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EMOÇÕES VIVENCIADAS PELOS PSICOTERAPEUTAS-APRENDIZES NOS SERVIÇOS-ESCOLAS: UMA LEITURA PSICANALÍTICA

EMOCIONES VIVENCIADAS POR LOS PSICOTERAPEUTAS-APRENDICES EM LAS ESCUELAS-CLÍNICAS: UNA LECTURA PSICANALÍTICA

RESUMO

Os atendimentos clínicos realizados nos serviços-escolas são permeados por uma série de experiências emocionais vivenciadas pela díade psicoterapeuta-aprendiz/paciente. Diante das diversas nuances da clínica psicanalítica, o psicoterapeuta-aprendiz vivencia experiências que refletem em sua subjetividade. Este estudo teve como objetivo investigar as vivências emocionais dos estudantes de graduação em psicologia durante os estágios em clínica psicanalítica e analisar as emoções percebidas em si mesmos pelos psicoterapeutas-aprendizes nos atendimentos em psicoterapia psicanalítica. Trata-se de um estudo clínico-qualitativo, utilizando-se o referencial teórico psicanalítico. Participaram 27 estudantes de psicologia, que realizavam atendimentos nos serviços-escolas de quatro Instituições de Ensino Superior. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semidirigidas, as quais foram submetidas à análise de conteúdo. Nos resultados observou-se a presença das vivências de ansiedade, medo, insegurança e nervosismo, presentes no processo psicoterapêutico. A identificação com as vivências emocionais dos pacientes e as dúvidas referentes à percepção das próprias emoções, foram importantes aspectos encontrados neste estudo. Tais resultados podem contribuir para a reflexão sobre a vivência desta experiência para o psicoterapeuta-aprendiz, a fim de melhor prepará-lo para os desafios da prática clínica psicanalítica.

Palavras-chave:
Psicanálise; formação do psicoterapeuta; clínicas-escola

RESUMEN

Los atendimientos clínicos realizados en las escuelas clínicas están impregnados por una serie de experiencias emocionales vivenciadas por la díada psicoterapeuta-aprendiz / paciente. Ante los diversos matices de la clínica psicoanalítica, el psicoterapeuta-aprendiz vivencia experiencias que reflejan en su subjetividad. Este estudio tuvo como objetivo investigar las vivencias emocionales de los estudiantes de graduación en psicología durante las etapas en clínica psicoanalítica y analizar las emociones percibidas en sí mismos por los psicoterapeutas-aprendices en las atenciones en psicoterapia psicoanalítica. Se trata de un estudio clínico-cualitativo, utilizando el referencial teórico psicoanalítico. Participaron veintisiete estudiantes de psicología, que realizaban atendimientos en las escuelas clínicas de cuatro Instituciones de Enseñanza Superior. La recolección de datos fue realizada a través de entrevistas semidirigidas las cuales fueron sometidas a análisis de contenido. En los resultados se observó la presencia de las vivencias de ansiedad, miedo, inseguridad y nerviosismo, presentes en el proceso psicoterapéutico. La identificación con las vivencias emocionales de los pacientes y las dudas referentes a la percepción de las propias emociones, fueron importantes aspectos encontrados en este estudio. Tales resultados pueden contribuir a la reflexión sobre la vivencia de esta experiencia para el psicoterapeuta-aprendiz, a fin de prepararlo mejor para los desafíos de la práctica clínica psicoanalítica.

Palabras clave:
Psicoanálisis; formación del psicoterapeuta; escuela clínica

ABSTRACT

The psychotherapeutic clinic services in the school-clinics are permeated by a series of emotional experiences lived by the apprentice psychotherapist/patient dyad. In the light of the various nuances of the psychoanalytic practice, the apprentice psychotherapist goes through experiences that reflect on his subjectivity. This study aimed to investigate the emotional experiences of undergraduate psychology students during their stages in school-clinics and to analyze the emotions perceived in themselves in the attendance in psychoanalytic psychotherapy. This is a clinical-qualitative study using the psychoanalytic theoretical framework. Twenty-seven psychology students participated in this study who attended the school-clinics of four Higher Education Institutions. Data collection was carried out through semi-structured interviews, which were submitted to content analysis. The results showed the presence of anxiety, fear, insecurity and nervousness feelings in the psychotherapeutic process. Identification with the emotional experiences of patients and doubts regarding the perception of their own emotions were essential aspects found in this study. Such results may contribute to the reflection on the experience of the apprentice psychotherapist to better prepare him for the challenges of psychoanalytic clinical practice.

Keywords:
Psychoanalysis; psychotherapist education; school-clinics

Introdução

Desde a regulamentação da psicologia como profissão em 1962 até a atualidade uma série de desafios e dificuldades relacionados à formação acadêmica norteou algumas mudanças referentes à prática clínica (Rudá, Coutinho, & Almeida Filho, 2015Rudá, C., Coutinho, D., & Almeida-Filho, N. (2015). Formação em psicologia no Brasil: o período do currículo mínimo (1962-2004). Memorandum, 29, 59-85. Recuperado de:http://www.fafich.ufmg.br/memorandum/a29/rudacoutinhoalmeidafilho01
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). Em consonância aos avanços obtidos pela psicologia dentro de um panorama histórico, político e social (Rudá et al., 2015Rudá, C., Coutinho, D., & Almeida-Filho, N. (2015). Formação em psicologia no Brasil: o período do currículo mínimo (1962-2004). Memorandum, 29, 59-85. Recuperado de:http://www.fafich.ufmg.br/memorandum/a29/rudacoutinhoalmeidafilho01
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) os estágios em serviços-escolas também sofreram modificações, abrangendo a diversidade de atuação do psicólogo em enquadres distintos. Tal fato possibilitou ao discente passar por experiências sob perspectivas diversas, tanto no âmbito teórico quanto prático (Silva, Coelho, & Pontes, 2017Silva, J. A. P., Coelho, M. T. Á. D., & Pontes, S. A. (2017). Psicanálise e universidade: a experiência do estágio em psicologia clínica com orientação psicanalítica. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 6(1), 44-49. Recuperado dehttps://www5.bahiana.edu.br/index.php/psicologia/article/view/1065
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), promovendo assim a integração de habilidades e competências, em uma prática condizente com o processo de formação acadêmica (Andrade et al., 2016Andrade, A. S., Tiraboschi, G. A., Antunes, N. A., Viana, P. V. B. A., Zanoto, P. A., & Curilla, R. T. (2016). Vivências acadêmicas e sofrimento psíquico de estudantes de psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(4), 831-846. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703004142015).

