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CONSCIÊNCIA, CORAGEM E AMOR: ANÁLISE BEHAVIORISTA DE OBJETIVOS DA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL

CONSCIENCIA, CORAJE Y AMOR: ANÁLISIS BEHAVIORISTA DE OBJETIVOS DE LA PSICOTERAPIA ANALÍTICA FUNCIONAL

RESUMO.

A Psicoterapia Analítica Funcional é uma abordagem clínica baseada em uma análise funcional comportamental do ambiente terapêutico típico. Seus objetivos e técnicas terapêuticas podem ser descritos em diferentes termos, privilegiando ou não a linguagem utilizada na análise experimental do comportamento. Na formulação original, é destinada a diminuir a frequência de comportamentos clinicamente relevantes (CCRs) problemáticos e aumentar a dos de progresso e de interpretação pela técnica das cinco regras: observar CCRs, evocar CCRs, reforçar CCRs, observar os efeitos da intervenção e implementar a generalização. Sob a influência da Ciência Contextual Comportamental, estes mesmos elementos passaram a ser descritos com o rótulo de ‘Modelo Consciência, Coragem e Amor’ (ACL, do inglês Awareness, Courage and Love). O objetivo deste trabalho foi identificar se a linguagem da nova proposição era compatível com a usada por B. F. Skinner. O método foi uma revisão destes termos, ou seus sinônimos, em importantes livros da obra de B. F. Skinner, notadamente uma literatura caracterizada por sua derivação dos achados de laboratório em pesquisas sobre o comportamento operante. Os livros consultados foram Ciência e comportamento humano, Sobre o behaviorismo, O comportamento verbal, Walden II e Questões recentes na análise comportamental. A revisão permitiu concluir que os termos consciência, coragem e amor já haviam sido explorados na literatura skinneriana, oferecendo análises funcionais e mostrando que seu uso é compatível com o sistema comportamental.

Palavras-chave:
Psicoterapia; teorias; behaviorismo

RESUMEN.

La Psicoterapia Analítica Funcional es un enfoque clínico basado en un análisis funcional del comportamiento del ambiente terapéutico típico. Sus objetivos y técnicas terapéuticas pueden ser descritos en diferentes términos, privilegiando o no el lenguaje utilizado en el análisis experimental del comportamiento. En la formulación original, está destinada a disminuir la frecuencia de comportamientos clínicamente relevantes (CCR) problemáticos y aumentar la de los de progreso y de interpretación por la técnica de las cinco reglas: observar CCRs, evocar CCRs, reforzar CCRs, observar los efectos de la intervención e implementar la generalización. Bajo la influencia de la Ciencia Contextual Comportamental, estos mismos elementos pasaron a ser descritos con el rótulo ‘Modelo Consciencia, Coraje y Amor’ (ACL, del inglés Awareness, Courage and Love). El objetivo de este trabajo fue identificar si el lenguaje de la nueva proposición era compatible con la usada por B. F. Skinner. La metodología fué una revisión de estos términos, o sus sinónimos, en importantes libros de la obra de B. F. Skinner, notable por ser una literatura caracterizada por su derivación de los hallazgos de laboratorio en investigaciones sobre el comportamiento operante. Los libros consultados fueron Ciencia y comportamiento humano, Sobre el conductismo, El comportamiento verbal, Walden II y Cuestiones recientes en el análisis de la conducta. La revisión permitió concluir que los términos conciencia, coraje y amor ya habían sido explorados en la literatura skinneriana, ofreciendo análisis funcionales y demostrando que su uso es compatible con el sistema conductual.

Palabras clave:
Psicoterapia; teorías; conductismo

ABSTRACT.

Functional Analytic Psychotherapy is a clinical approach based on a behavioral functional analysis of the typical therapeutic setting. Its objectives and therapeutic techniques can be described in different terms, privileging or not the language used in the experimental analysis of behavior. In its original formulation, this approach aims to decrease the frequency of problematic clinically relevant behaviors (CRBs) and to increase those of progress and interpretation by the five-rules technique: observe CRBs, evoke CRBs, reinforce CRBs, observe the effects of the intervention, and implement generalization. Under the influence of the Behavioral Contextual Science, these same elements came to be described with the label ‘Awareness, Courage and Love Model’ (ACL Model). The goal of this study was to identify whether the language of this new proposition was compatible with that used by B. F. Skinner. The method was a review of these terms, or their synonyms, using important books of the work of B. F. Skinner, notably a literature characterized by its derivation of laboratory findings in research on operant behavior. The books consulted were Science and human behavior, About behaviorism, Verbal behavior, Walden II and Recent issues in the analysis of behavior. This review made it possible to conclude that the terms awareness, courage and love had already been explored in the Skinnerian literature, offering functional analyses and showing that their use is compatible with the behavioral system.

Keywords:
Psychotherapy; theories; behaviorism

Introdução

Originalmente, a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) foi apresentada com uma série de características: visa à criação de uma relação intensa e curativa entre o cliente e o terapeuta; foi desenvolvida a partir da tentativa de uma análise funcional skinneriana de intervenções bem-sucedidas; e foi proposta como mais adequada a clientes ambulatoriais com queixas envolvendo problemas difusos de relacionamento, como no caso de pessoas com transtorno da personalidade (Kohlenberg & Tsai, 2001Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André, SP: ESETec.).

Além disso, a FAP assume o behaviorismo radical (BR) como filosofia fundamental, o que implica em entender dificuldades interpessoais em termos de problemas de comportamento. Uma de suas hipóteses centrais é a afirmação de que os problemas interpessoais do cliente ocorrem durante as sessões, bem como que as melhoras obtidas na terapia se estendem para seus outros relacionamentos, o que é definido pelos autores como generalização (Kohlenberg & Tsai, 2001Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André, SP: ESETec.).

Sua teoria e técnica especificavam objetivos comportamentais para o terapeuta e para o cliente, sendo que o terapeuta deveria conseguir implementar a técnica das cinco regras (observar, evocar, reforçar, verificar efeitos das intervenções e promover generalização) contingentes aos comportamentos clinicamente relevantes (CCRs) dos clientes, generalizados da vida cotidiana para o contexto clínico (Kohlenberg & Tsai, 2001Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André, SP: ESETec.).

Ao longo do tratamento, a frequência de comportamentos problemáticos (CCR1s) deveria diminuir e a de comportamentos de progresso (CCR2s) e de interpretação (CCR3s), aumentar. Apesar de algumas sugestões de tipos de CCR1s (ex., esquiva da intimidade), de CCR2s (ex., confiar no terapeuta) e da predileção por CCR3s sobre aqueles comportamentos que ocorrem tanto durante a relação terapêutica quanto no cotidiano do cliente, em geral os CCRs deveriam ser definidos caso a caso (Kohlenberg & Tsai, 2001Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André, SP: ESETec.).

