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ESTIGMA DE CORTESIA E CONDIÇÕES DE SAÚDE: REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA 1 1 Apoio e financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig - Processo APQ-00930-23), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 439408/2018 e Programas PIBIC/PIBIT 2022), Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro(FAPERJ Editais 06/2022 PBICe 05/2022 PBIT) e Bolsa de Produtividade e Iniciação Científica da PUC-RIO

ESTIGMA DE CORTESÍA Y CONDICIONES DE SALUD: REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA LITERATURA

RESUMO

A literatura científica aponta consistentemente que grupos historicamente alvos de estigma social experimentam efeitos deletérios, em diversas esferas da vida. A despeito da sua gravidade e pervasividade, ainda existem lacunas na investigação do tema, tais como aquela voltada para o Estigma de Cortesia, que é vivenciado por pessoas que possuem vínculos afetivos ou profissionais com o indivíduo estigmatizado. O presente artigo teve como objetivo apresentar o estado da arte sobre estigma de cortesia, por meio de uma revisão sistemática de estudos empíricos originais publicados em periódicos revisados por pares e indexados nas principais bases relacionadas ao campo de investigação (PsycNET (APA), Pubmed, Bvs Brasil, Periódicos CAPES, SciELO e Pepsic). Como palavras-chave, para a busca dos resumos, utilizou-se: estigma de cortesia, estigma de afiliação e estigma de associação. Ao todo, 94 textos completos atenderam aos critérios de inclusão e exclusão. Os estudos apontaram que o estigma de cortesia tem sido investigado predominantemente entre familiares de pessoas que possuem algum tipo de problema relacionado com sua saúde mental, além de pais de crianças com algum tipo de deficiência.

Palavras-chave:
Estigma; estigma de cortesia; revisão de literatura

RESUMEN

La literatura científica señala constantemente que los grupos históricamente afectados por el estigma social experimentan efectos nocivos en diferentes ámbitos de la vida. A pesar de su gravedad y omnipresencia, todavía hay vacíos en la investigación del tema, como el centrado en el estigma de cortesía, que experimentan las personas que tienen vínculos afectivos o profesionales con el individuo estigmatizado. Este artículo tuvo como objetivo presentar el estado del arte sobre el estigma de cortesía a través de una revisión sistemática de estudios empíricos originales publicados en revistas revisadas por pares e indexados en las principales bases de datos relacionadas con el campo de investigación (PsycNET (APA), Pubmed, Bvs Brasil, CAPES, SciELO y revistas Pepsic). Como palabras clave para la búsqueda de resúmenes, utilizamos: estigma de cortesía, estigma de afiliación y estigma de asociación. En total, 94 textos completos cumplieron con los criterios de inclusión y exclusión. Los estudios han demostrado que el estigma de cortesía se ha investigado principalmente entre miembros de la familia de personas que tienen algún tipo de problema relacionado con su salud mental, además de los padres de niños con algún tipo de discapacidad.

Palabras clave:
Estigma; estigma de cortesia; revisión de literatura

ABSTRACT

The scientific literature consistently points out that groups historically targeted by social stigma experience deleterious effects in different spheres of life. Despite its gravity and pervasiveness, there are still gaps in the investigation of the topic, such as that focused on the Courtesy Stigma, which is experienced by people who have affective or professional ties with the stigmatized individual. This article aimed to present the state of the art on Courtesy Stigma through a systematic review of original empirical studies published in peer-reviewed journals and indexed in the main databases related to the research field (PsycNET (APA), Pubmed, Bvs Brasil, CAPES, SciELO, and Pepsic journals). As keywords for the search for abstracts, we used: courtesy stigma, affiliate stigma and associative stigma. Altogether, 94 complete texts met the inclusion and exclusion criteria. Studies have shown that the Courtesy Stigma has been investigated predominantly among family members of people who have some type of problem related to their mental health, in addition to parents of children with some type of disability.

Keywords:
Stigma; courtesy stigma; literature review

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization [WHO], 2001World Health Organization[WHO]. (2001). World health report 2001 - mental health: new under-standing, new hope. Genevva, CH.), o estigma social pode ser entendido como uma marca associada com vergonha e/ou desaprovação. Como consequência, pessoas estigmatizadas, ao serem marcadas, passam a integrar um grupo de indivíduos rejeitados, discriminados e excluídos da participação plena em diferentes setores da sociedade. Nessa perspectiva mais ampla, o estigma estaria relacionado com um conjunto de formações estereotípicas, atitudes preconceituosas e comportamentos discriminatórios. Esse processo seria sustentado por uma estrutura social que tende a colocar certos agrupamentos populacionais em posição de domínio e superioridade, em detrimento de outros que passam a ocupar uma posição subjugada. Diversos efeitos deletérios surgem como consequência desta segregação, fazendo com que pessoas estigmatizadas tenham dificuldade de acesso à moradia, ao emprego, à saúde, dentre outros direitos fundamentais (Corrigan, 2000Corrigan, P.W. (2000). Mental health stigma as social attribution: implications for research methods and attitude change. Clinical Psychology Science and Practice, 7(1), 48-67.; Mak & Cheung, 2008Mak, W. W. S., & Cheung, R. Y. M. (2008). Affiliate stigma among caregivers of people with intellectual disability or mental illness. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, 21(6), 532-545.).

