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CONCEPÇÕES DE GÊNERO E PROFISSIONAIS DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL1 1 Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), código de financiamento 001.

CONCEPCIONES DE GÉNERO Y PROFESIONALES DEL CENTRO DE REFERENCIA DE ASISTENCIA SOCIAL

RESUMO

Para uma atuação técnica qualificada nas políticas públicas é fundamental que as/os profissionais atentem às suas concepções de gênero. Essas influenciam suas práticas e interferem no relacionamento com as/os usuárias/os, podendo ser discriminatórias e reforçar desigualdades sociais. Gênero refere-se às construções sociais que normatizam a subjetividade e a sexualidade. Investigações sobre atuação profissional com viés de gênero na assistência social que abordem localidades menores são escassas. Este estudo objetivou compreender as concepções de gênero de profissionais de nível superior que trabalham no Centro de Referência de Assistência Social. Para isso, foram feitas entrevistas semiestruturadas, submetidas à análise temática, com 14 profissionais da psicologia e do serviço social que atuam em municípios do interior do Rio Grande do Sul. Os resultados indicaram práticas que reforçam a família e o espaço doméstico como atribuições da mulher, e dificuldade das participantes na identificação e intervenção em situações de violência contra a mulher. Sugere-se, portanto, que sejam feitas pesquisas sobre a atuação técnica e intervenções abordando a temática de gênero e violência.

Palavras-chave:
Gênero; políticas públicas; intervenção social

RESUMEN

Para una actuación técnica calificada en las políticas públicas es fundamental que los/as profesionales atiendan a sus concepciones de género. Estas influyen en sus prácticas y interfieren en la relación con los/as usuarios/as, pudiendo incluso ser discriminatorias y reforzar desigualdades sociales. El género se refiere a las construcciones sociales que normalizan la subjetividad y la sexualidad. Son escasas las investigaciones sobre actuación profesional con abordaje de género en la asistencia social de localidades menores. Este trabajo estudia las concepciones de género de profesionales del Centro de Referencia de Asistencia Social. Participaron 14 profesionales de psicología y servicio social, actuantes en pequeños municipios de Río Grande del Sur. Se realizaron entrevistas semiestructuradas, sometidas al análisis temático. Los resultados indicaron prácticas que refuerzan la familia y el espacio doméstico como atribuciones de la mujer, y dificultades de las participantes en identificar e intervenir en situaciones de violencia contra la mujer. Se sugieren investigaciones sobre actuación técnica e intervenciones abordando la temática de género y violencia.

Palabras clave:
Género; políticas públicas; intervención social

ABSTRACT.

For a qualified technical performance in public policies, professionals must consider their gender conceptions since they may influence their practices and interfere in the relationship with the users, which can be discriminatory and reinforce social inequalities. Gender refers to the social constructions that regulate subjectivity and sexuality. Unfortunately, gender-based investigations that address social assistance professionals smaller locations are scarce. This study aimed to understand the gender concepts of higher education professionals who work at the Social Assistance Reference Center (known in Brazil as Centro de Referência de Assistência Social- CRAS). A total of 14 professionals from the psychology and social service working in municipalities in the interior of Rio Grande do Sul participated. Semi-structured interviews were carried out, subjected to thematic analysis. The results indicated practices that reinforce the family and the domestic space as women's attributions. In addition to, participants' difficulty in identifying and intervening in situations of violence against women. Therefore, research on technical performance and interventions addressing the gender theme and violence is suggested.

Keywords:
Gender; public policy; social intervention

Introdução

A fim de qualificar a atuação técnica no âmbito das políticas públicas, é necessário que os/as profissionais estejam atentos às questões de gênero e da diversidade sexual. Esses aspectos influenciam suas práticas profissionais, podendo interferir em seu relacionamento com os/as usuários/as e na vinculação das pessoas atendidas com o serviço. Suas ações podem reforçar desigualdades sociais, ou até serem qualificadas como discriminatórias (Silveira & Nardi, 2014Silveira, R. S., & Nardi, H. C. (2014). Interseccionalidade gênero, raça e etnia e a Lei Maria da Penha. Psicologia & Sociedade, 26(Spec.), 14-24. doi: 10.1590/S0102-71822014000500003
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; Costa et al., 2016Costa, A. B., Pase, P. F., Camargo, E. S., Guaranha, C., Caetano, A. H., Kveller, D., Rosa, H. T., ... Nardi, H. C. (2016). Effectiveness of a multidimensional web-based intervention program to change Brazilian health practitioners’ atitudes toward the lesbian, gay, bissexual and trangender population. Jornal of Health Psychology, 21(3), 356-368. doi:10.1177/1359105316628748
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). Gênero refere-se às construções sociais que normatizam o que é adequado em relação à subjetividade e à sexualidade, quanto a comportamentos, atividades, expectativas sociais, em um determinado contexto histórico-cultural. Também alude às relações de poder existentes entre as pessoas (Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 20(2), 71-99. Recuperado de http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/ view/71721 /40667
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).

Pesquisas que investigam a atuação profissional com o enfoque de gênero são mais frequentes no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS (Costa et al., 2016Costa, A. B., Pase, P. F., Camargo, E. S., Guaranha, C., Caetano, A. H., Kveller, D., Rosa, H. T., ... Nardi, H. C. (2016). Effectiveness of a multidimensional web-based intervention program to change Brazilian health practitioners’ atitudes toward the lesbian, gay, bissexual and trangender population. Jornal of Health Psychology, 21(3), 356-368. doi:10.1177/1359105316628748
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; Cortez, Machado, Trindade, & Souza, 2016Cortez, M. C., Machado, N. M., Trindade, Z. A., & Souza, L. G. S. (2016). Profissionais de saúde e o (não)atendimento ao homem-pai: Análise de representações sociais. Psicologia em estudo, 21(1), 53-63. doi: 10.4025/psicolestud.v21i1.28323
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), e já avançam no sentido de contribuir para o aprimoramento da atuação técnica. Por exemplo, o estudo de Gomes e Couto (2014Gomes, R., & Couto, M. T. (2014). Relaciones entre profesionales de la salud y usuarios/as desde la perspectiva de género. Salud Colectiva, 10(3), 353-363. doi: 10.18294/sc.2014.398
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) teve como objetivo analisar as relações entre profissionais e pessoas usuárias dos serviços de saúde tendo o gênero como perspectiva, com dados coletados em quatro estados do Nordeste e Sudeste do Brasil, pelo método etnográfico. Nos resultados, observou-se que, apesar da distância regional e das diferenças de nível educacional e socioeconômico entre profissionais e usuários/as, os significados atribuídos com base no gênero foram semelhantes. Pensamentos e ações baseiam-se de forma categorial, considerando feminino e masculino como opostos. O cuidado com a saúde, inclusive reprodutiva, é reforçado como atribuição das mulheres, o que contribui para baixa inclusão dos homens nos serviços básicos de saúde.