Nos atendimentos clínicos realizados nos serviços-escolas o aluno se defronta com o início de seu desenvolvimento profissional, e considerando-se o enfoque psicanalítico uma das modalidades de atendimento, será neste contexto que o futuro psicólogo poderá exercer na prática uma parte de sua formação a qual, no âmbito acadêmico, diferencia-se da psicanálise clássica freudiana e da formação nas instituições ou sociedades psicanalíticas (Kern & Luz, 2017Kern, C., & Luz, A. K. (2017). A psicanálise no contexto da clínica escola. Revista de Ciências Humanas, 51(1), 250-268. Recuperado de:https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2017v51n1p250/34484
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). Estas últimas privilegiam o tripé psicanalítico, caracterizado pela análise pessoal, estudo teórico e prática supervisionada por um psicanalista (Brandt, 2017Brandt, J. A. (2017). Supervisão em grupo da prática clínica psicanalítica: algumas reflexões. Vínculo, 14(1), 1-10. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1806-24902017000100006&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? sc...
; Kern & Luz, 2017Kern, C., & Luz, A. K. (2017). A psicanálise no contexto da clínica escola. Revista de Ciências Humanas, 51(1), 250-268. Recuperado de:https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2017v51n1p250/34484
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; Silva et al., 2017Silva, J. A. P., Coelho, M. T. Á. D., & Pontes, S. A. (2017). Psicanálise e universidade: a experiência do estágio em psicologia clínica com orientação psicanalítica. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 6(1), 44-49. Recuperado dehttps://www5.bahiana.edu.br/index.php/psicologia/article/view/1065
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). Embora os dois últimos aspectos mencionados estejam incluídos nas atividades curriculares, a psicoterapia pessoal não se constitui como um atributo obrigatório (Pereira & Kessler, 2016Pereira, N. M., & Kessler, C. H. (2016). Reflexões acerca de um início: psicanálise e clínica na universidade. Psicologia em Revista, 22(2), 469-485. DOI: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2016V22N2P469
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; Lopes & De Castro, 2018Lopes, J. D. S. S., & De Castro, R. C. (2018). De estagiário à psicoterapeuta: sobre a descoberta de um novo lugar. Quaderns de Psicologia, 20(2). Recuperado de:https://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/v20-n2-lopes-castro
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; Silva et al., 2017Silva, J. A. P., Coelho, M. T. Á. D., & Pontes, S. A. (2017). Psicanálise e universidade: a experiência do estágio em psicologia clínica com orientação psicanalítica. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 6(1), 44-49. Recuperado dehttps://www5.bahiana.edu.br/index.php/psicologia/article/view/1065
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).

Neste sentido, a psicanálise, que está inevitavelmente inserida na universidade (Fonteles, Coutinho, & Hoffmann, 2018Fonteles, C. S. L., Coutinho, D. M. B., & Hoffmann, C. (2018). A pesquisa psicanalítica e suas relações com a universidade. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 21(1), 138-148. DOI: https://doi.org/10.1590/1809-44142018001013
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), inclui um saber orientado pela verdade do inconsciente, do qual pouco se sabe a priori e em muito se distancia de uma lógica puramente cognitiva ou racional (Pereira & Kessler, 2016Pereira, N. M., & Kessler, C. H. (2016). Reflexões acerca de um início: psicanálise e clínica na universidade. Psicologia em Revista, 22(2), 469-485. DOI: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2016V22N2P469
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). Na prática clínica uma série de fenômenos conscientes e inconscientes vivenciados pela díade psicoterapeuta-paciente emergem (Freud, 1915-2017Freud, S. (1915-2017). Observações sobre o amor transferencial (Obras Incompletas de Sigmund Freud, C. Dornbusch, Trad., p. 165-204). Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora.; Iwashima, Reis, & Santiago, 2019Iwashima, D., Reis, M. E. B. T., & Santiago, T. D. S. (2019). Emoções vivenciadas pelo psicoterapeuta aprendiz na clínica psicanalítica com adolescentes: um estudo exploratório. Revista de Psicologia, 10(2), 31-40. Recuperado de:http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/46708
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; Parth, Datz, Seidman & Löffler-Stastka, 2017Parth, K., Datz, F., Seidman, C., & Löffler-Stastka, H. (2017). Transference and countertransference: a review. Bulletin of the Menninger Clinic, 81(2), 167-211. DOI: https://doi.org/10.1521/bumc.2017.81.2.167
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), cujas ressonâncias incluem vivências emocionais de ambos, as quais se manifestam na relação transferencial e contratransferencial.

Desde Freud, passando posteriormente por autores contemporâneos tais como Ferenczi, Klein, Heimann, Racker, Winnicott, observamos a evolução relacionada ao constructo teórico e metodológico formulado pelo criador da psicanálise (Moreira, 2018Moreira, F. B. (2018). A transferência na relação analítica: um retorno a Freud e Ferenczi. Semina: Ciências Sociais e Humanas, 39(1), 85-94. DOI: https://doi.org/10.5433/1679-0383.2018v39n1p85
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; Yakeley, 2018Yakeley, J. (2018). Psychoanalysis in modern mental health practice. The Lancet Psychiatry, 5(5), 443-450. DOI: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(18)30052-X
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), ainda que os princípios relacionados ao inconsciente, transferência e contratransferência permaneçam essenciais até a atualidade (Yakeley, 2018Yakeley, J. (2018). Psychoanalysis in modern mental health practice. The Lancet Psychiatry, 5(5), 443-450. DOI: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(18)30052-X
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). As emoções vivenciadas pelo psicoterapeuta, denominadas como fenômenos contratransferenciais, vistas por Freud enquanto obstáculo ao tratamento passam a adquirir um caráter de instrumento por aqueles que lhe sucederam, redimensionando a posição do psicoterapeuta.

Ao se referir à intensidade de afetos presentes na relação transferencial, Ferenczi (1928-1992Ferenczi, S. (1928-1992). A elasticidade da técnica psicanalítica (Obras completas, IV). São Paulo, SP: Martins Fontes.) apresenta modificações relativas à noção de contratransferência, inovando ao discorrer sobre a elasticidade da técnica psicanalítica. A elasticidade da técnica, para Ferenczi, redimensiona a posição do analista, na qual ele participa na experiência de analisar, atuando como uma tira elástica, cedendo às manifestações inconscientes do paciente, promovendo um relaxamento para que “[...] o encontro com a experiência inconsciente possa ocorrer” (Moreira, 2018Moreira, F. B. (2018). A transferência na relação analítica: um retorno a Freud e Ferenczi. Semina: Ciências Sociais e Humanas, 39(1), 85-94. DOI: https://doi.org/10.5433/1679-0383.2018v39n1p85
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, p. 90).

Partindo de sua compreensão das relações objetais primordiais, Klein sustenta que a transferência se origina nos mesmos processos que determinam as relações objetais internalizadas nos primórdios do desenvolvimento, “[...] opera ao longo de toda a vida e influencia todas as relações humanas” (Klein, 1952-1991Klein, M. (1952-1991). As origens da transferência. In E. M. Rocha et al. Inveja e gratidão e outros trabalhos 1946-1963 (p. 71-118). Rio de Janeiro, RJ: Imago., p. 71). A autora ainda enfatiza a compreensão da transferência em termos de situações totais, caracterizadas pelo que é transferido “[...] do passado para o presente, bem como em termos de emoções, defesas e relações de objeto” (Klein, 1952-1991Klein, M. (1952-1991). As origens da transferência. In E. M. Rocha et al. Inveja e gratidão e outros trabalhos 1946-1963 (p. 71-118). Rio de Janeiro, RJ: Imago., p. 78). No que se refere à contratransferência, Klein, assim como Freud, considerava-a como um obstáculo à análise.