Erving Goffman (1922-1982), um dos autores seminais na área, define estigma social como um atributo ou marca portado por alguns indivíduos cujo efeito “[...] de descrédito é muito grande, algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem” (Goffman, 1975Goffman, E. (1975). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (M. B. M. L. N., trad.). Rio de Janeiro, RJ: LTC., p. 6). O fenômeno poderia ainda ser classificado em três tipos de estigma, relacionados à origem da marca, sendo eles: abominações do corpo, ligada a algum traço físico de deformidade; desvios de caráter, ligada a uma falha moral; tribais de raça, que envolveriam aspectos étnicos, raciais, culturais ou até mesmo de crença religiosa (Goffman, 1975Goffman, E. (1975). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (M. B. M. L. N., trad.). Rio de Janeiro, RJ: LTC.).

Os estudos na área do estigma têm privilegiado as percepções públicas acerca dos agrupamentos da população que são alvo do estigma, bem como os efeitos psicológicos gerados nos indivíduos estigmatizados, incluindo aqueles relativos ao endosso e à internalização das avaliações negativas e de descrédito, as quais, por serem compartilhadas culturalmente, passam a ser de domínio público, sendo passíveis de serem endossadas pela pessoa que possui uma marca alvo de estigma, ainda que esta esteja de alguma forma encoberta (Bambauer & Prigerson, 2006Bambauer, K. Z., & Prigerson, H. G. (2006). The stigma receptivity scale and its association with mental health service use among bereaved older adults. The Journal of Nervous and Mental Disease, 194(2), 139-141.; Fife & Wright, 2000Fife, B. L., & Wright, E. R. (2000). The dimensionality of stigma. A comparison of its impact on the self of persons with HIV/AIDS and cancer. Journal of Health and Social Behavior, 41(1), 50-67.; Mark & Cheung, 2008Mak, W. W. S., & Cheung, R. Y. M. (2008). Affiliate stigma among caregivers of people with intellectual disability or mental illness. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, 21(6), 532-545.). Tal processo de internalização traria como consequências para o indivíduo estigmatizado: a diminuição da autoestima, como um dos efeitos da autoavaliação negativa; a intensificação de emoções negativas; além das alterações comportamentais que incluíram o recolhimento social (ostracismo voluntário), assim como a tentativa de encobrir o seu status de estigmatizado em situações de interação social (Corrigan & Watson, 2002Corrigan, P. W., & Watson, A. C. (2002). The paradox of self-stigma and mental illness. Clinical Psychology Science and Practice, 9(1), 35-53.).

Um dos grupos que tem sido predominantemente objeto de estudo acerca deste tema, são as pessoas que possuem algum tipo de sofrimento ou prejuízo decorrente de problemas relacionados com a sua saúde mental. A estigmatização dessas pessoas acarreta em maior dificuldade para procurar ajuda, aderir a algum tipo de tratamento, além de impactar no próprio desempenho relacionados à realização de metas pessoais e maior propensão ao abandono de atividades acadêmicas ou vocacionais (Corrigan, Larson, & Rusch, 2009Corrigan, P.W., Larson, J. E., & Rusch, N. (2009). Self-stigma and the “why try” effect: impact on life goals and evidence-based practices. World Psychiatry, 8(2), 75-81., Clement et al; 2015Clement, S., Schauman, O., Graham, T., Maggioni, F., Evans-Lacko, S., Bezborodovs, N., Thornicroft, G. (2015). What is the impact of mental health related stigma on help seeking? A systematic review of quantitative and qualitative studies. Psychological Medicine, 45(1), 11-27.). Soma-se a esses prejuízos objetivos o fato de que essas pessoas tenderiam a desenvolver maior sentimento de vergonha, além de consequente diminuição da autoestima (Corrigan & Watson, 2002Corrigan, P.W., Larson, J. E., & Rusch, N. (2009). Self-stigma and the “why try” effect: impact on life goals and evidence-based practices. World Psychiatry, 8(2), 75-81.; Corrigan et al., 2009Corrigan, P. W., & Watson, A. C. (2002). The paradox of self-stigma and mental illness. Clinical Psychology Science and Practice, 9(1), 35-53.).