Em comparação ao SUS, a organização e implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é ainda mais recente no Brasil. Mas, em pouco mais de 10 anos, 98,5% dos municípios brasileiros implantaram pelo menos um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) para compor sua rede de serviços (Brasil, 2015aBrasil. (2015a). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Censo SUAS 2014: análise dos componentes sistêmicos da política nacional de assistência social. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Recuperado de https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/docs/Censo%20SUAS%202014_Versao_atualizada.pdf). Esse centro, que atende a indivíduos, famílias e comunidades, visa prevenir situações de risco para pessoas em vulnerabilidade social, decorrentes de privações como ausência de renda ou de acesso a serviços públicos, pobreza, ou da fragilização de vínculos afetivos, familiares e sociais, relacionada a discriminações étnicas, por deficiência, etárias, de gênero, ou outras. Compreende-se que está no cerne dessa política pública combater desigualdades sociais, inclusive aquelas decorrentes de gênero e diversidade sexual (Brasil, 2004Brasil. (2004). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social - PNAS. Recuperado de https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf
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).

A equipe de referência para a execução de serviços do CRAS é formada por uma coordenação, profissionais de nível médio e de nível superior, que devem ser, no mínimo, um/a assistente social e um/a psicólogo/a. Essa organização busca a profissionalização da política de assistência social (AS), garantindo a oferta de serviços públicos qualificados (Ferreira, 2011Ferreira, S. S. (2011). NOB/RH SUAS: anotada e comentada. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome , Secretaria Nacional de Assistência Social. Recuperado de https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/ Normativas/NOB-RH_SUAS_Anotada_Comentada.pdf
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).

Diversos estudos têm sido realizados sobre a atuação da Psicologia e do Serviço Social no contexto da AS. Por exemplo, há pesquisas que investigaram a inserção e atuação do psicólogo/a, visando analisar, descrever, compreender e/ou problematizar sua prática no CRAS (Leão, Oliveira, & Carvalho, 2014Leão, S. M., Oliveira, I. F., & Carvalho, D. B. (2014). O psicólogo no campo do bem-estar social: Atuação junto às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Estudos e Pesquisas em Psicologia, 14(1), 264-289. doi: 10.12957/epp.2014.10467
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; Oliveira et al., 2014Oliveira, I. F., Oliveira, N. A., Nascimento, M. N. C., Araújo, R. L., Coelho-Lima, F., & Amorim, K. M. O. (2014). Atuação dos psicólogos no CRAS do interior do RN. Psicologia & Sociedade, 26(Spe.2), 103-112. doi:10.1590/S0102-1822014000600011
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) e na Proteção Social Básica (Macêdo et al., 2018Macêdo, O. J. V., Lima, C. M. P. D., Brito, F. H. S., Souza, J. N. P., Sousa, N. K. M., Sousa, S. P., & Dias, S. G. (2018). Atuação dos profissionais de psicologia nos CRAS do Interior da Paraíba.Temas em Psicologia,26(2), 1083-1097. doi:10.9788/tp2018. 2-20pt.
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). Os resultados desses estudos sugerem a necessidade da superação de uma prática psicológica individualista e normativa por uma atuação coletiva e comunitária, interdisciplinar e política. Também descrevem diversas formas de precarização, seja do serviço, de sua estrutura e seu financiamento, como obstáculos para a atuação profissional. O trabalho interdisciplinar e a articulação da rede socioassistencial e intersetorial foram considerados desafios para os profissionais que atuam na AS, por serem iniciativas caracterizadas como esporádicas e pontuais. Assim, para que o CRAS se consolide como uma unidade que promove o acesso a direitos socioassistenciais, são necessárias ações que articulem diferentes setores da rede de atendimento de forma ágil e permanente, estabelecendo fluxos e procedimentos. Esses estudos enfatizam a necessidade de qualificação que instrumentalize os trabalhadores teórica e metodologicamente para a prática socioassistencial.

Outras pesquisas buscaram identificar e caracterizar as concepções de profissionais do Serviço Social (Nascimento & Justo, 2015Nascimento, E. C., & Justo, J. S. (2015). Andarilhos de estrada segundo os relatos de trabalhadores assistenciais. Psicologia & Sociedade, 27(1), 221-230. doi: 10.1590/1807-0 3102015v27n1p221
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) e da Psicologia (Pereira & Guareschi, 2016Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2016). O CRAS em relação: Profissionais e usuários em movimento. Fractal: Revista de Psicologia, 28(1), 102-110. doi: 10.1590/1984-0292/1153
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, 2017Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2017). A psicologia no CRAS: um estudo de representações sociais. Psicologia e Sociedade, 29(1), 1-11. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29119584
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) em relação aos usuários/as do serviço. Nos resultados dessas pesquisas foram observadas práticas assistencialistas e discursos discriminatórios e estigmatizantes por parte de trabalhadores/as em relação às pessoas atendidas. Por outro lado, foi constatado o surgimento de práticas inovadoras, que superam o assistencialismo, a culpabilização e as tentativas de controle do/a usuário/a, respeitando sua subjetividade e sua condição de sujeito de direitos (Nascimento & Justo, 2015Nascimento, E. C., & Justo, J. S. (2015). Andarilhos de estrada segundo os relatos de trabalhadores assistenciais. Psicologia & Sociedade, 27(1), 221-230. doi: 10.1590/1807-0 3102015v27n1p221
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; Pereira & Guareschi, 2016Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2017). A psicologia no CRAS: um estudo de representações sociais. Psicologia e Sociedade, 29(1), 1-11. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29119584
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). Também foi identificada uma compreensão por parte de profissionais de que as famílias atendidas pelo CRAS são numerosas, com muitos integrantes, e que há certa ineficácia no atendimento a seus membros, além de baixa participação dos homens nas famílias usuárias e nos serviços do CRAS (Pereira & Guareschi, 2017Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2017). A psicologia no CRAS: um estudo de representações sociais. Psicologia e Sociedade, 29(1), 1-11. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29119584
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).

O estudo de Detoni, Machado e Nardi (2018Detoni, P. P., Machado, P. S., & Nardi, H. C. (2018). ‘Em nome da mãe’: Performatividades e feminizações em um CRAS. Estudos Feministas, 26(1), 1-17. doi: 10.1590/1806-9584.2018v26n145084
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) teve como objetivo compreender como o gênero se performatiza através das práticas da política de assistência social. De caráter etnográfico, foi realizado em um CRAS da cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul (RS), a partir de relatos do diário de campo e entrevistas com 26 profissionais e usuárias/os do equipamento. O trabalho identificou vários marcadores de gênero e sexualidade no CRAS e que as práticas que ali ocorrem reiteram normas e modelos de feminilidade e masculinidade, de maternidade e paternidade, influenciando a subjetividade de usuárias/os e profissionais. Constatou-se que o CRAS tem sido percebido como um espaço destinado às mulheres, por serem elas as responsáveis familiares do Programa Bolsa Família (PBF), devendo cumprir as condicionalidades do programa. Por um lado, administrar a renda proveniente do PBF oferece determinada autonomia às beneficiárias, diante da precariedade em que vivem. Por outro lado, reafirma a responsabilização da mulher no cuidado e no ‘destino’ da família. Dessa forma, perpetua-se como incumbência da mãe a alimentação, frequência escolar, educação e socialização, recaindo também sobre ela a responsabilidade por ocorrências como o abandono de crianças e idosos, situações de negligência, desnutrição, delinquência infanto-juvenil, entre outras. O estudo indicou também haver, no senso comum, uma ideia equivocada de que os serviços do CRAS e o PBF não podem ser acessados por mulheres sem filhos ou por homens, sendo identificadas naturalização e justificativas para ausência ou omissão de homens nas famílias usuárias do serviço.