Winnicott (1954-2000Winnicott, D. W. (1954-2000). Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no contexto analítico. In: D. W. Winnicott. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (D. Bogomoletz, Trad., p. 374-392). Rio de Janeiro, RJ: Imago .) distancia-se de Klein ao refletir sobre o lugar ocupado pelo analista na transferência, considerando três variedades da clínica, nas quais o autor propõe manejos distintos, de acordo com o processo maturacional do indivíduo. A primeira clínica refere-se aos pacientes “[...] que funcionam em termos de pessoa inteira, cujas dificuldades localizam-se no reino dos relacionamentos interpessoais” (Winnicott, 1954-2000Winnicott, D. W. (1954-2000). Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no contexto analítico. In: D. W. Winnicott. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (D. Bogomoletz, Trad., p. 374-392). Rio de Janeiro, RJ: Imago ., p. 375) e a técnica, nestes casos, consistiria na psicanálise clássica proposta por Freud. A segunda diz respeito aos pacientes nos quais a integração da personalidade começou a ocorrer sem, contudo, ter atingido uma estabilidade maturacional. Neste caso, diante das dificuldades inerentes a este processo, a sobrevivência do analista é relevante, ainda que a técnica seja análoga aos casos da primeira clínica (Winnicott, 1954-2000Winnicott, D. W. (1954-2000). Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no contexto analítico. In: D. W. Winnicott. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (D. Bogomoletz, Trad., p. 374-392). Rio de Janeiro, RJ: Imago .). O manejo clínico na terceira clínica adquire suma importância, uma vez que ao proporcionar um ambiente suficientemente bom às necessidades do paciente, o analista possibilita uma experiência gradual de retomada do processo de amadurecimento emocional. No que se refere à contratransferência, Winnicott (1947-2000Winnicott, D. W. (1947-2000). O ódio na contratransferência. In D. W. Winnicott. Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas (D. Bogomoletz, Trad., p. 277-304). Rio de Janeiro, RJ: Imago .) postula a necessidade de o analista de estar consciente dela, pois a vivência de cargas emocionais intensas, incluindo o amor e o ódio, representariam, em alguns momentos, os elementos centrais da análise.

Heimann (1950)Heimann, P. (1950). On counter-transference. International Journal of Psycho-analysis, 31, 81-84. Recuperado de: https://www.pep-web.org/document.php?id=ijp.031.0081a
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e Racker (1958-1982Racker, H. (1958-1982). Sobre técnica clássica e técnicas atuais da psicanálise. In H. Racker. Estudos sobre técnica psicanalítica (J. C. A. Abreu, Trad., p. 28-63). Porto Alegre, RS: Artes Médicas.) emergem no contexto psicanalítico de forma significativa, pois suas colaborações sobre a contratransferência evidenciam a importância de reflexão acerca desta controversa temática. Heimann conceitua a contratransferência como “[...] a totalidade dos sentimentos que o analista vivencia em relação ao seu paciente” (Heimann, 1950Heimann, P. (1950). On counter-transference. International Journal of Psycho-analysis, 31, 81-84. Recuperado de: https://www.pep-web.org/document.php?id=ijp.031.0081a
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, p. 172) e é enfatizado seu atributo como importante instrumento para o trabalho psicanalítico. A ênfase atribuída a Heimann (1950)Heimann, P. (1950). On counter-transference. International Journal of Psycho-analysis, 31, 81-84. Recuperado de: https://www.pep-web.org/document.php?id=ijp.031.0081a
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, na importância do caráter relacional/bidirecional presente na situação analítica, desvia o foco de um trabalho voltado preponderantemente no paciente, estendendo-os para a mutualidade de uma relação, na qual os sentimentos do analisando e do analista estão presentes. Partindo da premissa de que “[...] o inconsciente do analista entende o de seu paciente”, Heimann (1950Heimann, P. (1950). On counter-transference. International Journal of Psycho-analysis, 31, 81-84. Recuperado de: https://www.pep-web.org/document.php?id=ijp.031.0081a
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, p. 173) ressalta que certas emoções violentas como de amor, ódio e ira impulsionam o analista para uma resposta emocional próxima a uma atuação, dificultando seu raciocínio. Neste caso, as emoções sentidas pelo analista se aproximariam do núcleo das questões do analisando, cabendo ao analista subordiná-las à tarefa analítica.

Considerando o entrelaçamento dos fenômenos transferenciais e contratransferenciais, Racker (1957-1982Racker, H. (1957-1982). Significados e usos da contratransferência. In H. Racker. Estudos sobre técnica psicanalítica (J. C. A. Abreu, Trad., p. 120-157). Porto Alegre, RS: Artes Médicas.) aborda o tema da contratransferência, mencionando que ela pode auxiliar na percepção dos aspectos inconscientes do paciente, assim como dificultar sua compreensão, pois o analista pode reagir contratransferencialmente, enquanto objeto dos impulsos do paciente, de modo que suas reações interferem em sua conduta e sobre a transferência do paciente. A contratransferência seria um norteador da prática do analista, o qual dependeria da intensidade de compreensão dos próprios fenômenos contratransferenciais, ou seja, “[...] de seu contato consciente consigo mesmo” (Racker, 1957-1982Racker, H. (1958-1982). Sobre técnica clássica e técnicas atuais da psicanálise. In H. Racker. Estudos sobre técnica psicanalítica (J. C. A. Abreu, Trad., p. 28-63). Porto Alegre, RS: Artes Médicas., p 124), auxiliando inclusive no manejo clínico. A tendência, normalmente predominante do analista em compreender o que se passa com o paciente, cria uma predisposição em se identificar com o enfermo, na qual o analista identifica partes de sua personalidade com as do paciente, denominada como identificação concordante ou pode identificar-se com os objetos internos do paciente, vivenciando-os como seus, correspondendo à identificação complementar. Assim, tais situações contratransferenciais, embora possam ser reprimidas e bloqueadas, são inerentes ao trabalho terapêutico e não devem ser evitadas, pois a compreensão destas auxiliará o analista a não “[...] fundir-se na contratransferência” (Racker, 1957-1982Racker, H. (1958-1982). Sobre técnica clássica e técnicas atuais da psicanálise. In H. Racker. Estudos sobre técnica psicanalítica (J. C. A. Abreu, Trad., p. 28-63). Porto Alegre, RS: Artes Médicas., p. 129).

Neste breve percurso histórico, observa-se a ampliação das teorias freudianas, sendo possível refletir sobre as convergências e divergências elaboradas desde então. Torna-se pertinente situar os desdobramentos destes constructos na prática clínica psicoterapêutica. As vivências emocionais conscientes e inconscientes que emergem neste encontro produzem impactos emocionais mútuos, nomeados indistintamente como emoções e/ou sentimentos.

