Acessibilidade / Reportar erro

PSICANÁLISE, PRECARIEDADE E IDENTIDADE NA ATUALIDADE

PSICOANÁLISIS, PRECARIEDAD E IDENTIDAD EM LA ACTUALIDAD

RESUMO.

Baseado nas teorias de Foucault e de Butler sobre poder, norma e sujeito, este artigo pretende problematizar o recurso dos sujeitos à identidade na atualidade e os seus desdobramentos para a clínica psicanalítica. Defenderemos que, por um lado, a identidade representa uma sujeição às normas e tem um efeito encarcerador e mascarador de desejos, mas, por outro, pode ser importante enquanto proteção contra o desamparo. Diferenciaremos, a partir de Butler, precariedade (condição universal, compartilhada) de precarização (condição produzida pela distribuição social diferencial da condição de precariedade) e apresentaremos a hipótese de que, quanto maior o grau de precarização de um sujeito, mais importantes o apego e o reconhecimento identitários. Abordaremos especificamente o tema das identidades trans, por sua radicalidade no que diz respeito à condição precária e à busca de reconhecimento. Por fim, recorreremos ao conceito de feminilidade do final da obra de Freud enquanto dispositivo de escuta clínica que permita a transformação de cristalizações identitárias no sentido do novo, do singular e das múltiplas identificações.

Palavras-chave:
Psicanálise; precariedade; identidade

RESUMEN.

Basado en las teorías de Foucault y Butler sobre el poder, la norma y el sujeto, este artículo pretende problematizar el apego de los sujetos a la identidad en la actualidad y sus consecuencias para la clínica psicoanalítica. Argumentaremos que, por un lado, la identidad representa una sujeción a las normas y tiene un efecto de encarcelamiento y enmascaramiento del deseo, pero por otro lado puede ser importante como protección contra el desamparo. Diferenciaremos, a partir de Butler, la precariedad (condición universal, compartida) de la precarización (condición producida por la distribución social diferencial de la condición de precariedad) y presentaremos la hipótesis de que cuanto mayor es el grado de precariedad de un sujeto, más importantes son el apego y el reconocimiento identitarios. Abordaremos específicamente el tema de las identidades trans debido a su radicalidad con respecto a la condición precaria y la búsqueda de reconocimiento. Finalmente, recurriremos al concepto de feminidad del trabajo final de Freud como dispositivo de escucha clínica que permite la transformación de cristalizaciones identitarias en el sentido del nuevo, del singular y de las identificaciones múltiples.

Palabras clave:
Psicoanálisis; precariedad; identidad

ABSTRACT.

Based on Foucault's and Butler's theories about power, norm and subject, this article intended to problematize the subjects’ attachment to identity in the current time and its consequences for the psychoanalytic clinics. We argued that, on the one hand, identity represents a subjection to norms and has an incarcerating and masking effect of desires, but on the other hand, it can be important as a protection against helplessness. We distinguished, with Butler, precariousness (a universal, shared condition) from precarity (a condition produced by the differential social allocation of the precarious condition) and hypothesized that the higher the degree of precariousness of a subject, the more important the identity attachment and recognition. We specifically addressed the theme of trans identities, because of its radicality regarding the precarious condition and the search for recognition. Finally, we used the concept of femininity at the end of Freud's work as a clinical listening device that allows the transformation of identity crystallizations towards the new, the singular and the multiple identifications.

Keywords:
Psychoanalysis; precariousness; identity

Introdução

Michel Foucault nos ensina em muitos de seus textos que a psicanálise é um campo de práticas e saberes atravessado por jogos de poder e verdade. Isso significa que os enunciados que nós, psicanalistas, entendemos como verdadeiros e a partir dos quais ouvimos nossos pacientes são normas e, portanto, configuram formas de normalidade e desvio e produzem subjetividade. Ou seja, atos, interpretações, diagnóstico, direção do tratamento, tudo isso tem efeitos significativos sobre como os pacientes vão se pensar, imaginar suas possibilidades de escolha, de ação no mundo, de relação consigo mesmos e com o outro.

Dito de outro modo, a clínica psicanalítica está sempre imersa em um sistema normativo. Mas isso não equivale a afirmar que ela necessariamente reforce as normas vigentes em uma cultura. Ao contrário, como propõe Judith Butler, as normas sempre podem ser ressignificadas, transformadas, e a transgressão, inclusive, só é possível de dentro desse sistema.

No contexto social e político atual, de aumento do conservadorismo e acirramento de intolerâncias, refletir sobre temas como precariedade, identidade, reconhecimento e seus desdobramentos na clínica, nos parece tarefa fundamental. Se não é possível sairmos de um sistema normativo, a aposta aqui é que possamos transformar as normas no sentido do acolhimento das diferenças e em oposição aos seus efeitos encarceradores e excludentes. Nesse sentido, a clínica, que entendemos ser inseparável da política, pode ser espaço de resistência, por positivar as experiências singulares de sujeitos considerados desviantes pela sociedade.

O artigo está dividido em quatro partes. Na primeira, abordaremos, a partir de Foucault e de Butler, os temas da norma, do poder, da produção de subjetividade e da posição da psicanálise no sistema normativo. Na segunda, nos debruçaremos sobre as articulações entre precariedade, precarização e identidade, e as questões que colocam para a clínica. Em seguida, abordaremos o tema das identidades trans, por sua radicalidade no que diz respeito à condição precária e à busca de reconhecimento do outro. Por fim, enfocaremos a clínica e a feminilidade enquanto dispositivo que permita uma escuta singular dos pacientes, para além das identidades.

Antes de iniciarmos este percurso, afirmamos nossa aposta no diálogo interdisciplinar como condição do pensamento psicanalítico na atualidade, sem que isso signifique que a psicanálise perca, com o diálogo, sua especificidade teórica. Neste texto, levaremos em conta a interpelação trazida por autores do campo filosófico, como Foucault e Butler, cujo pensamento também é afetado pela psicanálise e, inclusive, se apropria e conversa com seus conceitos.

Norma, poder, sujeito

No pensamento foucaultiano, sujeito, norma e poder são elementos que devem ser entendidos sempre em relação entre si. O sujeito não é o outro do poder, e sim um dos seus primeiros efeitos. O poder transforma indivíduos em sujeitos (Foucault, 1983Foucault, M. (1983). The Subject and Power. In H. Dreyfus & P. Rabinow. Michel Foucault: beyond structuralism and hermeneutics (p. 208-226). Chicago, IL: University of Chicago Press.). Isso significa que o sujeito não existe em si, mas é constituído pelo poder, ou, ainda, pelo regime de verdade produzido plo poder de sua época, regime que muda de uma sociedade para outra.

