o uso de qualquer tipo de biotecnologia para aprimorar nosso aparelho cognitivo; trata-se de refletir sobre os destinos da natureza humana, pois, até o presente momento, o limite para o aprimoramento cognitivo é o corpo e, como adverte Bezerra Júnior (2010Bezerra Júnior, B. (2010). A psiquiatria e a gestão tecnológica do bem-estar. In J. Freire Júnior (Org.), Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade (p.117-134). Rio de Janeiro, RJ: FGV.), o desenvolvimento de drogas utilizadas com essa finalidade ainda se encontra em um estágio bem rudimentar.

De todo modo, a ciência já vislumbra a possibilidade de um sujeito pós-orgânico, moldado por moléculas criadas para a produção de humanos mais inteligentes, porém sem efeitos colaterais, sem reações adversas e sem os limites impostos pelo corpo, ou seja, bem diferente do ACF, que tem se valido de medicamentos tarja preta, ou seja, medicamentos que devem ser vendidos sob prescrição médica, justamente porque podem trazer riscos à saúde. Quando esse futuro pós-humano chegar, uma série de questões éticas e políticas, cuja discussão não cabe neste trabalho, deverão ser exaustivamente debatidas.

Enquanto isso, devemos ocupar-nos com as questões que o ACF já suscita em nossas vidas, cientes de que, até agora, não temos evidências científicas sobre a eficácia e a segurança do uso de quaisquer tipos de fármacos para o aprimoramento cognitivo (Freese, Signor, Machado, Ferigolo, & Barros, 2012Freese, L; Signor, L; Machado, C; Ferigolo, M; & Barros, H. M. T. (2012). Non-medical use of methylphenidate: a review.Trends Psychiatry Psychother,34(2), 110-115. DOI: 10.1590/S2237-60892012000200010
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; Finger, Silva, & Falavigna, 2013Finger, G; Silva, E. R; & Falavigna, A. (2013). Uso de metilfenidato entre estudantes de medicina: revisão sistemática. Revista da Associação Médica Brasileira, 59(3), 285-289. DOI: 10.1016/j.ramb.2012.10.007
https://doi.org/10.1016/j.ramb.2012.10.0...
; Anvisa, 2014Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA]. (2014). Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde (BRATS 23). Recuperado de: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33884/412285/Boletim+Brasileiro+de+Avalia%C3%A7%C3%A3o+de+Tecnologias+em+Sa%C3%BAde+%28BRATS%29+n%C2%BA+23/fd71b822-8c86-477a-9f9d-ac0c1d8b0187?version=1.1
http://portal.anvisa.gov.br/documents/33...
; Batistela, Bueno, Vaz, & Galduroz, 2016Batistela, S; Bueno, O. F. A; Vaz, L. J; & Galduroz, J. C. F. (2016). Methylphenidate as a cognitive enhancer in healthy young people.Dementia &Neuropsychologia, 10(2), 134-142. DOI: 10.1590/S1980-5764-2016DN1002009
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; Machado & Toma, 2016Machado, L. C; & Toma, M. (2016). Qual a verdadeira função do metilfenidato na memória de indivíduos saudáveis? Revista UNILUS Ensino e Pesquisa, 13(30), 126-130.; Gonçalves, & Pedro, 2018Gonçalves, C. S; & Pedro, R. M. L. R. (2018). “Drogas da Inteligência?”: cartografando as controvérsias do consumo da Ritalina® para o aprimoramento cognitivo. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 8(2), 71-94. DOI: 10.26864/pcs.v8.n2.5
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).

Vários trabalhos científicos (Ehrenberg, 2010Ehrenberg, A. (2010). O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida, SP: Ideias & Letras.; Barros & Ortega, 2011Barros, D; & Ortega, F. (2011). Metilfenidato e aprimoramento cognitivo farmacológico. Saúde e Sociedade, 20(2), 350-362. DOI: 10.1590/S0104-12902011000200008
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; Ferraz, 2014Ferraz, M. C. F. (2014). Avaliação e performance: a era do homem avaliado. Anais do 23° Encontro Anual da Compós. Belém, PA. Recuperado de: http://compos.org.br/encontro2014/anais/Docs/GT06_COMUNICACAO_E_SOCIABILIDADE/compos2014formatado_2182.pdf
http://compos.org.br/encontro2014/anais/...
; Pasquini, 2015Pasquini, N. C. (2015). Fármacos para turbinar o cérebro, uso por quem pretende entrar na Universidade. Revista Eletrônica de Farmácia, 12(3), 36-42.; Affonso et al., 2016Affonso, R. S; Lima, K. S; Oyama, Y. M. O; Deuner, M. C; Garcia, D. R.; Barboza, L. L; & França, T. C. C.(2016).O uso indiscriminado do cloridrato de metilfenidato como estimulante por estudantes da área da saúde da Faculdade Anhanguera de Brasília (FAB). Infarma-Ciências Farmacêuticas, 28(3), 166-172. DOI: 10. 14450/2318-9312.
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) corroboram as discussões apresentadas neste texto, ou seja, as motivações para o ACF se devem, fundamentalmente, à preocupação dos indivíduos em atender às expectativas sociais em relação ao desempenho acadêmico e ao profissional.