As contribuições da neuropsicanálise revelam-se importantes, lançando novos olhares acerca das experiências e dos estados emocionais nos atendimentos clínicos, convidando à reflexão sobre os afetos, as emoções e os sentimentos na clínica psicanalítica. Assim, “[...] as emoções são sinalizações do estado do corpo, em decorrência de uma multiplicidade de fenômenos orgânicos que ocorrem em sua intimidade, de forma automática, programada pela natureza, e, portanto, inconsciente, para a manutenção do estado ótimo de funcionamento” (Soussumi, 2003Soussumi, Y. (2003). Uma experiência prática de psicanálise fundamentada pela neuropsicanálise. Revista Brasileira de Psicanálise, 37(2-3), 573-596., p. 578). Já os sentimentos pressupõem uma capacidade de introspecção e simbolização (Cézar & Jucá-Vasconcelos, 2017Cézar, A. T., & Jucá-Vasconcelos, H. P. (2017). Sensações, sentimentos e emoções: uma articulação com a gestalt-terapia. Revista Presença, 2(7), 54-64. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-25262016000100002&lng=pt&tlng=pt
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), às custas dos mapas sensoriais do corpo (Soussumi, 2003), são fenômenos complexos que envolvem compreensão e integração que, a partir das experiências de vida, poderão ser significados e interpretados (Cézar & Jucá-Vasconcelos, 2017Cézar, A. T., & Jucá-Vasconcelos, H. P. (2017). Sensações, sentimentos e emoções: uma articulação com a gestalt-terapia. Revista Presença, 2(7), 54-64. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-25262016000100002&lng=pt&tlng=pt
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).

No contexto dos atendimentos clínicos nos serviços-escolas os psicoterapeutas-aprendizes passam pela experiência dos primeiros atendimentos clínicos, que representam um momento importante no processo de construção da identidade profissional (Aguirre, 2000Aguirre, A. M. B. (2000). A primeira experiência clínica do aluno: ansiedades e fantasias presentes no atendimento e na supervisão. Revista Psicologia-Teoria e Prática, 2(1). Recuperado de:http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/view/1116/825.
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; Lopes & De Castro, 2018Lopes, J. D. S. S., & De Castro, R. C. (2018). De estagiário à psicoterapeuta: sobre a descoberta de um novo lugar. Quaderns de Psicologia, 20(2). Recuperado de:https://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/v20-n2-lopes-castro
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). As emoções presentes no setting podem advir das reações contratransferenciais despertadas, a partir da relação transferencial entre os envolvidos que, por seu atributo inconsciente, revelam a necessidade de reflexão. Embora a maioria dos estudos retrate a experiência dos atendimentos clínicos, enfatizando a necessidade de se discorrer acerca dos fenômenos transferenciais/contratransferenciais e outros considerem o caráter transformador do uso do envolvimento emocional tanto para terapeuta quanto paciente (Cunha & Vandenberghe, 2019Cunha, O. R., & Vandenberghe, L. (2019). Manifestações emocionais do terapeuta durante as sessões: por que arriscar-se e quais benefícios esperar? Psicologia: Ciência e Profissão, 39. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703003178057
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), poucas pesquisas em psicanálise investigaram com mais profundidade as emoções vivenciadas pelo psicoterapeuta-aprendiz evidenciando-o enquanto protagonista. Torna-se pertinente, portanto, situá-lo enquanto personagem principal na sutil coreografia inconsciente que se desdobra ao longo da prática clínica psicanalítica.

Em vista disto, os objetivos deste estudo consistiram em investigar as vivências emocionais dos estudantes de graduação em psicologia durante os estágios em clínica psicanalítica, assim como analisar as emoções percebidas em si mesmos pelos psicoterapeutas-aprendizes nos atendimentos.

Método

Foram entrevistados 27 alunos que cursavam o primeiro semestre do último ano de graduação do curso de psicologia, que realizavam atendimentos psicoterapêuticos nos serviços-escolas, localizados em quatro instituições de ensino superior do norte do Paraná. Do total de participantes, 23 estudantes eram do sexo feminino e quatro do sexo masculino, cujas idades variaram de 21 a 39 anos.

Esta pesquisa foi realizada por meio do método clínico-qualitativo, que abarca um conjunto de técnicas e procedimentos adequados para compreender e descrever as relações de sentidos e significados dos fenômenos humanos, nos quais os aspectos conscientes e inconscientes são considerados, assim como a implicação subjetiva do pesquisador, com seu envolvimento ativo (Turato, 2003Turato, E. R. (2003). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis, RJ: Vozes.).

A amostra caracterizou-se por ser intencional, considerando que a escolha adveio da dependência direta com os objetivos da investigação, caracterizada também pela deliberação do pesquisador sobre quais sujeitos podem compor o seu estudo (Turato, 2003Turato, E. R. (2003). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis, RJ: Vozes.). O critério de inclusão adotado consistiu em ser estudantes do nono semestre de graduação em psicologia, que estivessem realizando estágio em psicologia clínica fundamentada na psicanálise. O tamanho final da amostra foi definido pelo fechamento por exaustão, logo, foram considerados elegíveis todos os participantes que se dispuseram a participar da pesquisa (Fontanella et al., 2011Fontanella, B. J. B., Luchesi, B. M., Saidel, M. G. B., Ricas, J., Turato, E. R. & Melo, D. B. (2011). Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cadernos de Saúde Pública, 27(2), 388-394. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003.
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).

O recrutamento dos participantes procedeu-se mediante abordagem em sala de aula, após autorização do docente-supervisor responsável, não ultrapassando o limite de 15 minutos para explicação da pesquisa. Aos interessados em participar foram solicitados os nomes e contatos telefônicos. Posteriormente, foi realizado o agendamento da entrevista, de acordo com a disponibilidade de cada discente.

A coleta de dados ocorreu no período de abril a agosto de 2018, através de entrevistas semidirigidas, com perguntas disparadoras sobre o tema do estudo, realizadas nas respectivas instituições de ensino dos participantes, fora dos horários das atividades curriculares. Tal modalidade de entrevista permite uma flexibilidade também ao entrevistado em assumir o comando, assim, ambos os integrantes da relação têm momentos para direcionar, possibilitando ao pesquisador reunir dados para os objetivos propostos (Turato, 2003Turato, E. R. (2003). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis, RJ: Vozes.). Antes da entrevista, cada participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual foram ressaltados os objetivos da pesquisa, assim como suas contribuições para o conhecimento científico, os benefícios e riscos relacionados à mesma. As entrevistas foram gravadas, por meio de áudio, e transcritas na íntegra.

Esta pesquisa seguiu as normas preconizadas pela resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 466/2012, no que se refere aos cuidados éticos foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição onde foi desenvolvida (Parecer: 2.469.346), possuindo também o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE: 81825717.7.0000.5231). No processo de transcrição e seleção de vinhetas, todos os nomes dos participantes e das instituições de ensino superior, foram identificados por letras e números, a fim de se preservar o anonimato de ambos.

Os dados foram analisados pelos pressupostos da análise de conteúdo (Bardin, 1977-2016Bardin, L. (1977-2016). Análise de conteúdo (L. A. Reto, Trad.). São Paulo, SP. Edições70.), e categorizados, passando por validação externa entre os pares. Na etapa de categorização determinados critérios foram considerados para a elaboração de categorias boas: a exclusão mútua, no qual cada elemento não pode existir em outra categoria; a homogeneidade, no qual o princípio de exclusão mútua depende que as categorias sejam homogêneas; a pertinência, em que cada categoria é considerada pertinente quando está adaptada ao material escolhido e pertence ao quadro teórico definido; o critério de objetividade e fidelidade, cuja atenção na precisão dos índices de codificação, devem ser aplicados da mesma forma nas categorias e o critério de produtividade (Bardin, 1977-2016Bardin, L. (1977-2016). Análise de conteúdo (L. A. Reto, Trad.). São Paulo, SP. Edições70.).

