Acessibilidade / Reportar erro

PRECARIZAÇÃO E SAÚDE DO TRABALHADOR: UM OLHAR A PARTIR DO TRABALHO DECENTE E OS PARADOXOS NA REABILITAÇÃO PROFISSIONAL

PRECARIZACIÓN Y SALUD DEL TRABAJADOR: UNA MIRADA A PARTIR DEL TRABAJO DECENTE Y LA PARADOJA EN LA REHABILITACIÓN PROFESIONAL

RESUMO

Na conjuntura brasileira está avançando uma agenda político-econômica pautada pelo receituário da austeridade fiscal que se contrapõe com os princípios do estado de bem-estar social. Os efeitos dessas mudanças, no horizonte do avanço neoliberal, ampliam as faces da precarização social e do trabalho ao restringir políticas públicas protetivas, amparadas no texto constitucional da seguridade social. Dessa forma, nosso objetivo se constitui em compreender, a partir dos pressupostos do trabalho decente e da saúde do trabalhador, o processo de precarização do trabalho e a vulnerabilização do/a trabalhador/a na conjuntura de austeridade política e econômica atual. Para dimensionar esse cenário, partimos de uma análise da conjuntura geral até chegar ao Programa de Reabilitação Profissional da Previdência Social. O percurso teórico-metodológico assentou-se em um estudo teórico-bibliográfico, de epistemologia qualitativa, por meio do levantamento de materiais como obras de referências, legislações nacionais vigentes, políticas públicas e orientações de órgãos internacionais. A interpretação das informações centrou-se em três eixos: o campo da saúde coletiva e saúde do trabalhador; o campo do trabalho decente; e o campo da seguridade social com destaque para a reabilitação profissional. Este debate propiciou identificar o processo de vulnerabilização dos/as trabalhadores/as brasileiros/as, a fragilização da cidadania, a depredação do sentido social do trabalho, a destituição de direitos sociais conquistados e os paradoxos vividos em serviços públicos no desmonte da seguridade social.

Palavras-chave:
Precarização; saúde do trabalhador; trabalho decente

RESUMEN.

En la coyuntura brasileña está avanzando una agenda político-económica pautada por el recetario de la austeridad fiscal que se contrapone con los principios del Estado de Bienestar Social. Los efectos de esos cambios, en el horizonte del avanzo neoliberal, amplían las caras de la precarización social y del trabajo al restringir políticas públicas protectoras, amparadas en el texto constitucional de la Seguridad Social. De esa forma, nuestro objetivo se constituye en comprender, a partir de los presupuestos del Trabajo Decente y de la Salud del Trabajador, el proceso de precarización del trabajo y la vulneración del/de la trabajador/a en la coyuntura de austeridad política y económica actual. Para dimensionar ese escenario, partimos de un análisis de la coyuntura general hasta llegar al Programa de Rehabilitación Profesional de la Previdencia Social. El recorrido teórico-metodológico se asentó en un estudio teórico-bibliográfico, de epistemología cualitativa, por medio del levantamiento de materiales como obras referencias, legislaciones nacionales vigentes, políticas públicas y orientaciones de órganos internacionales. La interpretación de las informaciones se centró en tres ejes: el campo de la Salud Colectiva y Salud del Trabajador; el campo del Trabajo Decente; yel campo da Seguridad Social con destaque para la Rehabilitación Profesional. Este debate propició identificar el proceso de vulneración de los/las trabajadores/as brasileños/as, el debilitamiento de la ciudadanía, la depredación del sentido social del trabajo, la destitución de derechos sociales conquistados y la paradoja vivida en servicios públicos en el desmonte de la Seguridad Social.

Palabras clave:
Precarización; salud del trabajador; trabajo decente

ABSTRACT.

In the Brazilian context is advancing a political and economic agenda guided by the prescription of fiscal austerity that contrasts with the principles of Welfare State. The effects of these changes, on the horizon of the neoliberal advance, expand the social precariousness and work faces by restricting protective public policies, supported by the Social Security Constitution. Thus, we aim to understand if, from the Decent Work and Worker´s Health assumptions, the work precariousness process and the increasing vulnerability of workers in the context of current political and economic austerity. To dimension this scenario, we started from an analysis of the general economic situation to reach the Professional Rehabilitation Program of Social Security. The theoretical-methodological path was based on a theoretical-bibliographical study of qualitative epistemology through the collection of materials as reference works, current national legislation, public policies and international organizations guidelines. The interpretation of information is focused on three areas: Public and Worker´s Health field, Decent Work field and Social Security field, highlighting the Professional Rehabilitation. This debate led to the identification of the vulnerability process of Brazilian workers, the citizenship weakening, depredation of work social meaning, the destitution of the social rights achieved and experienced paradoxes in public services in the dismantling of Social Security.

Keywords:
Precariousness; worker´s health; decent work

Introdução

O drástico cenário de mudanças socioeconômicas

A destituição dos direitos sociais protetivos que visam regular a relação capital e trabalho, conquistados pela classe trabalhadora e toda a sociedade, interfere diretamente na vivência do trabalho, na cidadania e nas condições de saúde. Consequentemente o tema precarização e Saúde do Trabalhador (ST) suscita intensa preocupação quando se tem como norte a busca incessante pelo trabalho que promova saúde, dignidade e vida. Esta inquietação acentua-se na contemporaneidade por meio do incremento do processo de exploração, exclusão e expropriação do/a trabalhador/a, atingindo características estarrecedoras na guinada neoliberal3 3 A partir de 2008 há uma ascensão de medidas restritivas que ao serem aplicadas reprimem os avanços obtidos com as políticas sociais de abrangência universal, comprometendo o desenvolvimento social das nações. Isso se dá porque seu receituário é antagônico ao estado de bem-estar social, uma vez que os paradigmas centrais do neoliberalismo são: redução do Estado e privatização de serviços seguindo o princípio da superioridade do livre mercado para o uso dos recursos; sobreposição do individualismo; e liberdade em detrimento da igualdade (Vieira, Santos, Ocké-Reis, & Rodrigues, 2018). vigente.

Seligmann-Silva (2012Seligmann-Silva, E. (2012). A precarização contemporânea: a saúde mental no trabalho precarizado. In A. L. Vizzaccaro-Amaral, D. P. Mota& G. Alves(Orgs.), Trabalho e estranhamento: saúde e precarização do homem-que-trabalha (p. 87-111). São Paulo, SP: LTr.), ao tecer uma leitura do momento atual marcado por uma conjunção de crises, coloca em foco como o conjunto de precarizações produz a precarização da existência humana. Esta associação de crises embaladas pelas instabilidades econômica, política e social em curso têm afetado diretamente o processo saúde-doença e as diversas expressões de sofrimento, incluindo o agravamento de seus desdobramentos para a saúde mental. Para a autora, avaliar a crise e a precarização requer dimensionar as degradações que atingem a ética, meio ambiente, sociedade, mundo do trabalho e a saúde.

Nesse ínterim, Krein e Oliveira (2019Krein, J. D., & Oliveira, R. V. (2019). Os impactos da Reforma nas condições de trabalho. In J. D. Krein, R. V. Oliveira& V. A. Filgueiras (Orgs.), Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade(p. 127-155). Campinas,SP: Ed. Curt Nimuendajú., p. 129) expõem de modo contundente que as mudanças nas leis trabalhistas e no sistema de proteção social brasileiro atingem diretamente as condições de trabalho que, por sua vez, restringem as possibilidades de existência, acometendo o presente e o futuro de quem luta para sobreviver.