A partir da difusão da FAP entre terapeutas comportamentais e com o interesse de alcançar novas audiências, além da intenção em desenvolver pesquisas por ensaios clínicos, os objetivos da FAP passaram a ser descritos também em Termos de Nível Intermediário (TNIs), pelo terapeuta e pelo cliente, como comportamentos de consciência, coragem e amor (denominado de Modelo ACL, do inglês Awareness, Courage and Love, Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.). Os TNIs são conceitos baseados em uma abordagem puramente pragmática e desenvolvidos para serem autoexplicativos em termos de seu propósito e contexto (Hayes, Barnes-Holmes, & Wilson, 2012Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D., & Wilson, K. G. (2012). Contextual behavioral science: Creating a science more adequate to the challenge of the human condition.Journal of Contextual Behavioral Science, 1(1-2), 1-16.).

Os TNIs foram criados para simplificar a complexidade humana sem excluir ou minimizar suas qualidades e características mais importantes. São utilizados como uma tentativa deliberada de demonstrar humildade e frouxidão ao referir-se a abstrações complexas como o reforçamento ou a transformação de estímulos. O objetivo de sua adoção é produzir melhores resultados e facilitar o desenvolvimento do conhecimento na Ciência Contextual Comportamental (CBS) (Hayes et al., 2012Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D., & Wilson, K. G. (2012). Contextual behavioral science: Creating a science more adequate to the challenge of the human condition.Journal of Contextual Behavioral Science, 1(1-2), 1-16.).

O modelo de flexibilidade psicológica subjacente à Terapia de Aceitação e Compromisso é um exemplo. Abrange os conceitos principais de aceitação, desfusão, atenção flexível para o agora, valores, eu-como-contexto e ação comprometida. Nenhum desses conceitos se trata de um termo técnico; nenhum deles tem o mesmo grau de precisão, escopo e profundidade que os princípios comportamentais clássicos, como o reforço, e nem de conceitos técnicos da Teoria das Molduras Relacionais, como a transformação de funções dos estímulos (Hayes et al., 2012Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D., & Wilson, K. G. (2012). Contextual behavioral science: Creating a science more adequate to the challenge of the human condition.Journal of Contextual Behavioral Science, 1(1-2), 1-16.).

Uma apresentação emblemática da FAP a partir da adoção destes TNIs foi realizada por Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.) em um trabalho sobre a avaliação das propriedades psicométricas da Awareness, Courage and Responsivity Scale (ACRS). A escala contém 24 itens que descrevem as habilidades a serem avaliadas. Estes devem ser respondidos com uma escala Likert de 1 (nunca ocorre) a 7 (sempre ocorre) pontos. São avaliados cinco construtos: a escala como um todo (Total), que teoricamente se refere à habilidade geral do respondente de criar e manter relacionamentos íntimos com boa qualidade; Consciência Sobre o Outro, com itens como ‘Estou ciente dos momentos em que é apropriado ser cuidadoso, solidário e amoroso para com os outros’; Consciência Pessoal, com afirmações como ‘Eu percebo a forma como as outras pessoas afetam os meus sentimentos’; Coragem, contendo assertivas como ‘Eu não deixo um conflito me impedir de alcançar aquilo que tem valor para mim’; e Responsividade, que compreende declarações como ‘Eu ajo compassivamente para com os outros quando estão em necessidade’.

Neste trabalho, os autores enfatizam que os déficits de funcionamento social, incluindo déficits na intimidade, são fortes fatores de risco para o sofrimento psicológico em geral, além de problemas de saúde física e de várias psicopatologias específicas. A título de ilustração, apresentam a revisão de Wetterneck e Hart (2012Wetterneck, C. T., & Hart, J. M. (2012). Intimacy is a transdiagnostic problem for cognitive behavior therapy: functional analytical psychotherapy is a solution.International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2-3), 167-176. Doi: doi.org/10.1037/h0100956
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), que conclui que a intimidade se trata de uma categoria transdiagnóstica.

No trabalho de Wetterneck e Hart (2012Wetterneck, C. T., & Hart, J. M. (2012). Intimacy is a transdiagnostic problem for cognitive behavior therapy: functional analytical psychotherapy is a solution.International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2-3), 167-176. Doi: doi.org/10.1037/h0100956
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), que objetivou apontar o papel da intimidade em diversas psicopatologias e argumentar que a FAP se trata de uma adição interessante à Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) por promover a intimidade, é apresentado que, no caso da depressão, o funcionamento psicossocial prevê as mudanças nos sintomas (e não o contrário), contribuindo para a redução destes. Eles também articulam pesquisas sobre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e mostram que, nas intervenções estudadas, as habilidades interpessoais e a intimidade enfatizam a diminuição de solicitações por acomodação3 3 Tais solicitações são definidas como pedidos ou ações indiretas do cliente para que os outros se acomodem aos seus sintomas, ex., exigindo de parentes e amigos que visitam a sua casa se higienizem ao entrar quando há obsessão por limpeza ou contaminação. e a redução de sua provisão por parte dos membros da família da pessoa com o TOC. Também, os sintomas resultam em sofrimento conjugal persistente entre os casais e os adolescentes com o transtorno apresentam nível inferior de habilidades sociais mesmo após o tratamento com a TCC tradicional. Finalmente, aponta-se que sessões de exposição acompanhadas por terapeutas produzem melhora superior às de autoaplicação, provavelmente devido ao feedback do terapeuta sobre a implementação adequada das técnicas e às variáveis ​​interpessoais, como a confiança no terapeuta (Wetterneck & Hart, 2012Wetterneck, C. T., & Hart, J. M. (2012). Intimacy is a transdiagnostic problem for cognitive behavior therapy: functional analytical psychotherapy is a solution.International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2-3), 167-176. Doi: doi.org/10.1037/h0100956
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).

Os autores ainda encontraram pesquisas considerando que excessivos déficits de intimidade são comuns na etiologia da Tricotilomania, sendo que o tratamento administrado logo após o início do transtorno ajuda a evitar os problemas que irão surgir a longo prazo, provavelmente porque são prevenidos pela melhora dos comportamentos interpessoais. No entanto, é comum que os clientes procurem por ajuda tardiamente, quando é mais difícil se comprometer com a tentativa de se engajar em comportamentos íntimos. Por exemplo, é difícil solicitar ao cliente que se exponha a ambientes sociais depois que ele já estiver com as falhas no couro cabeludo (Wetterneck & Hart, 2012Wetterneck, C. T., & Hart, J. M. (2012). Intimacy is a transdiagnostic problem for cognitive behavior therapy: functional analytical psychotherapy is a solution.International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2-3), 167-176. Doi: doi.org/10.1037/h0100956
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).

