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"Navalha não corta seda": Estética e Performance no Vestuário do Malandro

"The razor doesn't cut silk": Esthetic and Performance in Malandro's Costume

"Le Coupe-chou ne tranche pas la soie": Esthétique et attitude dans le vêtement du Malandro

Resumos

O texto explora as imagens do malandro, tendo como foco de análise sua indumentária e suas performances corporais. Estas imagens são veiculadas nos livros de memórias, na imprensa, nas músicas, no cinema, na literatura, enfim, no discurso malandro e sobre o malandro, convergindo para a construção de uma representação estética de uma personagem que tem no vestuário um dos principais mecanismos de eficácia simbólica de sua identidade social.

malandro; performance; identidade social


The article addresses the malandro's image and its analytical focus refers to his costume and corporal performances. These images are spread throughout in the memory books, in the media, in the lyrics, in the cinema, in the literature, lastly, in the malandro's discourse and in the discourse about the malandro, converging on the construction of the esthetic representation of a character who has his costume as one of the main devices of symbolic efficacy of his social identity.

malandro; performance; social identity


Le texte aborde les diverses images du malandro afin d'analyser ses vêtements et l'ensemble de ses agissements et de ses attitudes. Ces images apparaissent liées les unes aux autres dans les autobiographies, la presse, la musique, le cinéma, les textes littéraires, les discours du malandro et sur le malandro, tous convergeant vers la construction d'une représentation esthétique d'un personnage dont la façon de s'habiller est un des principaux ressorts d'efficacité symbolique de son identité sociale.

malandro; attitude; identité sociale


ARTIGOS

"Navalha não corta seda": Estética e Performance no Vestuário do Malandro* * É como parte de uma investigação em curso que este texto deve ser visto e lido. Neste sentido, o que aqui se apresenta são notas introdutórias a um campo de estudos relativamente novo para mim, o da antropologia do vestuário; embora tenha alguma familiaridade com o tema da malandragem, retomá-lo tem significado também um novo exercício de estranhamento. Ver Gilmar Rocha, O Rei da Lapa – Madame Satã e a Malandragem Carioca, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2004, p. 176.

"The razor doesn't cut silk": Esthetic and Performance in Malandro's Costume

"Le Coupe-chou ne tranche pas la soie": Esthétique et attitude dans le vêtement du Malandro

Gilmar Rocha

Professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC Minas

RESUMO

O texto explora as imagens do malandro, tendo como foco de análise sua indumentária e suas performances corporais. Estas imagens são veiculadas nos livros de memórias, na imprensa, nas músicas, no cinema, na literatura, enfim, no discurso malandro e sobre o malandro, convergindo para a construção de uma representação estética de uma personagem que tem no vestuário um dos principais mecanismos de eficácia simbólica de sua identidade social.

Palavras-Chave: malandro- performance- identidade social

ABSTRACT

The article addresses the malandro's image and its analytical focus refers to his costume and corporal performances. These images are spread throughout in the memory books, in the media, in the lyrics, in the cinema, in the literature, lastly, in the malandro's discourse and in the discourse about the malandro, converging on the construction of the esthetic representation of a character who has his costume as one of the main devices of symbolic efficacy of his social identity

Key words: malandro – performance – social identity

RESUMÉ

Le texte aborde les diverses images du malandro afin d'analyser ses vêtements et l'ensemble de ses agissements et de ses attitudes. Ces images apparaissent liées les unes aux autres dans les autobiographies, la presse, la musique, le cinéma, les textes littéraires, les discours du malandro et sur le malandro, tous convergeant vers la construction d'une représentation esthétique d'un personnage dont la façon de s'habiller est un des principaux ressorts d'efficacité symbolique de son identité sociale.

Mots-clés: malandro – attitude – identité sociale

Com que Roupa?

Eu hoje estou pulando como sapo

Pra ver se escapo

Dessa praga de urubu.

Já estou coberto de farrapo,

Eu vou acabar ficando nu:

Meu paletó virou estopa

E já nem sei mais com que roupa?

Com que roupa eu vou

Pro samba que você me convidou?1 1 Almirante, No Tempo de Noel Rosa, 2ª ed., Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1977, p. 79. .

Noel Rosa é conhecido pela ironia de suas composições. Além da habilidade com a linguagem, o compositor era extremamente sensível aos temas do cotidiano, como os relacionados à dureza, ao vestuário, ao samba, à malandragem. Esta estrofe, de Com que Roupa?, samba de 1933, reúne todas estas coisas: ironia, dureza, vestuário e malandragem, ilustradas no encarte de lançamento da música. E serve de introdução ao problema deste texto: a eficácia simbólica do vestuário na construção da identidade social do malandro.