A lógica de desconstruir ou mitigar o sistema de direitos e de proteção social tende a expor o trabalhador a uma condição de maior vulnerabilidade, seja ao submetê-lo a uma dinâmica de intensificação da concorrência do mercado, fazendo-o aceitar ocupações e condições de trabalho mais precárias e até sem direitos, como o caso do trabalho supostamente autônomo; seja ao dificultar o acesso ao sistema de seguridade por meio de uma aposentadoria digna, do atendimento pelo sistema de saúde pública, do acesso aos benefícios em razão de afastamento involuntário do mercado de trabalho ou pelo direito ao seguro desemprego. Some-se a isso a fragilização das instituições públicas responsáveis por garantir a efetividade dos direitos e da proteção social.

Perante o exposto, o que estamos denominando como precarização? Estamos ultrapassando a esfera jurídica e legal ao não nos restringirmos aos termos que designam as modalidades contratuais de trabalho formal (regulamentado). O fenômeno da precarização, por ser extensivo, intensivo e difuso acomete os que estão dentro e fora do mercado de trabalho. A própria terminologia remete a uma vulnerabilização, insuficiência, fragilidade e debilidade vividas em termos econômicos e psicossociais.

Para identificar as facetas da precarização recorremos aos determinantes e condicionantes do processo saúde-doença que nos levam a analisar os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que interferem na saúde e constituem-se como risco para a população. Esse aporte teórico-conceitual oriundo da saúde coletiva permite explicitar os Determinantes Sociais de Saúde (DSS) que fragilizam ou fortalecem a existência, denunciando não somente uma conjuntura político-econômica que os sustêm, mas anunciando outros modos de vida que não neguem a dimensão humana dentro e fora do trabalho (Buss & Pellegrini Filho, 2007Buss, P. M., & Pellegrini Filho, A. (2007). A saúde e seus determinantes sociais. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 17(1), 77-93.).

Vivemos um momento histórico em que a razão social do trabalho é posta em xeque perante o ascendente processo de precarização em curso, que corroe o sentido do trabalho e sua função social. De acordo com Dejours (2006Dejours, C. (2006). A banalização da injustiça social (7a ed). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.), a razão econômica neoliberal sobrepôs-se sobre as dimensões da vida transformando profundamente o universo do trabalho, que não somente tem alterado os métodos de gestão, mas refutado progressivamente os direitos dos/as trabalhadores/as e as conquistas sociais. A brutalidade nas relações laborais está no bojo de uma guerra econômica que não se contenta com sacrifícios individuais, mas impõe sacrifícios coletivos em nome da razão econômica. Tal guerra mantém-se naturalizada e banalizada nas condutas humanas por meio de uma injustiça social generalizada.

Considerando essa breve caracterização, nosso objetivo consiste em compreender, a partir dos pressupostos do trabalho decente e da saúde do trabalhador, o processo de precarização do trabalho e a vulnerabilização do/a trabalhador/a na conjuntura de austeridade política e econômica atual.

Caminhos percorridos

Para abordar essa problemática levantada nesse estudo teórico, utilizamos como método a análise de obras referências para a área, bem como legislações nacionais vigentes e orientações de órgãos internacionais. Este percurso está fundamentado na epistemologia qualitativa (Gonzáles Rey, 2005González Rey, L. F. (2005). Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo, SP: Cengage Learning.), que busca produzir conhecimento acerca de uma realidade plurideterminada, em que a subjetividade não está dissociada do sujeito e das formas socioculturais de organização. Essa epistemologia funda-se em três princípios de consequências metodológicas que fundamentam nossa análise: o conhecimento é uma produção construtiva-interpretativa; possui caráter interativo; e assume a significação da singularidade como nível legítimo da produção do conhecer. Desta forma é possível realizar uma incursão investigativa sem operar cisões que visam desprender o caráter psicossocial do fenômeno, seja ele em seu viés econômico e/ou político - o que propicia a construção de informação e conhecimento mediante um processo interpretativo de progressiva complexidade da elaboração teórica sobre o objeto em cena.

Nessa perspectiva, o material bibliográfico foi apresentado e discutido a partir de três eixos centrais que atravessaram o aporte teórico-conceitual deste estudo: o campo da saúde coletiva e saúde do trabalhador; o campo do trabalho decente; e o campo da seguridade social com destaque para a reabilitação profissional.

Esse percurso oportunizou aprofundar a análise das ressonâncias psicossociais da política da austeridade fiscal, contrária ao Estado de direito, ao restringir o escopo das políticas nacionais protetivas e universalistas da seguridade social, bem como denominar as faces da precarização vigente que geram paradoxos inconciliáveis com os princípios da saúde do trabalhador e do trabalho decente.

Discussões

Sobre a política da austeridade fiscal e as faces da precarização do trabalho no Brasil

A política econômica de austeridade é uma modalidade adotada pelo governo brasileiro que consiste em progressivos cortes do orçamento público mediante uma agenda neoliberal em que é privilegiado o capital privado em detrimento das políticas sociais. O Brasil tem efetivado essa política ultraneoliberal desde 2014, de maneira mais agressiva nos últimos três anos (a exemplo: Reforma Trabalhista, Terceirização Irrestrita, novo regime fiscal com o ‘Teto dos Gastos’, reforma da Previdência) com a prerrogativa de ajustar as contas públicas e recuperar a economia. Contudo, esses cortes orçamentários fazem a retirada incisiva de recursos das políticas que promovem direitos e proteção social, não tocando em camadas privilegiadas da sociedade - o que tende a aprofundar ainda mais a crise ao ampliar a iniquidade social e as desigualdades, degradar o bem-estar social, gerar perda de renda e cortes de benefícios sociais e aumentar o desemprego. As consequências da austeridade, nesse panorama, levam à piora das condições de vida, uma vez que essa conjunção de crises tende a agravar a situação de vida e saúde das populações4 4 Vieira et al. (2018), ao buscar evidências dos impactos da política econômica de austeridade e suas consequências para os indicadores de saúde e sociais, identificam que associada à perda do emprego há o aumento de agravos de saúde mental, com maior prevalência de depressão e ansiedade, especialmente nos grupos sociais mais vulneráveis. Foram verificados também o incremento dos índices de suicídio, a redução na percepção de saúde como boa, aumento de doenças crônicas não transmissíveis e de doenças infectocontagiosas, aumento do consumo de álcool e outras drogas e perda de acesso aos serviços por dificuldades socioeconômicas. Isso sugere a realização de estudos no caso brasileiro que estabeleçam indicadores de saúde e marcadores de desigualdade da população para avaliar os impactos dessas medidas de austeridade fiscal, especialmente na Seguridade Social, envolvendo SUS, Assistência Social e Previdência, bem como a educação. , com destaque as que estão em maior vulnerabilidade socioeconômica (Ribeiro et al., 2018Ribeiro, A. A., Lemos, C. L. S., Ferre, F., David, G. C., Correa Filho, H., Santos, I. S., Oliveira, T. C. (2018). Que história é essa de austeridade? Como o arrocho pode afetar os nossos direitos e como enfrentá-lo. Rio de Janeiro, RJ: CEBES. Recuperado de: http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2018/07/CartilhaAusteridadeCebes-_F.pdf
http://cebes.org.br/site/wp-content/uplo...
; Vieira et al., 2018Vieira, F. S., Santos, I., Ocké-Reis, C., & Rodrigues, P. H. A. (2018). Políticas sociais e austeridade fiscal: como as políticas sociais são afetadas pelo austericídio da agenda neoliberal no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro, RJ: CEBES.).