Observa-se a necessidade de que sejam feitas pesquisas que abordem municípios de pequeno porte no âmbito da AS, sob a perspectiva de gênero. Cerca de 20% da população brasileira residem em municípios de até 20.000 habitantes, e desses, 45% vivem em áreas rurais (Brasil, 2004Brasil. (2004). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social - PNAS. Recuperado de https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf
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). Há características que fragilizam essas localidades, como o isolamento social que, por vezes, acarreta em dificuldades para a população acessar serviços públicos básicos. As redes assistenciais e/ou intersetoriais podem ser precárias nesses locais (Oliveira et al., 2014Oliveira, I. F., Oliveira, N. A., Nascimento, M. N. C., Araújo, R. L., Coelho-Lima, F., & Amorim, K. M. O. (2014). Atuação dos psicólogos no CRAS do interior do RN. Psicologia & Sociedade, 26(Spe.2), 103-112. doi:10.1590/S0102-1822014000600011
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). Níveis altos de preconceito sexual estão relacionados a fatores como: habitantes de municípios pequenos, baixa escolaridade, religiosidade e falta de educação prévia sobre o tema (Costa et al., 2016Costa, A. B., Pase, P. F., Camargo, E. S., Guaranha, C., Caetano, A. H., Kveller, D., Rosa, H. T., ... Nardi, H. C. (2016). Effectiveness of a multidimensional web-based intervention program to change Brazilian health practitioners’ atitudes toward the lesbian, gay, bissexual and trangender population. Jornal of Health Psychology, 21(3), 356-368. doi:10.1177/1359105316628748
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). Tal cenário é propício para a perpetuação do machismo, de elevados índices de violência contra a mulher e da tolerância e impunidade de agressores (Brasil, 2011Brasil. (2011). Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Mulheres do campo e da floresta: diretrizes e ações nacionais. Brasília, DF: Secretaria de Políticas para as Mulheres. Recuperado de https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/mulheres-do-campo-e-da-floresta-diretrizes-e-acoes-nacionais
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).

Considerando a escassez de pesquisas em municípios menores, sob a transversalidade de gênero, bem como a relevância desta temática nas políticas públicas e no enfrentamento das desigualdades sociais, este trabalho teve como objetivo compreender as concepções de gênero de profissionais de nível superior que atuam nas equipes de referência do CRAS em municípios de pequeno porte do interior do RS. Visou, também, identificar como tais concepções afetam suas práticas em relação às pessoas usuárias do serviço.

Método

Realizou-se um estudo qualitativo, do tipo exploratório-descritivo. A região desta pesquisa foi delimitada a partir de uma divisão regional já existente no RS, que estabeleceu Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs). Atualmente esse estado está organizado em 28 regionais, entre elas, a COREDE Serra (Rio Grande do Sul, 2019). Composta por 32 municípios, essa regional caracteriza-se pelo processo de colonização por imigrantes europeus e por ser uma economia baseada na indústria e na agropecuária. Quanto ao porte, 22 municípios são de Pequeno Porte I (até 20 mil habitantes), sete municípios são de Pequeno Porte II (de 20 a 50 mil habitantes), um município é de Médio Porte (de 50 a 100 mil habitantes) e dois municípios, Caxias do Sul e Bento Gonçalves, são de Grande Porte (de 100 a 900 mil habitantes).

Dentre os 22 municípios de Pequeno Porte I, sete não dispõem de CRAS. Dos 15 municípios restantes, um foi excluído do estudo, pois uma das autoras trabalha como psicóloga naquele local. Na totalidade dos 14 municípios analisados, observa-se que 40% de sua população é rural, e em sete localidades a população rural é maior do que a urbana. De modo geral, os índices de desenvolvimento humano municipal ultrapassam a média nacional, inclusive quanto a renda e longevidade. Quanto ao percentual de pobres, o índice nacional é de 15,2%, já entre os 14 municípios observados, o maior índice é de 3,95% e o menor 0,37% (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2019Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. (2019). Consulta. Recuperado de http://atlasbrasil.org.br/2013/pt/consulta/
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).

Participantes

Participaram 14 profissionais de nível superior que integram a equipe de referência do CRAS de 14 municípios, sendo oito assistentes sociais e seis psicólogas, com idade entre 31 e 43 anos. Todas declararam se identificar com o gênero feminino e raça/cor branca. Uma participante declarou não ter religião, 13 afirmaram ser de religião católica, e dessas, oito são praticantes. Quanto ao estado civil, seis profissionais declararam estar solteiras e oito casadas/união estável, 11 declararam ter um ou mais filhos. Para preservar sua identidade, as participantes foram identificadas por números, P1 até P14.

As trabalhadoras ocupam esse cargo há um tempo que varia de cinco meses a 14 anos, 13 possuem vínculo como servidoras públicas efetivas/concursadas e uma contratada. Quanto à carga horária de trabalho semanal, quatro assistentes sociais e três psicólogas realizam 20 ou 22 horas, uma assistente social atua 30 horas, e três assistentes sociais e três psicólogas trabalham 40 horas.

Duas profissionais acumulam a atividade técnica com a de Coordenação do CRAS e outras duas realizam atividades concomitantes em serviços de saúde no mesmo município. Dez profissionais fizeram especializações, e todas participaram de capacitações abordando o SUAS, majoritariamente propostas pelo governo federal ou estadual. Sobre Gênero, cinco profissionais participaram de cursos sobre o tema, oito não participaram e uma não soube responder. Nove participantes atuam em municípios diferentes daquele em que residem.

Materiais e instrumentos

A coleta de dados foi feita a partir de três instrumentos: (1) Questionário para Caracterização Socioeconômica e Laboral, (2) Entrevista semiestruturada, baseada no estudo de Pereira e Guareschi (2016Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2016). O CRAS em relação: Profissionais e usuários em movimento. Fractal: Revista de Psicologia, 28(1), 102-110. doi: 10.1590/1984-0292/1153
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), e (3) Vinhetas de casos que representam demandas do CRAS. A entrevista contou com as seguintes questões: (1) A partir da tua experiência, me conta sobre as pessoas que acessam o CRAS aqui no município: Como elas são? Que demandas trazem? Por que motivos buscam o CRAS? (2) Considerando as demandas dos usuários, como você caracterizaria as famílias que acessam o CRAS? (3) Como você avalia o acesso e o acompanhamento dado a homens e a mulheres no CRAS? Pode dar um exemplo?