A despeito do avanço em relação às definições teóricas sobre estigma social, do conjunto de evidências empíricas acerca dos efeitos e da identificação de estratégias de intervenções efetivas na sua redução (Corrigan et al., 2009Corrigan, P.W., Larson, J. E., & Rusch, N. (2009). Self-stigma and the “why try” effect: impact on life goals and evidence-based practices. World Psychiatry, 8(2), 75-81., Clement et al., 2015Clement, S., Schauman, O., Graham, T., Maggioni, F., Evans-Lacko, S., Bezborodovs, N., Thornicroft, G. (2015). What is the impact of mental health related stigma on help seeking? A systematic review of quantitative and qualitative studies. Psychological Medicine, 45(1), 11-27.), pouco tem sido estudado sobre o estigma de cortesia, que é experimentado pelas pessoas que possuem vínculos afetivos ou profissionais, convivendo de forma próxima com os indivíduos alvos de estigma. As evidências e sínteses da literatura que guiam os programas de pesquisa e intervenção na área, estão voltadas majoritariamente para a pessoa possuidora da marca, com pouco destaque para as consequências negativas associadas às pessoas vinculadas à primeira (Corrigan & Watson, 2002Corrigan, P. W., & Watson, A. C. (2002). The paradox of self-stigma and mental illness. Clinical Psychology Science and Practice, 9(1), 35-53.; Corrigan et al., 2009Corrigan, P.W., Larson, J. E., & Rusch, N. (2009). Self-stigma and the “why try” effect: impact on life goals and evidence-based practices. World Psychiatry, 8(2), 75-81.).

Classicamente, o conceito de estigma de cortesia surge para caracterizar o estigma experimentado pela pessoa que “[...] se relaciona com o indivíduo estigmatizado através da estrutura social, uma relação que leva a sociedade mais ampla a considerar ambos como uma só pessoa” (Goffman, 1975Goffman, E. (1975). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (M. B. M. L. N., trad.). Rio de Janeiro, RJ: LTC., p. 28). De modo mais preciso, é possível considerar que indivíduos que não possuem um atributo depreciativo, mas que convivem com pessoas que o possuem, podem também ser estigmatizados. Este processo implica na decorrente desvalorização ou discriminação em virtude da sua associação com o indivíduo estigmatizado (Wong, Kong, Tu, & Frasso, 2018Wong, Y. L. I. Kong, D., Tu, L., & Frasso, R. (2018). My bitterness is deeper than the ocean. Understanding internalized stigma from the perspectives of persons with sxhizophrenia and their family caregivers. International Journal of Mental Health Systems, 12(1), 14.). Uma característica adicional é que o estigma de cortesia, diferente do estigma social, apresenta uma característica difusa, uma vez que não se limita aos aspectos individuais da pessoa estigmatizada, confirmando, de certo modo, o quão pervasivo é este fenômeno (Mo, Lau, Yu, & Gu, 2015Mo, P. K. H., Lau, J. T. F., Yu, X., & Gu, J. (2015). A model of associative stigma on depression and anxiety among children of hiv- infected parents in China. AIDS and Behavior, 19(1), 50-59.).

O fato é que, independente da natureza relativa à origem do estigma de cortesia, este tem o potencial de produzir efeitos objetivos e danosos na vida das pessoas próximas ao indivíduo estigmatizado, podendo ser tão prejudicial quanto o próprio estigma que recai neste último (Wong et al., 2018Wong, Y. L. I. Kong, D., Tu, L., & Frasso, R. (2018). My bitterness is deeper than the ocean. Understanding internalized stigma from the perspectives of persons with sxhizophrenia and their family caregivers. International Journal of Mental Health Systems, 12(1), 14.). Um elemento agravante dessa situação se encontra no fato de que vítimas de estigma de cortesia, a despeito de muitas vezes ocuparem papel crucial na vida de uma vítima de estigma direto, podem acabar apresentando comportamentos de afastamento social, rompendo vínculos de suporte, na tentativa de esconder seu status de conviver ou ajudar uma pessoa que é alvo de estigma (Hansen, Szaflarski, Bebin, & Szaflarski, 2018Hansen, B., Szaflarski, M., Bebin, E. M., & Szaflarski, J. P. (2018). Affiliate stigma and caregiver burden in intractable epilepsy. Epilepsy & Behavior, 85, 1-6.).

Dessa forma, o objetivo do presente artigo é realizar uma revisão sistemática de literatura acerca do conceito estigma de cortesia, de modo a apresentar o estado da arte sobre o tema e conhecer quais são os principais avanços na área, assim apresentar lacunas presentes na literatura científica junto da proposta de um programa de investigação na área.

Método

O relato desta revisão sistemática de literatura foi realizado com base nas recomendações Preferred Report Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Galvão, Pansani, & Harrard, 2015Galvão, T. F., Pansani, T. S. A., & Harrad, D. (2015). Prinicpais itens para relatar revisões sistemáticas e meta-análises. A recomendação PRISMA. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 24(2), 335-342.), com o objetivo de aumentar a sua reprodutibilidade futura. Para tanto, procedeu-se uma busca bibliográfica envolvendo o conceito estigma de cortesia como assunto principal em artigos indexados nas bases de dados PsycNET (APA), Pubmed, Bvs Brasil, Periódicos CAPES, SciELO e Pepsic Psicologia. Utilizaram-se as palavras-chave Courtesy Stigma, Affiliate Stigma e Associative Stigma.

A escolha por essas bases de dados se deu pelo fato de todas elas abarcarem uma quantidade significativa de artigos nas mais diversas áreas de estudo em psicologia e disciplinas correlatas à saúde. O critério para a escolha das palavras-chaves foi primeiramente verificar se elas estavam presentes nos DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e apesar de elas não estarem foi mantida a palavra-chave Courtesy Stigma por ser um termo inicialmente utilizado por Goffman (1992-1982), autor canônico na área de estigma, enquanto as palavras-chave Affiliate Stigma e Associative Stigma foram mantidas pela aproximação conceitual que estabeleciam com a primeira.