Finalmente, Wetterneck e Hart (2012Wetterneck, C. T., & Hart, J. M. (2012). Intimacy is a transdiagnostic problem for cognitive behavior therapy: functional analytical psychotherapy is a solution.International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2-3), 167-176. Doi: doi.org/10.1037/h0100956
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) discutem problemas clínicos comuns, como a Bulimia Nervosa, que é tratada com igual eficácia, para resultados a longo prazo, pela Terapia Interpessoal e pela TCC; os transtornos da personalidade, cujo resultado terapêutico é afetado pela intensidade das dificuldades com o funcionamento interpessoal, exigindo que este receba atenção no processo de avaliação e que se enfatize o aumento da intimidade; e problemas clínicos conjugais, para os quais é relatado que a criação de uma zona de segurança, apoio e compaixão entre os casais resulta em mudanças efetivas.

Para Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.), a FAP é considerada uma intervenção contextual-comportamental cujo objetivo envolve diminuir estes déficits no funcionamento interpessoal por meio do reforçamento, mediado pelo terapeuta em sessão, das habilidades para relacionar-se intimamente.

Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.) discutem que apesar das pesquisas de delineamento de sujeito único acerca da eficácia do mecanismo de ação da FAP serem favoráveis (Singh & O’Brien, 2018Singh, R. S., & O’Brien, W. H. (2018). A quantitative synthesis of functional analytic psychotherapy single-subject research.Journal of Contextual Behavioral Science, 7(1), 35-46.)4 4 Estes autores afirmam que a FAP está sendo administrada como tratamento por quase três décadas, porém há uma quantidade limitada de pesquisas que avaliam sua eficácia. A maioria dos estudos realizados usa metodologias de caso único, sendo que eles sistematizaram os dados de 20 publicações e forneceram uma estimativa quantitativa de eficácia. Nesta meta-análise, que é o método de avaliação mais relevante sobre as práticas baseadas em evidências, os tamanhos de efeito (TEs) médios da FAP foram classificados entre "questionavelmente eficazes" e "razoavelmente eficazes", o que é equivalente aos TEs das psicoterapias em geral. Por fim, são sugeridas pesquisas com mais rigor metodológico para melhorar tais índices, por exemplo, com linha de base em fila de espera, tratamento estabelecido para a queixa clínica ou com placebo psicológico (Sing & O’Brien, 2018). , é necessário analisar sua eficácia e generalização utilizando delineamentos de grupo. Dessa forma, o artigo de Kuczynski et al. (2020)Canevello, A., & Crocker, J. (2010). Creating good relationships: responsiveness, relationship quality, and interpersonal goals. Journal of Personality and Social Psychology, 99(1), 78- 106. apresenta o desenvolvimento e a avaliação psicométrica da ACRS (descrita brevemente acima), que utilizou como referenciais teóricos os princípios da CBS (Hayes et al., 2012Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D., & Wilson, K. G. (2012). Contextual behavioral science: Creating a science more adequate to the challenge of the human condition.Journal of Contextual Behavioral Science, 1(1-2), 1-16.) e o Modelo Processual da Intimidade (MPI) (Reis & Shaver, 1988Reis, H. T., & Shaver, P. (1988). Intimacy as an interpersonal process.Handbook of Personal Relationships,24(3), 367-389.).

O MPI (Reis & Shaver, 1988Reis, H. T., & Shaver, P. (1988). Intimacy as an interpersonal process.Handbook of Personal Relationships,24(3), 367-389.) é interpretado em termos de objetivos comportamentais específicos e importantes para o desenvolvimento da intimidade. Um exemplo desta possibilidade é a operacionalização do MPI como regras terapêuticas e CCR2s para a FAP, em que a evocação do CCR é categorizada como um ato de coragem do terapeuta, a autorrevelação do cliente, também um ato de coragem, e a resposta reforçadora dessa autorrevelação, dada pelo terapeuta, é um ato de amor (Maitland, Kanter, Manbeck, & Kuczynski, 2017Maitland, D. W., Kanter, J. W., Manbeck, K. E., & Kuczynski, A. M. (2017). Relationship science informed clinically relevant behaviors in Functional Analytic Psychotherapy: the awareness, courage, and love model.Journal of contextual behavioral science, 6(4), 347-359.).

Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.) definem seus TNIs em termos de construtos da escala, afirmando que se tratam de objetivos comportamentais, passíveis de intervenção psicoterapêutica e em linguagem acessível aos clínicos. Para os autores, consciência inclui a noção de ‘filtros interpretativos’ proposta por Reis e Shaver (1988Reis, H. T., & Shaver, P. (1988). Intimacy as an interpersonal process.Handbook of Personal Relationships,24(3), 367-389.), envolvendo prestar atenção aos fatores que influenciam uma interação íntima com a intenção de aumentar o próprio controle voluntário sobre o comportamento subsequente e aumentar a probabilidade de um relacionamento íntimo bem-sucedido ser construído.

Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.) apontam que a consciência pessoal e sobre o outro são importantes para a interação. Assim, a primeira envolve principalmente a percepção da experiência emocional atual e é consistente com várias descobertas sobre a melhora da clareza e da expressão de sentimentos, bem como da competência relacional. Já o conhecimento sobre o outro envolve a precisão empática, sendo um constructo relacionado à tomada de perspectiva, capacidade de responder bem-sucedido e de proximidade relacional. Adicionam ainda uma revisão do trabalho de Reis e Gable (2015Reis, H. T., & Gable, S. L. (2015). Responsiveness. Current Opinion in Psychology, 1(1), 67-71.), que observaram que a ausência de tal precisão implica em que tentativas bem-intencionadas de interação sejam percebidas como insinceras, insensíveis ou sem sincronia com os objetivos e as necessidades do falante.

Na formulação de Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.), a coragem compreende um amplo leque de comportamentos de autorrevelação ocorridos durante a interação. Cordova e Scott (2001Cordova, J. V., & Scott, R. L. (2001). Intimacy: a behavioral interpretation. The Behavior Analyst, 24(1), 75-86.) são referenciados porque enfatizam que as revelações são corajosas quando ocorrem em um contexto de maior probabilidade de punição (ex., rejeição, crítica ou constrangimento) e que, sem esse contexto, tal classificação não se aplicaria. Afirmam que isto é consistente com a ênfase do MPI (Reis & Shaver, 1988Reis, H. T., & Shaver, P. (1988). Intimacy as an interpersonal process.Handbook of Personal Relationships,24(3), 367-389.), cujas primeiras formulações teóricas sobre a intimidade destacavam a necessidade do estabelecimento da confiança no parceiro para o outro se sentir seguro e se autorrevelar com vulnerabilidade.

Ainda sobre a coragem, Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.) ressaltam a importância da autenticidade na autorrevelação, pois se trata da mais forte preditora da satisfação no relacionamento (mais do que gênero, autoestima ou apego adulto), além de se tratar de uma ‘tomada de risco íntima’ (Kernis & Goldman, 2006Kernis, M. H., & Goldman, B. M. (2006). A multicomponent conceptualization of authenticity: theory and research. Advances in Experimental Social Psychology, 38(1), 283-357. Doi: 10.1016/S0065-2601(06)38006-9
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).