Resultados e discussão

Para o presente estudo, foram selecionadas três categorias de análise: emoções vivenciadas durante os atendimentos clínicos, identificação com as vivências emocionais do paciente e percepção das próprias emoções.

Emoções vivenciadas durante os atendimentos clínicos

Observou-se nesta categoria que os psicoterapeutas-aprendizes vivenciam uma série de emoções na experiência dos atendimentos clínicos, nos quais a presença de ansiedade, medo, insegurança e nervosismo foram mencionados, conforme as seguintes vinhetas: “Durante os primeiros... eu me senti perdida, meio assim, como é que eu me sento, como é que eu me comporto, como é que eu fico, será que eu tô fazendo muito cara de espanto, bem ansiosa assim” (E10).

E é um silêncio não só... ele passa um pouco daquele silêncio terapêutico. Ele passa, tipo assim, no sentido de que eu não sei o que falar pra ela! Então isso me dá um certo medo de acontecer durante os atendimentos (E8).

A gente fica meio sem saber o que fazer, saber como agir né, o nervosismo, todas as coisas que tem que preencher... Você tá tão nervosa que você não tá conseguindo prestar muita atenção no que o paciente tá te passando, você tá preocupado com a sua angústia ali e não com a angústia dele né (E10).

As falas dos entrevistados retrataram preocupações, dúvidas e dificuldades relativas ao manejo clínico, às questões burocráticas pertinentes à clínica e ao próprio modo de se comportarem ‘corporalmente’. Dificuldades esperadas nos primeiros atendimentos clínicos, uma vez que esta etapa integra o início de um processo gradual, no qual ocorre a transição do aluno para futuro profissional (Aguirre, 2000Aguirre, A. M. B. (2000). A primeira experiência clínica do aluno: ansiedades e fantasias presentes no atendimento e na supervisão. Revista Psicologia-Teoria e Prática, 2(1). Recuperado de:http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/view/1116/825.
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; Lopes & De Castro, 2018Lopes, J. D. S. S., & De Castro, R. C. (2018). De estagiário à psicoterapeuta: sobre a descoberta de um novo lugar. Quaderns de Psicologia, 20(2). Recuperado de:https://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/v20-n2-lopes-castro
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). A expectativa nos momentos inaugurais da prática parece sinalizar, além dos movimentos internos do aprendiz, aspectos referentes aos próprios pacientes, em um interjogo que pode influenciar inclusive o processo psicoterapêutico, tanto no sentido de uma abertura, quanto de fechamento para um encontro. Além disso, a experiência deste encontro com o outro pode mobilizar emoções nos psicoterapeutas-aprendizes, conforme ilustrado nas vinhetas seguintes:

E um paciente que eu tô atendendo agora... ele faz muita coisa, que entra em conflito do que eu acho certo e errado, porque eu julgo tudo errado, só que as vezes eu saio da sessão meio que pensativa com isso, com medo, as vezes, não sei o que que ele tá esperando de mim, não sei qual que é a intenção dele comigo... (E7).

Aí eu entrei em crise assim, eu chorava muito, eu tav...eu tava com muito medo dela se matar e eu falava ‘meu, se ela se matar vai ser culpa minha...’ sabe, eu fiquei muito com isso na cabeça. E aí eu ia dormir e acordava pensando nela, dormia e acordava pensando nela (E20).

Os entrevistados enfatizam o quanto se angustiam, o quanto sentem-se incomodados e inseguros. Assim, as emoções presentes no setting são vivenciadas de tal modo que os psicoterapeutas-aprendizes se desconcertam, fundindo-se na vivência com o paciente, reagindo contratransferencialmente (Racker, 1957-1982), como se os conflitos vivenciados pelo outro se direcionassem aos próprios psicoterapeutas. O fato deles serem aprendizes certamente influencia na forma como vivenciam a experiência clínica, de modo a assemelhar-se à folie a deux. Assim, há necessidade de considerar os movimentos transferenciais e contratransferenciais na cena analítica, cujos ruídos convergem na relação psicoterapêutica.

Embora autores clássicos da psicanálise (Ferenczi, 1928-1992; Freud, 1915-2017; Heimann, 1950Heimann, P. (1950). On counter-transference. International Journal of Psycho-analysis, 31, 81-84. Recuperado de: https://www.pep-web.org/document.php?id=ijp.031.0081a
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; Racker, 1958-1982; Winnicott, 1947-2000, 1954-2000), assim como pesquisas atuais (Iwashima et al., 2019Iwashima, D., Reis, M. E. B. T., & Santiago, T. D. S. (2019). Emoções vivenciadas pelo psicoterapeuta aprendiz na clínica psicanalítica com adolescentes: um estudo exploratório. Revista de Psicologia, 10(2), 31-40. Recuperado de:http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/46708
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; Moreira, 2018Moreira, F. B. (2018). A transferência na relação analítica: um retorno a Freud e Ferenczi. Semina: Ciências Sociais e Humanas, 39(1), 85-94. DOI: https://doi.org/10.5433/1679-0383.2018v39n1p85
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; Parth et al., 2017Parth, K., Datz, F., Seidman, C., & Löffler-Stastka, H. (2017). Transference and countertransference: a review. Bulletin of the Menninger Clinic, 81(2), 167-211. DOI: https://doi.org/10.1521/bumc.2017.81.2.167
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) tenham ressaltado os perigos existentes na relação psicoterapêutica, observou-se neste estudo que psicoterapeutas-aprendizes orientam-se pelas desarmonias emocionais vivenciadas na relação com o paciente, como se este contato representasse algo a ser visto, predominantemente, pelo vértice intrassubjetivo. Pode-se indagar: quais seriam os fatores que influenciariam este posicionamento? Sabe-se que no contexto universitário o aluno terá a possibilidade de integrar habilidades e competências para o exercício clínico e, para tanto, o estudo teórico e a prática supervisionada são aspectos obrigatórios neste percurso. Neste quesito, aspectos relacionados às ortodoxias teóricas, em detrimento da multiplicidade teórica psicanalítica, são pontos importantes a serem considerados uma vez que é neste contexto que o futuro profissional terá seus primeiros contatos com as leituras psicanalíticas.

Por outro lado, a análise ou psicoterapia pessoal, elemento tão importante no tripé psicanalítico, não é algo instituído, pela via da obrigatoriedade, logo os aprendizes poderão estar mais vulneráveis às vicissitudes inerentes aos atendimentos clínicos. Estariam eles prontos para esta vivência? Estes pontos merecem ser destacados, pois sinalizam dificuldades, lacunas e possíveis reflexões sobre aspectos que devem ser amplamente discutidos, ainda mais quando se trata do início do processo de formação profissional. Sob a perspectiva deste processo, observa-se que as emoções vivenciadas na prática clínica promovem também questionamentos referentes ao processo de construção da identidade profissional, demonstrando o difícil caminho para o exercício do papel de psicólogo:

É difícil encontrar uma palavra pra isso, mas... ...da pessoa entender que você é um estudante, que você tá ali aprendendo, mas que... não é desconsiderado aquilo que você fala, sabe, que vem do professor, que é extremamente capaz de tá ali te auxiliando e que você não é uma coisa crua assim, que, que tem um saber ali, então eu acho que o mais difícil é o paciente assim olhar ali pra você como um profissional mesmo (E5).