Como critérios de inclusão foram considerados somente artigos publicados nos idiomas inglês, português ou espanhol, que tivessem como tema central o estigma de cortesia e que fossem estudos originais e de natureza empírica. Não foi estabelecido um período de tempo em relação ao ano de publicação dos artigos. Os artigos foram incluídos até o ano de 2019.

Primeiramente, foi realizada a leitura dos títulos e resumos dos artigos e observado se estes obedeciam aos critérios de inclusão propostos para esta revisão de literatura, de modo que os artigos que não obedeciam a tais critérios eram descartados. Posteriormente, conduziu-se a eliminação dos artigos duplicados e com os artigos restantes foram feitas as leituras na íntegra. Para facilitar o processo de análise dos artigos, foram elaboradas categorias descritivas com base na abordagem metodológica, o país de origem do artigo, o público-alvo do estigma de cortesia, os contextos abordados, os instrumentos utilizados e o tipo de estudo realizado.

Resultados

A busca eletrônica nas bases de dados resultou em um total de 564 resumos, sendo que destes foram eliminados 314 por serem duplicados. foram eliminados 156 estudos por meio da leitura dos títulos e do conteúdo do resumo, resultando em 94 textos completos que atenderam aos critérios de inclusão e que foram lidos na íntegra (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma PRISMA. Procedimentos de identificação e seleção dos artigos incluídos na revisão de literatura.

Considerando a abordagem metodológica, percebe-se o predomínio de artigos que utilizaram uma abordagem quantitativa, correspondendo a 56,4% dos estudos totais incluídos. As abordagens qualitativas corresponderam a 38,3% e apenas uma pequena porcentagem (5,3%) utilizou a abordagem quantitativa e qualitativa de forma integrada (Tabela1).

Os Estados Unidos da América (EUA) foram o país com mais artigos publicados - com 30 publicações (31,9%), seguido da China com 14 artigos (14,9%), Reino Unido com 11 artigos (11,7%), Israel com seis artigos (6,4%) e Índia com cinco (5,3%). Taiwan, Austrália, Canadá tiveram quatro estudos publicados cada um e juntos representam 12,8% do total de artigos incluídos. Na categoria Outros, encontram-se os países: Coreia do Sul, Turquia, Marrocos, Bélgica, Alemanha, França, Nigéria, Malásia, Iran, Caribe e Gana. Cada um desse países tiveram apenas um estudo, com exceção da Bélgica com três artigos publicados e Malásia, Alemanha e Gana com dois artigos publicados. A porcentagem conjunta da categoria Outros corresponde a 17,0% (Tabela 1).

Tabela 1
Relação entre a abordagem metodológica/país e o número de artigos encontrados/porcentagem

No que diz respeito ao público-alvo das pesquisas, tem-se predominantemente os familiares como o principal agrupamento de interesse para o estudo do estigma de cortesia, representando 78,7% do total de artigos. Profissionais da saúde mental e profissionais da saúde aparecem logo em seguida, porém em frequências expressivamente menores, representando 9.6% e 5,3% das pesquisas (Tabela 2)

Os profissionais da saúde mental e profissionais da saúde foram categorizados de forma separada na Tabela 2 pelo fato de alguns artigos trabalharem especificamente o conceito entre profissionais que atuam com pacientes da saúde mental, a exemplo de pessoas com transtornos psicóticos e com transtorno depressivo severo, enquanto outros artigos abordaram profissionais que atuam na saúde, porém atendendo pacientes que não se enquadram na categoria de usuários da saúde mental, a exemplo de idosos e crianças com algum tipo de distúrbio não psiquiátrico.

Na categoria Outros, têm-se profissionais de ONGs, estudantes universitários, professores e população geral. No primeiro caso, os artigos abordam o conceito estigma de cortesia entre profissionais que trabalham em ONGs que prestam serviços para profissionais do sexo (Phillips & Benoit, 2013Phillips, R., & Benoit, C. (2013). Exploring stigma by association among front-line care providers serving sex workers. Healthcare Policy = Politiques de Sante, 9(Spec Issue), 139-151.). Em relação aos estudantes universitários, esse agrupamento foi utilizado para avaliar casos hipotéticos ou reais que envolvem estigma de cortesia. No caso dos professores, o estigma de cortesia refere-se ao fato desses profissionais trabalharem em escolas destinadas a alunos especiais e por último à população geral, ou seja, de leitores de uma página da web que analisaram um caso real envolvendo estigma de cortesia (Tabela 2).