No trabalho de Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.), o constructo que vinha sendo definido como amor em toda a literatura prévia (Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.) é denominado de responsividade. Consistentemente com o MPI, a responsividade se refere à nossa capacidade de corresponder à ação do outro. Descobertas identificaram diversos componentes importantes desta capacidade para a intimidade, incluindo reações experimentadas como compreensão, validação e cuidado (Maisel, Gable, & Strachman, 2008Maisel, N. C., Gable, S. L., & Strachman, A. (2008). Responsive behaviors in good times and in bad. Personal Relationships, 15(3), 317-338.; Canevello & Crocker, 2010Canevello, A., & Crocker, J. (2010). Creating good relationships: responsiveness, relationship quality, and interpersonal goals. Journal of Personality and Social Psychology, 99(1), 78- 106.), espelhar mais as necessidades emocionais do que as instrumentais (Cutrona, Shaffer, Wesner, & Gardner, 2007Cutrona, C. E., Shaffer, P. A., Wesner, K. A., & Gardner, K. A. (2007). Optimally matching support and perceived spousal sensitivity. Journal of Family Psychology, 21(4), 754-758.), reconhecer e respeitar a autoeficácia da outra pessoa (Bolger & Amarel, 2007Bolger, N., & Amarel, D. (2007). Effects of social support visibility on adjustment to stress: Experimental evidence. Journal of Personality and Social Psychology, 92(3), 458-475.; Maisel & Gable, 2009Maisel, N. C., & Gable, S. L. (2009). The paradox of received social support: The im- portance of responsiveness. Psychological Science, 20(8), 928-932. Doi: 10. 1111/j.1467-9280.2009.02388.x.
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) e afirmar a segurança do outro na relação com expressões de sentimentos compartilhados e recíprocos.

Porém, um debate tem-se estabelecido entre os profissionais que utilizam a FAP, girando em torno da preferência pela descrição original de seus objetivos, essencialmente individualizada e claramente referindo-se aos conceitos do BR, ou apenas definições mais atuais em TNIs, de caráter mais nomotético e aparentemente desvinculada da tradição comportamentalista (Kanter, Holman, & Wilson, 2014Kanter, J. W., Holman, G., & Wilson, K. G. (2014). Where is the love? Contextual behavioral science and behavior analysis.Journal of Contextual Behavioral Science, 3(2), 69-73.).

No entanto, seria possível avaliar e intervir sobre o vínculo social de um cliente com outra pessoa a partir das definições apresentadas por tal ponto de vista teórico, ou seja, com TNIs, assumindo o modelo metafórico sobre ‘filtros interpretativos’ de Reis e Shaver (1988Reis, H. T., & Shaver, P. (1988). Intimacy as an interpersonal process.Handbook of Personal Relationships,24(3), 367-389.)? Ou seria melhor utilizar uma operacionalização derivada da descrição de relações comportamentais observáveis, valiosas justamente porque preservam a referência a abstrações complexas como o reforçamento ou a transformação de estímulos, ou seja, oferecer uma definição behaviorista radical?

Este trabalho não pretende furtar do leitor o seu direito de escolha sobre qual enfoque utilizar ao abordar a definição do Modelo ACL, mas seu objetivo é propor a alternativa faltante: definir consciência, coragem e amor de forma coerente com a linguagem dos aplicadores da FAP identificados com a abordagem comportamental.

O BR (Skinner, 2011Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix .), ou a filosofia de ciência que fundamenta a abordagem comportamental, refere-se ao conjunto de interpretações ligadas às diversas relações comportamentais documentadas pelos métodos experimentais. Skinner (2011)Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix ., ao apresentá-lo como uma alternativa para abordar o tema das causas do comportamento aos modelos metodológico, estruturalista e positivista, afirma que

O behaviorismo radical [...] questiona a natureza daquilo que é sentido ou observado e, portanto, conhecido. Restaura a introspecção, mas não aquilo que os filósofos e os psicólogos introspectivos acreditavam ‘esperar’, e suscita o problema de quanto de nosso corpo podemos realmente observar. (Skinner, 2011Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix ., p. 18-19, grifo do autor)

Considera-se, então, que o clínico de orientação comportamental, que privilegia a observação de relações comportamentais coerentes com modelos experimentais e dados de pesquisa básica, derivados de observação direta por mais de uma pessoa, pode se beneficiar de uma descrição operacional derivada do BR. Por isso, a seguir é apresentada uma revisão da literatura dos termos consciência, coragem e amor, e sinônimos, em uma seleção de livros importantes da obra de Skinner.

Método

Foram realizadas uma revisão narrativa e uma análise conceitual de textos sobre o modelo ACL e consultados os seguintes livros da obra de B. F. Skinner: Ciência e comportamento humano (Skinner, 2015Skinner, B. F. (2015). Ciência e comportamento humano. São Paulo, SP: Martins Fontes.), Sobre o behaviorismo (Skinner, 2011Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix .), O comportamento verbal (Skinner, 1978a), Walden II (Skinner, 1978bSkinner, B. F. (1978b). Walden II: uma sociedade do futuro. São Paulo: EPU.) e Questões recentes na análise comportamental (Skinner, 1991Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental. Campinas, SP: Papirus.).

Apesar da riqueza de publicações sobre o Modelo ACL na FAP (Kohlenberg et al., 2015Kohlenberg, R. J., Tsai, M., Kuczynski, A. M., Rae, J. R., Lagbas, E., Lo, J., & Kanter, J. W. (2015). A brief, interpersonally oriented mindfulness intervention incorporating functional analytic psychotherapy’s model of awareness, courage and love. Journal of Contextual Behavioral Science, 4 (2), 107-111.; Miller, Williams, Wetterneck, Kanter, & Tsai, 2015Haworth, K., Kanter, J. W., Tsai, M., Kuczynski, A. M., Rae, J. R., & Kohlenberg, R. J. (2015). Reinforcement matters: a preliminary, laboratory-based component-process analysis of functional analytic psychotherapy’s model of social connection. Journal of Contextual Behavioral Science, 4(4), 281-291.; Tsai, Fleming, Cruz, Hitch, & Kohlenberg, 2015Tsai, M., Fleming, A. P., Cruz, R. A., Hitch, J. E., & Kohlenberg, R. J. (2015). Functional analytic psychotherapy: using awareness, courage, love, and behaviorism to promote change. In N. C. Thoma, & D. McKay (Eds.), Working with emotion in cognitive-behavioral therapy: techniques for clinical practice (p. 381-398). New York, NY: Guilford Press.; Muñoz-Martínez, & Follette, 2019Muñoz-Martínez, A. M., & Follette, W. C. (2019). When love is not enough: the case of therapeutic love as a middle-level term in functional analytic psychotherapy. Behavior Analysis: Research and Practice, 19(1), 103-113. Doi: 10.1037/bar0000141
https://doi.org/10.1037/bar0000141...
), foram selecionados apenas textos que aqui foram considerados relevantes para destacar o início de sua adoção, a expansão de seu escopo e a definição mais atualizada e completa dos seus conceitos ou construtos.