Os estudos sobre o malandro e a malandragem no Brasil encontram na linguagem mais do que um modelo de inspiração, na verdade é o que lhes garante o sentido sociológico. Comumente, o malandro é visto como alguém cuja esperteza se concretiza na lábia sedutora e na capacidade de aplicar contos aos otários ou, então, alguém que tem no samba um modo de discurso social. Ele é o porta-voz de setores populares ou da classe média brasileira2 2 Alguns grupos sociais ocupam uma posição liminar na estrutura social. Este é o caso dos malandros, dos capoeiras, dos boêmios, das prostitutas, dos saltimbancos, enfim, do lumpen-proletariado. Se, de um lado, muitas vezes são vistos como incontroláveis, parceiros da desordem e do crime, exemplos das classes perigosas, do outro lado podem ganhar voz na sociedade, ocasionalmente, como sugerem as análises clássicas de Karl Marx, "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", idem, Manuscritos Econômico-Filosóficos e Outros Textos Escolhidos; José Arthur Giannotti (org.), 2ª ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978, pp. 323-404; e Walter Benjamin, "A Paris do Segundo Império em Baudelaire", Sociologia, Flávio Kothe (org.), São Paulo, Ática, 1985, pp. 44-122. Como seres liminares, símbolos de fronteira, malandros, boêmios, capoeiras e outros carregam uma ambigüidade discursiva que ora os torna revolucionários, ora os transforma em reacionários. Com efeito, no Brasil, a malandragem tem sido apropriada por atores sociais diversos, oriundos de posições sociais diferentes, em momentos históricos específicos. Como linguagem, a malandragem permite ser investida de sentidos diferentes, quer expressando um certo estilo de vida, junto a grupos das classes populares, quer como metáfora política dos setores das classes médias. A este respeito, ver Gilmar Rocha, Honra e Valentia no Mundo da Malandragem, Dissertação de Mestrado em Sociologia, FAFICH-UFMG, 1993, p. 297; Roberto Goto, Malandragem Revisitada – Uma Leitura Ideológica de 'Dialética da Malandragem', Campinas, Pontes, 1988, p. 115. . Isto para não falar da malandragem como metáfora política (linguagem da fresta) em tempos de ditadura militar. Não é à toa Walt Disney ter escolhido o papagaio (animal conhecido pela sua capacidade de reproduzir a fala humana) para encarnar o simpático malandrinho Zé Carioca (1942). A fala do malandro, mais do que um discurso sobre a realidade, expressa uma ação simbólica por meio da qual esta realidade é significada.

É sabido que o vestuário designa um tipo de linguagem simbólica, um importante modo de significação cultural. Em particular, o vestuário do malandro pode ser visto como uma narrativa por meio da qual podemos ler e ver aspectos fundamentais do processo de construção da sua identidade social. Enquanto expressão estética de uma performance, a indumentária do malandro nos sugere ao menos duas ordens de questões convergentes, o que, em termos metodológicos, significa realizar uma dupla abordagem, ao mesmo tempo diacrônica e sincrônica. De um lado, pode-se observar a mudança de significado cultural do malandro e da malandragem no processo de construção das imagens da personagem ao longo da história; de outro, cruzando os discursos biográficos e artísticos, observa-se com maior clareza o vestuário do malandro como algo mais que uma simples preocupação estética com a indumentária3 3 Não se pode perder de vista que a análise específica do discurso literário, cinematográfico, memorialístico ou musical, cada qual expressa a seu modo um conjunto de representações singulares do malandro que, por si só, denunciam a performatividade da personagem. . A roupa é um símbolo de sua identidade e, neste sentido, pode ser vista como expressão de uma técnica corporal. E, aqui, penso em Mauss4 4 Marcel Mauss, Sociologia e Antropologia, São Paulo, Cosac & Naify, 2003, p. 536. e Turner5 5 Victor Turner, Anthropology of Performance, New York, PAJ, 1988, p. 185. , cujas formulações teórico-metodológicas são oportunas e fecundas para se compreender o modo como economia e estética, vestuário e performance, identidade e técnicas corporais interagem na composição das imagens do malandro.