Regime de verdade nada mais é que a norma, como esclarece Foucault (2010Foucault, M. (2010). Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, SP: Martins Fontes. Publicado originalmente em 1997.). Ou seja, as normas funcionam como leis de verdade (ainda que leis aqui não remetam a regras jurídicas ou ao campo do direito), definindo códigos de normalização aos quais todo sujeito se submete e a partir dos quais entende seu corpo, gestos, discursos e desejos.

Afirmar que o sujeito é um dos efeitos primeiros do poder não implica em colocá-lo, porém, em uma posição passiva, de submissão muda ao poder. Esse postulado aponta, antes, para a historicidade da subjetividade e para a impossibilidade de se conceber um sujeito anterior ou fora da norma e das relações de poder. Além disso, como o próprio Foucault (2010Foucault, M. (2010). Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo, SP: Martins Fontes. Publicado originalmente em 1997.) desenvolve em seu texto, o sujeito é, ao mesmo tempo e na medida em que é efeito do poder, seu intermediário. Isto é, o poder transita pelo sujeito que constitui.

Vale lembrar que o próprio conceito de poder em Foucault é positivo e produtivo, e não negativo e repressivo, indo além da concepção jurídica da lei que proíbe e diz ‘não’. Como explica Deleuze (2006Deleuze, G. (2006). Foucault. São Paulo, SP: Brasiliense. Publicado originalmente em 1988.), o poder não age nem por ideologia (iludindo), nem por violência (reprimindo), e sim produzindo realidade e verdade. Para considerar o poder repressivo, seria preciso admitir a existência no sujeito de uma parte a-histórica, que seria reprimida e reduzida ao silêncio. Se acreditamos, ao contrário, que o sujeito é ‘totalmente’ histórico, construído historicamente, o poder é uma rede produtiva que atravessa os corpos, os investe e transforma.

Para Foucault, o poder é, então, um conjunto de forças que estão em todo lugar, em diferentes níveis, inclusive dentro do próprio sujeito; daí o termo ‘microfísica do poder’ (2007Foucault, M. (2007). Microfísica do poder(24a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Graal. Publicado originalmente em 1979.), título de um de seus livros.

Partindo das concepções foucaultianas de poder, norma e sujeito, Judith Butler (2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997.) também argumenta, em A vida psíquica do poder, que, para nos tornarmos sujeitos, nos subordinamos ao poder, o que equivale à internalização das normas. Ela mostra o paradoxo presente no processo de subjetivação, na medida em que designa tanto o devir do sujeito como sua sujeição ao poder.

Esse modo de entender a subjetivação aponta para o fato de que somos constituídos a partir do assujeitamento ao outro e temos por isso uma vulnerabilidade primária para com ele (vulnerabilidade que será explorada no próximo item). Isso nos coloca em uma posição sempre interpelados e interpelando o outro, interpelação atravessada pelo sistema normativo.

Butler ainda defende que, como a sujeição ao poder é a condição de possibilidade contínua do sujeito, há mesmo um desejo, um apego à norma, que seria um desejo prévio pela existência social, mesmo que essa sujeição implique no tolhimento do próprio desejo do sujeito. Desse modo, muitas vezes o sujeito prefere aceitar certas categorias sociais, ainda que funcionem a serviço da sujeição, a não ter existência social alguma.

Fadado a buscar o reconhecimento de sua própria existência em categorias, termos e nomes que não criou, o sujeito busca o sinal de sua própria existência fora de si, num discurso que é ao mesmo tempo dominante e indiferente. As categorias sociais significam, ao mesmo tempo, subordinação e existência (Butler, 2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997., p. 29).

Nessa citação, ao mencionar ‘categorias, termos e nomes’, Butler já introduz a temática da identidade, entendida por ela como a forma psíquica assumida pelo poder, ou o ideal normativo inculcado no sujeito. O processo de subjetivação envolve a produção discursiva de identidades. Retomando Foucault (1987Foucault, M. (1987). Vigiar e punir (32a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. Publicado originalmente em 1975.) em Vigiar e punir, Butler argumenta que a identidade é uma espécie de ‘cativeiro psíquico’. Seu efeito encarcerador é mais importante que o encarceramento em si, físico, da prisão, porque leva a pulsão a se voltar contra si mesma, produzindo a consciência, a reflexividade e a avaliação de si.

Contudo, mais uma vez em convergência com a teoria foucaultiana, que entende que o poder não constitui unilateralmente o sujeito e que resistências podem então se dar no campo das relações de poder, Butler (2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997.) acredita na possibilidade de a sujeição se tornar um lugar de alteração e de ressignificação das normas. Mais do que isso, e por mais paradoxal que possa parecer, é da posição de subordinação que a ação subversiva pode emergir.

Assim, se por um lado o poder confere existência ao sujeito, por outro é exercido e reiterado no agir do sujeito, dependendo inclusive dessa reiteração para que suas condições de poder, que não são estáticas ou estruturais, persistam. E ao ser assumido pelo sujeito (assumir não significa reproduzir mecanicamente), o poder corre o risco de tomar outra forma e direção: ele constitui ao mesmo tempo o sujeito e a condição de desconstituição do sujeito.

Há, portanto, uma ambivalência que constitui o sujeito e não pode ser eliminada: a de ser simultaneamente sujeito ao poder e sujeito do poder. O sujeito não nasce sem poder, é obrigado a reiterar a norma para existir, mas o poder é também um instrumento de vir a ser desse sujeito e, no decorrer dessa reiteração, pode haver dissimulações e inversões do poder e da norma. Uma norma pode ser transformada inclusive naquilo que se opõe aos seus propósitos iniciais.

Ou seja, por mais que o sujeito seja obrigado a repetir as normas, dependa dessa repetição para não ter ameaçadas as suas condições de existência, repetições ousadas, arriscadas, podem levar à ressignificação das normas. Butler (2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997.) dá o exemplo do uso subversivo do termo queer: inicialmente usado de modo pejorativo para insultar homossexuais, queer foi positivado e ressignificado por seus teóricos, passando a descrever práticas sexuais subversivas, não heterossexuais. Trata-se, portanto, de um uso progressista do termo, mas que exige e repete o uso reacionário, e só assim consegue promover uma ‘reterritorialização subversiva’.

Esse exemplo mostra como não é possível ao sujeito simplesmente se desfazer da identidade ou do nome injurioso. Pelo apego inevitável à existência e porque o termo que causa injúria é também o que o constitui socialmente, ele é levado a aceitá-lo. Mas é também apenas por ocupar esse termo injurioso que o sujeito pode resistir e se opor a ele, reformulando o poder.Trata-se de tomar a própria sujeição como mobilização contra a sujeição.