Levantamentos realizados no Brasil e em demais países, desenvolvidos nos últimos anos (Dal Pizzol et al., 2006Dal Pizzol, T. S; Branco, M. M. N; Carvalho, R. M. A; Pasqualotti, A; Maciel, E. N; & Migott, A. M. B. (2006). Uso não-médico de medicamentos psicoativos entre escolares do ensino fundamental e médio no Sul do Brasil.Cadernos de Saúde Pública,22(1), 109-115. DOI: 10.1590/S0102-311X2006000100012
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; Pasquini, 2013Pasquini, N. C. (2013). Uso de metilfenidato por estudantes universitários com intuito de “turbinar” o cérebro. Revista Brasileira de Biologia e Farmácia, 9(2), 107-113., 2015Organização Mundial da Saúde [OMS]. (2017). OMS registra aumento de casos de depressão em todo o mundo; no Brasil são 11,5 milhões de pessoas. Recuperado de: https://nacoesunidas.org/oms-registra-aumento-de-casos-de-depressao-em-todo-o-mundo-no-brasil-sao-115-milhoes-de-pessoas/
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), revelam que o uso não médico e indiscriminado de medicamentos para ‘turbinar’ o cérebro é cada vez mais comum entre estudantes universitários. Essa prática tornou-se um problema de saúde pública, que pode agravar-se ainda mais, caso não levemos em conta a produção de subjetividades afeitas ao ACF.

No ambiente de trabalho, o cenário é bem parecido. “O trabalhador, na luta para aumentar a sua capacidade laboral, minimizar a percepção da fadiga e estender sua permanência em situação de trabalho, tem buscado substâncias químicas como estratégia para alcançar esses objetivos” (Carvalho, Brant, & Melo, 2014Carvalho, T. R. F; Brant, L. C; & Melo, M. B. (2014). Exigências de produtividade na escola e no trabalho e o consumo de metilfenidato. Educação & Sociedade, 35(127), 587-604. DOI: 10.1590/S0101-73302014000200014
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, p. 598).

Cientes da seriedade do tema e independentemente das adversidades impostas pela competitividade da sociedade do desempenho, a comunidade científica deve investigar mais a fundo esse fenômeno para produzir conhecimento que contribua para um debate mais consistente e convincente, de modo que a população compreenda os riscos que o ACF, tal como realizado nos dias de hoje, representa àqueles que se valem desse meio para o alcance da performance que lhes é demandada em diferentes situações da sua vida.

Todo esse esforço deve resultar na reinvenção da sociedade, tarefa aparentemente pretensiosa, mas não impossível. Na perspectiva do materialismo histórico-dialético, tudo ao nosso redor que não é natural foi concebido pelo ser humano; desse modo, pode também, por mãos humanas, ser transformado. Ao intervirmos na construção de novas subjetividades, automaticamente transformamos a estrutura social onde elas estão inseridas (Elias, 1990Elias, N. (1990). O processo civilizador: uma história dos costumes (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.).

Como todo trabalho científico, nossa reflexão não pretende oferecer respostas definitivas para os problemas levantados neste artigo. Reconhecemos o longo caminho que ainda temos a trilhar, permeados mais por questões que permanecem sem respostas do que pelas luzes que lançamos sobre o tema proposto. De todo modo, esperamos, com confiança, que este estudo possa inspirar tantos outros que se façam necessários para que o ser humano reaprenda a viver e a sofrer sem se ver como doente.

Referências

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  • 1
    Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • 5
    Passaremos a utilizar a sigla ACF para nos referirmos à nomenclatura ‘aprimoramento cognitivo farmacológico’.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2019
  • Aceito
    25 Mar 2020
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