Malandro à Moda Antiga

Anacrônico. Esta, talvez, seja a palavra que melhor traduz a impressão provocada por Moreira da Silva, quando, pouco tempo antes de sua morte, no ano 2000, o famoso sambista de breque ainda aparecia em público trajando sempre um indefectível terno de linho branco, sapato de duas cores e chapéu de panamá, à moda dos antigos malandros da Lapa. Kid Morengueira, este era o apelido de Antônio Moreira da Silva, descrevia sua indumentária dos anos 30, assim:

Nas folgas eu metia um 'choque' [roupa fina e engomada] e aparecia no 'ponto' [praça Tiradentes] como mandava o figurino, com meu linho branco HJ S120, camisa de seda 22 'momos' [chamada assim porque era importada de contrabando do Japão] e minha botina de pelica com botões de madrepérola. Isso era o fino do trajar de então6 6 Alice Campos et al., Um Certo Geraldo Pereira, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, pp. 69. .

Esta impressão de anacronismo é reforçada, se se leva em conta Homenagem ao Malandro, sucesso de Chico Buarque de Holanda do início dos anos 80, que, na interpretação de Oliven7 7 Ruben Oliven, Violência e Cultura no Brasil, 3ª ed., Petrópolis, Vozes, 1986, p. 86. , pode ser visto como o atestado de óbito daquela tal malandragem. De certa forma, a morte de Moreira da Silva, já que para muitos ele era o último malandro, é também a morte de um estilo de vida desenvolvido por setores populares da sociedade brasileira, sobretudo no Rio de Janeiro da primeira metade do século XX, no qual se destaca, entre outras coisas, uma grande preocupação estética do malandro com o seu vestuário8 8 Dizem alguns cronistas que o enterro de Meia-Noite, em 1938, um dos mais temidos e respeitados malandros que já passaram pela Lapa, reuniu uma multidão de pessoas e automóveis, como sempre acontece no enterro de grandes personalidades. Era a época de ouro da malandragem. Neste mesmo ano, era batizado com o nome de Madame Satã, um outro personagem, que, ao longo do tempo, entraria para a história do Rio de Janeiro como um mito da malandragem carioca. Porém, diferentemente de Meia-Noite, o enterro de Madame Satã, em 1976,reuniu algumas poucas pessoas que, como ele, viveram à margem da sociedade. Por esta época, dizem outros, o malandro agonizava junto com o bairro que o viu nascer, crescer, morrer e virar mito: a Lapa. O fim e/ou a morte de um suposto malandro autêntico, malandro de carne-e-osso, tem sido atestada por alguns pesquisadores do assunto, como se viu em nota anterior. Para uma visão crítica, ver Cláudia Matos, Acertei no Milhar _ Samba e Malandragem no Tempo de Getúlio, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, p. 222. .

Houve um tempo em que o uso de determinada roupa era também um modo de dizer se o indivíduo era ou não malandro. Haja vista as inúmeras falas e as representações sobre o malandro, presentes nos discursos biográficos e artísticos da música, da literatura e do cinema, onde as evocações do estilo malandro sugerem a imagem de uma personagem, cuja indumentária se confunde com suas qualidades humanas. Por exemplo,

[...] veste calça de linho branco, uma camisa colorida, sapatos de duas cores. É um tipo sorridente, comunicativo, envolvente, como um camelô carioca. Quando não está 'desfilando' de Getúlio é mais exuberante de gestos, mais 'largado' no andar. Seu apelido define uma característica fundamental de sua personalidade: a simpatia algo malandra e irresistível9 9 Dias Gomes & Ferreira Gullar, Dr. Getúlio, sua Vida e sua Glória, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, pp. 5-6. .

Assim, Dias Gomes e Ferreira Gullar apresentam Simpatia, o malandro, bicheiro e presidente de escola de samba e personagem central da peça Dr. Getúlio, sua Vida e sua Glória, de 1968. Trata-se de um nome que qualifica e referenda a imagem que se faz do malandro na sociedade brasileira10 10 Também em outras peças de Dias Gomes, figuras como Bonitão, Mirandão e Brilhantina, protagonistas das peças O Pagador de Promessas (1987) e O Rei de Ramos (1979), se vestem com ternos de linho branco, sapato de duas cores, chapéu de panamá, anéis nos dedos... O mesmo aplica-se a Pedro Mico, personagem de Uma lição de Malandragem, filme de Ipojuca Pontes (1985), baseado em peça homônima de Antônio Callado, ou então, ao imortal Vadinho, de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), do romance de Jorge Amado, vivido no cinema pelo ator José Wilker. .

Malandro de antigamente, malandro autêntico, era homem, até certo ponto, honesto. Tinha dignidade, era consciente do seu valor, da sua profissão. Vivia sempre limpo, usava camisa de seda-palha com botões de brilhantes, gravata de 'tussot', branca, sapato tipo 'carrapeta' (salto mexicano, relançado ultimamente). Na cabeça, chapéu do Chile, de conto-de-réis. Os dedos cheios de anéis, a carteira estufada de cédulas de cem11 11 Gasparino Damata, Antologia da Lapa – Vida Boêmia no Rio de Ontem, 2ª ed., Rio de Janeiro, Codecri, 1978, pp. 12. .