Na travessia pela clínica psicanalítica, os psicoterapeutas-aprendizes sentem-se pressionados nos atendimentos iniciais, relacionando suas vivências emocionais a atributos teórico-metodológicos, apresentando dúvidas, inseguranças e medos relacionados ao exercício da função no contexto clínico: “Ah, eu ficava com medo de atender, era um desafio assim... que, que eu... e daí ela pediu pra ser uma pessoa da psicanálise. Aí eu pensei, meu Deus e se eu não souber nada de psicanálise!!” (E9).

No início a gente fica nervoso né, normal, fica meio sem saber se...se vai dar conta, se não vai né....porque por mais que a gente tenha a parte teórica, aí chega ali na hora, você fica meio em dúvida né, se você...tá preparado, ou não né, se você realmente vai conseguir (E19).

Observa-se que a experiência do estágio os convoca a ocupar um novo papel, de futuros profissionais (Lopes & De Castro, 2018Lopes, J. D. S. S., & De Castro, R. C. (2018). De estagiário à psicoterapeuta: sobre a descoberta de um novo lugar. Quaderns de Psicologia, 20(2). Recuperado de:https://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/v20-n2-lopes-castro
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). As dúvidas relacionadas ao conhecimento teórico adquirido ao longo dos anos, dificuldades quanto ao manejo e à atitude clínica, representaram para os entrevistados, as principais preocupações. A recorrência às justificativas teórico-metodológicas (Aguirre, 2000Aguirre, A. M. B. (2000). A primeira experiência clínica do aluno: ansiedades e fantasias presentes no atendimento e na supervisão. Revista Psicologia-Teoria e Prática, 2(1). Recuperado de:http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/view/1116/825.
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; Lopes & De Castro, 2018Lopes, J. D. S. S., & De Castro, R. C. (2018). De estagiário à psicoterapeuta: sobre a descoberta de um novo lugar. Quaderns de Psicologia, 20(2). Recuperado de:https://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/v20-n2-lopes-castro
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) parece ser o norte pelo qual os psicoterapeutas-aprendizes se sustentam, diante das vivências emocionais que emergem da experiência clínica. O domínio de certos aspectos extrínsecos, de certa forma, funciona como suporte, uma via de sustentação ou até mesmo como defesas diante do imprevisível que emerge no encontro com o outro. Talvez estes sejam recursos necessários em determinado momento, para que, posteriormente, possam ser integrados e elaborados.

As narrativas dos relatos apresentados permitem considerar que, a princípio, os personagens principais que emergem no encontro clínico são os próprios psicoterapeutas-aprendizes, demonstrando que as dificuldades enfrentadas neste percurso evidenciam vivências emocionais relacionadas preponderantemente a si mesmos. Tendo em vista que a prática clínica psicanalítica não corresponde a uma aprendizagem intelectual, formal, racional ou cognitiva (Pereira & Kessler, 2016Pereira, N. M., & Kessler, C. H. (2016). Reflexões acerca de um início: psicanálise e clínica na universidade. Psicologia em Revista, 22(2), 469-485. DOI: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2016V22N2P469
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) as vivências emocionais dos psicoterapeutas-aprendizes, em suas nuances e desdobramentos, são aspectos essenciais para a compreensão daquilo que emerge nos atendimentos, principalmente quando se trata da clínica psicanalítica.

Identificação com as vivências emocionais do paciente

Ao discorrerem sobre as vivências emocionais presentes nos atendimentos clínicos os psicoterapeutas-aprendizes referiram-se à identificação de aspectos do paciente com algumas características deles próprios e, também, identificação com as figuras parentais dos pacientes, tais como: “[...] que nem eu atendo a criança... eu vejo, eu me vejo nela às vezes. Então, tem muitas coisas que tipo... ah, me fazem pensar, me mobilizam, tipo coisas da minha infância, que às vezes eu vejo nela um pouco” (E9).

Eu acho que durante as sessões da clínica a gente faz bastante é....comparação assim, as vezes com a sua vida sabe.... Aí você vai ... é... internalizando aquilo: nossa... na minha vida, ou... fazendo uma comparação: nossa, a mãe dela parece com a minha mãe. Por exemplo, tem alguns casos assim dos meus colegas que... ai, eu fico pensando que minha mãe é igual... ou eu fico pensando, meu pai é igual ao pai dela (E26).

Nestes exemplos nota-se que ao ouvirem as histórias de seus pacientes, os psicoterapeutas-aprendizes recordam-se de suas histórias enquanto filho(a) ou da criança/adolescente que foram. Revivem no tempo presente experiências que se assemelham às próprias, onde o passado retorna, gerando confusões e ambiguidades na relação psicoterapêutica. A partir da relação transferencial percebem aspectos de si mesmos, relacionando as vivências emocionais dos pacientes “[...] à sua própria pessoa” (Racker, 1958-1982, p. 56), correspondendo à identificação concordante ou homóloga, assim como observa-se a presença de identificações complementares, visto que por vezes se identificam com os objetos internos dos pacientes, que os remetem às próprias figuras parentais. Ambos os atributos correspondem a fenômenos contratransferenciais, que interferem na compreensão, interpretação e conduta do analista (Racker, 1958-1982). A bidirecionalidade da experiência vivenciada entre psicoterapeuta e paciente (Heimann, 1950Heimann, P. (1950). On counter-transference. International Journal of Psycho-analysis, 31, 81-84. Recuperado de: https://www.pep-web.org/document.php?id=ijp.031.0081a
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), considerando o grau das emoções emergentes na relação psicoterapêutica, dificulta o raciocínio do terapeuta, conforme mencionado pelos entrevistados: “É... e também de uma menina, que ela só foi em uma sessão e a história dela era muito parecida com a minha! E aquilo... me, me deixou encucada durante semanas!!” (E7). O participante E6 relata: “Ela começou a falar e eu tentando manter a postura. Ela falando e falando... E eu: gente... esse sou eu falando, sou eu!! E realmente, é muita coisa no discurso dela, meu, e eu pensando... X, sossega, não vai contratransferir [...]”.

Inclusive teve um outro atendimento, que foi no segundo atendimento que eu vim pra atender ela, que eu cheguei num ponto, que eu vomitei antes do atendimento. E foi uma sensação bem... desprazerosa, bem, bem ruim mesmo. Eu sabia que, que era uma coisa interna minha, que sentia em relação ao atendimento (E22).