Ao abordar a temática do binarismo sexual e de gênero, historicamente construído, Butler (2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira . Publicado originalmente em 1990.) também entende que as possibilidades de o subverter devem operar a partir do interior do sistema normativo, no campo das relações de poder. Mais uma vez, não há escolha entre repetir ou não os atos ou performances de gênero, só se escolhe o modo como se repete. Se o gênero é mantido em sua estrutura binária por meio da repetição de performances, a subversão consiste, então, em uma repetição disruptiva, perturbadora, que desestabilize as categorias naturalizadas. “Se a subversão for possível, será uma subversão a partir de dentro dos termos da lei, por meio das possibilidades que surgem quando ela se vira contra si mesma e gera metamorfoses inesperadas” (Butler, 2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira . Publicado originalmente em 1990., p. 139).

Na subversão, o binário precisa ser tanto pressuposto como multiplicado, a ponto de não fazer mais sentido. Herculine Barbin, hermafrodita sobre cujo diário Foucault (1982Foucault, M. (1982). Herculine Barbin: o diário de um hermafrodita. Rio de Janeiro, RJ: F. Alves.) se debruçou, é um dos exemplos dados por Butler (2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira . Publicado originalmente em 1990.) dessa subversão que ao mesmo tempo se apropria dos termos binários e os faz proliferar, desorganizando as regras do sistema sexo/gênero/desejo. A confusão e a ambiguidade sexuais, bem como a presença da hétero e da homossexualidade em Herculine, desafiam a capacidade descritiva das categorias sexuais disponíveis, operando como lugar de denúncia e deslocamento dessas categorias.

Desse modo, após esse percurso pelas teorias de Foucault e de Butler sobre as articulações entre poder, norma e sujeito, fica claro que tanto nós, psicanalistas, quanto nossos pacientes estamos imersos e atravessados por relações de poder, participamos e induzimos processos de subjetivação, nos quais normas são repetidas e reiteradas. A própria clínica, portanto, acontece na trama dos jogos de poder e verdade.

É comum ouvirmos psicanalistas hoje defenderem que deveríamos ter uma escuta não normativa ou que deveríamos suspender as normas no setting analítico para garantir que receberíamos melhor, sem ‘julgamentos normativos’, os pacientes, sobretudo os que ocupam posições marginalizadas na sociedade. Esse uso do termo ‘não normativo’ parece corresponder à noção de atenção flutuante, recomendada por Freud (1996bFreud, S. (1996b). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. XII). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1912.) como modo ideal para o analista escutar o analisando. Correspondente à regra da associação livre proposta ao analisando - que ele fale livremente o que lhe vier à cabeça sem omitir pensamentos, mesmo que pareçam irrelevantes, absurdos ou desagradáveis -, a atenção flutuante indicada ao analista implica que ele deixe em suspenso opiniões pessoais, preconceitos, pressupostos teóricos, e assim por diante, para que sua atividade inconsciente também funcione o mais livremente possível.

Aqui é importante refinarmos os argumentos e atentarmos para os termos usados. Antes de mais nada, não é possível falarmos em escuta psicanalítica fora, aquém ou além das normas, mesmo que o analista siga a regra da atenção flutuante. Toda escuta está inserida em um campo normativo, no sentido de que nossos ouvidos, nosso corpo, nosso psiquismo, e até mesmo nosso inconsciente, como diz Butler (2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997.), são marcados pela norma, não existem fora do poder.

Isso não significa, porém, que não possamos, analistas e pacientes, ainda que ocupando posições diferenciadas no campo transferencial, fazer repetições arriscadas da norma - é essa a nossa aposta. Não é justamente a uma ‘reterritorialização subjetiva’, expressão de Butler, que uma análise almeja conduzir o paciente? O fato de a clínica estar imersa em um sistema normativo faz dela um lugar de subversão, de resistência ao assujeitamento, já que a condição de possibilidade de transformar a norma é estar em seu interior e repeti-la de maneiras inesperadas.

No que diz respeito às teorias que embasam nossa prática, novos dispositivos, conceitos, referenciais teóricos, ou seja, novas normas podem ser criadas e fazer frente aos modos de subjetivação hegemônicos que dividem os sujeitos em inteligíveis e ininteligíveis e produzem tanto sofrimento e violência. Mas para isso é necessário que entendamos as categorias e os construtos psicanalíticos como normas, e não como leis a-históricas, imutáveis.

A existência de um site francês que disponibiliza uma lista de psysafes3 3 https://psysafeinclusifs.wixsite.com/psysafe reúne psicoterapeutas e psiquiatras que se descrevem como ‘situados’, assumindo ‘um enquadre politicamente não neutro’: levam em conta a realidade social opressora - contra mulheres, sujeitos queer e trans, trabalhadoras do sexo, etc. - e se comprometem a não repetir no consultório atitudes e discursos preconceituosos ou patologizantes, garantindo um acolhimento mais ‘seguro’ a esses pacientes. (Santos & Polverel, 2016Santos, B., & Polverel, E. (2016). Procura-se psicanalista segurx.: uma conversa sobre normatividade e escuta analítica. Lacuna: Uma Revista de Psicanálise, (1), 3.) e a busca por esses profissionais, por mais complexo e suscitador de questões que possa ser o fenômeno, talvez revele justamente a tentativa de analistas se diferenciarem de (e de pacientes evitarem o encontro com) analistas que pensam a psicanálise a partir de leis, e não de normas.

Sabemos, por exemplo, que foi pela convocação de conceitos da psicanálise tidos como leis garantidoras da ‘ordem simbólica’ (como os de diferença sexual e função paterna) que alguns psicanalistas franceses se posicionaram no final da década de 1990 contra o Pacto Civil da Solidariedade, que permite a união de duas pessoas do mesmo sexo. Esse acontecimento mostra como a imersão da psicanálise em uma ‘microfísica do poder’ pode reforçar certas normas e dessa maneira limitar as perspectivas e possibilidades de escolha, experiência, desejo e afeto dos indivíduos. O mesmo pode ocorrer na clínica, e é contra isso que nos posicionamos aqui.