As reformas que vêm sendo implementadas pelos atuais governos, apoiadas na obsessão da redução do ‘déficit fiscal’, representam uma ruptura radical com os preceitos da Constituição Cidadã de 1988. Elas inviabilizam a efetivação de direitos sociais fundamentais como a saúde, educação, assistência social, previdência e a proteção básica aos trabalhadores/as - atingindo aposentados/as, idosos/as, adultos/as e jovens.

Nesse cenário atual percebemos também o estrangulamento do conjunto de políticas sociais e serviços protetivos, como o tripé da seguridade social. Esse tripé está garantido na Constituição Brasileira de 1988, que afirma a saúde como direito de todos, a Previdência Social de caráter contributivo e a assistência social para quem dela necessitar (Constituição..., 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988). Brasília, DF. Recuperado de:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
).

Importante assinalar que a subtração dos direitos sociais protetivos impele à nocividade ocupacional ao transformar profundamente as relações de poder, organização e condição laboral, deixando o/a trabalhador/a mais vulnerável no contexto de trabalho, ao ter marcos legais e regulatórios suprimidos, além da própria rotatividade e instabilidade profissional. Isso tende a ampliar os riscos e agravos presentes nos processos de trabalho - favorecendo a ocorrência de acidentes, adoecimentos e vulnerabilidades.

Em relatório recente a Organização Internacional do Trabalho - OIT5 5 A OIT foi fundada em 1919, possui sua sede em Genebra/Suíça, e tem como objetivo a promoção da justiça social. Ela intenta estratégias de desenvolvimento nacionais, com vistas à diminuição da pobreza, além de figurar como a única agência das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual representantes de governos, de organizações de empregadores e de trabalhadores/as de diversos países participam de forma igualitária nas decisões e elaboração de diretrizes de várias instâncias. , mencionado por Nitahara (2016Nitahara, A. (2016, 24 de abril). Brasil é quarto no mundo em acidentes de trabalho, alertam juízes. Agência Brasil, Empresa Brasil de Comunicação, Geral. Recuperado de:http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/brasil-e-quarto-do-mundo-em-acidentes-de-trabalho-alertam-juizes
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/no...
), o Brasil ocupa o quarto lugar do mundo com mais acidentes de trabalho, estando somente atrás da China, Índia e Indonésia. Isso considera que haja pelo menos 700 mil acidentes de trabalho a cada ano. Uma consulta breve no Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho (que possui cooperação do Ministério Público do Trabalho com a OIT no monitoramento de dados à luz do Trabalho Decente) permite verificar que no período de 2012 a 2019 houve mais de 4,7 milhões de acidentes registrados, com e sem Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Perante estes dados estima-se a ocorrência de um acidente a cada 49 segundos. Por sua vez, as mortes acidentárias notificadas reportam a 17.220 - estimando uma morte em acidente a cada 3h43min (Ministério Público do Trabalho [MPT] & Organização Internacional do Trabalho [OIT], 2019aMinistério Público do Trabalho [MPT] & Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2019a). Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil. Recuperado de:http://observatorioescravo.mpt.mp.br
http://observatorioescravo.mpt.mp.br...
).

Não menos preocupante constata-se, ainda, a partir dos dados extraídos do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, o montante de 45.028 trabalhadores resgatados da escravidão no país entre 2003 e 2018 (MPT & OIT, 2019bMinistério Público do Trabalho [MPT] & Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2019b). Observatório Digital de Saúde e Segurança no Trabalho. Recuperado de: http://observatoriosst.mpt.mp.br
http://observatoriosst.mpt.mp.br...
).

Acrescido a esse panorama nacional, há a ascendente taxa de desemprego (população desocupada), de 12,7%, atingindo 13,4 milhões de pessoas - segundo os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) referente ao trimestre encerrado em março de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. O número de pessoas desalentadas (que também integra a subutilização da força de trabalho) diz respeito aos que desistiram de procurar trabalho, obteve alta, atingindo 4,8 milhões - o maior contingente desde o início da série histórica da Pnad Contínua, iniciada no primeiro trimestre de 2012, quando os desalentados somavam 1,9 milhão (IBGE, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. Agência de notícias (2019, 30 de abril). PNAD contínua: taxa de desocupação é de 12,7% e taxa de subutilização é de 25,0% no trimestre encerrado em março de 2019. Recuperado de: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/24284-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-7-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-25-0-no-trimestre-encerrado-em-marco-de-2019
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
).

Embora estes dados sejam alarmantes prevalece ainda alto índice de subnotificações. Duarte (2016Duarte, D. A. (2016). Narrar para conhecer os modos de ser-trabalhar-existir: o (difícil) cenário do trabalho contemporâneo. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 19(2), 187-199. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172016000200005&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
) assinala que constatar estes dados, embora necessário, não é suficiente se não se desdobrar em ações efetivas e sistemáticas mediante políticas públicas. É indispensável compreender por meio de um processo de escuta, diálogo e acolhimento dos incontáveis brasileiros/as, a gênese dos agravos que vulnerabilizam, adoecem e matam todos os dias as pessoas no exercício do seu trabalho. Estamos lidando com fenômenos que extrapolam o universo estatístico, pois não se rendem exclusivamente à codificação numérica, mas demandam uma construção compreensiva e interpretativa por se referir à esfera das experiências, do vivido, dos sentidos da ação e seus significados no campo singular e coletivo.

A vivência desta realidade ressoa negativamente sobre a saúde mental, pois a precarização geral incide sobre a própria vida ao culminar na perda da estabilidade, perda da segurança e vivência do desamparo que ultrapassa o universo social e das finanças. Isso se expressa na experiência do medo, da humilhação, de sofrimentos difusos, da desconfiança e das perdas dos laços de sociabilidade dentro e fora do trabalho (Dejours, 2006Dejours, C. (2006). A banalização da injustiça social (7a ed). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.; Seligmann-Silva, 2012Seligmann-Silva, E. (2012). A precarização contemporânea: a saúde mental no trabalho precarizado. In A. L. Vizzaccaro-Amaral, D. P. Mota& G. Alves(Orgs.), Trabalho e estranhamento: saúde e precarização do homem-que-trabalha (p. 87-111). São Paulo, SP: LTr.).

Ganha destaque hoje o crescimento exponencial do desgaste não apenas físico, mas principalmente mental na saúde desse/a trabalhador/a. Com o incremento da tecnologia, novas formas de trabalho apontam para uma intensificação e responsabilização/ culpabilização pelas atividades. Vemos surgir novas psicopatologias relacionadas ao trabalho, dentre elas o burnout, work addicts e presenteísmo, respostas à cultura da produtividade, excelência, do alto rendimento, frente a toda precarização anunciada.

Nesse horizonte hostil retornar aos princípios do trabalho decente no Brasil é uma via que nos ajudará a nominar, em um campo social e político-econômico, a luta por condições fundamentais de trabalho em termos de saúde, segurança e dignidade. Ao acompanharmos o caso do Brasil temos que expor as contradições presentes na formação da agenda governamental e sua construção como política pública regida pelos termos do trabalho decente. Estamos tratando de um processo recente inserido no âmbito dos direitos sociais, com destaque para as áreas de trabalho e emprego, que mal chegou e já sofreu intensa desconstituição.

Os termos gerais norteadores do trabalho decente, conforme a OIT, seria construir um conjunto de ações “[...] capaz de superar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e contribuir para a ampliação da cidadania e a garantia da governabilidade democrática” (Monteiro, 2013Monteiro, A. L. O. (2013). Paradoxos do processo de formação da agenda de trabalho decente no Brasil (2003-2012) (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília., p. 139).