As vinhetas foram utilizadas para investigar práticas profissionais que incluem acompanhamento familiar, concessão de benefícios e encaminhamentos. Foram elaboradas com base na experiência da primeira autora na AS, com demandas representativas do serviço. A primeira vinheta apresentou o caso fictício de João, 26 anos, que busca o CRAS para receber informações sobre o PBF, está sem emprego há nove meses e com dificuldades financeiras. Está em casa cuidando dos filhos de três anos, enquanto a esposa, manicure, trabalha. Tem receio de deixar os filhos sob os cuidados da esposa porque ela consome álcool com frequência. Na segunda vinheta foi relatado o caso de Maria, 31 anos, que busca o CRAS para informações sobre o PBF. Reside com três filhos e o marido, Adolfo, 38 anos, que trabalha informalmente, não concorda que Maria trabalhe, nem visite seus familiares. O filho mais velho de Maria é enteado de Adolfo, que não permite que o menino visite seu pai e agrediu Maria em algumas ocasiões em que o pai tentou contato telefônico.

Procedimentos éticos e de coleta de dados

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) sob o número 2.461.591, e está em conformidade com a Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

A amostra foi selecionada por conveniência. Para incentivar o interesse de possíveis participantes, a pesquisa foi divulgada em reuniões mensais promovidas por um colegiado regional, que realiza encontros entre gestores e profissionais da AS para compartilhar informações e experiências. O convite às participantes, assim como o agendamento das entrevistas, foi feito por contato telefônico. A seleção das participantes orientou-se conforme a disponibilidade da pesquisadora e das profissionais, buscando assegurar a participação de uma técnica de cada município, assistente social ou psicóloga. Doze entrevistas ocorreram no CRAS, e duas em Unidades de Saúde. O período de coleta de dados foi de março a maio de 2018.

Na ocasião das entrevistas, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado às participantes para que tomassem ciência de seus direitos. Elas o assinaram e autorizaram, também, a gravação em áudio da entrevista. Em seguida, as participantes preencheram o questionário de Caracterização socioeconômica e Laboral. Por fim, a entrevista, cuja duração variou entre 45 minutos e 1 hora e 30 minutos, foi feita. As gravações foram transcritas integralmente.

Procedimentos de análise de dados

Para análise dos dados foi utilizada a metodologia de Análise Temática, segundo a proposta de Braun & Clarke (2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. doi: 10.1191/1478088706qp063oa
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). Por isso, o primeiro passo foi (1) a familiarização com os dados, seguida pela (2) identificação de conteúdos temáticos. Após isso, foi feita a (3) a classificação e organização dos códigos, dispondo-os em possíveis temas, que foram (4) submetidos a revisão. A (5) definição e nomeação dos temas foi a etapa seguinte. E, por fim, foi feita a (6) elaboração do relatório. Sendo um estudo no âmbito da Psicologia Social, a análise orientou-se pelo enfoque de gênero, tendo como objetivo identificar, compreender e problematizar como as relações sociais são estabelecidas e/ou hierarquizadas sob a perspectiva do feminino e do masculino (Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 20(2), 71-99. Recuperado de http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/ view/71721 /40667
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; Gomes & Couto, 2014Gomes, R., & Couto, M. T. (2014). Relaciones entre profesionales de la salud y usuarios/as desde la perspectiva de género. Salud Colectiva, 10(3), 353-363. doi: 10.18294/sc.2014.398
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).

Resultados e discussão

Na análise realizada, emergiram quatro temas principais, os quais deram origem a oito subtemas, apresentados na Figura 1.

Figura 1
Temas (ao centro) e subtemas (circulo externo), As linhas pontilhadas indicam que há inter-relação entre temas e subtemas diferentes

O tema ‘O que é (do) feminino e o que é (do) masculino?’ refere-se à designação de características e atribuições diferentes para mulheres e homens pelas participantes, que as consideram como pertencentes a categorias diferentes. Também abrange possíveis explicações para tais diferenças, como ilustrado na fala da participante 1:

Eu imagino que seja cultural [...] a busca por médico, a busca por outras coisas, respostas, os homens não fazem [...] A gente vê tudo sempre a mulher. [...] por uma facilidade já que as mulheres têm de buscar respostas pras suas demandas [...]. Eu acho que deve ter coisas, assim, biológicas, tipo a nossa facilidade de comunicação, a nossa necessidade de comunicação maior (P1).

A fala remete a uma compreensão de que há uma diferença natural e dicotômica entre homens e mulheres, colocados como opostos em sua forma de sentir, pensar e agir, com capacidades diferenciadas, às vezes atreladas ao sexo biológico. Além disso, referir-se à cultura também pode ser uma maneira de naturalizar o fenômeno de polarização entre feminino e masculino (Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 20(2), 71-99. Recuperado de http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/ view/71721 /40667
http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoe...
; Gomes & Couto, 2014Gomes, R., & Couto, M. T. (2014). Relaciones entre profesionales de la salud y usuarios/as desde la perspectiva de género. Salud Colectiva, 10(3), 353-363. doi: 10.18294/sc.2014.398
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; Botton, Cunico, Barcinski, & Strey, 2015Botton, A., Cúnico, S. D., Barcinsky, M., & Strey, M. N. (2015). Os papéis parentais nas famílias: Analisando aspectos transgeracionais e de gênero. Pensando Famílias, 19(2), 43-56. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v19n2/v19n2a05.pdf
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).

Algumas participantes mencionaram a transmissão de geração em geração da cultura e de concepções de gênero, daí o subtema ‘Transgeracionalidade dos estereótipos de gênero’. Transgeracionalidade refere-se ao processo de transmissão que ocorre entre gerações familiares, perpetuando a história e a identidade da família (Botton et al, 2015Botton, A., Cúnico, S. D., Barcinsky, M., & Strey, M. N. (2015). Os papéis parentais nas famílias: Analisando aspectos transgeracionais e de gênero. Pensando Famílias, 19(2), 43-56. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v19n2/v19n2a05.pdf
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). Tal compreensão foi utilizada predominantemente em referência às mulheres:

E com todo o preconceito e com a forma que nos passaram, que as nossas mães nos orientaram e que a gente cresceu assim, entendendo que algumas coisas ou pelo menos achando que é de responsabilidade só minha. É difícil romper com isso (P11).

É possível perceber que a participante 11 se coloca em uma posição de proximidade com as usuárias, enquanto mulheres, e questiona expectativas sociais, problematizando as funções que lhe foram atribuídas e a dificuldade de superá-las. Embora a fala expresse um posicionamento crítico, atribui novamente a culpa por tais ensinamentos à mulher, a quem, tradicionalmente, compete a educação dos filhos e, por meio desta, a transmissão cultural (Botton et al., 2015Botton, A., Cúnico, S. D., Barcinsky, M., & Strey, M. N. (2015). Os papéis parentais nas famílias: Analisando aspectos transgeracionais e de gênero. Pensando Famílias, 19(2), 43-56. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v19n2/v19n2a05.pdf
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; Pereira & Guareschi, 2017Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2016). O CRAS em relação: Profissionais e usuários em movimento. Fractal: Revista de Psicologia, 28(1), 102-110. doi: 10.1590/1984-0292/1153
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).