Resultados e discussão

Histórico da adoção dos termos consciência, coragem e amor na literatura sobre a psicoterapia analítica funcional, Consciência, coragem e amor como técnica

A primeira utilização do Modelo ACL na FAP se deu na publicação do segundo manual terapêutico. Nesta publicação, passou a integrar algumas das definições dos elementos de sua técnica terapêutica e dos valores pessoais do terapeuta FAP que podem ser afirmados para o cliente com o objetivo de ajudá-lo a atingir a realização psicológica (Tsai, et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.).

Em seguida, o Modelo ACL foi utilizado para complementar as definições originais da técnica terapêutica (Tsai, Callaghan, & Kohlenberg, 2013Tsai, M., Callaghan, G. M., & Kohlenberg, R. J. (2013). The use of awareness, courage, therapeutic love, and behavioral interpretation in functional analytic psychotherapy.Psychotherapy,50(3), 366-370.). Finalmente, para definir os objetivos a serem alcançados tanto pelo terapeuta quanto pelo cliente por colaboração mútua durante as sessões (Holman, Kanter, Tsai, & Kohlenberg, 2017Holman, G., Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. (2017).Functional analytic psychotherapy made simple: a practical guide to therapeutic relationships. Oakland, CA: New Harbinger Publications.).

Consciência

Como uma descrição alternativa da técnica terapêutica da FAP, significa procurar por comportamentos do cliente que sejam relevantes para o trabalho clínico com objetivos interpessoais, isto é, equivale à regra 1 (Tsai, et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.).

Como um valor pessoal do terapeuta, a consciência é apresentada como um sinônimo de insight e de consciência plena (mindfulness). Significa prestar atenção ao que ocorre no presente ao invés de se engajar em padrões de comportamento mecânicos ou compulsivos. Além disso, quer dizer se interessar pelas causas dos próprios comportamentos e dos outros, especialmente aquelas que podem ser identificadas na história familiar e nas experiências pessoais. Por fim, avaliar e se dispor a trabalhar na melhora de comportamentos indesejados (Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.).

Como uma forma de complementar a descrição original da técnica terapêutica sem privilegiar a terminologia comportamental, é descrita como estar plenamente consciente, prestar atenção ou simplesmente reparar na forma como o cliente afeta o terapeuta, considerando ambos como membros de uma comunidade social. Também significa estar claro sobre as diferenças entre as reações do cliente ao terapeuta e a outras pessoas que sejam igualmente importantes, como o cônjuge (Tsai et al., 2013Tsai, M., Callaghan, G. M., & Kohlenberg, R. J. (2013). The use of awareness, courage, therapeutic love, and behavioral interpretation in functional analytic psychotherapy.Psychotherapy,50(3), 366-370.).

A consciência também é definida como um objetivo comum ao terapeuta e ao cliente, sendo constituída de três subclasses (Holman et al., 2017Holman, G., Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. (2017).Functional analytic psychotherapy made simple: a practical guide to therapeutic relationships. Oakland, CA: New Harbinger Publications.).

  • 1. Consciência de si  - Perceber o próprio estado interno atual, incluindo o resultado do impacto das ações do outro durante uma interação, além de pensamentos, memórias, imagens, sentimentos e emoções. Por exemplo, o cliente pode verificar que uma determinada intervenção do terapeuta lhe causa ansiedade.
  • 2. Consciência dos próprios valores, objetivos e identidade  - Envolve lembrar-se de quais consequências dos próprios comportamentos são reforçadoras e das próprias características que o/a diferenciam das demais pessoas. Assim, um terapeuta pode afirmar sua trajetória de superação da pobreza diante de um cliente socialmente vulnerável com dificuldade de adesão à terapia.
  • 3. Consciência sobre o outro  - Compreende a percepção do estado atual, valores, objetivos, identidade e impacto do próprio comportamento no outro. Remete às noções de empatia e tomada de perspectiva. É essencial para o engajamento subsequente bem-sucedido em comportamentos de coragem e/ou amor.

Coragem

A primeira utilização deste TNI na FAP se deu como forma de complementar a regra 2. Esta descreve diversas intervenções terapêuticas para evocar a ocorrência de CCRs, como pedidos diretos para ele expressar suas necessidades em relação à terapia (Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.).

Enquanto um valor do terapeuta a ser afirmado para o cliente, a coragem é enfrentar e lidar com os medos e a ansiedade do dia a dia. Envolve tomar decisões e assumir riscos de acordo com os próprios valores (Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.).

Enquanto descrição complementar da regra 2, significa privilegiar intervenções sentidas como desafiadoras pelo clínico. Exemplos incluem abrir-se para a vulnerabilidade, tentar novas e diferentes intervenções, se dispor a ser autêntico, se autorrevelar, perseverar e permanecer na presença do medo e da dificuldade. Por exemplo, o terapeuta expõe suas emoções para um cliente que está aprendendo a demonstrar amor (Tsai et al., 2013Tsai, M., Callaghan, G. M., & Kohlenberg, R. J. (2013). The use of awareness, courage, therapeutic love, and behavioral interpretation in functional analytic psychotherapy.Psychotherapy,50(3), 366-370.).

Como objetivo clínico, significa agir assumindo riscos em prol dos próprios valores para relacionamentos, especialmente durante a ocorrência de sentimentos geralmente evitados. É composto por três diferentes subclasses (Holman et al., 2017Holman, G., Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. (2017).Functional analytic psychotherapy made simple: a practical guide to therapeutic relationships. Oakland, CA: New Harbinger Publications.).

  • 1. Experimentar vulnerabilidade e emoção  - É definido em oposição a suprimir, negar, diminuir ou se esquivar da própria vulnerabilidade e emoção durante uma interação. Pode ser um pré-requisito para os atos corajosos verbais, descritos a seguir.
  • 2. Expressar a própria experiência  - É a descrição para o outro das próprias reações à interação, estado interno atual, valores, objetivos e identidade. Envolve o conceito de autorrevelação com vulnerabilidade, um elemento crítico para o desenvolvimento da intimidade. Pode ser referido como ‘falar a própria verdade’ ou ‘falar com o coração’.
  • 3. Solicitar o que se precisa  - Inclui a solicitação de ajuda ao outro para suprir qualquer necessidade identificada e importante para o relacionamento, como proximidade, limites, apoio, opiniões, mudança de comportamento, valorização, alívio etc.

Amor

Amor foi utilizado como um termo de nível intermediário para complementar a descrição da regra 3 da FAP. A regra 3 se refere a intervenções reforçadoras dos progressos do cliente para melhorar seus relacionamentos interpessoais (Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.).

Como um valor do terapeuta FAP, é tratado como sinônimo de intimidade e significa buscar e promover o sentimento de amor pela vida, valorização, segurança e confiança nas outras pessoas. Também se refere a ações qualificadas como honestas, íntegras, comprometidas, realistas e possíveis de serem honradas. Por fim, implica no entendimento dos conflitos de um relacionamento como normais, esperados e necessários para o amadurecimento (Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.).