A pertinência desse conceito para o panorama de trabalho brasileiro é indispensável porque mais do que gerar postos de trabalho, há que superar as iniquidades - uma vez que se refere a um dos países mais desiguais do mundo. Para exemplificar, recente relatório da Oxfam Brasil (2017)Oxfam Brasil. (2017). A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras. Recuperado de: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_a_distancia_que_nos_une.pdf
https://www.oxfam.org.br/sites/default/f...
traz alguns dados ao focar a atividade produtiva.

As pessoas que recebem um salário mínimo teriam que trabalhar 19 anos para equiparar um mês de renda média do 0,1% mais rico da população. [...] Considerando os valores de 2015, ano da última Pnad, seis em cada 10 pessoas têm uma renda domiciliar per capita média de até R$ 792,00 por mês. De fato, 80% da população brasileira - 165 milhões de brasileiras e brasileiros - vivem com uma renda per capita inferior a dois salários mínimos mensais (Oxfam Brasil, 2017Oxfam Brasil. (2017). A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras. Recuperado de: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_a_distancia_que_nos_une.pdf
https://www.oxfam.org.br/sites/default/f...
, p. 6).

Nestes termos, o conceito do trabalho decente não significa apenas denunciar a precarização que acomete a população brasileira, mas também a necessidade de construir, via políticas públicas e de Estado, a promoção dos direitos humanos, da cidadania e da justiça social pela geração de postos de trabalho e renda. Traz ainda como desafio afirmar o direito ao/pelo trabalho e a sua importância central nas estratégias de redução da pobreza e da desigualdade social, no crescimento, desenvolvimento e fortalecimento da governabilidade democrática do país. Devendo ser, desse modo, mais que um conceito, um paradigma que aponta para uma estratégia de ação (Monteiro, 2013Monteiro, A. L. O. (2013). Paradoxos do processo de formação da agenda de trabalho decente no Brasil (2003-2012) (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília.).

Ao olharmos para as políticas públicas do nosso país, com destaque para as de saúde, temos a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) (Portaria nº 1.823..., 2012Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012. (2012). Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt1823_23_08_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
), competindo ao Sistema Único de Saúde (SUS) a execução de ações em ST. No horizonte da saúde coletiva, essa política visa assegurar direitos constitucionais com o desenvolvimento de ações de atenção integral, com ênfase na vigilância, visando a promoção e a proteção da saúde dos/as trabalhadores/as e a redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos. Nessa perspectiva, a dignidade no trabalho pressupõe a garantia de relações éticas nos locais de trabalho, viver em ambientes laborais saudáveis e seguros, o reconhecimento do direito dos/as trabalhadores/as à saúde, à informação, à participação e à livre manifestação.

Em tempos de subtração da cidadania reaver o conceito do trabalho decente reforça uma luta já iniciada anteriormente no campo da ST que tenciona a materialização, no cotidiano laboral, de políticas públicas existentes, como a PNSTT e os demais direitos sociais e protetivos conquistados pela sociedade brasileira. Nesse ínterim, a ST não pode ser vista dissociada do Movimento da Reforma Sanitária brasileira que gerou o SUS. Com este movimento uma concepção de saúde pública universal para a sociedade brasileira começou a ser construída, em que a ST faz parte: “A Saúde do Trabalhador insere-se no conceito mais amplo de Saúde Pública, complementando-a com as suas especificidades e exigências” (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005). 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador - CNST: “trabalhar, sim! adoecer, não!”: coletânea de textos. Brasília, DF., p. 50).

Em busca de uma contraposição: caracterização do trabalho decente, a inserção do Brasil nesse compromisso e repercussões na saúde mental

O conceito de trabalho decente foi lançado pela OIT em 1999, apesar de a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas [ONU], 2009Organização das Nações Unidas [ONU]. (2009). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro, RJ: UNIC. Recuperado de:https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf
https://nacoesunidas.org/wp-content/uplo...
) já contemplar o direito ao trabalho, às condições ocupacionais justas e favoráveis, ao direito de remuneração igualitária por idêntico trabalho prestado, uma remuneração que lhe assegure uma existência compatível com a dignidade humana, a organizar-se em sindicatos, as férias remuneradas, entre outros condicionantes. Nessa linha, o conceito de trabalho decente busca lograr quatro objetivos estratégicos: 1) a promoção dos direitos no trabalho; 2) a geração de mais e melhores empregos; 3) a extensão da proteção social; e 4) o fortalecimento do diálogo social.

O intento estabelecido pela OIT foi de capturar a convergência das distintas dimensões que alcançam um trabalho digno e decente com a promoção de emprego de qualidade que respeite os direitos fundamentais no trabalho, com adequado nível de proteção social e direito à representação e à participação em processos de diálogo social. Dessa maneira, qualquer deficiência em alguma dessas dimensões conduz, em menor ou maior grau, a um déficit de trabalho decente (Organização Internacional do Trabalho [OIT], 2018Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2018). Futuro do trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites. Recuperado de:https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_626908/lang--pt/index.htm
https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes...
).

Em junho de 2003, o Brasil assumiu compromisso com a promoção desse conceito com a assinatura do memorando de entendimento que permitiu o lançamento da Agenda Nacional de Trabalho Decente. Contudo, mesmo com este avanço formal no campo das instituições nacionais e internacionais, para Monteiro (2013Monteiro, A. L. O. (2013). Paradoxos do processo de formação da agenda de trabalho decente no Brasil (2003-2012) (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília.), o país não dispõe de uma agenda governamental que tenha pilares sólidos para sustentar os princípios do trabalho decente como política pública, isso por prevalecer o ideário econômico em detrimento dos direitos sociais e protetivos. Ou seja, o discurso e o interesse privado têm permeado e sobreposto os interesses governamentais e a própria legislação que simboliza o interesse coletivo e público.

Esses entraves economicistas, privatistas e clientelistas obstaculizam o alcance não somente dos postulados do trabalho decente, mas da própria cidadania. Ao se impedir o acesso à proteção social, entendida como direito básico que confere pertencimento à sociedade, põe-se em risco o pacto social de proteção regido pelos princípios constitucionais, com o da seguridade social (Fleury, 2009Fleury, S. (2009). Coesão e seguridade Social. In L. V. C. Lobato & S. Fleury (Orgs.), Seguridade social, cidadania e saúde (p. 10-27). Rio de Janeiro, RJ: Cebes.).

A OIT vem ainda produzindo estudos com intenção de dimensionar os problemas mais graves que afetam os/as trabalhadores/as em cada continente, examinar as diferenças intrarregionais e advertir da importância da adoção de agendas políticas nacionais direcionadas para a promoção do trabalho decente e o combate à discriminação. Na América Latina, como produto de tal mobilização, foi proposta em 2006 uma agenda democrática para fincar compromissos e nortear as ações dos governos nacionais no período de 2006 a 2015, denominada Trabalho decente nas Américas: uma agenda hemisférica, com parâmetros de redução do déficit de trabalho decente em suas várias dimensões (OIT, 2006Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2006). Trabalho decente nas Américas: uma agenda hemisférica,2006-2015: informe do Diretor Geral. In 16ª Reunião Regional Americana. Brasília, DF. Recuperado de:https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226226.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
).