O subtema ‘Responsabilidades no contexto familiar’ refere-se às atribuições de mulheres e homens em relação ao grupo familiar. Envolve o cuidado, os afazeres domésticos e os aspectos financeiros, e também está relacionado a expectativas quanto maternidade e paternidade.

E pela questão de organização da casa e tudo, a mãe acaba ficando [em casa], porque daí a mãe faz a comida, a mãe limpa a casa, a mãe organiza a roupa, a mãe organiza os filhos, a mãe, normalmente, é quem acompanha os temas, coisas da escola [...] (P13).

A fala indica uma mistura entre maternidade e trabalho doméstico, aparentando uma continuidade entre mulher e trabalho, articulada pelo cuidado. Isso indica que há uma naturalização, pois o cuidado é uma atividade ensinada, que pode ser realizada por pessoas de qualquer gênero. Essa lógica familista reitera que o cuidado e as tarefas domésticas são competências e atividades naturais da mulher, mantendo-as no trabalho não-remunerado, dificultando sua autonomia e perpetuando condições de desigualdade (Botton et al., 2015Botton, A., Cúnico, S. D., Barcinsky, M., & Strey, M. N. (2015). Os papéis parentais nas famílias: Analisando aspectos transgeracionais e de gênero. Pensando Famílias, 19(2), 43-56. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v19n2/v19n2a05.pdf
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; Detoni et al., 2018Detoni, P. P., Machado, P. S., & Nardi, H. C. (2018). ‘Em nome da mãe’: Performatividades e feminizações em um CRAS. Estudos Feministas, 26(1), 1-17. doi: 10.1590/1806-9584.2018v26n145084
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).

As participantes também abordaram mudanças quanto à participação paterna: “Nós temos várias situações dos pais, que são eles que vêm buscar, são eles que se interessam, são eles que junto à escola estão querendo saber dos seus filhos, são eles que em casa provém a alimentação, o cuidado” (P3). Embora exista maior envolvimento do homem em tarefas com filhos e preparo de refeições, o mesmo não ocorre em relação à limpeza e arrumação doméstica, permanecendo a desigualdade na divisão de tarefas (Bruschini & Ricoldi, 2009Bruschini, M. C. A., & Ricoldi, A. M. (2009). Família e trabalho: difícil conciliação para mães trabalhadoras de baixa renda. Cadernos de Pesquisa, 39(136), 93-123. doi: 10.1590/S0100-15742009000100006
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).

A gente vê muito mais mulheres vítimas de violência, ou com alguma situação, às vezes como chefes do lar, que acabam tendo que gerenciar e suprir as necessidades financeiras da família, então a gente, a gente acaba tendo mais contato ainda é com a mulher. Então no fim tem que sustentar sozinha (P1).

A fala da participante 1 em relação ao sustento familiar exemplifica o fato, mencionado pelas trabalhadoras, de ser mais frequente o acesso ao CRAS por parte de famílias monoparentais em que a mulher sem cônjuge é responsável pelo sustento familiar, o que se aproxima da realidade brasileira em geral - sabe-se que há maior vulnerabilidade social desses grupos familiares, devido a menor renda per capita (Brasil, 2004Brasil. (2004). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social - PNAS. Recuperado de https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf
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; 2015bBrasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (2015b). Relatório anual de socioeconômico da mulher. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Recuperado de http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/dilma/spm_livro-relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher_2015.pdf/view
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br...
). Observa-se uma compreensão de que ser uma boa mãe pode implicar em prover cuidado e também sustento financeiro, ampliando as atribuições das mulheres (Pereira & Guareschi, 2017Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2016). O CRAS em relação: Profissionais e usuários em movimento. Fractal: Revista de Psicologia, 28(1), 102-110. doi: 10.1590/1984-0292/1153
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).

Tal questão está relacionada ao tema ‘Trabalho e renda’, que se refere ao mundo do trabalho e financeiro, e sua influência nos relacionamentos. No subtema ‘Mercado de trabalho’, algumas participantes apresentam uma compreensão individualizada dessa questão:

Tem várias fábricas aqui que as mulheres poderiam estar trabalhando [...] não sei se é o marido que não permite ou se elas acabam se, se acostumando […] é uma coisa que tá mais cômodo desse jeito e elas acabam não movimentando pra ser diferente (P14).

Já outras entrevistadas compreendem o mercado de trabalho em uma perspectiva ampliada, indicando dificuldades estruturais para as mulheres acessá-lo. “Não tínhamos a creche ainda, agora daqui a 15 dias ela vai inaugurar” (P13). Outros obstáculos remetem à pouca oferta de vagas de trabalho: “A maior oferta de trabalho aqui [...], formal, é em empresas que trabalham com polimento, mas contratam homens. Vagas pra mulheres você não tem” (P10).

A participação da mulher no mercado de trabalho, de forma visível e remunerada, é uma das principais maneiras de promover sua autonomia e igualdade, e de inseri-la na esfera pública. A falta de serviços públicos que contribuam para o cuidado com crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência dificulta ou mesmo impede acesso e permanência das mulheres no mercado de trabalho, limitando também a elevação da renda familiar (Bruschini & Ricoldi, 2009Bruschini, M. C. A., & Ricoldi, A. M. (2009). Família e trabalho: difícil conciliação para mães trabalhadoras de baixa renda. Cadernos de Pesquisa, 39(136), 93-123. doi: 10.1590/S0100-15742009000100006
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; Brasil, 2015bBrasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (2015b). Relatório anual de socioeconômico da mulher. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Recuperado de http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/dilma/spm_livro-relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher_2015.pdf/view
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). Ao tratar dessas questões com uma perspectiva individualista, atribui-se à mulher a culpa pela situação, cabendo a ela administrar e superar a condição em que vive, discurso que se aproxima à meritocracia, e que isenta sociedade e Estado (Narvaz & Koller, 2006Narvaz, M. G., & Koller, S. H. (2006). Família e patriarcado: da prescrição normativa à subversão criativa. Psicologia & Sociedade, 18(1), 49-55. doi: 10.1590/S0102-71822006000100007
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; Detoni et al., 2018Detoni, P. P., Machado, P. S., & Nardi, H. C. (2018). ‘Em nome da mãe’: Performatividades e feminizações em um CRAS. Estudos Feministas, 26(1), 1-17. doi: 10.1590/1806-9584.2018v26n145084
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).

No subtema ‘Acesso à renda’, nota-se que trabalhar nem sempre garante às mulheres o usufruto da renda ou a tomada de decisão. Algumas profissionais relataram que o poder financeiro e a autonomia dependem dos homens, o que reafirma o modelo patriarcal: “Muitas vezes as mulheres querem [...] trabalhar e não deixam, ou muitas vezes as mulheres que trabalham no interior, na roça, elas dependem do dinheiro do marido pra elas poderem comprar as coisas delas, porque elas trabalham junto” (P4).