Andar bem vestido fazia parte do ethos malandro. A qualidade e a sensibilidade que o caracterizam correspondem à sua elegância. Mais do que uma questão de vaidade ou gosto pessoal, andar elegantemente vestido era uma obrigação imposta moralmente ao malandro. De fato, quando lemos seus registros biográficos, fica a impressão de que a própria malandragem se tornou, até certo ponto, uma moda. Por exemplo, as lembranças do sambista Wilson Batista sobre a boemia na Lapa dos anos 30 evidenciam quão preso à moda estava o malandro:

[...] uma Lapa cheirosa, lindos cabarés, com cantoras de tangos argentinos e malandros de camisas de seda japonesa e anel de brilhante no dedo. Mulheres de suarés... Tudo é alegria, tudo é boêmia, tudo é perfume... No Cabaré Brasil, é o Bueno Machado o cabaretier que já dançou uma vez na Europa para uma rainha, no Royal Pigalle. Temos também o cabaretier Max, com sua elegância, pendurado numa linda piteira, no Cabaré Roxi. Temos o Quito, que é o apresentador de shows no Apolo e é também o Rei do Maxixe. E como esquecer o Tamberlique, que canta tangos e que já trabalhou em vários cassinos da Côte D'Azur. Era assim a Lapa... Os malandros se vestem à última moda com grandes alfaiates que costuram também para altos políticos12 12 Bruno Gomes, Wilson Batista e sua Época, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1985, p. 20.

Toda esta preocupação estética do malandro com o vestuário acaba por revelar um pouco os contornos do sistema da moda, no Brasil da primeira metade do século passado, que aqui só posso anunciar13 13 Não é meu propósito desenvolver uma história da moda no Brasil da primeira metade do século XX, contudo, faz-se necessário lembrar que tudo começa com a chegada da Corte ao país, no início do século XIX, quando, então, as modas francesa e inglesa passam a ditar, de certa forma, os rumos do processo civilizatório. Durante muito tempo, civilizado era sinônimo de roupas: para os homens, em tons escuros, na forma retilínea, com tecidos grossos de lã, acompanhando a paisagem urbano-industrial inglesa; para as mulheres, após o abandono do espartilho, acentuava-se o sentido da forma corporal, contudo, sem eliminar por completo a presença de bordados, mangas fofas e brocados, sugere Gilda de Mello e Souza, O Espírito das Roupas – A Moda no Século XIX, São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 255. Após um longo período em que o uso da moda inglesa e/ou francesa representava obediência à lei da evolução social, aos poucos os jornais, os pedagogos e os médicos passam a recomendar uma vestimenta mais adequada ao clima tropical, sem perder de vista os males provocados pela moda à saúde física e à moral da mulher. Os setores populares não ficariam de fora do processo civilizatório, no que diz respeito à utilização do vestuário considerado adequado, haja vista a lei de obrigatoriedade do uso de sapatos e paletós imposta pela República nascente. A este respeito, ver Mônica Velloso, As Tradições Populares na Belle Epoque Carioca, Rio de Janeiro, FUNARTE-INL, 1988, p. 62; Nicolau Sevcenko, Literatura como Missão _ Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República, 3ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1989, p. 260. De acordo com Luís Edmundo, desde o século XVIII, o traje popular carioca era completamente inadequado ao clima tropical da cidade. Ver Luís Edmundo, O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis, 4ª ed., Rio de Janeiro, Conquista, 1956, vol. 2, pp. 291-356. .