Já ao longo de 2016 e 2017, uma série de eventos denominados Diálogos Nacionais Tripartites, promovidos com parceiros nacionais pela OIT no Brasil sobre o futuro do trabalho, foi destaque para importantes diálogos e reflexões de pesquisadores e representantes nacionais dos/as trabalhadores/as, dos empregadores e de instâncias governamentais responsáveis pela regulamentação, fiscalização e proteção trabalhista. As reflexões perpassaram por posicionamentos que apresentaram como está direcionado o processo de trabalho no sistema socioeconômico mundial, destacando-se entre os diálogos as condições do trabalho nas cadeias produtivas globais, a quarta revolução industrial (Indústria 4.0), o trabalho escravo entre outros temas. Na conformação do trabalho absorvido nas cadeias globais, a concepção dos produtos se inicia nos países mais industrializados e a fabricação se desloca para os países onde a mão de obra é mais barata, como Brasil e outros países latino-americanos, Ásia e leste europeu (OIT, 2018Oxfam Brasil. (2017). A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras. Recuperado de: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_a_distancia_que_nos_une.pdf
https://www.oxfam.org.br/sites/default/f...
).

Aliado às configurações produtivas supracitadas, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos [DIEESE] (2018Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos [DIEESE] (2018). Trabalho por conta própria cresce na crise, mas em piores condições. Recuperado de:https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2018/boletimEmpregoEmPauta8.html
https://www.dieese.org.br/boletimemprego...
), verifica-se que com a crise econômica o desemprego aumentou e, com isso, demandou um incremento do número de brasileiros buscando alternativa no trabalho por conta própria, com trabalhos menos protegidos, em postos menos qualificados e com remunerações 33% abaixo da recebida pelos que estavam há mais tempo nessa posição na ocupação.

Foi ressaltado, assim, nos diálogos nacionais tripartites, que o combate à desigualdade e a procura por formas de trabalho melhores e mais inclusivas estão atrelados à pactuação social a respeito da promoção de trabalho decente e da garantia de renda adequada. Essa pactuação social exige, fundamentalmente, espaços para diálogo e formação de consenso acerca dos valores e das expectativas da sociedade no momento atual de grandes transições sociais e econômicas (OIT, 2018Oxfam Brasil. (2017). A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras. Recuperado de: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_a_distancia_que_nos_une.pdf
https://www.oxfam.org.br/sites/default/f...
).

Seligmann-Silva (2012Seligmann-Silva, E. (2012). A precarização contemporânea: a saúde mental no trabalho precarizado. In A. L. Vizzaccaro-Amaral, D. P. Mota& G. Alves(Orgs.), Trabalho e estranhamento: saúde e precarização do homem-que-trabalha (p. 87-111). São Paulo, SP: LTr.) já vem nos anunciando esse cenário marcado pelos vínculos precários, saúde precária e perda do ‘ser’. A crise social acirrou o medo, a insegurança, a desconfiança, a instabilidade e a desproteção. Assolados por práticas perversas de gestão, muitas delas marcadas pela captura da subjetividade e manipulatória, o individualismo, a competitividade e o isolamento têm sido exacerbados. O sofrimento e adoecimentos relacionados ao trabalho, com destaque aos transtornos mentais, estão marcados pela violência no trabalho (assédio moral, organizacional e sexual), pelos sofrimentos mal caracterizados e diversas formas de mal-estar, medicalização, uso excessivo de álcool e outras drogas, além do esgotamento e desalento.

Dar visibilidade ao sofrimento e adoecimento mental relacionado com o campo social é desafiador, sendo necessário que todos os profissionais (com destaque para a rede de saúde) estejam atentos para a notificação desses agravos, não somente dos/as trabalhadores/as com vínculos formais, mas também daqueles na informalidade e no desemprego, garantindo de modo mais efetivo o conhecimento da situação de saúde e trabalho do povo brasileiro. Ademais, é urgente construir ações, mediante políticas públicas em ST, que possam na perspectiva intra e intersetorial atuar com a prevenção, cuidados e a reabilitação dos/as trabalhadores/as adoecidos. Destacamos ainda, conforme Seligmann-Silva (2012Seligmann-Silva, E. (2012). A precarização contemporânea: a saúde mental no trabalho precarizado. In A. L. Vizzaccaro-Amaral, D. P. Mota& G. Alves(Orgs.), Trabalho e estranhamento: saúde e precarização do homem-que-trabalha (p. 87-111). São Paulo, SP: LTr.), o desafio da reabilitação profissional e a reinserção laboral, incluindo a dimensão psicossocial, que sejam capazes de recuperar e reintegrar à vida social os/as trabalhadores/as. Para esse percurso, é preciso incluir a saúde mental afetada pela precarização laboral, bem como desenvolver ações e políticas que além de tratar, possam efetivamente prevenir e promover saúde.

(Des)encontros entre as políticas públicas em saúde do trabalhador e o trabalho decente: o programa de reabilitação profissional

Seria o Programa de Reabilitação Profissional (PRP) e trabalho decente uma relação possível ou utópica? A reflexão sobre a relação entre Reabilitação Profissional (RP) e o trabalho decente permite trazer para a cena o/a trabalhador/a que adoeceu ou acidentou-se, mas, segundo avaliação dos médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ainda possui capacidade laboral, porém não mais sendo possível voltar à sua atividade laboral anterior, necessitando passar por um processo de reabilitação profissional para capacitá-lo para uma nova profissão. Nessas condições ele adentra ao PRP, que segundo definição

É a ‘assistência educativa ou reeducativa’ e de ‘adaptação ou readaptação profissional’, instituída sob a denominação genérica de ‘habilitação e reabilitação profissional (RP)’,visando proporcionar aos beneficiários incapacitados parcial ou totalmente para o trabalho, em caráter obrigatório, independente de carência, e às pessoas com deficiência, os meios indicados para o reingresso no mercado de trabalho e no contexto em que vivem (Decreto nº 3.048, 1999Decreto n° 3.048, art. 136, de 06 de março de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Recuperado dehttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
, art. 136, grifo do autor).

Mas onde o trabalho decente se conecta a esse programa governamental? A relação entre a reabilitação profissional e o trabalho decente é fundamentada na necessidade de aumento da proteção social, um dos tripés da seguridade social, sendo objetivo que compõe a própria definição de trabalho decente, conforme já visto anteriormente. Discutindo o que é trabalho decente, Abrano (2015Abrano, L. (2015). Uma década de promoção do trabalho decente no Brasil: uma estratégia de ação baseada no diálogo social. Genebra, CH: Organização Internacional do Trabalho [OIT]. Recuperado de: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_467352.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
, p. 27) faz a seguinte consideração sobre ser um trabalho que “[...] garante proteção social nos impedimentos ao exercício do trabalho (desemprego, doença, acidentes, entre outros), assegura renda ao chegar à época da aposentadoria e no qual os direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras são respeitados”.

Aprofundando e especificando essa vinculação, o Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente (Brasil, 2010Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. (2010). Plano nacional de trabalho decente. Brasília, DF. Recuperado de https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226249.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
) traz referências diretas a RP. O plano é constituído por prioridades, com descrição de resultados esperados, decompostos em série de metas para cada um deles, estabelecidas para os anos de 2011 e 2015, além de indicadores a serem utilizados na análise do resultado de cada meta.