Tabela 2
Relação entre o público-alvo e o número de artigos encontrados/porcentagem

Em relação aos contextos abordados os artigos que estudam o conceito estigma de cortesia, vinculados a usuários da saúde mental, representam 38,3% dos artigos incluídos. Esta área é estudada considerando principalmente pessoas que prestam cuidados a algum membro da família com algum tipo de transtorno psiquiátrico. Crianças com deficiência aparecem como o segundo contexto mais abordado, representando 25,5% dos artigos incluídos e a maioria desses estudos foca o estigma de cortesia entre pais de crianças que possuem algum tipo de deficiência (Tabela 3)

Outro contexto abordado nos artigos se refere à população portadora do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), representando 8,5% dos estudos incluídos. O estigma de cortesia nesses casos resulta de um familiar, a exemplo de adolescentes soronegativos filhos de mães soropositivos, díades de cuidadores familiares, a exemplo da mãe responsável por cuidar do filho com HIV ou a esposa responsável por cuidar do marido com HIV, adolescentes soropositivos filhos de mães soropositivos, os quais experimentam tanto o estigma internalizado, por serem portadores do vírus HIV, quanto o estigma de cortesia por serem filhos de mães com HIV. No âmbito conjugal também tem-se o estudo de pessoas soronegativas que estão em um relacionamento íntimo com um parceiro soropositivo e que por essa razão também seriam alvos do estigma de cortesia (Tabela 3).

Pesquisas sobre doenças neurológicas na velhice também representam 8,5% dos artigos incluídos. O estigma de cortesia nesse caso é explorado principalmente pelos filhos adultos que cuidam de seus progenitores idosos com diagnóstico de Alzheimer. Alguns artigos estabelecem como critério de inclusão que o idoso tenha o diagnóstico de Alzheimer ou algum outro tipo de demência e que os cuidadores sejam o principal cuidador informal, isto é, prestem cuidados emocionais e instrumentais e assistência sem remuneração (Tabela 3).

Estudos sobre homossexualidade representam 3,2% dos artigos incluídos e o estigma de cortesia, nesse caso, é estudado principalmente entre filhos de pais que se assumiram homossexuais ou em relação a familiares e amigos próximos de pessoas que são homossexuais (Tabela 3).

O uso de álcool e outras drogas também representam 3,2% dos artigos incluídos e o estigma de cortesia é estudado entre os pais de adolescentes usuários de drogas. O estigma de cortesia relacionado aos pais e o descrédito vivenciado por eles na comunidade e instituições, incluindo sistemas escolares, policiais e judiciais é muito semelhante ao estigma de cortesia presenciado por pais de adolescentes usuários da saúde mental (McCann & Lubman, 2017McCann, T. V., & Lubman, D. I. (2017). Stigma experience of families supporting an adult member with substance misuse. International Journal of Mental Health Nursing, 27(2), 693-701.). Ainda nesse contexto de consumo de álcool e outras drogas, um artigo em específico aborda como o álcool afeta as famílias que possuem um ‘bebedor pesado’ enfatizando o estigma de cortesia presenciado por filhos que possuem pais que fazem uso abusivo do álcool (Tamutiene & Laslett, 2016Tamutiene, I., & Laslett, A. M. (2016). Associative stigma and others harms in a sample of families of heavy drinkers in Lithuania. Journal of Substance Use, 22(4), 425-433.) (Tabela 3).

A categoria Outros aborda o estigma de cortesia em diferentes contextos, tais como o estigma presenciado por mães de assassinos em massa a exemplo dos massacres escolares ocorridos na região de Columbine e na cidade de Newtown nos EUA, estigma entre profissionais de saúde que trabalham em instituições de longa permanência destinadas ao cuidado do idoso, o estigma presenciado por professores de escolas especiais, estigma de enfermeiras que realizam abortos, estigma entre pessoas que possuem familiares com hanseníase ou epilepsia e o caso dos profissionais de saúde que trabalharam no surto de Ebola, na África, no ano de 2014, os quais foram estigmatizados após retornaram aos seus países de origem, pelo receio por parte da população desses profissionais estarem portando o vírus Ebola (Tabela 3).

Tabela 3
Relação entre os contextos abordados e o número de artigos encontrados/porcentagem

A escala Affiliate Stigma Scale (ASS) foi o instrumento mais utilizado para medir o estigma de cortesia aparecendo em 28,7% dos artigos incluídos. A mensuração indireta e os estudos de validação representaram juntos 20,2% dos artigos incluídos. O primeiro diz respeito aos estudos que utilizaram diferentes instrumentos de forma integrada para mensurar indiretamente o construto estigma de cortesia, visto que tais instrumentos não foram concebidos originalmente para essa finalidade. O segundo refere-se aos estudos que validaram a escala ASS para diferentes países e contextos populacionais (Tabela 4).

Outras escalas utillizadas foram Stigma Scale for Caregivers of People with Mental Illness (CPMI), Clinician Associative Stigma Scale (CASS) Parents’ Internalized Stigma of Mental Illness (PISMI), Perceived Courtesy Stigma Scale (PCSS), Family Stigma Scale (FSS) e Devaluation of Consumer Family Scale. No caso da CPMI, esse instrumento foi utilizado em quatro artigos, a PCSS e a CASS em três artigos, enquanto as demais escalas foram utilizadas em um artigo apenas (Tabela 4).