Enquanto complemento da regra 3, o amor terapêutico envolve responder aos problemas interpessoais do cliente com compaixão, cuidado, respeito e com o objetivo de o ajudar a desenvolver comportamentos alternativos mais eficazes. Além disso, é responder aos progressos do cliente e às suas interpretações dos próprios comportamentos interpessoais com sensibilidade às suas habilidades e repertórios atuais, evitando exigir mais do que ele é capaz (Tsai et al., 2013Tsai, M., Callaghan, G. M., & Kohlenberg, R. J. (2013). The use of awareness, courage, therapeutic love, and behavioral interpretation in functional analytic psychotherapy.Psychotherapy,50(3), 366-370.).

Enquanto objetivo clínico para o terapeuta e para o cliente na FAP, é corresponder satisfatoriamente à ação corajosa do outro. Suas subclasses são apresentadas a seguir e diferenciam-se de acordo com o comportamento de coragem que as precedem (Holman et al., 2017Holman, G., Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. (2017).Functional analytic psychotherapy made simple: a practical guide to therapeutic relationships. Oakland, CA: New Harbinger Publications.).

  • 1. Oferecer segurança e aceitação  - Envolve responder à experiência do outro com a própria permanência na interação ou com afirmações que indiquem a disponibilidade para mediar ou fornecer os reforçadores implicados por tal experiência. Por exemplo, se aproximar, permanecer relaxado e respeitar limites.
  • 2. Expressar entendimento, empatia e validação  - Envolvem falas empáticas e que validam a experiência expressa pelo outro, como no caso da relação primária entre a autorrevelação e a correspondência. Afirmar apoio e autorrevelar experiências semelhantes são formas comuns desta categoria.
  • 3. Atender às solicitações do outro  - É a provisão do que foi especificado pelo pedido do outro ou da alternativa mais próxima possível. Geralmente envolve se desculpar, perdoar, prometer, opinar sobre comportamentos e expressar valorização.

Consciência, coragem e amor como objetivos para o cliente

Conforme apontado, o ACL também foi aplicado à descrição dos objetivos do cliente a serem alcançados em sessão (Holman et al., 2017Holman, G., Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. (2017).Functional analytic psychotherapy made simple: a practical guide to therapeutic relationships. Oakland, CA: New Harbinger Publications.). Exemplos de consciência do cliente podem incluir a experiência do sentimento de medo em sessão e a consideração de formas possivelmente bem-sucedidas de solicitar uma intervenção para o terapeuta. Talvez seja necessário lembrar-se de um valor previamente construído, como pensar ‘devo dar o meu melhor para esta interação ser bem-sucedida’.

Um ato corajoso decorrente pode ser enfrentar o próprio medo, revelar a sua percepção e pedir para que o terapeuta o ajude a aliviar tal sentimento. Uma intervenção amorosa do terapeuta pode fazer com que o cliente corresponda de maneira semelhante. Por exemplo, enquanto o terapeuta orienta o cliente, este demonstra aceitação, entendimento e segue a intervenção sugerida. Se tais atos reforçarem as intervenções do terapeuta, podem ser considerados amor. Pagar o valor combinado pode funcionar como reforço generalizado fornecido a longo prazo.

Análise conceitual behaviorista radical do modelo consciência, coragem e amor

Consciência

Destaca-se que, para Skinner (2011Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix .), consciência está fortemente relacionada ao autoconhecimento. “No sentido em que dizemos estar uma pessoa consciente daquilo que a cerca, ela tem consciência dos estados ou acontecimentos de seu corpo; ela está sob o controle deles enquanto estímulos” (p. 187).

Assim, o termo refere-se ao conjunto dos comportamentos sob o controle preciso dos estados ou eventos privados em partes importantes do corpo, estas funcionando da mesma forma que estímulos externos tradicionalmente estudados na análise experimental do comportamento. Uma vez que o sistema sensorial do ser humano não é suficiente para o desenvolvimento de tal controle, são necessárias contingências organizadas por uma comunidade verbal (Skinner, 2011Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix .).

Tais contingências geralmente envolvem a realização de perguntas cujas respostas são úteis para todos os envolvidos. Um exemplo de uma forma de consciência resultante é o comportamento denominado tomada de perspectiva, ou seja, ver um objeto e ainda perceber o próprio engajamento no comportamento de ver (Skinner, 2011Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix .).

A consciência pode ser melhor compreendida com ajuda da definição de pensamento oferecida por Skinner em seu livro que trata sobre o comportamento verbal (Skinner, 1978aSkinner, B. F. (1978a). O comportamento verbal. São Paulo, SP: Cultrix.). Para o autor, o pensamento verbal difere-se das imagens e sons evocados ou criados intencionalmente para autoestimulação e se trata de uma classe funcional caracterizada por ser encoberta/privada e estar relacionada com a produção de comportamento aberto/público subsequente, verbal5 5 Respostas verbais sob controle antecedente de outras respostas verbais e que não apresentam correspondência ponto a ponto são denominadas de comportamento intraverbal. ou não verbal. Assim, o reforçador final da cadeia em que o pensamento é o primeiro elo é produzido pela resposta aberta. Considere a seguinte citação.

Esses usos adicionais do comportamento verbal não resultam de uma extensão do poder sensório ou motor. Eles podem ou não ter base na coordenação grupal. Eles são mais interessantes quando um grupo não está envolvido - quando, em síntese, uma pessoa fala consigo mesma. Quando um falante também se torna ouvinte, abre-se o palco para o drama no qual uma só pessoa representa vários papéis. As vantagens iniciais para a coordenação do grupo estão ausentes, mas há vantagens compensadoras. Isso tem sido reconhecido tradicionalmente quando o comportamento de um falante consigo mesmo, como ouvinte, particularmente quando seu comportamento não é observável por outros, é posto de lado como uma realização humana especial chamada ‘pensamento’ (p. 515-516, grifo do autor).

Isto quer dizer que o pensamento não requer apoio de contingências ambientais imediatas, pois a pessoa fala consigo mesma de maneira eficaz ao desempenhar os papéis de falante e de ouvinte. É destacado que o pensamento ocorre encobertamente geralmente por razões de conveniência. Em seguida, no livro, Skinner discorre sobre suas principais funções, que são facilitar a análise das contingências, a manipulação de estímulos e a resolução de problemas (Skinner, 1978aTsai, M., Callaghan, G. M., & Kohlenberg, R. J. (2013). The use of awareness, courage, therapeutic love, and behavioral interpretation in functional analytic psychotherapy.Psychotherapy,50(3), 366-370.).

Uma conclusão que pode ser aqui derivada é que o termo consciência, quando referido por Skinner como autoconhecimento e pensamento, é compatível com a técnica Observar CCRs (Regra 1; convergentemente com Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.). Ainda, outras técnicas e objetivos6 6 Isto é, aqueles delineados no manual original da FAP: os CCR3 (porque correspondem a interpretações do cliente sobre problemas e progressos que ocorrem na relação terapêutica) e as técnicas Observar o Efeito das Intervenções (Regra 4) e Fornecer Interpretações Comportamentais (uma das possibilidades da regra 5). (Kohlenberg & Tsai, 2001Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André, SP: ESETec.) podem ser facilitados por estes processos dinâmicos, aqui operacionalizados como o encadeamento entre pensamentos e respostas abertas mais precisas, para a produção da vinculação de boa qualidade.