Identidade, reconhecimento, precariedade

Prosseguindo na reflexão, adentramos agora em um tema atual e que suscita muitas questões, dada a sua complexidade: a identidade. Na verdade, o conceito de identidade não pertence à terminologia própria da psicanálise e o uso do termo por Freud normalmente quer dizer igualdade ou equivalência entre elementos no campo da realidade psíquica, sem chegar a designar um processo, mecanismo ou fenômeno específico (Cunha, 2000Cunha, E. (2000). Uma interrogação psicanalítica das identidades. Caderno CRH (UFBA), 33(1), 209-228.). Ainda assim, seu estudo se justifica pelas repercussões e impasses que a busca e a luta por reconhecimento das identidades coloca para a clínica.

Como vimos no item anterior, Butler (2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997.) entende que a identidade tem efeito encarcerador, funcionando como um ‘cativeiro psíquico’, porque traz a marca das normas, ou, ainda, a marca da sujeição do sujeito às normas.

Se o discurso produz identidade ao prover e impor um princípio regulador que invade completamente o indivíduo, totaliza-o e o torna coerente, então parece que toda ‘identidade’, na medida em que é totalizadora, age precisamente como uma ‘alma que encarcera o corpo’ (Butler, 2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997., p. 92, grifo do autor).

O conceito psicanalítico de inconsciente, por sua vez, é compreendido pela autora como o que pode resistir à norma e exceder os efeitos encarceradores da exigência de se habitar uma identidade coerente. O simples fato de haver uma espécie de resíduo psíquico, de conteúdos recalcados, isto é, rechaçados pela norma, já apontaria para os limites da normalização.

Ou seja, o inconsciente representaria, para Butler, uma resistência à identidade no cerne da vida psíquica. Isso não significa, mais uma vez, que o inconsciente esteja fora das relações de poder ou livre do discurso normalizador. A autora nos lembra, inclusive, de que existem apegos inconscientes à sujeição. “Isso não representa um inconsciente fora do poder, mas sim algo como o inconsciente do poder em si, em sua iterabilidade traumática e produtiva” (Butler, 2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997., p. 112). Nessa passagem, fica clara então a aposta da autora no inconsciente como registro onde pode ocorrer uma repetição inesperada, subversiva, perturbadora da norma.

Em Deshacer el género (Butler, 2004Butler, J. (2004). Deshacer el género. Barcelona, ES: Paidós.), a filósofa recorre ao conceito de pulsão em psicanálise para defender justamente que as normas não exercem um controle definitivo sobre o sujeito e que a pulsão é uma potência para improvisações e deslocamentos dentro do campo normativo.

A postura anti-identitária e a contrapartida de valorização das instabilidades identitárias são marcas importantes dos teóricos queer de modo geral. Por um lado, há a crítica de que as identidades - e eles falam principalmente das identidades de gênero - são disciplinadoras e não favorecem a mobilidade do desejo. Por outro lado, se admite que, embora o rompimento com a identidade possa favorecer o trilhamento de caminhos subjetivos singulares, o não reconhecimento identitário pode trazer muito sofrimento a certos indivíduos.

É por isso que Butler afirma, em entrevista concedida à psicanalista Patrícia Porchat (2010Porchat, P. (2010). Conversando sobre psicanálise: entrevista com Judith Butler. EstudosFeministas, 18(1), 161-170.), que o reconhecimento identitário é uma faca de dois gumes, na medida em que pode matar o desejo em determinadas ocasiões, mas pode facilitá-lo em outras. Em Deshacer el género (2004), ela também reconhece que a busca pela identidade pode fazer parte de um exercício de transformação do sujeito. Nesse momento, está se referindo especificamente às transidentidades. Diz, então, que, embora a teoria queer na maioria das vezes se oponha às reivindicações identitárias, o desejo de se converter em homem ou mulher não deve ser descartado como mero desejo de conformar-se às categorias identitárias estabelecidas.

Ainda nesse texto, Butler (2004Butler, J. (2004). Deshacer el género. Barcelona, ES: Paidós.) nos alerta que precisamos levar em conta que uma vida habitável requer vários graus de estabilidade, isto é, uma vida para a qual não existem categorias de reconhecimento não é uma vida habitável, uma vida considerada vivível, respeitada, legitimada. Podemos defender, então, a partir do pensamento da filósofa, que a organização identitária pode funcionar como uma defesa contra a vulnerabilidade e o não reconhecimento da identidade pode trazer à tona o caráter precário de determinadas vidas.

Em Vida precária e em Quadros de guerra, Butler (2006Butler, J. (2006). Vida precaria: el poder del duelo y la violencia. Buenos Aires, AR: Paidós., 2015Butler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997.) se aprofunda nos temas da precariedade e da hierarquia diferencial do reconhecimento dos sujeitos. Por condição precária (precarity) ou precariedade (precariousness), ela nomeia o fato de que toda vida depende, para se manter, de condições externas (sociais, econômicas, políticas) que tornam uma vida vivível. “Precariedade implica viver socialmente, isto é, o fato de que a vida de alguém está sempre, de alguma forma, nas mãos do outro” (Butler, 2015Butler, J. (2015). Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira . Publicado originalmente em 2009., p. 31).

O conceito de precariedade em Butler se aproxima ao de desamparo em Freud: estado original e constituinte do sujeito, que o coloca, desde o nascimento, em relação com o outro e em dependência dele. Em Projeto para uma psicologia científica, Freud (1996aFreud, S. (1996a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. I). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1895.) aborda o assunto a partir da incapacidade do recém-nascido de realizar, sem a ajuda do outro, a ação específica que põe fim à tensão causada pelas excitações internas. É desse texto a famosa frase de que o desamparo é a fonte primordial de todos os motivos morais. Já no final de sua obra, Freud (1996cFreud, S. (1996c). Inibições, sintomas e ansiedade. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. XX). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1926., 1996dFreud, S. (1996d). O futuro de uma ilusão. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. XXI). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1927., 1996eFreud, S. (1996e). O mal-estar na civilização. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. XXI). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1930.) reafirma o desamparo como condição constituinte da experiência subjetiva, condição temida, que provoca horror e da qual o sujeito busca se proteger.

A precariedade em Butler é, portanto, a condição desamparada compartilhada da vida humana também apontada por Freud, remetendo à dependência do outro e ao fato de cada corpo estar potencialmente ameaçado por outros corpos, também precários. E o problema denunciado por Butler é justamente que essa precariedade não seja reconhecida como compartilhada e, por isso, seja maximizada em alguns e minimizada em outros.

No lugar de um reconhecimento recíproco de precariedade, o que ocorre é que nem todo sujeito conta como sujeito, nem toda vida é qualificada como vida e é passível de lamento e de luto. A consequência é que determinados sujeitos, como os negros, os imigrantes, a população LGBT+, têm sua precariedade maximizada e suas condições de sobrevivência ameaçadas, são privados de direitos e mais expostos à violência e à morte. Sofrem, portanto, a precarização da vida, precarização que resulta de uma distribuição diferencial da condição de precariedade.