A Rua como Passarela

Ampliando a idéia de moda, a rua aparece como o seu principal espaço de circulação entre setores diferentes das classes sociais. Ela é a principal passarela da moda. Em particular, a Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, que adquiriu, a partir dos anos 20 do século XIX, um status e um prestígio social que não ficaria a dever em nada às ruas da moda em Paris ou Londres14 14 A importância da Rua do Ouvidor é correspondente à importância de seus transeuntes. Mesmo sendo um território público aberto à circulação dos mais variados representantes da sociedade, a sua fama será devida à freqüência da elite carioca. De certa forma, a Rua do Ouvidor se tornou, no século XIX, uma espécie de passarela da moda, na medida em que ali transitavam as damas da alta sociedade, políticos e homens de negócio, que iam atrás das novidades introduzidas pelo estilo de vida moderno, ao mesmo tempo em que mostravam os bens de luxo, importados da Europa e adquiridos desde a última passagem, no dizer de Needell, por aquela que seria a versão carioca de um santuário do comércio elegante. Ver Jeffrey Needell, Belle Époque Tropical _ Sociedade e Cultura no Rio de Janeiro na Virada do Século, São Paulo, Companhia das Letras, 1993, p. 383. Contudo, isto também não impediu que a moda fosse criticada nos sambas e nas marchinhas de carnaval, como atestam os sucessos Sai Cartola (1925), de Raul Silva, ou então Os Calças Largas (1927), de Lamartine Babo e Gonçalves de Oliveira. Ver Edigar de Alencar, O Carnaval Carioca através da Música, 5ª ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1985, vol. 1, p. 355. . Ao mesmo tempo em que segregava, a rua produzia uma circularidade cultural em que smarts e dandis às vezes se confundiam com os malandros. Lembra o compositor Bororó, que, no início dos anos 30, escreveu:

Os almofadinhas, filhos de gente da melhor sociedade, estudantes das universidades, funcionários públicos, bancários, além da malandragem desempregada que infestava a cidade, eram uma turminha que inspirava afeto e respeito, composta só de buona gente; e andava numa impecável elegância, moldada pelas tesouras mágicas dos melhores alfaiates da moda: Nagib David, Tolipan, Almeida Rabello, Januário, etc. Usavam pitorescas barbas escanhoadas, unhas bem brunidas, sempre ostentando um chapéu de palha da Casa Albert Stetson, calçando-se no Cadete, Abrunhosa, etc. Usavam as belíssimas gravatas de seda de Lion ou Plastron, com uma pérola ou brilhante engastado, com aqueles laços primorosamente feitos. Geralmente eram grandes bailarinos, sempre bem acompanhados, com suas lindas frou-frou, gênero Nana imortalizada por Émile Zola15 15 Alberto Simoens da Silva (Bororó), Gente da Madrugada – Flagrantes da Vida Noturna, Rio de Janeiro, Guavira, 1982, p. 18. .

A preocupação com a aparência e a elegância no período pós-guerra parecia proporcional à penetração do sistema da moda norte-americano. Se, por um lado, é verdade que a moda expressa um processo de democratização nas sociedades modernas, como pensa Lipovetsky16 16 Gilles Lipovetsky, O Império do Efêmero – A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 294. , por outro lado, pode acontecer não ser bem recebida ou mesmo compreendida. É que, dependendo da moda, às vezes se valorizam mais certas partes do corpo, fazendo da roupa, mais do que um objeto ou mercadoria, uma instituição com forte significação moral. Por isto, andar pelas ruas da cidade com um vestido que realce a forma do corpo pode resultar em conflitos com os transeuntes. No entanto, isto muda conforme a percepção corporal dos grupos sociais. Esta percepção corporal diferente leva alguns cronistas a também estabelecerem uma distinção com relação ao malandro. Na verdade, mais do que haver um único tipo de malandro, Vagalume declara que

[...] o malandro seresteiro do Morro é muito diferente do malandro 'alinhado' dos cafés e dos 'bares', que freqüentam a zona tórrida, que aguardam nos botequins que as amantes os venham buscar para almoçar, jantar, ceiar [sic] e dormir. Não confundamos uns com os outros17 17 Francisco Guimarães (Vagalume), Na Roda do Samba, 2ª ed., Rio de Janeiro, FUNARTE, 1978, pp. 156.

Assim, parte das representações do malandro, trajando terno de linho branco, sapato de duas cores, anéis nos dedos, etc., segue de certa forma a moda imposta pelos setores burgueses da sociedade; como já referido, isto não impede a circulação da moda entre setores diferenciados, embora o significado da roupa possa variar18 18 A moda encontrará no samba, em alguns momentos, um aliado; um exemplo é o jingle Alfaiataria 'A Cidade', de Cartola e Paulo da Portela, no qual se canta: Vestir bem gastando pouco / Eis o problema louco / Que nós temos a resolver / Prestem atenção / Estou autorizado a dizer / Pagando só o feitio / Eis o plano inteligente / De uma casa aqui do Rio / Não pode haver / Maior felicidade / Só na Alfaiataria 'A cidade'", Marília T. Barboza da Silva & Arthur L. de Oliveira Filho, Cartola – Os Tempos Idos, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, p. 185. .