Os entrevistados reconhecem que se sentem afetados pelos conteúdos trazidos pelos pacientes na relação transferencial. Reações corporais, tais como dores no corpo e vontade de vomitar foram palavras utilizadas pelos psicoterapeutas-aprendizes para se referirem à forma como se sentiam mobilizados na relação, as quais correspondem a elementos inconscientes, denominados como emoções, de acordo com a perspectiva neuropsicanalítica (Soussumi, 2003Soussumi, Y. (2003). Uma experiência prática de psicanálise fundamentada pela neuropsicanálise. Revista Brasileira de Psicanálise, 37(2-3), 573-596.). A percepção destes aspectos advém, predominantemente, a posteriori, isto é, por meio das discussões dos casos em supervisão ou na terapia pessoal (Aguirre, 2000Aguirre, A. M. B. (2000). A primeira experiência clínica do aluno: ansiedades e fantasias presentes no atendimento e na supervisão. Revista Psicologia-Teoria e Prática, 2(1). Recuperado de:http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/view/1116/825.
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; Lopes & De Castro, 2018Lopes, J. D. S. S., & De Castro, R. C. (2018). De estagiário à psicoterapeuta: sobre a descoberta de um novo lugar. Quaderns de Psicologia, 20(2). Recuperado de:https://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/v20-n2-lopes-castro
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; Racker, 1958-1982), conforme ilustram as seguintes vinhetas: “Com ele também, eu tô na décima sessão. Hoje já é a décima sessão e somente na última supervisão que eu fui enxergar coisas minhas nesse atendimento” (E13).

Na prática eu, alguns dias eu acho bem cansativo sabe assim, porque... até esses dias eu falei mesmo pra minha supervisora... ‘ai professora eu tô enf... eu fiquei enfadada sabe de ouvir aquela mesma história...’. Mas aí eu comecei a levar pra minha análise né. Então daí é que as coisas vão fazendo o movimento completo né, daí você vai recebendo da clínica e eu vou levando pra minha análise, daí eu identifiquei assim, é coisas que eu não tinha é percebido sozinha e foi a minha analista que me ajudou a perceber assim (E18).

A forma como os entrevistados consideram adequada, para se resguardarem dos efeitos da turbulência emocional vivenciada durante os atendimentos, relaciona-se à necessidade de separação entre os aspectos emocionais que pertencem ao paciente e ao psicoterapeuta-aprendiz, sendo que nestes casos o distanciamento emocional entre a vivência da dupla era referido como uma prerrogativa, tal como mencionado pela entrevistada E2: “Eu me vejo um pouco na história dela, entendeu? Mas eu tento... diferenciar que... ela é ela, eu sou eu, não deixo misturar as coisas, mas eu não... Eu fico, tento manter tranquilidade”.

Nesta categoria observou-se como as emoções vivenciadas pelos psicoterapeutas-aprendizes relacionam-se a elementos contratransferenciais, sendo pertinente ressaltar que o termo contratransferência foi utilizado por somente três entrevistados ao longo de todas as 27 entrevistas. As formas como eles demonstram suas reações a partir da relação transferencial dos pacientes são manifestadas pela via da identificação, considerada uma via ‘menos comprometedora’, para falar daquilo que emerge deles na relação psicoterapêutica. Mas por que esta via seria mais aceitável? Possivelmente, a partir da identificação os psicoterapeutas-aprendizes se aproximem de suas questões subjetivas, cujo efeito possibilitaria indagações sobre si mesmos, que tanto podem reverberar para uma abertura para o inconsciente (próprio e/ou do paciente), quanto para um fechamento, por meio de racionalizações ou uma tentativa de controle da situação.

Percepção das próprias emoções

Ao serem questionados sobre as emoções percebidas em si mesmos, os psicoterapeutas-aprendizes demonstraram dúvidas e confusões sobre as próprias emoções, explicitadas nos fragmentos: “Como assim? No momento ali do atendimento?... Mas em que sentido?... no... no geral? Se eu tenho alguma emoção quando a pessoa tá falando alguma coisa? É isso?” (E21). A entrevistada E27 relata: “Fico muito focada naquele momento, então... nun... nunca tinha parado pra pensar muito no que eu sinto lá naquela hor... naquele momento, porque parece que fico muito ligada no que ele tá trazendo assim [...]”.

As emoções que eu sinto...? As emoções que eu percebo em mim mesmo... Olha... essa pergunta que... ....eu acho um pouco difícil de responder porque... não tinha parado pra pensar nisso, as emoções que eu possa estar sentindo na clínica... ....mas... às vezes... eu acho que eu fico sem reação, eu acho que eu sssssint... não sei se eu consigo perceber. Eu acho que... eu acho que essa não dá... não consigo te responder (E14).

As interrogações dos entrevistados levam a refletir sobre outras questões: como explicar esta ‘cegueira emocional’? Quais seriam os motivos alegados pelos psicoterapeutas-aprendizes para a surpresa diante desta pergunta? Em suas justificativas os entrevistados alegam estarem focados somente no paciente, em detrimento de si mesmos ou de nunca terem parado para pensar sobre as próprias emoções presentes nos atendimentos clínicos. Tal fato demonstra a preponderância do foco intrassubjetivo em detrimento da perspectiva intersubjetiva inerente à relação psicoterapêutica (Racker, 1958-1982Lopes, J. D. S. S., & De Castro, R. C. (2018). De estagiário à psicoterapeuta: sobre a descoberta de um novo lugar. Quaderns de Psicologia, 20(2). Recuperado de:https://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/v20-n2-lopes-castro
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). Ao mesmo tempo, a questão da formação acadêmica, incluindo a variedade de abordagens, é mencionada como um elemento que influencia o olhar sobre as vivências emocionais na clínica psicanalítica:

Ah, eu acho que não tem emoção específica assim, até porque... é... tem abordagens que são um pouco mais diferentes quanto à isso... Mas eu não sei, eu, eu tento compartilhar assim essas emoções do... mais do que vem do paciente, não algo que surge em mim, até porque... você se permitir sentir pelo outro no momento como terapeuta não vai ajudar (E5).

No exercício dos atendimentos clínicos os estudantes vivenciam também as repercussões das dimensões teóricas e práticas (Silva et al., 2017Silva, J. A. P., Coelho, M. T. Á. D., & Pontes, S. A. (2017). Psicanálise e universidade: a experiência do estágio em psicologia clínica com orientação psicanalítica. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 6(1), 44-49. Recuperado dehttps://www5.bahiana.edu.br/index.php/psicologia/article/view/1065
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) e o olhar sobre as emoções emerge como um atributo descontextualizado (Andrade et al., 2016Andrade, A. S., Tiraboschi, G. A., Antunes, N. A., Viana, P. V. B. A., Zanoto, P. A., & Curilla, R. T. (2016). Vivências acadêmicas e sofrimento psíquico de estudantes de psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(4), 831-846. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-3703004142015), dependendo da abordagem psicanalítica (Kern & Luz, 2017Kern, C., & Luz, A. K. (2017). A psicanálise no contexto da clínica escola. Revista de Ciências Humanas, 51(1), 250-268. Recuperado de:https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2017v51n1p250/34484
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). Por outro lado, os entrevistados que nomearam as emoções percebidas em si mesmos demonstram dificuldades para discernir entre as vivências emocionais inerentes a eles ou aos pacientes, conforme ilustram as seguintes vinhetas: “Às vezes eu fico, sinto raiva, que daí às vezes eu não sei se é raiva do paciente ou se, se ele tá com raiva e tá transmitindo aquilo pra mim, né ele passado assim” (E10).