Entrevistas, observação e grupo focal foram utilizados em 31,9% do total de artigos incluídos, sendo tais abordagens encontradas principalmente em estudos qualitativos. A categoria Outros refere-se a diferentes técnicas de estudos qualitativos como a análise de conteúdo de publicações de páginas da internet e de material coletado via pesquisa on-line, a qual foi utilizada em quatro artigos e a técnica narrativa utilizada em um artigo apenas (Tabela 4).

Tabela 4
Relação entre os instrumentos utilizados e o número de artigos encontrados/porcentagem

Discussão

O estigma de cortesia tem sido estudado ao redor do mundo utilizando diferentes contextos e populações-alvo, no entanto, há um predomínio de pesquisas que procuram analisá-lo entre familiares de usuários da saúde mental (Catthoor et al., 2015Catthoor, K., Schrijvers, D., Hutsebaut, J., Freesntra, D., Persoons, P., De Hert, M, … Sabbe, B. (2015). Associative stigma in family members of psychotic patients in Flanders: an exploratory study. World Journal of Psychiatry, 5(1), 118-125.; Ostman & Kjellin, 2002Ostman, M., & Kjellin, L. (2002). Stigma by association: psychological factors in relatives of people with mental illness. The British Journal of Psychiatry, 181(6), 494-498.). Essa constatação em relação ao público-alvo do estigma de cortesia é coerente com a concepção de Goffman (1975Goffman, E. (1975). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (M. B. M. L. N., trad.). Rio de Janeiro, RJ: LTC.) de que o estigma tende a se propagar a partir da pessoa que é alvo central do estigma. Para este autor o estigma se espalha em ‘ondas de intensidade decrescente’, o que significa dizer que o indivíduo estigmatizado seria como o ‘epicentro’ de todo o estigma conferido a ele pela sociedade, uma vez que ele carrega traços e características vistos como socialmente deletérios (Catthoor et al., 2015Catthoor, K., Schrijvers, D., Hutsebaut, J., Freesntra, D., Persoons, P., De Hert, M, … Sabbe, B. (2015). Associative stigma in family members of psychotic patients in Flanders: an exploratory study. World Journal of Psychiatry, 5(1), 118-125.; Ostman & Kjellin, 2002Ostman, M., & Kjellin, L. (2002). Stigma by association: psychological factors in relatives of people with mental illness. The British Journal of Psychiatry, 181(6), 494-498.).

Dessa forma, o indivíduo estigmatizado na qualidade de ‘epicentro’ do estigma, tenderia a espalhar certa carga de estigma em direção as pessoas do seu convívio, de modo que as pessoas mais próximas a ele receberiam maior carga de estigma, enquanto os indivíduos mais afastados receberiam menores níveis. Por essa lógica, é de se esperar que as pessoas mais próximas do indivíduo estigmatizado, a exemplo dos familiares, os quais geralmente possuem um contato direto e maior convívio com o indivíduo estigmatizado, tenderiam a ser um agrupamento mais representativo do construto estigma de cortesia em comparação aos profissionais da saúde mental que apesar de também serem alvos, se situam em uma camada mais periférica (Catthoor et al., 2015Catthoor, K., Schrijvers, D., Hutsebaut, J., Freesntra, D., Persoons, P., De Hert, M, … Sabbe, B. (2015). Associative stigma in family members of psychotic patients in Flanders: an exploratory study. World Journal of Psychiatry, 5(1), 118-125.; Larson & Corrigan, 2008Larson J. E., & Corrigan, P. (2008). The stigma of families with mental illness. Academic Psychiatry, 32(2), 87-91.).

Uma população-alvo bastante comum encontrada nos artigos são os pais responsáveis por cuidar de filhos com esquizofrenia e como o estigma de cortesia afeta os diferentes domínios da vida dessas pessoas. O domínio afetivo é um deles e tem apontado para sentimentos de desamparo, de sentir-se emocionalmente perturbado ou de estar sobre grande pressão por ter um familiar com doença mental. Alterações no domínio comportamental também são frequentes como resultado para tentar lidar com a culpa e vergonha associados a um familiar com esquizofrenia e são manifestados em manter um perfil mais discreto perante a sociedade, evitar sair e conversar com esse parente. Por fim, o domínio cognitivo também sofre modificações na medida que esses familiares começam a se questionar o seu lugar na sociedade, derivado também das discriminações presenciadas por eles em diferentes espaços públicos (Wong et al., 2018Wong, Y. L. I. Kong, D., Tu, L., & Frasso, R. (2018). My bitterness is deeper than the ocean. Understanding internalized stigma from the perspectives of persons with sxhizophrenia and their family caregivers. International Journal of Mental Health Systems, 12(1), 14.).

Alguns estudos com pais de crianças com doença mental severa demonstram que o estigma de cortesia produz efeitos danosos na vida dessas pessoas e que estes são semelhantes aos efeitos que recaem no próprio indivíduo estigmatizado, de modo que pais e filhos seriam afetados com base principalmente em três fatores: o endosso dos estereótipos sociais negativos em relação às pessoas com doença mental, o retraimento social e a alienação como forma de tentar evitar o desconforto e julgamento social e a percepção de que não são membros plenos da sociedade em virtude das experiências de descriminação e desvalorização (Zisman-Ilani et al., 2013Zisman-Ilani, Y., Levy-Frank, I., Hasson-Ohayon, I., Kravetz, S., Mashiac-Eizenberg, M., & Rose, D. (2013). Measuring the internalized stigma of parents of persons with a serious mental iilness: the factor structure of the parents’ internalized stigma of mental illness scale. The Journal of Nervous and Mental Disease, 201(3), 183-187.).