A prioridade primeira do plano, em consonância com a Agenda Nacional do Trabalho Decente é assim estabelecida: “[...] gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e tratamento [...]”, e traz como um dos resultados esperados a “[...] ampliação e fortalecimento da proteção social aos trabalhadores e trabalhadoras e as suas famílias, especialmente para grupos sociais mais vulneráveis e trabalhadores migrantes” (Brasil, 2010Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. (2010). Plano nacional de trabalho decente. Brasília, DF. Recuperado de https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226249.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
, p. 22). É nesse item que, dentre as diversas metas elencadas, encontramos a que se refere diretamente à RP. Para o ano de 2011 previa-se como meta “[...] a melhoria do sistema e ampliação de Reabilitação Profissional (RP) em conformidade com a Lei sobre colocação, recolocação e reinserção no mercado de trabalho dos cidadãos egressos do Programa de Reabilitação Profissional do INSS - PRP” (Brasil, 2010Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. (2010). Plano nacional de trabalho decente. Brasília, DF. Recuperado de https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226249.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
, p. 22). Como indicadores para esse objetivo define-se o número de pessoas beneficiadas pelo PRP, tempo médio de afastamento e número de instituições envolvidas no PRP do INSS.

Portanto, a RP está imbricada, pelo menos teoricamente, com os princípios do trabalho decente ao propor melhoria das condições de proteção social que visem a recuperação e a reinserção de/as trabalhadores/as acidentados ou adoecidos no mercado de trabalho, em atividades que cumpram as especificações estabelecidas como trabalho decente. Lembremos que o direito a participar da RP não é universal, ou seja, tem direito a ele trabalhadores/as que contribuíram de alguma forma para o INSS, como trabalhadores/as formais ou como autônomos. Esse ponto já apresenta uma contradição, pois não sendo universal, o propósito de privilegiar os/as trabalhadores/as de grupos sociais mais vulneráveis já pode ser colocado em xeque.

Para melhor entender as dificuldades de pôr em prática essas intenções do Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente, relatamos abaixo um breve histórico das ações e programas de reabilitação profissional no Brasil com avanços e retrocessos.

Os serviços de RP existem no país desde 1944, mas só na década de 60 é promulgada a Lei Orgânica da Previdência Social, que atribuiu o dever de implementar ações que passam a ser custeadas pelo governo, mas torna-se uma obrigação legal somente em 1967, com a definição dos atendimentos ficarem a cargo do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). Foram instituídos os Centros de Reabilitação Profissional e os Núcleos de Reabilitação Profissional, que contavam com equipes multiprofissionais tanto na área de reabilitação física quanto para profissionalização dos beneficiários. As críticas a esse modelo abrangem tendência hospitalocêntrica e desarticulação com demais órgãos assistenciais e fiscalizadores de condições de trabalho (Miranda, 2018Miranda, C. B. (2018). Aspectos do cenário atual da reabilitação profissional no Brasil: avanços e retrocessos. Cadernos de Saúde Pública, 34(8), e00218717. Recuperado de:https://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00218717
https://doi.org/10.1590/0102-311x0021871...
).

Na década de 1990 foi implantado o Plano de Modernização da Reabilitação Profissional, que aboliu os Centros e Núcleos de Recuperação Profissional, passando o serviço a ser desenvolvido pelas agências do INSS. Em 2001 é criado o Programa Reabilita, prescrevendo que o processo de reabilitação ocorra com a supervisão de orientadores profissionais e perito médico, por meio de cursos e treinamentos a serem frequentados pelos/as trabalhadores/as (Carvalho, 2018Carvalho, F. X. (2018). As alterações no Programa de Reabilitação Profissional do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS): garantia ou supressão de direitos (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa.). As críticas a esse modelo são de ser “[...] reducionista, compensatório, fragmentado e desarticulado com outras políticas públicas e de saúde, assim como não favorece o retorno real e saudável ao trabalho” (Miranda, 2108, p. 04). Lembramos que em 2011 a reabilitação profissional passou a compor a política nacional de segurança e saúde no trabalho, porém em nada alterou o formato e práticas já adotadas.

Em 2018, o Manual Técnico de Procedimentos da Área da Reabilitação Profissional, o qual já havia sofrido a reatualização em 2016, apontando avanços conceituais em direção a uma reabilitação integral alicerçada no modelo biopsicossocial de saúde, tem uma nova atualização (Diretoria de Saúde do Trabalhador [DIRSAT], 2018Diretoria de Saúde do Trabalhador [DIRSAT]. (2018). Manual técnico de procedimentos da área de reabilitação profissional (Vol. 01). Brasília, DF.). O anterior tem parte revogada, justamente aquela composta pela fundamentação teórica, e sofre alterações, prescrevendo agora o modelo biomédico, desconsiderando aspectos psicossociais dos/as trabalhadores/as e abolindo equipes multidisciplinares. Ou seja, acontece um verdadeiro retrocesso nas diretrizes do PRP. Ocorre igualmente uma precarização do PRP, indo totalmente contra as diretrizes estipuladas pelo plano de trabalho decente no que toca à ampliação da seguridade social. Ou seja, a precarização do trabalho descrita no início do texto atinge também a política pública que deveria dar suporte ao processo de recuperação e de volta ao trabalho (decente) àqueles/as trabalhadores/as adoecidos, acidentados, ou com deficiência física, que por sua vez já enfrentam a vulnerabilidade social causada por sua condição (ou não-condição) de força de trabalho.

Em um mercado de trabalho cada vez mais exigente em termos de qualificação de pessoal e com condições de trabalho mais precarizadas e desprotegidas socialmente, Carvalho (2018Carvalho, F. X. (2018). As alterações no Programa de Reabilitação Profissional do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS): garantia ou supressão de direitos (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa.) e Spielmann (2018Spielmann, C.K. (2018). Retorno e permanência após Programa de Reabilitação Profissional: a realidade dos egressos da APS de Campo Mourão (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual do Paraná, Campo Mourão.) apresentam pesquisas sobre os resultados da RP. E o quadro não é animador. Retratam a dura realidade de, ao finalizar o programa, os reabilitados estão sem proteção na busca de novos trabalhos e, com limitações tanto na saúde como na capacidade de trabalho, restam-lhes muitas vezes apenas os trabalhos precários, temporários ou o desemprego, e ainda mais, sendo culpabilizados por seu fracasso. Eis um paradoxo, antes do adoecimento/acidente o/a trabalhador/a tinha direito a seguridade social, possibilitando a participação no PRF. O resultado final, por ter necessitado participar da reabilitação, é a maior dificuldade de conseguir inserção no mercado formal de trabalho, ficando excluídos dessa proteção social. Podemos adotar aqui as palavras de Spielmann (2018Spielmann, C.K. (2018). Retorno e permanência após Programa de Reabilitação Profissional: a realidade dos egressos da APS de Campo Mourão (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual do Paraná, Campo Mourão., p. 112) “[...] a Reabilitação Profissional tem-se mostrado cada vez mais como um castigo e não como um direito para o trabalhador”.

Pelo histórico, pelo cenário atual do RP, e o que se desenha para o futuro, o desafio posto aos que se interessam pelo campo de saúde do trabalhador é lutar para que se construam possibilidades de reabilitação profissional em que se considerem a integralidade e o protagonismo dos/as trabalhadores/as, adotando o modelo biopsicossocial no processo de reabilitação e que resultem na reinserção laboral por meio de um trabalho digno, não precarizado, ou seja, um trabalho decente.