A preocupação estética do malandro com o vestuário representa seu principal investimento simbólico, pois estamos falando de um tipo de homem que, muitas vezes, não tem bens, nem propriedades, a não ser a roupa do corpo, como se diz19 19 É notório, por exemplo, o significado da roupa para a identidade do malandro nas composições de Noel Rosa. O compositor João da Baiana também reafirma esta condição em Cabide de Molambo, samba produzido em fins dos anos 20, no qual a relação dureza/malandragem é notória: Meu Deus eu ando / com o sapato furado / tenho a mania de andar engravatado (...) Minha camisa foi encontrada na praia / A gravata foi achada / Na Ilha da Sapucaia / Meu terno branco / Parece casca de alho / Foi a deixa de um cadáver / Do acidente do trabalho. Ver Cláudia N. Matos, "O Malandro no Samba (de Sinhô e Bezerra da Silva)", João Baptista Vargens (org.), Notas Musicais Cariocas, Petrópolis, Vozes, 1986, p. 44. . E, por isto mesmo, ela parece ao malandro algo tão importante, exigindo a confecção de uma nova indumentária sempre que podia. Muitas vezes, eram as festas populares, o momento e o lugar de exibir sua nova confecção. Por exemplo, a Festa da Penha era um destes espaços e momentos privilegiados que exigiam do malandro, sempre que possível, mandar fazer uma nova roupa, cuja apresentação em público representava uma espécie de ritual. Segundo o pesquisador carioca Jota Efegê, no início do século XX, por volta de 1910:

Como era convencional [os boêmios, sambistas, malandros, capoeiras] tinham a preocupação de aparecer no arraial ostentando uma 'beca', um 'pano' novo. De preferência branco, caprichosamente engomado e bem lustroso. Juntando ao terno um sapato alto 'carrapeta' que também estava sendo estreado na ocasião.

Devidamente enfatiotado na sua indumentária de calça 'boca de sino', ou tipo 'bombacha' com a boca bem estreita, o paletó bastante amplo, para que lhe facilitasse os movimentos na oportunidade de qualquer entrevero, o capoeira entrava triunfalmente no arraial. Aos primeiros 'oba!, oba!', com que o saudavam seus companheiros, ele sentia, na entonação efusiva, estar-se exibindo na elegância devida. A roupa em primeira exibição 'pintava' no arraial 'de acordo com o figurino' e a Nossa Senhora da Penha ia lhe dar muita sorte, pois esta era de sua crença20 20 Jota Efegê, "Para ir à Festa da Penha fazia-se uma 'beca' nova", Meninos, Eu Vi, Rio de Janeiro, FUNARTE-INL, 1985, pp. 75.

Aos poucos, sob a imagem do malandro estilizado, sempre elegante e alinhado, que mais prefere o jogo, a lábia, o conto, o golpe, surge o capoeira das lutas políticas nas ruas, os valentes de petrópolis e navalhas à mão, que fazem da violência mais do que um ganha pão, senão um estilo de vida21 21 É notório o parentesco entre o malandro e o capoeira, embora sejam personagens distintos. Inicialmente, a diferença consiste no fato de o capoeira, enquanto grupo social, estar relacionado à política do Brasil Império, ao passo que o malandro se confunde com o sambista. Porém, ambos são personagens identificados com o espaço urbano, sendo protagonistas de uma verdadeira cultura das ruas. Os capoeiras sofreriam duríssima repressão republicana até sua extinção, no início do século XX. Entre outras coisas, contribui para manter a confusão entre o malandro e o capoeira, além da presença de outros adjetivos como bambas e vadios, o fato de uns e outros tomarem emprestado objetos e técnicas corporais que os caracterizam, por exemplo, a navalha, o jogo da capoeira, o vestuário. Mesmo que o simbólico terno de linho branco do vestuário malandro esteja associado à profissionalização do sambista a partir dos anos 30 ou, como identifica Claúdia Matos, op. cit., a política estadonovista obrigou o malandro a regenerar-se, nos anos 40, encontrando no seu traje um modo de se apresentar como bom moço; posteriormente, nos anos 50, nos tempos da chanchada, o malandro tiraria o terno e, no seu lugar, passaria a usar uma camisa listrada, o fato é que, já na época dos capoeiras, ocasionalmente, a elegância no vestir já era preocupação de alguns indivíduos. São inúmeras as referências neste sentido, a começar pelos lenços brancos e vermelhos, usados no pescoço, que funcionam como símbolos de identificação das duas principais maltas da época: guaiamus e nagoas. A este respeito, ver, principalmente, Carlos Eugênio Soares, A Negregada Instituição – Os Capoeiras no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, SC-DGDI-DE-RJ, 1994, p. 335; e Marcos Luiz Bretas, "Navalhas e Capoeiras – Uma Outra Queda" , Ciência Hoje – Especial República, Rio de Janeiro, n. 59, novembro de 1989, pp. 56-64. . Era assim no tempo do Camisa Preta.