Do ponto de vista dos fatores preditivos relacionados ao estigma de cortesia, um estudo em específico, realizado na Nigéria com familiares de pessoas com doença mental crônica, aponta que os efeitos negativos desse tipo de estigma, a exemplo do aumento da carga de cuidador, estariam intimamente ligados com as variáveis: níveis de escolaridade e renda, localização residencial, no sentido de as famílias estarem localizadas na zona rural ou urbana e mais afastadas ou próximas de um posto de saúde, grau de severidade da doença, relacionamento entre o cuidador e o familiar e o número de membros da família (Olangundoye, Akhuemokhan, & Alugo, 2017Olagundoye, O., Akhuemokhan, V., & Alugo, M. (2017). Towards caring for caregivers: assessing the burden of care and experience of associative stigma among caregivers of patients with chronic mental illnesses at a mental healthcare facility in Lagos Metropolis, Nigeria. Family Medicine & Primary Care Review, 19(2), 149-155.).

Outro dado em relação ao contexto da saúde mental diz respeito aos estudos que comparam a intensidade do estigma de cortesia vivenciado por familiares de pessoas com diferentes transtornos psiquiátricos. Tais estudos mostram que familiares de indivíduos com esquizofrenia tendem a apresentar doses mais elevadas de estigma de cortesia se comparados a familiares de indivíduos com transtorno bipolar e depressão. Sendo assim, parentes de pessoas com esquizofrenia apresentariam maior ônus social, carga emocional e carga de cuidador, esta última relacionada ao fardo dispendido nos cuidados com esse parente. Além disso, esses familiares também teriam maior diminuição da autoestima, aumento da ansiedade e quadros de depressão mais severos (Chang, Yen, Jang, Su, & Lin, 2017Chang, C. C., Yen, C. F., Jang, F.L., Su, J. A., & Lin, C.Y. (2017). Comparing affiliate stigma between family caregiversof people with different severe mental illness in Taiwan. The Journal of Nervous and Mental Disease, 205(7), 542-549.). Nesse sentido, também é verificável que o estigma de cortesia entre pais de indivíduos psicóticos é mais intenso se comparado com pais de indivíduos com transtorno de humor e de ansiedade (Baron, Salvador, & Loewy, 2018Baron, J., Salvador, M., & Loewy, R. (2018). Experience of associative stigma in parents of adolescents at risk of psychosis. Early Intervention in Psychiatry, 13(4), 761-766.).

As pesquisas com mães de crianças com paralisia cerebral demonstram que o estigma de cortesia, vivenciado na dimensão subjetiva, é tão determinante para o sofrimento materno quanto as cargas objetivas relacionadas com as dificuldades e exaustões presentes no próprio ato de cuidar. Nesse sentido, a percepção por parte das mães da discriminação pública em relação às pessoas com deficiência entrariam como um exemplo de carga subjetiva que aumentaria o sofrimento materno (Green, 2003Green, S. E. (2003). “What do you mean ‘what’s wrong with her?”. Stigma and the lives of families of children with disabilities. Social Science & Medicine, 57(8), 1361-1374. https://doi.org/10.1016/s0277-9536(02)00511-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
).

Em relação às pesquisas que envolvem crianças com problemas de desenvolvimento e aprendizagem, a exemplo do Transtorno do Espectro Autista e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), tem-se um estudo especificamente sobre estigma de cortesia entre mães chinesas de crianças diagnosticadas com autismo, o qual verifica que elas tenderiam a apresentar maior quantidade de sintomas depressivos (Zhou, Wang, & Yi, 2018Zhou, T., Wang, Y., & Yi, C. (2018). Affiliate stigma and depression in caregivers of children with autism spectrum disorders in China: effects of self-esteem, shame and family functioning. Psychiatry Research, 264, 260-265.). No caso do TDAH, o estigma de cortesia é verificado em especial no ambiente escolar, onde os pais são identificados como os responsáveis pelo ‘estudante problema’, sendo aumentados os sentimentos de culpa pela atribuição do cuidado parental ruim (Koro-Ljungberg & Bussing, 2009Koro-Ljungberg, M., & Bussing, R. (2009). The management of courtesy stigma in the lives of families with teenagers with ADHD.Journal of Family Issues, 30(9), 1175-1200.).

No campo das doenças neurológicas na velhice, são significativos os estudos que abordam os diferentes tipos de demência, a exemplo da doença de Alzheimer. O estigma de cortesia, nesses casos, é estudado principalmente no impacto que acarreta nos cuidadores que possuem algum familiar com diagnóstico de Alzheimer, de modo que tal impacto é traduzido em alterações nos atributos cognitivos, a exemplo da percepção de estar sendo negligente nos cuidados, nas reações emocionais como emoções negativas de raiva, medo e vergonha e comportamentais como a ocultação de ter um membro da família com Alzheimer, isolamento e falha em procurar ajuda (Abojabel & Werner, 2016Abojabel, H., & Werner, P. (2016). Exploring Family stigma among caregivers of persons with Alzheimer’s disease: the experience of Israeli-Arab caregivers. Dementia, 18(1), 391-408.).