E o que determina quais vidas têm sua precariedade reconhecida e quais não têm? Mais uma vez, trata-se de uma produção de mecanismos de poder, trata-se de normas, desenvolvidas historicamente, que atribuem reconhecimento de forma diferenciada. As normas diferenciam, portanto, aqueles que são humanos, com cuja precariedade é possível se identificar, e aqueles que são menos humanos, ou até menos que humanos, cuja precariedade não consegue sequer ser vista e com os quais não é possível, então, identificação alguma.

Fica evidente, assim, a complexidade que a busca de uma identidade e do reconhecimento dessa identidade envolve no mundo contemporâneo, sobretudo quando estamos falando de vidas precarizadas. Como vimos, Butler propõe que o reconhecimento ideal seria o da condição precária comum a todos, que permitiria múltiplas identificações entre os indivíduos, identificações baseadas justamente nessa vulnerabilidade.

Em Vida precária (Butler, 2006Butler, J. (2006). Vida precaria: el poder del duelo y la violencia. Buenos Aires, AR: Paidós.), a autora defende que a identificação, ao contrário da identidade, sempre se baseia na diferença e traz consigo a impossibilidade de se superar a diferença. Há uma diferença interna à identificação, que é também a condição para que ela aconteça. Caso contrário, a identificação desmorona e se perde na identidade.

Porém, se o reconhecimento recíproco da precariedade e as identificações que lhe seriam relativas não acontecem, as categorias identitárias, apesar do efeito encarcerador e mascarador de desejos e diferenças, parecem oferecer segurança e proteção a sujeitos em situação de grande desamparo. Além disso, Butler (2006Butler, J. (2006). Vida precaria: el poder del duelo y la violencia. Buenos Aires, AR: Paidós.) lembra que, em suas últimas entrevistas, Foucault afirmou que a política identitária é produzida por requisitos do Estado liberal, diante do qual é preciso ter uma identidade singular e injuriada para a reivindicação de direitos. Trata-se de tensões e impasses delicados com os quais nos deparamos hoje, na cultura e em nossas clínicas.

Identidades trans

Se toda experiência antinormativa, transgressora, é marcada por uma crise e configura uma situação na qual a dor do desamparo é sentida de modo veemente, com as pessoas trans isso parece ser vivido de maneira ainda mais radical. Ao romper com a norma binária de sexo e de gênero que prevê uma ‘coerência’ necessária entre sexo, identidade de gênero e desejo, elas passam por um complexo processo de reestruturação do corpo e da imagem de si, e também de reorganização identitária.

Nesse momento de rompimento com a norma, o reconhecimento do outro e as alianças (sociais, afetivas, familiares) se configuram como aspectos determinantes para a minimização do desamparo desses sujeitos. Também o recurso à identidade trans parece funcionar, ao lado do apoio e dos laços psicossociais, como um suporte à experiência de desamparo, e talvez também seja compreendida pelos próprios sujeitos como uma condição para haver o seu reconhecimento e aceitação nos espaços sociais.

Como afirma Berenice Bento (2017Bento, B. (2017). A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual (3a ed.). Salvador, BA: Devires.), ser trans oferece uma posição identitária que dá um sentido provisório à vida dos sujeitos. A autora, como Butler, privilegia as identificações, que funcionam como pontos de fixação temporários, relacionados com a contingência da experiência. E se questiona se existe de fato uma identidade trans:

O sujeito é ‘sujeitado’ a posicionar-se em determinada formação discursiva, mas, subjetivamente, vive esse ‘sujeitamento’ na clandestinidade de sua solidão. Reconhecer o conflito entre o corpo e a subjetividade, encontrar um nome para essa sensação, diferenciar-se de gays/travestis/lésbicas, não são evidências que nos autorizem a afirmar a existência de uma ‘identidade transexual’ (Bento, 2017Bento, B. (2017). A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual (3a ed.). Salvador, BA: Devires., p. 212-213, grifo do autor).

Nessa citação, aparece a preocupação da socióloga com a construção de identificações e posições identitárias dos sujeitos trans. A partir da escuta de militantes de coletivos trans na Espanha, ela percebeu que, no processo de construção de sua identidade, eles entendem que devem se aproximar das ‘idealizações de gênero’ (expectativas construídas socialmente para os gêneros masculino e feminino) - parece ser isso que ela chama de ‘sujeitamento’ acima.

Essa ideia exemplifica o paradoxo apontado por Butler (2017aButler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997.) nos processos de subjetivação: ao mesmo tempo em que há o devir do sujeito, há também a sua sujeição ao poder e às normas. No caso dos sujeitos trans, a aproximação de modelos e traços hegemônicos de homem e de mulher, embora possa ofuscar conflitos e desejos próprios, é tida como garantia de existência social nesse momento de ‘renascimento’, de reestruturação da imagem de si. Ou seja, lhes dá segurança no processo de inserção no mundo do outro gênero e é também uma maneira de reduzir a dor e a frustração de quem não se adequa e é excluído da inteligibilidade social.

Ser de um gênero passa necessariamente pelo reconhecimento social desse pertencimento (Bento, 2012Bento, B. (2012). O que é transexualidade?(2a ed.). São Paulo, SP: Brasiliense.). Daí a importância para muitas pessoas trans da passabilidade4 4 A transição de um gênero a outro é muitas vezes considerada satisfatória pelo sujeito trans quando ele é reconhecido socialmente como homem ou mulher. No entanto, a afirmação da condição trans e os impasses do ideal de passabilidade também vêm sendo bastante problematizados pelo movimento trans. , da mudança do nome e do sexo nos documentos, dos tratamentos hormonais e da cirurgia de redesignação sexual, que possibilitaria o ganho de mais “[...] capital de gênero” (Bento, 2017Bento, B. (2017). A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual (3a ed.). Salvador, BA: Devires., p. 216).

Bento (2017Bento, B. (2017). A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual (3a ed.). Salvador, BA: Devires.) também observa os limites que podem ser colocados pelos sujeitos trans em suas experiências sexuais, para que a nova identidade seja confirmada e reconhecida pelo outro. Algumas mulheres trans, por exemplo, contaram à socióloga que não deixam o pênis ser visto ou tocado pelo parceiro para não serem ‘apontadas’ como gays, o que deslegitimaria sua identidade trans.