Essa realidade é observada com frequência no meio rural, visto que 61,5% da população ocupada no setor agrícola que não recebe remuneração pelo trabalho são mulheres (Brasil, 2015bBrasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (2015b). Relatório anual de socioeconômico da mulher. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Recuperado de http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/dilma/spm_livro-relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher_2015.pdf/view
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). Mesmo executando tarefas semelhantes aos homens, às mulheres do campo é designada uma posição subordinada, em um discurso que desvaloriza seu trabalho, muitas vezes considerado “uma ajuda”, justificando menor remuneração (Paulilo, 2013Paulilo, M. I. S. (2013). FAO, fome e mulheres rurais. DADOS - Revista de Ciências Sociais, 56(2), 285-310. doi: 10.1590/S0011-52582013000200002
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).

A política de AS considera a territorialização como um princípio fundamental, devendo ser consideradas as características do território para compreensão dos riscos e vulnerabilidades sociais, e para proposição de ações para seu enfrentamento (Brasil, 2004Brasil. (2004). Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social - PNAS. Recuperado de https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf
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). As profissionais participantes do estudo pareciam desconsiderar, nas suas intervenções, as especificidades dos locais onde atuam. Tal aspecto pode ser associado à escassa realização de pesquisas que abordem os sujeitos e os modos de vida da população rural, inclusive no âmbito da psicologia (Marques & Silva, 2018Marques, G. S., & Silva, D. R. Q. (2018). Invisibilidade das mulheres trabalhadoras rurais: As produções científicas da psicologia no Brasil. Psicologia em estudo, 23(1), 1-16. doi: 10.4025/psicolestud.v23.e41050
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).

Baixa remuneração, não-usufruto da renda e sobrecarga de trabalho das mulheres foram condições pouco problematizadas, e até naturalizadas, pelas profissionais. Também não foi percebida a violência que ocorre quando a mulher é privada de trabalhar, de acessar e usufruir da renda proveniente de sua atividade. Ao não ter tais condições como foco de intervenções do CRAS, a prática profissional reforça inequidades de gênero, contribuindo para manutenção da submissão de mulheres e para a perpetuação de situações de violência conjugal.

As participantes elencaram o conflito entre horário de trabalho e acesso ao CRAS como um dos argumentos para a não participação dos homens nas atividades e no acompanhamento familiar: “A gente tenta conversar com o casal, quando é possível [...] Ou porque o marido trabalha, ou a esposa trabalha, esse é um caso mais raro. Mas, que o marido trabalha, às vezes não quer perder o emprego” (P1).

A fala retrata uma realidade, visto que os horários de atendimento do centro costumam ser os mesmos dos horários de trabalho, como observado no estudo de Cortez et al. (2016Cortez, M. C., Machado, N. M., Trindade, Z. A., & Souza, L. G. S. (2016). Profissionais de saúde e o (não)atendimento ao homem-pai: Análise de representações sociais. Psicologia em estudo, 21(1), 53-63. doi: 10.4025/psicolestud.v21i1.28323
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). Porém, tal argumentação pode ser utilizada como justificativa para não promover a inserção dos homens no acompanhamento familiar e nas demais atividades da AS. A realização de atendimentos em horários após o expediente foi mencionada por algumas participantes como uma maneira de superar tal situação e incluir os homens nos atendimentos.

Relacionado a essa questão, o tema ‘Naturalização das mulheres como usuárias da assistência social’ indica que o público feminino é considerado como principal demandante das ações do CRAS. O subtema ‘Acho que a gente prioriza a mulher’ foi nomeado a partir da fala de uma participante que problematiza o direcionamento das atividades deste serviço para mulheres. Esse posicionamento crítico é uma exceção, pois a maioria das profissionais não refletiu sobre esse aspecto.

A fim de atender a essa demanda, frequentemente são propostas atividades de trabalhos manuais e relacionadas com afazeres domésticos, como culinária e artesanato. “As mães também, participam, no caso, dos cursos que a gente oferece. [...] Mais é dentro da culinária [...] Aí de repente tu faz o tapete, ou o chinelo, depois tu vende, tu ajuda a vender” (P4). Tal proposta pode reforçar o senso comum de que o CRAS é um serviço voltado para o atendimento de mulheres, e que o trabalho doméstico e o cuidado de filhos e familiares são de sua atribuição (Detoni et al., 2018Detoni, P. P., Machado, P. S., & Nardi, H. C. (2018). ‘Em nome da mãe’: Performatividades e feminizações em um CRAS. Estudos Feministas, 26(1), 1-17. doi: 10.1590/1806-9584.2018v26n145084
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).

O princípio da centralidade na família na política de AS tem recebido críticas pela forma como está sendo aplicado: considera que há um modelo ideal de família, fundado na perspectiva tradicional de um casal heterossexual com filhos, organizada com base na divisão sexual do trabalho e sob um padrão rígido de gênero. A mulher ocupa o espaço doméstico, sendo-lhe atribuída a responsabilidade e o cuidado com a família, o que contribui para a continuidade de ditames patriarcais (Carloto & Mariano, 2010Carloto, M. C., & Mariano, S. A. (2010). No meio do caminho entre o privado e o público: Um debate sobre o papel das mulheres na política de assistência social. Estudos feministas, 18(2), 451-471. doi: 10.1590/S0104-026X2010000200009; Detoni et al., 2018Detoni, P. P., Machado, P. S., & Nardi, H. C. (2018). ‘Em nome da mãe’: Performatividades e feminizações em um CRAS. Estudos Feministas, 26(1), 1-17. doi: 10.1590/1806-9584.2018v26n145084
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). Ao abordar o público do CRAS sob essa ótica, há possibilidade de as profissionais reforçarem a responsabilização e culpabilização da mulher em relação à família, distanciando suas ações da promoção da equidade de gênero. Essa abordagem também pode implicar em uma sobrecarga, na medida em que as mulheres devem estar à disposição da política de AS, em mais um compromisso não remunerado (Pereira & Guareschi, 2017Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2016). O CRAS em relação: Profissionais e usuários em movimento. Fractal: Revista de Psicologia, 28(1), 102-110. doi: 10.1590/1984-0292/1153
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).

Além disso, as atividades realizadas no âmbito do CRAS costumam se destinar à socialização, sem propor uma formação profissional. Essa prática contradiz a proposta de enfrentamento de desigualdades sociais, visto que o acesso e a permanência das mulheres no mercado de trabalho, com remuneração adequada, promove sua autonomia. Da forma como o serviço é organizado, reitera-se a falta de qualificação, inclusive devido à pouca articulação com as políticas de trabalho e profissionalização (Brasil, 2015bBrasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (2015b). Relatório anual de socioeconômico da mulher. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Recuperado de http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/dilma/spm_livro-relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher_2015.pdf/view
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br...
; Calvete & Couto, 2009Calvete, C., & Couto, B.R. (2009). A assistência social e a inserção produtiva: Garantia de renda ou inserção precária no mundo do trabalho? In J. M. R. Mendes, J. C. Prates, & B. G. Aguinsky (Eds.), O Sistema único de assistência social: as contribuições à fundamentação e os desafios à implantação (p. 195-207). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS. ).