Isto porque parecem nítidas as vantagens clínicas da reflexão privada para facilitar o engajamento posterior em comportamentos de coragem e amor. Se os pensamentos para a autoconsciência ajudarem no ajustamento aos critérios socialmente estabelecidos ou naturalmente derivados da vinculação, seu tratamento como objetivo clínico é coerente com o caráter pragmático do BR.

Coragem

Já comportamentos corajosos são aqueles que possuem consequências inconsistentes, principalmente quando tais podem variar entre reforçadoras e punitivas. Skinner (2011Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix ., p. 57) afirmou que “O comportamento que é forte a despeito das consequências punitivas é considerado como indicativo de bravura, coragem ou até audácia”. A seguir, Skinner afirma que, em contraste, diz-se que uma pessoa é desencorajada quando esta deixa de agir pela suspensão do reforço.

Porém, atentemos para a seguinte afirmação:

Um louco se atira a uma situação desesperada não porque se sinta um temerário, mas porque as consequências reforçadoras contrabalançaram de todo a punição; e podemos tentar corrigir-lhe o comportamento fornecendo outras punições (possivelmente verbais) (Skinner, 2011Skinner, B. F. (2011). Sobre o behaviorismo. São Paulo, SP: Cultrix ., p. 57).

Esta citação pode ser interpretada como um incentivo à limitação da coragem enquanto objetivo terapêutico, tendo em vista efeitos deletérios do reforçamento, como alguns tipos de excessos comportamentais. É reconhecido que cobranças excessivas ou negligências são prejudiciais para a manutenção dos vínculos sociais.

Em termos de ações comunicativas, atos de coragem podem ser enquadrados na categoria de comportamento verbal denominada mando (Skinner, 1978aSkinner, B. F. (1978a). O comportamento verbal. São Paulo, SP: Cultrix.). Mandos são respostas verbais que especificam o seu reforçador, ex., as solicitações do terapeuta para o cliente se engajar em progressos ou os pedidos de ajuda do cliente.

Ocorrem em condições de privação e estimulação aversiva e na presença de uma audiência disposta a reforçar o mandante. Apesar da audiência característica do psicoterapeuta ser classificada por Skinner (2015Skinner, B. F. (2015). Ciência e comportamento humano. São Paulo, SP: Martins Fontes.) como não punitiva, reforçadores mediados socialmente são geralmente inconsistentes (Skinner, 2011). Por exemplo, as tentativas do terapeuta de evocar melhoras do cliente podem ser frequentemente punidas, o que é esperado quando a causa da procura por terapia por parte de uma determinada clientela for a necessidade de ajuda para resolver problemas de relacionamento.

Consequências específicas funcionam como reforçadores dos mandos (Skinner, 1978aSkinner, B. F. (1978a). O comportamento verbal. São Paulo, SP: Cultrix.). No caso da FAP, os atos de coragem são reforçados pelos atos de amor, isto é, experimentar vulnerabilidade e emoção é reforçado pela oferta de segurança e aceitação; expressar a própria experiência, pela expressão de entendimento, empatia e validação, muitas vezes com expressões semelhantes por parte do outro; e pedir pelo que se precisa pelo atendimento das solicitações (Holman et al., 2017Holman, G., Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. (2017).Functional analytic psychotherapy made simple: a practical guide to therapeutic relationships. Oakland, CA: New Harbinger Publications.).

A seguinte citação estabelece a função social associada aos mandos, genericamente coerente com as definições de Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.) para a coragem.

Quando considerarmos outros tipos de operantes verbais, verificaremos que o comportamento funciona principalmente em beneficio do ouvinte ... O mando, porém, funciona principalmente para beneficio do falante (Skinner, 1978aSkinner, B. F. (1978a). O comportamento verbal. São Paulo, SP: Cultrix., p. 56).

Assim, este conceito pode ser útil ao oferecer uma abordagem funcional à classificação das intervenções evocativas (Tsai et al., 2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.), considerando que os próprios atos de amor do cliente devem funcionar como estímulos reforçadores para a coragem do terapeuta. Da mesma forma, como discutido acima, quando classificamos o comportamento do cliente como um CCR2 de coragem consideramos que estes demandam os reforçadores especificados pelo Modelo ACL (atos de amor do terapeuta como regra 3). Em ambos casos, as ações corajosas ocorrem em favor do falante.

Amor (Responsividade)

A referência ao amor feita na novela utópica Walden II (Skinner, 1978bSkinner, B. F. (1978b). Walden II: uma sociedade do futuro. São Paulo: EPU.) é amplamente conhecida e pode ser verificada com uma simples busca em qualquer ferramenta apropriada e disponível na internet. Nesta obra, uma definição skinneriana pode ser encontrada em um pequeno diálogo entre dois personagens. “- O que é amor? - disse ele com um encolher de ombros. - A não ser um outro nome para o uso do reforçamento positivo? - Ou vice-versa, disse eu” (p. 296).

Ainda, atos de amor podem ter a função de manter duas pessoas próximas ou um grupo social/cultural coeso, como nos tipos de amor designados respectivamente pelas palavras gregas philia e ágape (Skinner, 1991Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental. Campinas, SP: Papirus.). Confira a seguinte citação.

Philia refere-se a um tipo diferente de consequência reforçadora e, portanto, um estado diferente a ser sentido e chamado de amor. A raiz phil aparece em palavras como filosofia (amor à sabedoria) ... As pessoas dizem que ‘amam Brahms’ quando estão inclinadas a ouvir suas obras - talvez tocá-las, ir a shows onde são executadas ou reproduzir gravações [...] dizemos o mesmo sobre [...] amigos em quem não temos interesses eróticos. Ágape representa um terceiro processo de seleção - a evolução cultural. Ágape vem de uma palavra que significa receber ou, como diz o dicionário, ‘receber com hospitalidade’. Ao mostrar que estamos satisfeitos quando outra pessoa se junta a nós, reforçamos a adesão. A direção do reforço é invertida. Não é o nosso comportamento, mas o comportamento daqueles que amamos o que é reforçado. O efeito principal está no grupo. Ao mostrar que estamos satisfeitos com o que outras pessoas fazem, reforçamos o fazer e, assim, fortalecemos o grupo (p. 5-6, grifo do autor).

A categoria de comportamento verbal denominada como tato pode ser relevante para compreender os atos de amor da FAP. É caracterizada como uma resposta verbal descritiva, que ocorre diante de uma audiência e de estímulos discriminativos específicos e produz reforçadores generalizados/inespecíficos, como a simples atenção do ouvinte (Skinner, 1978aSkinner, B. F. (1978a). O comportamento verbal. São Paulo, SP: Cultrix.). Os comportamentos de coragem da outra pessoa na interação podem ser considerados como estímulos discriminativos para os atos de amor.