A psicanalista Jacqueline Rose (2016Rose, J. (2016). Quem você pensa que é? Serrote, 24, 108-146.) também se debruça sobre a complexidade de questões que a identidade e o reconhecimento colocam para as transexualidades, apontando a radicalidade da experiência trans no que diz respeito à condição precária e à necessidade de reconhecimento do outro, compartilhadas por todos nós: “De fato, nenhum ser humano pode sobreviver sem ser reconhecido. Todos precisamos ser vistos para sobreviver. Uma pessoa transexual simplesmente deixa esse fato evidente, expondo a violência implícita nessa verdade banal, a de como dependemos dos outros” (Rose, 2016Rose, J. (2016). Quem você pensa que é? Serrote, 24, 108-146., p. 114).

A autora expõe como, para terem a segurança da identidade, os sujeitos trans se implicam em construir uma história ‘plausível’ sobre si mesmos, precisando muitas vezes mentir sobre seu passado, e acabam impedidos de representar as complexidades, ambiguidades e contradições de suas vivências. Desse modo, diz, a sexualidade fica impossibilitada de ser o que é na maioria das vezes: uma realidade conflituosa. Ela dá o exemplo de um homem trans que conta ter aprendido em sessões de aconselhamento que, para ser considerado real, deve querer ser reconhecido como homem o tempo todo, sem sentir ambivalência em relação a isso.

Essas negociações e concessões são feitas, podemos supor, porque não se ajustar ao que as normas estipulam como sendo as expressões verdadeiras, originais, de cada gênero pode levar ao não reconhecimento dos sujeitos e, então, a uma precarização dessas vidas. Precarização maior ou menor, dependendo das alianças com que contam e das inserções sociais que têm. Quanto mais socialmente vulnerável é um sujeito, menos ele parece poder ‘arriscar’ em suas performances e trânsitos corporais e sexuais.

Já quanto menor o grau de precariedade social, maiores parecem ser as possibilidades de experimentação e de aproximação das sexualidades parodísticas (Butler, 2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira . Publicado originalmente em 1990.), sexualidades queer (Bento, 2004Bento, B. (2004). Transexuais, corpos e próteses. Labrys - Estudos Feministas.) ou multidões queer (Preciado, 2011Preciado, B (2011). Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. EstudosFeministas, 9(1), 11-20.): experiências de trânsitos e embaralhamentos de fronteiras, de reapropriações da feminilidade e da masculinidade na busca de percursos singulares, marcados pela diferença.

É o que faz, por exemplo, Paul B. Preciado (2018Preciado, P. B. (2018). Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo, SP: N-1 edições.), autor queer marcado pelo pensamento de Foucault e de Butler, quando resolve se autoaplicar testosterona durante 236 dias, sem acompanhamento ou prescrição médica, com o objetivo de realizar um experimento político, e não de se transformar em um homem. Por um lado, ele afirma mais de uma vez que sua autointervenção não visa transexualizar o corpo, e sim dissolver a identidade sexual em uma multiplicidade de desejos, práticas, devires, e produzir uma nova plataforma sexual e afetiva, que não seja nem masculina nem feminina. Por outro, reconhece que sua posição de ‘hacker de gênero’ é um ‘luxo político’, por ter pele branca, não precisar sair para procurar trabalho, não depender das burocracias do Estado e não desejar a mudança legal de identidade de gênero. Ou seja, por ter um grau de precarização menor que o de outras pessoas trans, Preciado pode se dar ao luxo de ter as experiências e práticas queer que descreve em seu livro.

No Brasil, a cartunista Laerte também é um bom exemplo de como a menor precarização da vida garante mais possibilidades de se escapar da norma binária de sexo e de gênero. Primeiramente, podemos supor que o próprio reconhecimento como cartunista tem grande importância na minimização de inseguranças e medos em relação à aceitação da nova imagem e à perda de alianças. Além disso, no documentário Laerte-se (Brum & Silva, 2017Brum, E., & Silva, L. (Diretor). (2017). Laerte-se. Rio de Janeiro, RJ: Netflix. Documentário.), fica clara a importância do apoio de sua família ao seu processo de trânsitos e transformações. Talvez por esses motivos, Laerte possa aceitar e conviver com mais tranquilidade com as ambiguidades de seu corpo e não busque, como ela própria afirma no documentário, uma identidade feminina ou qualquer identidade, usando roupas e acessórios ‘femininos’, por exemplo, mas exibindo sem constrangimento o corpo nu ‘masculino’.

Retomando, então, nossa hipótese de que o apego à identidade está articulado à busca de proteção contra a precarização que marca certas vidas, parece importante nos debruçarmos em seguida, e com o cuidado que a questão requer, sobre a insuficiência dessa mesma identidade diante dos complexos e diversos processos de subjetivação percorridos pelos indivíduos.

Entendendo que toda identidade é resultado de uma fixação precária do sujeito a um discurso, Bento (2017Bento, B. (2017). A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual (3a ed.). Salvador, BA: Devires.) sugere que não é possível pensar em uma ‘identidade coletiva transexual’, como se todos compartilhassem as mesmas experiências e sofrimentos. Defende, no lugar dela, uma ‘comunidade de emoções’: outra possibilidade de criação de laços de solidariedade a partir do compartilhamento de insultos, sofrimentos, preconceitos, violências. Essa comunidade de emoções seria, a nosso ver, outra maneira de nos referirmos a traços de identificação baseados na condição precária dos sujeitos de que fala Butler.

Rose (2016Rose, J. (2016). Quem você pensa que é? Serrote, 24, 108-146.) entende que o processo de transição raramente parece gerar, na mulher ou no homem trans, uma confiança inabalável em sua identidade, e sim um questionamento sobre a sexualidade, questionamento que marca todo sujeito e para o qual não há respostas definitivas:

Os padrões da diferença sexual são impiedosos, mas isso não faz com que aqueles que aceitam a norma saibam mais sobre o que acontece sob a superfície do que aqueles que a questionam. Para a psicanálise, é axiomático que, independentemente das certezas que você tem sobre ser homem ou mulher, o inconsciente é que tem a melhor resposta (Rose, 2016Rose, J. (2016). Quem você pensa que é? Serrote, 24, 108-146., p. 128-129).

Se apostamos então que a identidade, enquanto marca da sujeição às normas, não dá conta sozinha dos processos de subjetivação e que é no inconsciente que devemos buscar a ‘melhor resposta’ (sobre os conflitos e desejos próprios de cada sujeito), a clínica psicanalítica se configura como espaço potente de resistência às normas e de emergência de identificações plurais e flexíveis. Vale lembrar que a própria Butler (2004Butler, J. (2004). Deshacer el género. Barcelona, ES: Paidós., 2017aButler, J. (2013). Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira . Publicado originalmente em 1990.) recorre aos conceitos de inconsciente e de pulsão para defender que há em todo sujeito algo que excede os efeitos encarceradores da identidade e que pode então produzir o novo, o inédito, o singular.