[...] Ai... eu... eu acho assim, é tip..., é eu já falei né, da... um pouco dessa irritabilidade assim... Mas eu fico com, é... eu me sinto, eu me compadeço sabe. Eu não sei se, se existe outro nome pra usar, eu fico com... eu sinto dó!. Eu não tinha me dado conta desse...de que eu tava sendo afetada, igual eu te falei. Eu tive uns sonh... eu tive uns sonhos assim... relacionados a criança, à família e daí eu levei na minha análise (E18).

As diferentes modalidades de respostas presentes nesta categoria evidenciam interessantes movimentos acerca da percepção das próprias emoções. As vivências referidas pelos entrevistados sinalizam que na relação psicoterapêutica aquilo que emerge dos psicoterapeutas-aprendizes representa algo ainda não pensado e refletido ou um perigo, como se aquilo que emergisse deles no encontro clínico precisasse ficar a parte, isolado e separado, denotando um possível risco de misturarem-se ou confundirem-se na relação.

Estas narrativas indicam que a compreensão das emoções vivenciadas nos atendimentos clínicos são elementos a serem ainda elaborados (Cézar & Jucá-Vasconcelos, 2017Cézar, A. T., & Jucá-Vasconcelos, H. P. (2017). Sensações, sentimentos e emoções: uma articulação com a gestalt-terapia. Revista Presença, 2(7), 54-64. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-25262016000100002&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Soussumi, 2003Soussumi, Y. (2003). Uma experiência prática de psicanálise fundamentada pela neuropsicanálise. Revista Brasileira de Psicanálise, 37(2-3), 573-596.). O processo de psicoterapia pessoal (Pereira & Kessler, 2016Pereira, N. M., & Kessler, C. H. (2016). Reflexões acerca de um início: psicanálise e clínica na universidade. Psicologia em Revista, 22(2), 469-485. DOI: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2016V22N2P469
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) e as supervisões clínicas (Brandt, 2017Brandt, J. A. (2017). Supervisão em grupo da prática clínica psicanalítica: algumas reflexões. Vínculo, 14(1), 1-10. Recuperado de:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1806-24902017000100006&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? sc...
; Lopes & De Castro, 2018Lopes, J. D. S. S., & De Castro, R. C. (2018). De estagiário à psicoterapeuta: sobre a descoberta de um novo lugar. Quaderns de Psicologia, 20(2). Recuperado de:https://www.quadernsdepsicologia.cat/article/view/v20-n2-lopes-castro
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; Silva et al., 2017Silva, J. A. P., Coelho, M. T. Á. D., & Pontes, S. A. (2017). Psicanálise e universidade: a experiência do estágio em psicologia clínica com orientação psicanalítica. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 6(1), 44-49. Recuperado dehttps://www5.bahiana.edu.br/index.php/psicologia/article/view/1065
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) poderiam beneficiar tal compreensão.

Porém, este estudo revelou que apesar destes elementos permearem o processo de formação, os intercâmbios emocionais vivenciados na clínica psicanalítica envolvem movimentos, transformações e desconstruções necessárias em nível teórico, metodológico, pessoal, uma vez que o encontro com o outro, com o inconsciente envolve aspectos desconhecidos, cujo consenso não se impõe como prerrogativa. Convém ressaltar que o processo psicoterápico do próprio psicoterapeuta-aprendiz não é considerado como condição necessária para a formação no contexto acadêmico, mas o percurso pela complexidade da própria mente, pelas dimensões inusitadas de si mesmo certamente enriqueceriam o psicoterapeuta-aprendiz, não no sentido de lhe dar certezas ou verdades, mas de abrir-se para o desconhecido.

Considerações finais

Por meio dos resultados deste estudo observamos que os psicoterapeutas-aprendizes transitam também a partir de suas próprias emoções ao realizar os atendimentos na clínica psicanalítica. A ansiedade, o medo, a insegurança e o nervosismo demarcam dificuldades que emergem a partir do encontro com o outro, do qual eles dificilmente saem ilesos: misturam-se e confundem-se nas amarras das histórias contadas e escutadas.

Falar sobre a percepção das próprias emoções, quando se percorre todo um trajeto durante a graduação, em que o ouvido atento para o outro prepondera nos ensinamentos, causa espanto e desconcerta. A presença marcante e necessária do supervisor para compreender as sutilezas e estranhezas do encontro clínico e, sobretudo, das emoções vivenciadas pelos psicoterapeutas-aprendizes parece ser o sustentáculo para a elaboração destas vivências. Assim, o diálogo que transcorre na clínica psicoterapêutica psicanalítica constitui-se por uma comunicação que envolve muito mais do que somente duas pessoas. A experiência psicoterapêutica é amplificada pelos múltiplos personagens que emergem e compõem esta relação. O entrelaçamento das histórias contadas e escutadas, em tempos por vezes indeterminados, intrincados entre passado, presente e futuro, em que realidade e fantasia integram a paradoxal arquitetura clínica, convoca o psicoterapeuta-aprendiz a indagar-se sobre os significados e sentidos das próprias vivências emocionais.

O estudo possibilitou também direcionar o olhar para a contratransferência e suas ressonâncias por meio das emoções vivenciadas pelos psicoterapeutas-aprendizes. Apesar da formação do psicoterapeuta na clínica psicanalítica fundamentar-se em todo um constructo teórico-metodológico, sob o vértice dos principais pilares da psicanálise designados pela relação transferencial e contratransferencial, observa-se que estas coordenadas carecem de orientação intimamente ligada às repercussões da vivência emocional do psicoterapeuta-aprendiz. Não aquela que se refere a um constructo conceitual, mas sobretudo à experiência sensorial, dos estados do corpo e da mente, que transitam constantemente nas verdades contadas e sentidas na prática clínica.

Assim como qualquer estudo, este igualmente apresenta limitações, visto que nossos protagonistas se encontravam, cada qual, em fases distintas dos atendimentos clínicos. Alguns vivenciavam a experiência dos atendimentos psicoterápicos pela primeira vez, enquanto outros já haviam passado pela experiência em anos anteriores. De modo semelhante, não é possível contar com uma convergência na formação em clínica psicanalítica, uma vez que os entrevistados eram graduandos de quatro instituições de ensino diferentes. Apesar disto, as riquezas dos diversos relatos trouxeram-nos um panorama acerca das experiências dos psicoterapeutas-aprendizes, cuja heterogeneidade enriqueceram as reflexões.

Ao finalizar o estudo convém refletir sobre a transmissão da psicanálise nas universidades, tanto do ponto de vista teórico quanto prático. Aspecto delicado, pois diz respeito à série de fatores no âmbito institucional, curricular e da formação dos docentes. Longe de pensar em algo da ordem da completude, há necessidade de fomentar pesquisas sobre possíveis fissuras que interferem na formação do psicoterapeuta-aprendiz. Nesse sentido, investigações que enfocam a vivência dos psicoterapeutas-aprendizes e dos supervisores, assim como estudos longitudinais realizados com egressos de estágios em clínica psicanalítica, poderiam contribuir de forma singular para novas reflexões.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2019
  • Aceito
    30 Abr 2021
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