O subtema ‘Um cara que não faz nada’ recebeu tal denominação a partir da fala de uma participante ao se referir aos significados atribuídos ao homem que participa das atividades do CRAS e à sua pouca participação. Embora as profissionais enfatizem a importância dos homens no acompanhamento familiar, são encontrados conteúdos depreciativos em relação à sua participação, associada à inatividade laboral. O estudo de Pereira e Guareschi (2017Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2017). A psicologia no CRAS: um estudo de representações sociais. Psicologia e Sociedade, 29(1), 1-11. doi: 10.1590/1807-0310/2017v29119584
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) identificou resultados semelhantes, que indicavam uma figura masculina desvalorizada por parte das profissionais. Carloto e Mariano (2010Carloto, M. C., & Mariano, S. A. (2010). No meio do caminho entre o privado e o público: Um debate sobre o papel das mulheres na política de assistência social. Estudos feministas, 18(2), 451-471. doi: 10.1590/S0104-026X2010000200009) associam tais questões a papéis tradicionais de gênero, cujas expectativas sociais são de um homem provedor, sendo-lhe atribuído um peso maior por não conseguir prover o sustento familiar.

Houve profissionais que refletiram sobre a baixa participação dos homens: “Acho que a falha é também nossa, de elaborar mais atividades ou projetos que possam chamar mais os homens” (P7). Porém, nove participantes não identificaram a responsabilidade do serviço, e algumas naturalizaram essa questão: “A gente também acaba não oferecendo muito. Mas também, se fosse oferecer, não sei se viriam, né” (P14). Estudos identificaram que os serviços básicos de saúde não dispõem de estratégias para inclusão dos homens, refletindo um histórico de políticas públicas cujas ações centraram-se na mulher ou na díade mãe e filhos (Gomes & Couto, 2014Gomes, R., & Couto, M. T. (2014). Relaciones entre profesionales de la salud y usuarios/as desde la perspectiva de género. Salud Colectiva, 10(3), 353-363. doi: 10.18294/sc.2014.398
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; Cortez et al., 2016Cortez, M. C., Machado, N. M., Trindade, Z. A., & Souza, L. G. S. (2016). Profissionais de saúde e o (não)atendimento ao homem-pai: Análise de representações sociais. Psicologia em estudo, 21(1), 53-63. doi: 10.4025/psicolestud.v21i1.28323
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). O mesmo ocorre no âmbito da AS, sendo necessário reconhecer que há dificuldade do serviço na proposição de ações que promovam a participação dos homens nas atividades e no acompanhamento, a fim de modificar essa prática e propor sua inclusão.

Quanto ao tema ‘Violência de gênero’, as trabalhadoras relataram atender com frequência situações desse tipo. Algumas indicaram a falta de Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), estabelecimento existente em apenas um dos 14 municípios do estudo, que também não dispõem de Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs). Essa constatação corrobora achados de Oliveira et al. (2014Oliveira, I. F., Oliveira, N. A., Nascimento, M. N. C., Araújo, R. L., Coelho-Lima, F., & Amorim, K. M. O. (2014). Atuação dos psicólogos no CRAS do interior do RN. Psicologia & Sociedade, 26(Spe.2), 103-112. doi:10.1590/S0102-1822014000600011
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) sobre a precariedade da rede intersetorial em municípios de pequeno porte, embora localidades do interior apresentem as maiores taxas de homicídios de mulheres no Brasil (Waiselfisz, 2015Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da violência: homicídio de mulheres no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Flacso. Recuperado de https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/ MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
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).

O subtema ‘Ciúme como fator de risco’ remete a uma perspectiva individualizada da violência contra a mulher, associada a dificuldades conjugais, ciúmes e alcoolismo. “Os casos que me vêm em mente agora eram todos por isso, por esse motivo de ciúmes” (P14). Tal perspectiva colabora para a compreensão e abordagem dessa forma de violência como uma situação isolada, de âmbito doméstico e privado, não sendo compreendida e enfrentada como um fenômeno social frequente na sociedade brasileira, que merece atenção das políticas públicas. Também cabe retomar o exemplo do subtema ‘Acesso à renda’, descrito anteriormente, pois não foram identificadas as violências psicológica e patrimonial que ocorrem quando a mulher é impedida de trabalhar ou de usufruir da renda proveniente de seu labor. Observa-se, assim, que diferentes formas de violência contra a mulher não foram percebidas, ou foram naturalizadas e até banalizadas pelas profissionais. Essa realidade é recorrente e demonstra a necessidade de conscientização, capacitação e treinamento profissional para o enfrentamento da violência nesse grave cenário brasileiro (Silveira & Nardi, 2014Silveira, R. S., & Nardi, H. C. (2014). Interseccionalidade gênero, raça e etnia e a Lei Maria da Penha. Psicologia & Sociedade, 26(Spec.), 14-24. doi: 10.1590/S0102-71822014000500003
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).

O subtema ‘Atuação técnica’ elenca as formas de intervenção diante desses casos. Quando há intervenções, essas ocorrem de forma individualizada:

A gente sabe que tem, mas, por exemplo, até esses dias eu estava comentando de uma mulher no interior que tem boatos e tal desse caso. Como é que nós vamos chegar até lá, né? É uma coisa assim bem... complicada, que eu não vejo assim como é que eu posso chegar lá na casa e conversar com essa mulher (P6).

A frase ‘A gente sabe que tem, mas [...]’ apareceu em várias entrevistas, sugerindo que nesses municípios a violência contra a mulher é um fenômeno frequente, porém velado. Tal aspecto contribui para que esses casos sejam subnotificados, pois não há denúncia formal (Signorelli, Alaud, & Pereira, 2013Signorelli, M. C., Alaud, D., & Pereira, P. P. G. (2013). Violência doméstica contra mulheres e a atuação profissional na atenção primária à saúde: um estudo etnográfico em Matinhos, Paraná, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 29(6), 1230-1240. doi: 10.1590/S0102-311X2013000600019
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). A fala também indica a dificuldade do serviço em abordar e intervir, e em informar e debater com a população sobre violência em ações preventivas. Essa falta de serviços e de profissionais especializados nessa temática reforça a impunidade e a perpetuação das situações de violência contra mulher no âmbito doméstico.