Considerações finais

Na história do nosso país a luta pelo trabalho decente, digno e humano acompanha a classe trabalhadora brasileira desde os seus primórdios. Atualmente, desvendar os meandros das relações saúde-doença-trabalho caracterizando o quadro de vulnerabilidades, adoecimento e morte dos/as trabalhadores/as brasileiros é um imperativo na conjuntura de austeridade fiscal. Como diz Seligmann-Silva (2012Seligmann-Silva, E. (2012). A precarização contemporânea: a saúde mental no trabalho precarizado. In A. L. Vizzaccaro-Amaral, D. P. Mota& G. Alves(Orgs.), Trabalho e estranhamento: saúde e precarização do homem-que-trabalha (p. 87-111). São Paulo, SP: LTr., p. 93) “E torna-se bastante preocupante constatar que, ao longo do domínio do pensamento neoliberal, generalizou-se uma veiculação de ideias, concepções e atitudes contrárias a uma ética que respeita a saúde como valor maior”.

A saúde e segurança no trabalho (SST) como política pública que compõe a seguridade social, enquanto direito constitucional e direito humano, necessita ser reafirmada na atual conjuntura, uma vez que antecede o conceito de trabalho decente da OIT, de quem o Brasil é signatário. Conforme a I Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST) (Brasil, 1986Brasil. Ministério da Saúde. (1986). Relatório final da 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador. Brasília, DF. Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/1a_conf_nac_saude_trabalhador.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
) podemos verificar o esforço para se ampliar o conceito de saúde dos/as trabalhadores/as para além do âmbito ocupacional, impulsionando a construção de um campo institucional (formalizado em políticas, órgãos, setores e atores sociais em um sistema de saúde único e estatal), bem como demarcando a necessária relação com os fatores políticos, sociais e econômicos que atravessam os processos produtivos e as formas de trabalhar, conformando modos de vida.

O ponto de partida, então, é as histórias de vida, saúde e trabalho que dão elementos para discutir os aspectos clínicos, organizacionais e epidemiológicos, bem como as medidas preventivas e condutas indicadas para cada problemática. Tal percurso nos desafia a construir com esses/as trabalhadores/as, possibilidades de vida no/pelo trabalho. Para isso não há uma receita pronta de como se fazer, a construção e a conquista desses espaços se dão no próprio campo em contato com a realidade do trabalho e do/a trabalhador/a.

Além disso, há a PNSTT (Portaria nº 1.823..., 2012Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012. (2012). Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt1823_23_08_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
) que nos confere alguns princípios voltando-se para os grupos e pessoas em vulnerabilidade. Em seu cap. I, artigo 7º é afirmado que

A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora deverá contemplar todos os trabalhadores priorizando, entretanto, pessoas e grupos em situação de maior vulnerabilidade, como aqueles inseridos em atividades ou em relações informais e precárias de trabalho, em atividades de maior risco para a saúde, submetidos a formas nocivas de discriminação, ou ao trabalho infantil, na perspectiva de superar desigualdades sociais e de saúde e de buscar a equidade na atenção.

Começar pela identificação de pessoas e grupos vulneráveis, para tal, precisamos estar conectados à rede de saúde e demais políticas públicas, em uma perspectiva territorial, para proceder à análise da situação de saúde local e regional - incluindo nesse planejamento e ação - discussão com a comunidade, trabalhadores/as e outros atores sociais de interesse à saúde dos/as trabalhadores/as, considerando suas especificidades e singularidades culturais, étnico-raciais, de gênero e sociais. Há ferramentas para isso, desde o mapeamento das atividades produtivas, na atenção primária, até bases de dados que permitam situar os ramos produtivos, o quadro de morbimortalidade e sua relação com a ocupação, bem como inúmeros instrumentos que mapeiam o sofrimento do/a trabalhador/a e as condições de trabalho. Um caminho para a produção de indicadores para monitoramento e avaliação da situação de saúde.

Precisamos nos reaproximar do sujeito, do trabalhador e da trabalhadora. Revermos nosso compromisso ético-político, seja da psicologia enquanto ciência e profissão, seja de outras áreas de conhecimento. Vislumbrar quem é o sujeito e seu entorno - tendo como aliadas a saúde coletiva e a saúde do trabalhador - permite desvendar os modos de ser-trabalhar-existir, que conjugam o socius e a subjetividade. Um diálogo, aberto pelo espaço de escuta, acolhimento e cuidado, permite ao pesquisador, profissionais de saúde e diferentes atores sociais identificar o que no trabalho atenta contra o corpo e a subjetividade. Nesta perspectiva, temos como desafio (re)conhecer o/a trabalhador/a como sujeitos de saberes que, ao assumirem sua voz e protagonismo, podem conferir meios para transformação laboral e social.

Diante disso, há a tarefa de trazer à tona a história ocupacional de trabalhadores/as e reconhecer a relação, o nexo causal, entre o agravo e a atividade desenvolvida; investigar quando o adoecimento foi provocado/desencadeado e em qual atividade profissional; construir ações em prevenção e promoção da saúde, proteção e reabilitação; além de encararmos o fenômeno do presenteísmo. Esses são apenas alguns passos a serem dados que devem integrar uma rede de cuidado e atenção, de assistência e vigilância em saúde, em diferentes níveis de complexidade, setorialidade e responsabilidade, capaz de envolver distintos atores sociais e instituições. Uma via para identificar a progressiva diversificação da classe trabalhadora, marcada por diferentes formas degradantes de trabalho em função da inserção desigual no mercado de trabalho.

Como pensar o trabalho decente em tempos de desconstituição da proteção social e cidadania? Em tempos de progressiva subtração de direitos são alterados os rumos da história do nosso país, encarnada em pessoas, famílias, comunidades e territórios. Reduzir políticas públicas protetivas em uma das sociedades mais iníquas do mundo é compactuar com a perpetuação ascendente das desigualdades sistemáticas, injustas, desnecessárias e evitáveis. A austeridade assumida por um plano e governo de Estado tem se materializado nas condições de vida insistentemente invisibilizadas e negadas. Tais restrições no mundo do trabalho, vividas no campo da cidadania, que ao invés de assegurar a integração e inclusão social, fere o pacto social, tornando a cidadania incompleta e por vezes negada.

É possível, porém desafiador, estabelecer novos pactos sociais que ao rever as metas fiscais não se dissociem da redução de desigualdades, das políticas públicas protetivas e garantidoras de direitos sociais universalistas. Nesta via podemos encontrar um desenvolvimento econômico sustentável e mais humano. Diante das mudanças históricas e sociais, das relações de trabalho, além de proteger sujeitos durante as crises econômicas e mesmo pessoais, é indispensável prover cidadania e pertencimento social. Para esse intento, temos pela frente também que reaver o projeto democrático para o país e políticas públicas não excludentes. Nesse cenário, ansiamos estar juntos, não nos demorarmos muito em defesa da vida, do trabalho humano, gerador de vida e dignidade.