Quando a outra pessoa se engaja em uma experiência emocional corajosa, um tato amoroso pode ser evocado, por exemplo, uma expressão de cuidado como ‘acho que se continuarmos falando sobre isto você vai acabar sofrendo’. Tatos para os quais uma declaração corajosa pode dar ocasião incluem ‘eu entendo porque você se sente assim’ e a descrição de uma experiência semelhante. Finalmente, uma solicitação corajosa do cliente pode ser respondida com um tato de uma solução pré-existente no repertório do terapeuta7 7 Aqui está reproduzida a simplificação das categorias verbais utilizada por Kohlenberg e Tsai (2001), em que o estímulo discriminativo para o tato pode estar localizado fora do contexto atual (ex., tatos sobre eventos ocorridos no cotidiano do cliente ou do terapeuta) e o intraverbal é tratado como uma resposta simplesmente apropriada ao conjunto de palavras que o antecede, como no caso do diálogo ‘Como você está?’ / ‘Estou bem, obrigado’, em que a segunda afirmação não necessariamente corresponde ao real estado da pessoa. .

O reforço para o tato é generalizado, estando associado a variadas condições de privação. No caso do amor, espera-se que a vinculação social derivada de diversas repetições entre mandos corajosos e tatos amorosos, o mantenha (Haworth et al., 2015Haworth, K., Kanter, J. W., Tsai, M., Kuczynski, A. M., Rae, J. R., & Kohlenberg, R. J. (2015). Reinforcement matters: a preliminary, laboratory-based component-process analysis of functional analytic psychotherapy’s model of social connection. Journal of Contextual Behavioral Science, 4(4), 281-291.). Além disso, o pagamento recebido pelo terapeuta e a atenção recebida pelo cliente são consequências comuns a diversos operantes e podem funcionar como reforçadores generalizados intrínsecos ao contexto terapêutico.

Finalmente, como no caso do mando, uma função genérica para a categoria tato é especificada e corresponde com a compreensão geral do construto do amor/responsividade.

Em termos muito gerais, podemos dizer que o comportamento na forma de tato trabalha em benefício do ouvinte, ampliando seu contato com o meio e é essa a razão pela qual este comportamento é construído na comunidade verbal (Skinner, 1978aSkinner, B. F. (1978a). O comportamento verbal. São Paulo, SP: Cultrix., p. 112).

É interessante para o terapeuta FAP compreender seus próprios atos de amor como tatos a serem evocados por mandos corajosos do cliente, pois isso poderia ajudá-lo a selecionar, a partir de seu próprio repertório clínico, as orientações apropriadas a serem descritas. Ainda, direciona para o relato dos eventos imediatos observados, como o próprio estado atual ou o que pode ser observado no cliente. Também, a descrição dos efeitos de longo prazo dos comportamentos corajosos pode ser facilitada pela compreensão do amor enquanto um tato (ex., ‘quando você me conta como se sente penso que sua terapia está dando certo e que logo você estará melhor’).

Por fim, assim como previamente registrado em Tsai et al. (2009Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette W. C., & Callagan, G. M. (2009). Um guia para a psicoterapia analítica funcional: consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.), o amor como equivalente à técnica de Reforçar Progressos do Cliente (regra 3) é definido de forma convergente com o conceito de tato, no sentido de que a sua função é a de favorecer o ouvinte.

Considerações finais

Talvez um dos argumentos mais importantes para a definição de objetivos nomotéticos para a FAP seja a facilitação da sua avaliação e análise em pesquisas de delineamento de grupo, como os ensaios clínicos randomizados. No trabalho de Kuczynski et al. (2020Kuczynski, A. M., Kanter, J. W., Wetterneck, C. T., Olaz, F. O., Singh, R. S., Lee, E. B., … Corey, M. D. (2020). Measuring intimacy as a contextual-behavioral process: psychometric development and evaluation of the awareness, courage and responsiveness scale. Journal of Contextual Behavioral Science, 16(1), 199-208.), por exemplo, é desenvolvida uma escala em que diversos comportamentos-alvo são descritos de acordo com as categorias e subcategorias de consciência, coragem e amor aqui apresentadas. Esta escala pode ser aplicada tanto ao cliente, para verificar mudanças, como ao terapeuta, para avaliar a integridade do tratamento.

Se comprovado este valor heurístico do Modelo ACL, psicoterapeutas e pesquisadores interessados poderão dispor, a partir de agora, de uma análise comportamental behaviorista radical destes termos sem maiores conflitos com sua linguagem de preferência.

Referências

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  • 3
    Tais solicitações são definidas como pedidos ou ações indiretas do cliente para que os outros se acomodem aos seus sintomas, ex., exigindo de parentes e amigos que visitam a sua casa se higienizem ao entrar quando há obsessão por limpeza ou contaminação.
  • 4
    Estes autores afirmam que a FAP está sendo administrada como tratamento por quase três décadas, porém há uma quantidade limitada de pesquisas que avaliam sua eficácia. A maioria dos estudos realizados usa metodologias de caso único, sendo que eles sistematizaram os dados de 20 publicações e forneceram uma estimativa quantitativa de eficácia. Nesta meta-análise, que é o método de avaliação mais relevante sobre as práticas baseadas em evidências, os tamanhos de efeito (TEs) médios da FAP foram classificados entre "questionavelmente eficazes" e "razoavelmente eficazes", o que é equivalente aos TEs das psicoterapias em geral. Por fim, são sugeridas pesquisas com mais rigor metodológico para melhorar tais índices, por exemplo, com linha de base em fila de espera, tratamento estabelecido para a queixa clínica ou com placebo psicológico (Sing & O’Brien, 2018).
  • 5
    Respostas verbais sob controle antecedente de outras respostas verbais e que não apresentam correspondência ponto a ponto são denominadas de comportamento intraverbal.
  • 6
    Isto é, aqueles delineados no manual original da FAP: os CCR3 (porque correspondem a interpretações do cliente sobre problemas e progressos que ocorrem na relação terapêutica) e as técnicas Observar o Efeito das Intervenções (Regra 4) e Fornecer Interpretações Comportamentais (uma das possibilidades da regra 5).
  • 7
    Aqui está reproduzida a simplificação das categorias verbais utilizada por Kohlenberg e Tsai (2001), em que o estímulo discriminativo para o tato pode estar localizado fora do contexto atual (ex., tatos sobre eventos ocorridos no cotidiano do cliente ou do terapeuta) e o intraverbal é tratado como uma resposta simplesmente apropriada ao conjunto de palavras que o antecede, como no caso do diálogo ‘Como você está?’ / ‘Estou bem, obrigado’, em que a segunda afirmação não necessariamente corresponde ao real estado da pessoa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2019
  • Aceito
    12 Jan 2021
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