Feminilidade

Estamos defendendo aqui que a clínica psicanalítica propicie o surgimento do novo e do singular, como dissemos acima, que favoreça múltiplas identificações e não siga a lógica identitária, que abra espaço para novas formas de subjetivação. A análise deve permitir que o sujeite revise suas normas de existência e invente outras, mais próximas do seu desejo.

Vale lembrar que entendemos a clínica como inseparável da política, indo na contramão do senso comum e de alguns psicanalistas que sustentam - como crítica, com precisão, Jô Gondar (2004Gondar, J. (2004). A clínica como prática política. Lugar Comum (UFRJ), 19(1),125-134.) em A clínica como prática política - uma cisão entre a economia desejante e a economia política (enquanto a clínica trataria dos sofrimentos individuais, os sofrimentos coletivos demandariam a ação política). Trata-se, ao contrário, segundo a autora, “[...] sempre de uma mesma economia, na qual o desejo é político e toda revolta é desejante” (p. 125).

Gondar (2004Gondar, J. (2004). A clínica como prática política. Lugar Comum (UFRJ), 19(1),125-134.) aponta dois vetores que fazem da clínica uma prática política, sendo o segundo consequência do primeiro: seu compromisso com o desejo e o fato de visar uma transformação. A questão em jogo em uma análise é como o desejo pode se produzir diante de práticas de assujeitamento que fecham o campo dos possíveis. Ea transformação visada diz respeito à criação de outros possíveis, de novas maneiras de viver. Isso não significa, porém, que a clínica “[...] é sempre revolucionária, e sim que ela é necessariamente comprometida” (p. 128).

Para que uma prática clínica comprometida aconteça, e lembrando que ela se realiza em uma ‘microfísica do poder’, é preciso que recorramos a dispositivos de escuta que não reforcem os modos de subjetivação hegemônicos em nossa cultura, que engendram a precarização de certos sujeitos. Nossa proposta aqui é a de que o conceito de feminilidade, tal como enunciado por Freud (1996fFreud, S. (1996f). Análise terminável e interminável. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XXIII). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1937.) em Análise terminável e interminável, nos permite ler outro ponto de partida para a compreensão e a escuta das subjetividades (Birman, 2001Birman, J. (2001). Gramáticas do erotismo: a feminilidade e suas formas de subjetivação em psicanálise. Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira., 2006Birman, J. (2006). Genealogia do feminino e da paternidade em psicanálise. Natureza Humana, 8(1), 163-180., 2011Birman, J. (2011). Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação (8a ed.). Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira .).

Embora esse conceito tenha sido enunciado por Freud de maneira indireta e negativa, como espécie de limite biológico da condição humana, podemos interpretá-lo como outro modo de o discurso freudiano se referir à condição desamparada originária do sujeito, de fragilidade e imperfeição, à qual aludimos anteriormente neste texto e que se aproxima do que Butler chama de precariedade ou condição precária, que marca todas as vidas desde o nascimento.

A importância da retomada do conceito freudiano de desamparo para a reflexão sobre o contemporâneo está colocada no campo psicanalítico hoje. Vladimir Safatle (2019Safatle, V. (2019). O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo(2a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica.) entende o desamparo como afeto político central, produtivo, com potencialidades transformadoras no sentido de novos modos de ser afetado e de construir vínculos. O autor defende que, para o sujeito emergir, é preciso antes desamparar-se, mover-se para fora do que promete amparo e individualiza, despossuir-se de predicados que o identificam:

Um corpo político produzido pelo desamparo é um corpo em contínua despossessão e des-identificação de suas determinações. Corpo sem ‘eu’ comum e unicidade, atravessado por antagonismos e marcado por contingências que desorganizam normatividades impulsionando as formas em direção a situações impredicadas (Safatle, 2019Safatle, V. (2019). O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo(2a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica., p. 21, grifo do autor).

É importante esclarecer que, quando usamos feminilidade para nos referirmos à condição desamparada originária do sujeito, impossível de se ultrapassar, não estamos falando de sexualidade feminina. Pelo contrário, o conceito de feminilidade nos interessa justamente porque o entendemos como um outro registro psíquico, diferente do feminino e do masculino concebidos pelo paradigma do falo.

Em nossa leitura, portanto, a feminilidade, em vez de derivada da masculinidade, está na origem do psiquismo e do erotismo de todos nós. A ordem fálica é sempre posterior à feminilidade e é, mais especificamente, um repúdio a ela, um horror produzido pelo registro do desamparo, no qual não é possível se proteger com o falo. Para evitar reconhecer e entrar em contato com essa sua vulnerabilidade fundamental, o sujeito cria, então, emblemas fálicos e narcísicos. Nessa perspectiva, o apego a uma identidade, como discutimos ao longo deste artigo, poderia ser entendido como um exemplo de construção fálica, uma espécie de escudo ou máscara que o sujeito usa em busca de completude, para se defender de sua condição precária.

Em Relatar a si mesmo, Butler (2017bButler, J. (2017b). Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 2005.) defende que a transferência como prática ética não deve exigir que o paciente faça um relato coerente de si e de sua história, porque isso só poderia ser feito de acordo com normas reconhecíveis, impessoais, de narração de uma vida. O relato coerente também segue, a nosso ver, a lógica fálica. A análise deve favorecer interrupções na coerência narrativa e encenações do que não pode ser narrado a partir dessa lógica.

Nesse mesmo sentido, a assunção da feminilidade pelo sujeito em análise implica em se desapegar de referências e cristalizações identitárias e, sob o desamparo, se defrontar com as forças pulsionais que o perpassam, das quais não se pode fugir. A positivação da feminilidade implica, portanto, na valorização do pulsional independentemente das normas, na renúncia a modelos universais de subjetivação. Desse modo, há a abertura a novas, inéditas, possibilidades de subjetivação e identificações, que não se podem conhecer a priori.

Considerações finais

A partir do panorama de questões que trouxemos neste artigo, fica clara a complexidade da discussão sobre os temas da precariedade, da identidade e do reconhecimento. Inspirados pelo pensamento de Foucault e de Butler sobre poder e norma, argumentamos que, na clínica, somos constituídos e intermediamos relações de poder, (re)produzindo discursos e subjetividades. Vimos, no entanto, que a condição para a transformação de certas normas e a produção de novas é justamente agir de dentro, se apropriando do que já existe e parodiando, ressignificando.