No Tempo do Camisa Preta

Camisa Preta – o nome é o registro de um hábito desta personagem, que só usava camisa de cor negra – foi mais um dos muitos malandros que engrossaram a lista dos temíveis e respeitados valentes que povoaram as ruas da Lapa até os idos de 40. Nomes como Sete Coroas, Meia Noite, Miguelzinho da Lapa, Joãozinho da Lapa, Nelson Naval, Madame Satã, etc. ainda hoje são lembrados por muitos cariocas que vêem no malandro dos anos 30/40 a antítese dos bandidos atuais. Daí, numa clara referência ao imaginário dos contos populares, Wilson Batista falar em História de Criança (samba de 1940) do malandro, como se o mesmo já fosse coisa do passado, a figura de um tempo longínquo e imemorial, capaz de produzir medo, quem sabe, somente nas crianças: As histórias de malandros / que eram tipos assim / chinelo cara de gato / bem brasileiro mulato / trazendo uma ginga no passo / violão debaixo do braço / gostando da Rosinha ou Risoleta / assim vivia o malandro / no tempo do Camisa Preta22 22 Cláudia Matos, op. cit. 1986, p. 35. .

Embora, hoje em dia, analisemos a malandragem como um sistema cultural específico, é praticamente impossível deixar de associá-la às expressões culturais do samba, do carnaval, da macumba, da capoeira, quando voltamos os olhos para o contexto histórico em que elas se desenvolveram. Em alguns momentos, lembrando a lógica do fato social total, de Marcel Mauss, é difícil separar o samba do carnaval, da malandragem, da capoeira e da macumba. A Casa da Tia Ciata pode ser vista como uma boa metáfora para descrever este sistema de interações e trocas culturais entre a macumba, a capoeira, a malandragem e o samba. Macumbeira de renome no início do século, Tia Ciata foi uma destas grandes baianas que ajudou a fazer a história cultural do Rio de Janeiro, chegando a figurar na literatura, pelas mãos de Mário de Andrade, em Macunaíma – o herói sem nenhum caráter23 23 Mario de Andrade, Macunaíma - herói sem nenhum caráter, Rio de Janeiro-LTC, São Paulo-SCCT, 1978, pp. 55-63. A edição original é de 1928. . A sua casa ficou famosa por revelar uma certa arquitetura cultural em que cada cômodo servia a um tipo de manifestação; de certa forma, todos estavam ligados pelo corredor que a atravessava de uma ponta a outra. Assim, na frente, para fugir aos olhos vigilantes e repressores da polícia, tocavam-se polcas e lundus, nos fundos, ficava o espaço reservado ao samba de partido-alto e, no terreiro, local freqüentado somente pelos bambas, é onde se jogava a pernada24 24 De acordo com Edson Carneiro, a pernada, também conhecida como batuque, é uma variação da capoeira, diz o autor: É uma competição individual. Um dos parceiros se planta, unindo bem as pernas, enquanto o outro, dançando à sua volta, aproveita qualquer momento de descuido para derrubá-lo com uma rasteira. Esta forma de luta, a banda, permaneceu, depois de eliminada no Rio a capoeira. É hoje, sem contestação, a forma de luta do povo, a sua grande arma de defesa pessoal: Edson Carneiro, A Sabedoria Popular, Rio de Janeiro, MEC-INL, 1957, p. 79. .

O famoso samba Pelo Telefone, de 1917, cuja autoria gerou uma grande polêmica25 25 Para uma síntese atualizada desta polêmica, ver Carlos Sandroni, Feitiço Decente – Transformações do Samba no Rio de Janeiro (1917-1933), Rio de Janeiro, Jorge Zahar-Editora UFRJ, 2001, pp. 118-130. , nasceu neste espaço, freqüentado não só pelos membros da comunidade negra, mas também por intelectuais famosos e personalidades da alta sociedade carioca. Trata-se de um território simbólico no qual samba e macumba, malandros e capoeiras se misturam, formando uma teia de significados, tomando emprestada a definição de cultura em Geertz26 26 Clifford Geertz, A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 323. .