Referências

  • Abrano, L. (2015). Uma década de promoção do trabalho decente no Brasil: uma estratégia de ação baseada no diálogo social. Genebra, CH: Organização Internacional do Trabalho [OIT]. Recuperado de: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_467352.pdf
    » https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_467352.pdf
  • Brasil. Ministério da Saúde. (1986). Relatório final da 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador Brasília, DF. Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/1a_conf_nac_saude_trabalhador.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/1a_conf_nac_saude_trabalhador.pdf
  • Brasil. Ministério da Saúde. (2005). 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador - CNST: “trabalhar, sim! adoecer, não!”: coletânea de textos Brasília, DF.
  • Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. (2010). Plano nacional de trabalho decente Brasília, DF. Recuperado de https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226249.pdf
    » https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226249.pdf
  • Buss, P. M., & Pellegrini Filho, A. (2007). A saúde e seus determinantes sociais. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 17(1), 77-93.
  • Carvalho, F. X. (2018). As alterações no Programa de Reabilitação Profissional do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS): garantia ou supressão de direitos (Tese de Doutorado). Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa.
  • Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (1988). Brasília, DF. Recuperado de:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  • Decreto n° 3.048, art. 136, de 06 de março de 1999 Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Recuperado dehttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm
  • Dejours, C. (2006). A banalização da injustiça social (7a ed). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.
  • Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos [DIEESE] (2018). Trabalho por conta própria cresce na crise, mas em piores condições Recuperado de:https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2018/boletimEmpregoEmPauta8.html
    » https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2018/boletimEmpregoEmPauta8.html
  • Diretoria de Saúde do Trabalhador [DIRSAT]. (2018). Manual técnico de procedimentos da área de reabilitação profissional (Vol. 01). Brasília, DF.
  • Duarte, D. A. (2016). Narrar para conhecer os modos de ser-trabalhar-existir: o (difícil) cenário do trabalho contemporâneo. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 19(2), 187-199. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172016000200005&lng=pt&tlng=pt
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172016000200005&lng=pt&tlng=pt
  • Fleury, S. (2009). Coesão e seguridade Social. In L. V. C. Lobato & S. Fleury (Orgs.), Seguridade social, cidadania e saúde (p. 10-27). Rio de Janeiro, RJ: Cebes.
  • González Rey, L. F. (2005). Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios São Paulo, SP: Cengage Learning.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. Agência de notícias (2019, 30 de abril). PNAD contínua: taxa de desocupação é de 12,7% e taxa de subutilização é de 25,0% no trimestre encerrado em março de 2019 Recuperado de: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/24284-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-7-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-25-0-no-trimestre-encerrado-em-marco-de-2019
    » https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/24284-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-7-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-25-0-no-trimestre-encerrado-em-marco-de-2019
  • Krein, J. D., & Oliveira, R. V. (2019). Os impactos da Reforma nas condições de trabalho. In J. D. Krein, R. V. Oliveira& V. A. Filgueiras (Orgs.), Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade(p. 127-155). Campinas,SP: Ed. Curt Nimuendajú.
  • Ministério Público do Trabalho [MPT] & Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2019b). Observatório Digital de Saúde e Segurança no Trabalho Recuperado de: http://observatoriosst.mpt.mp.br
    » http://observatoriosst.mpt.mp.br
  • Ministério Público do Trabalho [MPT] & Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2019a). Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil Recuperado de:http://observatorioescravo.mpt.mp.br
    » http://observatorioescravo.mpt.mp.br
  • Miranda, C. B. (2018). Aspectos do cenário atual da reabilitação profissional no Brasil: avanços e retrocessos. Cadernos de Saúde Pública, 34(8), e00218717. Recuperado de:https://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00218717
    » https://doi.org/10.1590/0102-311x00218717
  • Monteiro, A. L. O. (2013). Paradoxos do processo de formação da agenda de trabalho decente no Brasil (2003-2012) (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília.
  • Nitahara, A. (2016, 24 de abril). Brasil é quarto no mundo em acidentes de trabalho, alertam juízes. Agência Brasil, Empresa Brasil de Comunicação, Geral Recuperado de:http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/brasil-e-quarto-do-mundo-em-acidentes-de-trabalho-alertam-juizes
    » http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/brasil-e-quarto-do-mundo-em-acidentes-de-trabalho-alertam-juizes
  • Organização das Nações Unidas [ONU]. (2009). Declaração Universal dos Direitos Humanos Rio de Janeiro, RJ: UNIC. Recuperado de:https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf
    » https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf
  • Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2018). Futuro do trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites Recuperado de:https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_626908/lang--pt/index.htm
    » https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_626908/lang--pt/index.htm
  • Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2006). Trabalho decente nas Américas: uma agenda hemisférica,2006-2015: informe do Diretor Geral In 16ª Reunião Regional Americana Brasília, DF. Recuperado de:https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226226.pdf
    » https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_226226.pdf
  • Oxfam Brasil. (2017). A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras Recuperado de: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_a_distancia_que_nos_une.pdf
    » https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_a_distancia_que_nos_une.pdf
  • Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012 (2012). Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt1823_23_08_2012.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt1823_23_08_2012.html
  • Ribeiro, A. A., Lemos, C. L. S., Ferre, F., David, G. C., Correa Filho, H., Santos, I. S., Oliveira, T. C. (2018). Que história é essa de austeridade? Como o arrocho pode afetar os nossos direitos e como enfrentá-lo. Rio de Janeiro, RJ: CEBES. Recuperado de: http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2018/07/CartilhaAusteridadeCebes-_F.pdf
    » http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2018/07/CartilhaAusteridadeCebes-_F.pdf
  • Seligmann-Silva, E. (2012). A precarização contemporânea: a saúde mental no trabalho precarizado. In A. L. Vizzaccaro-Amaral, D. P. Mota& G. Alves(Orgs.), Trabalho e estranhamento: saúde e precarização do homem-que-trabalha (p. 87-111). São Paulo, SP: LTr.
  • Spielmann, C.K. (2018). Retorno e permanência após Programa de Reabilitação Profissional: a realidade dos egressos da APS de Campo Mourão (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual do Paraná, Campo Mourão.
  • Vieira, F. S., Santos, I., Ocké-Reis, C., & Rodrigues, P. H. A. (2018). Políticas sociais e austeridade fiscal: como as políticas sociais são afetadas pelo austericídio da agenda neoliberal no Brasil e no mundo Rio de Janeiro, RJ: CEBES.
  • 3
    A partir de 2008 há uma ascensão de medidas restritivas que ao serem aplicadas reprimem os avanços obtidos com as políticas sociais de abrangência universal, comprometendo o desenvolvimento social das nações. Isso se dá porque seu receituário é antagônico ao estado de bem-estar social, uma vez que os paradigmas centrais do neoliberalismo são: redução do Estado e privatização de serviços seguindo o princípio da superioridade do livre mercado para o uso dos recursos; sobreposição do individualismo; e liberdade em detrimento da igualdade (Vieira, Santos, Ocké-Reis, & Rodrigues, 2018).
  • 4
    Vieira et al. (2018), ao buscar evidências dos impactos da política econômica de austeridade e suas consequências para os indicadores de saúde e sociais, identificam que associada à perda do emprego há o aumento de agravos de saúde mental, com maior prevalência de depressão e ansiedade, especialmente nos grupos sociais mais vulneráveis. Foram verificados também o incremento dos índices de suicídio, a redução na percepção de saúde como boa, aumento de doenças crônicas não transmissíveis e de doenças infectocontagiosas, aumento do consumo de álcool e outras drogas e perda de acesso aos serviços por dificuldades socioeconômicas. Isso sugere a realização de estudos no caso brasileiro que estabeleçam indicadores de saúde e marcadores de desigualdade da população para avaliar os impactos dessas medidas de austeridade fiscal, especialmente na Seguridade Social, envolvendo SUS, Assistência Social e Previdência, bem como a educação.
  • 5
    A OIT foi fundada em 1919, possui sua sede em Genebra/Suíça, e tem como objetivo a promoção da justiça social. Ela intenta estratégias de desenvolvimento nacionais, com vistas à diminuição da pobreza, além de figurar como a única agência das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual representantes de governos, de organizações de empregadores e de trabalhadores/as de diversos países participam de forma igualitária nas decisões e elaboração de diretrizes de várias instâncias.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2019
  • Aceito
    30 Jan 2020
Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, CEP: 87020-900, Maringá, PR - Brasil., Tel.: 55 (44) 3011-4502; 55 (44) 3224-9202 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: revpsi@uem.br