Estudos que comparam os efeitos gerados entre diferentes tipos de estigma, entre eles o estigma de cortesia, apontam para achados como é o caso de adolescentes filhos de mães com HIV e que também são portadores do mesmo vírus. Neste caso, o estigma internalizado pelo adolescente, por ser portador do vírus HIV em conjunto com o Estigma de Cortesia por ser filho de uma mãe com HIV, contribui para o aumento do risco de depressão. Por outro lado, o estigma de cortesia, analisado como um fator isolado, não somente contribui para o aumento do risco de depressão como também para o aumento do risco de uso de substâncias psicoativas. (Earnshaw, Kidman, & Violari, 2018Earnshaw, V. A, Kidman, R. C., & Violari, A. (2018). Stigma, depression, and substance use problems among perinatally HIV infected youth in South Africa. AIDS and Behavior, 22(12), 3892-3896.).

A revisão de literatura também demonstrou que alguns estudos trabalham o estigma de cortesia como um conceito distinto do estigma de afiliação ou associação, estes dois últimos entendidos como sendo muito próximos, porém o primeiro é mais utilizado para se referir a indivíduos que prestam cuidados a algum familiar com a marca estigmática e o segundo para profissionais da saúde que atendem pessoas que também são alvos de estigma.

Dessa forma, o estigma de afiliação ou associação corresponderia a internalização do estigma de cortesia público, sendo, portanto, resultado da autoestigmatização por aqueles associados a pessoas estigmatizadas. Um exemplo seria o estigma familiar, entendido como um tipo de estigma de afiliação, na medida em que os familiares internalizam o estigma de cortesia público em relação à deficiência de um determinado membro da família (Mak & Cheung, 2008Mak, W. W. S., & Cheung, R. Y. M. (2008). Affiliate stigma among caregivers of people with intellectual disability or mental illness. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, 21(6), 532-545.).

Por essa lógica o estigma de cortesia estaria voltado para uma dimensão social ou pela forma com que o domínio público estigmatiza não somente o indivíduo com a marca estigmática como também as pessoas que estão associadas a ela. Sendo assim, o estigma de cortesia se torna de fato um problema quando ele passa a ser estigma de afiliação ou associação, isto é, quando as pessoas associadas ao indivíduo estigmatizado passam a internalizar o estigma de cortesia público, como ocorre com os casos predominantemente encontrados nesta revisão acerca de familiares de pacientes da saúde mental (Mak & Cheung, 2008Mak, W. W. S., & Cheung, R. Y. M. (2008). Affiliate stigma among caregivers of people with intellectual disability or mental illness. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, 21(6), 532-545.).

Considerações finais

O estigma de cortesia tem sido estudado predominantemente entre familiares de pacientes usuários da saúde mental e pais de crianças com algum tipo de deficiência. Outros agrupamentos como profissionais da saúde mental e profissionais da saúde em geral também tem sido alvo de estudo acerca do construto estigma de cortesia, porém em frequências significativamente menores.

Há uma carência de pesquisas voltadas para o estudo do estigma de cortesia em grupos específicos como os usuários de álcool em outras drogas, os quais aparecem em apenas três artigos dos 94 artigos finais incluídos nesta revisão. Também chama a atenção a concentração dos estudos em países específicos, como nos EUA e em países do continente asiático.

As pesquisas sobre o estigma de cortesia também têm apontado para as inúmeras variáveis da vida indivíduo que são afetadas, indo desde problemas emocionais até alterações afetivas, cognitivas e comportamentais. Por outro lado, há a escassez de estudos voltados para a intervenção e redução do estigma de cortesia, mesmo sabendo-se dos efeitos prejudiciais que esse tipo de estigma causa na vida das pessoas.

Dessa forma, há maior necessidade de estudos que priorizem analisar estratégias para redução do estigma de cortesia nos diferentes segmentos da população, visto que já se tem uma quantidade considerável de estudos que focam nas variáveis da vida dos indivíduos que são afetadas por ele. Nesse sentido, seriam importante pesquisas que intervissem tanto na população estigmatizada, quanto na população que estigmatiza de modo a propor mecanismos que atenuassem os efeitos nocivos do estigma e no caso específico do estigma de cortesia intervenções desse tipo se tornam ainda mais sutis, justamente por ser um estigma que não recai diretamente na pessoa, mas como um produto dela estar associada com um indivíduo estigmatizado.

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    Apoio e financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig - Processo APQ-00930-23), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 439408/2018 e Programas PIBIC/PIBIT 2022), Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro(FAPERJ Editais 06/2022 PBICe 05/2022 PBIT) e Bolsa de Produtividade e Iniciação Científica da PUC-RIO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2020
  • Aceito
    18 Nov 2021
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