Relacionado à falta de preparo no atendimento a tais situações, observa-se que há a compreensão de que a violência contra a mulher seria provocada e/ou mantida pela vítima. “Ela não dependia dele financeiramente, nenhuma das hipóteses. Então por que que ia voltar com ele? Porque não tem caráter. Porque não pensa em mudar, não pensa nos filhos que tem em casa, em começar uma outra vida” (P5). Nessa fala, é possível perceber que há um julgamento moral da mulher em situação de violência por parte das profissionais que as atendem. Villela et al. (2011Villela, W. V., Vianna, L. A. C., Lima, L. F. P., Sala, D. C. P., Vieira, T. F., Vieira, M. L., & Oliveira, E. M. (2011). Ambiguidades e contradições no atendimento de mulheres que sofrem violência. Saúde e Sociedade, 20(1), 113-123. doi: 10.1590/S0104-12902011000100014
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) identificaram resultados semelhantes, postura que pode resultar em revitimização de quem busca ajuda. Logo, é imprescindível que sejam realizadas capacitações para profissionais que atuam no CRAS, visando sensibilizá-las/os sobre a gravidade da violência e sobre a importância de apresentar respostas adequadas às necessidades da situação atendida.

Cabe ressaltar que falas com conteúdos de julgamento moral da mulher em situação de violência foram pronunciadas por trabalhadoras que apresentavam uma postura menos conservadora em relação ao gênero e que problematizaram a polarização entre feminino e masculino ao longo das entrevistas. Percebe-se uma contradição entre a perspectiva defendida pelas profissionais e suas ações, resultado também observado por Gomes e Couto (2014Gomes, R., & Couto, M. T. (2014). Relaciones entre profesionales de la salud y usuarios/as desde la perspectiva de género. Salud Colectiva, 10(3), 353-363. doi: 10.18294/sc.2014.398
https://doi.org/10.18294/sc.2014.398...
). Essa contradição pode estar relacionada com a presença de outros marcadores sociais, como nível socioeconômico e educacional e raça/etnia, que estão presentes e influenciam a relação entre profissionais e as pessoas usuárias do serviço. Tais marcadores, assim como gênero, contribuem para o estabelecimento de relações de poder orientados pela hierarquia e subordinação, podendo resultar em práticas que violam a condição das pessoas usuárias da AS enquanto sujeito de direitos (Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 20(2), 71-99. Recuperado de http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/ view/71721 /40667
http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoe...
; Silveira & Nardi, 2014Silveira, R. S., & Nardi, H. C. (2014). Interseccionalidade gênero, raça e etnia e a Lei Maria da Penha. Psicologia & Sociedade, 26(Spec.), 14-24. doi: 10.1590/S0102-71822014000500003
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).

Considerações finais

Os resultados corroboraram os estudos existentes sobre intervenções do CRAS com enfoque individual, que reforçam a responsabilização e culpabilização dos sujeitos por sua condição (Nascimento & Justo, 2015Nascimento, E. C., & Justo, J. S. (2015). Andarilhos de estrada segundo os relatos de trabalhadores assistenciais. Psicologia & Sociedade, 27(1), 221-230. doi: 10.1590/1807-0 3102015v27n1p221
https://doi.org/10.1590/1807-0 3102015v2...
; Pereira & Guareschi, 2016Pereira, V. T., & Guareschi, P. A. (2016). O CRAS em relação: Profissionais e usuários em movimento. Fractal: Revista de Psicologia, 28(1), 102-110. doi: 10.1590/1984-0292/1153
https://doi.org/10.1590/1984-0292/1153...
). Em uma perspectiva de gênero, tais intervenções reforçam a ênfase na mulher, seu espaço sendo o doméstico e sendo sua a responsabilidade pelo cuidado da família, perpetuando papéis tradicionais (Carloto & Mariano, 2010Carloto, M. C., & Mariano, S. A. (2010). No meio do caminho entre o privado e o público: Um debate sobre o papel das mulheres na política de assistência social. Estudos feministas, 18(2), 451-471. doi: 10.1590/S0104-026X2010000200009; Detoni et al., 2018Detoni, P. P., Machado, P. S., & Nardi, H. C. (2018). ‘Em nome da mãe’: Performatividades e feminizações em um CRAS. Estudos Feministas, 26(1), 1-17. doi: 10.1590/1806-9584.2018v26n145084
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; Pereira & Guareschi, 2017).

O SUAS foi proposto com base na experiência do SUS em vários aspectos, como a sua organização em níveis de complexidade (Ferreira, 2011Ferreira, S. S. (2011). NOB/RH SUAS: anotada e comentada. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome , Secretaria Nacional de Assistência Social. Recuperado de https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/ Normativas/NOB-RH_SUAS_Anotada_Comentada.pdf
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
). Diversos estudos apontam a necessidade de adequação das intervenções em saúde, com práticas voltadas para toda a família, contemplando homens e mulheres (Gomes & Couto, 2014Gomes, R., & Couto, M. T. (2014). Relaciones entre profesionales de la salud y usuarios/as desde la perspectiva de género. Salud Colectiva, 10(3), 353-363. doi: 10.18294/sc.2014.398
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; Cortez et al., 2016Cortez, M. C., Machado, N. M., Trindade, Z. A., & Souza, L. G. S. (2016). Profissionais de saúde e o (não)atendimento ao homem-pai: Análise de representações sociais. Psicologia em estudo, 21(1), 53-63. doi: 10.4025/psicolestud.v21i1.28323
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). Assim, essa experiência também pode ser utilizada para propor uma atuação profissional socioassistencial que considere o gênero como um aspecto relevante, inclusive para a identificação e o enfrentamento de situações de violência.

É um desafio realizar estudos com enfoque de gênero, seja pela naturalização de tais questões, seja pelas dificuldades relacionadas à identificação de preconceitos. Porém, essa é uma forma de demonstrar a necessidade desse debate, bem como de esforços para modificar tais condições. A proposta é que se tenha em vista o quanto as ações no âmbito da AS carecem de reflexões com a perspectiva de gênero como um dos marcadores fundamentais para o combate às desigualdades sociais.

Não há o objetivo de culpabilizar as participantes da pesquisa por suas práticas, nem de desconsiderar os ganhos que a implantação do SUAS oferece à população. Pelo contrário, os resultados deste estudo contribuem para apresentar um panorama das ações profissionais realizadas no âmbito do CRAS em municípios pequenos, indicando temáticas que demandam sensibilização e treinamento para os trabalhadores socioassistenciais. Os dados encontrados também possibilitam identificar características das localidades de pequeno porte e do interior, que também abarcam a população rural. Dessa forma, colaboram para a elaboração de intervenções adequadas a essa realidade social, possivelmente semelhante à de outros municípios brasileiros.

Como limitações desse estudo, a realização da coleta no local de trabalho das participantes pode ter contribuído para a inibição na abordagem de alguns assuntos por parte das profissionais. Optar por um número maior de entrevistas, ou mesmo por grupos-focais em outros espaços, poderia colaborar para a superação dessa dificuldade. Por isso, por fim, sugere-se que sejam feitas pesquisas que contemplem outras realidades culturais, na perspectiva de gênero, e que também possam suprir a carência de estudos em localidades menores e no âmbito rural.

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    Apoio e financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), código de financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2019
  • Aceito
    06 Out 2020
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