Defendemos ainda que o apego a uma identidade, entendida como marca de normas internalizadas, pode funcionar como proteção contra o desamparo. Expusemos também a hipótese, a partir da diferença entre precariedade (condição universal, compartilhada) e precarização (variável produzida socialmente), de que, quanto maior o grau de precarização de um sujeito, mais importante se torna o apego e o reconhecimento identitários, e percorrer um caminho mais singularizado se configura como um ‘luxo’ ou um risco.

A identidade, porém, por seu caráter menos flexível e plural que as identificações, muitas vezes leva a cristalizações que escondem o desejo, as ambiguidades, os conflitos. Nossa proposta, então, a partir da aproximação do conceito de precariedade ao de feminilidade, foi o de um dispositivo de escuta clínica que permita a transformação dessas cristalizações identitárias e aposte no inconsciente e na pulsão como aliados na produção do novo. Não se trata, é claro, de simplesmente se desfazer de uma identidade, até porque isso não seria possível, mas de usar a sujeição às normas a favor da subversão, ou seja, incluir a possibilidade de novos movimentos, experiências e identificações do sujeito.

Sabemos que conseguir permanecer na posição desamparada e suportar a dor que ela provoca é um grande desafio, e talvez também um risco, ainda mais quando se trata de sujeitos que têm sua vulnerabilidade maximizada devido à distribuição diferencial da condição de precariedade em nossa sociedade. No entanto, também sabemos, como defende Butler, que as repetições ousadas e arriscadas das normas são as que podem de fato levar à sua ressignificação e transformação. Assim, nossa aposta é que a assunção da feminilidade pelo sujeito em análise, ainda que experiência de risco, lhe possibilitará traçar um caminho absolutamente singular, construir novas normas de existência e modos de se relacionar no mundo.

Referências

  • Bento, B. (2012). O que é transexualidade?(2a ed.). São Paulo, SP: Brasiliense.
  • Bento, B. (2017). A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual (3a ed.). Salvador, BA: Devires.
  • Bento, B. (2004). Transexuais, corpos e próteses. Labrys - Estudos Feministas
  • Birman, J. (2006). Genealogia do feminino e da paternidade em psicanálise. Natureza Humana, 8(1), 163-180.
  • Birman, J. (2001). Gramáticas do erotismo: a feminilidade e suas formas de subjetivação em psicanálise Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira.
  • Birman, J. (2011). Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação (8a ed.). Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira .
  • Brum, E., & Silva, L. (Diretor). (2017). Laerte-se Rio de Janeiro, RJ: Netflix. Documentário.
  • Butler, J. (2004). Deshacer el género Barcelona, ES: Paidós.
  • Butler, J. (2013). Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira . Publicado originalmente em 1990.
  • Butler, J. (2015). Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de janeiro, RJ: Civilização brasileira . Publicado originalmente em 2009.
  • Butler, J. (2017b). Relatar a si mesmo: crítica da violência ética Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 2005.
  • Butler, J. (2006). Vida precaria: el poder del duelo y la violencia Buenos Aires, AR: Paidós.
  • Butler, J. (2017a). A vida psíquica do poder: teorias da sujeição Belo Horizonte, MG: Autêntica. Publicado originalmente em 1997.
  • Cunha, E. (2000). Uma interrogação psicanalítica das identidades. Caderno CRH (UFBA), 33(1), 209-228.
  • Deleuze, G. (2006). Foucault São Paulo, SP: Brasiliense. Publicado originalmente em 1988.
  • Foucault, M. (2010). Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976) São Paulo, SP: Martins Fontes. Publicado originalmente em 1997.
  • Foucault, M. (1982). Herculine Barbin: o diário de um hermafrodita Rio de Janeiro, RJ: F. Alves.
  • Foucault, M. (2007). Microfísica do poder(24a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Graal. Publicado originalmente em 1979.
  • Foucault, M. (1983). The Subject and Power. In H. Dreyfus & P. Rabinow. Michel Foucault: beyond structuralism and hermeneutics (p. 208-226). Chicago, IL: University of Chicago Press.
  • Foucault, M. (1987). Vigiar e punir (32a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. Publicado originalmente em 1975.
  • Freud, S. (1996f). Análise terminável e interminável. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XXIII). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1937.
  • Freud, S. (1996d). O futuro de uma ilusão. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. XXI). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1927.
  • Freud, S. (1996c). Inibições, sintomas e ansiedade. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. XX). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1926.
  • Freud, S. (1996e). O mal-estar na civilização. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. XXI). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1930.
  • Freud, S. (1996a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. I). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1895.
  • Freud, S. (1996b). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud(Vol. XII). Rio de Janeiro, RJ: Imago. Publicado originalmente em 1912.
  • Gondar, J. (2004). A clínica como prática política. Lugar Comum (UFRJ), 19(1),125-134.
  • Porchat, P. (2010). Conversando sobre psicanálise: entrevista com Judith Butler. EstudosFeministas, 18(1), 161-170.
  • Preciado, B (2011). Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. EstudosFeministas, 9(1), 11-20.
  • Preciado, P. B. (2018). Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica São Paulo, SP: N-1 edições.
  • Rose, J. (2016). Quem você pensa que é? Serrote, 24, 108-146.
  • Safatle, V. (2019). O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo(2a ed.). Belo Horizonte, MG: Autêntica.
  • Santos, B., & Polverel, E. (2016). Procura-se psicanalista segurx.: uma conversa sobre normatividade e escuta analítica. Lacuna: Uma Revista de Psicanálise, (1), 3.
  • 3
    https://psysafeinclusifs.wixsite.com/psysafe reúne psicoterapeutas e psiquiatras que se descrevem como ‘situados’, assumindo ‘um enquadre politicamente não neutro’: levam em conta a realidade social opressora - contra mulheres, sujeitos queer e trans, trabalhadoras do sexo, etc. - e se comprometem a não repetir no consultório atitudes e discursos preconceituosos ou patologizantes, garantindo um acolhimento mais ‘seguro’ a esses pacientes.
  • 4
    A transição de um gênero a outro é muitas vezes considerada satisfatória pelo sujeito trans quando ele é reconhecido socialmente como homem ou mulher. No entanto, a afirmação da condição trans e os impasses do ideal de passabilidade também vêm sendo bastante problematizados pelo movimento trans.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2019
  • Aceito
    12 Jan 2021
Universidade Estadual de Maringá Avenida Colombo, 5790, CEP: 87020-900, Maringá, PR - Brasil., Tel.: 55 (44) 3011-4502; 55 (44) 3224-9202 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: revpsi@uem.br