Se, com o tempo, o capoeira ficou associado à política da época e, de certa forma, o malandro se tornou sinônimo de sambista, naquele momento, a confusão entre estas personagens denuncia um conjunto de outras relações e significados, onde política e cultura, dança e luta andam juntas e se misturam. A descrição dos capoeiras, realizada pelos cronistas da belle époque, não deixa dúvidas quanto ao papel desempenhado por sua indumentária, orquestrando seus movimentos corporais. É o que nos sugere Luís Edmundo em O Rio de Janeiro do Meu Tempo, quando descreve um conhecido tipo popular da época:

Manduca da Praia 'trepa na goiabeira' o que vale dizer que é um tanto cabra. Mostra a cabeleira encaracolada, caída sôbre a testa marron, paletó de um só botão, fechando em baixo, calças de linho, brancas, duras à fôrça de goma e de trincal, faixa e o luxo de umas botinas inteiriças, das de elástico, das chamadas 'reúnas' de 'sarto-arto' e sempre furiosamente engraxadas. No pescoço, lenço de faille azul Relógio com chatelaine de cabelo no bôlso da calça e um chapeuzinho 'três-pancadas', batido em tôldo de barraca, sôbre a linha dos olhos.

Manduca da Praia anda como um marreco, rebolando o traseiro, agitando o abombachado das calças, o violão sempre em unha27 27 Luís Edmundo, O Rio de Janeiro do Meu Tempo, 2ª ed., Rio de Janeiro, Conquista, 1957, pp. 376. Nos idos de 1865, o lendário Manduca da Praia era chefe da malta de capoeiras de Santa Luzia, reduto nagoas, opositores das maltas guaiamus, dentro da geografia política da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil Império. Sobre o capoeira, ver Mello Morais Filho, "Capoeiragem e Capoeiras Célebres (Rio de Janeiro)", Festas e Tradições Populares do Brasil, Belo Horizonte-Itatiaia, São Paulo-EDUSP, 1979, pp. 257-263. .

Personagem a serviço dos grupos políticos que disputam o poder, o capoeira será objeto de intensa repressão, organizada pelo regime republicano e liderada pelo Chefe de Polícia, Dr. Sampaio Ferraz, na virada do século28 28 O combate à malandragem se estende para além destes momentos iniciais, sendo também bastante intensa a perseguição física e ideológica aos malandros durante o período do Estado Novo (1937-1945). . Em estudo recente sobre o assunto, o escritor Luís Noronha conclui que as maltas de capoeiras exerciam mais do que um papel político, na medida em que também ditavam regras de comportamento social, dentre as quais se destacam:

1) nunca usar arma de fogo, só sendo permitidas a navalha e o cacete de pau; 2) nunca trabalhar nas segundas-feiras, sacrificando qualquer negócio para preservar esse princípio; 3) manter a identidade do grupo na forma de se vestir, usando calça larga de boca fina (a chamada calça boquinha, com bolso muito fundo, no qual cabiam fumo, dinheiro, cartas e a navalha), paletó sempre aberto, botina bico bem fino e lenço no pescoço. Este lenço, ou mesmo a camisa, devia ser de seda, já que, segundo corria nas ruas, o tecido cegava o fio da navalha. A roupa era sempre branca, porque traria marcadas as quedas no chão da rua; 4) andar sempre gingando, em postura de combate, apoiando-se numa perna e flexionando a outra, alternadamente; 5) nunca falar de perto com ninguém, exceção feita às mulheres; e 6) usar o chapéu como arma de defesa, dobrando-o mantendo-o na mão esquerda quando estiver em combate. O chapéu, abas largas, deve trazer presa uma fita com a cor característica de sua malta, vermelho para Nagoas, branco para Guaiamus29 29 Luiz Noronha, Malandros – Notícias de Um Submundo Distante, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2003, pp. 114. .

O vestuário e a performance do malandro, representado pelo capoeira, parece insinuar mais uma dança do que uma luta. E a sua atuação aos poucos vai sendo revelada pela funcionalidade dos elementos de sua indumentária. Neste momento, cada um deles torna-se uma peça fundamental da sua representatividade. É misturando dança com luta, samba com capoeira, carnaval com macumba, navalha com chapéu de palha, terno de linho branco com sapato de salto carrapeta, enfim, jogo de cintura com camisa de seda que o malandro performatiza sua identidade.

Terno de Linho Branco S-120

Sem entrar na discussão clássica, se o vestuário da moda é imitação e, em oposição, o costume e a tradição representam o autêntico, a roupa pode ser vista como algo constitutivo das técnicas corporais. Marcel Mauss as define como atos tradicionais e eficazes que não diferem dos atos mágicos, religiosos e simbólicos. Neste sentido, as técnicas corporais têm muito de uma atitude ecológica, no sentido de ser um processo baseado na experimentação e na melhor adequação do indivíduo ao meio ambiente e social30 30 Nos estudos de etnologia ameríndia, a roupa deixa de ser um objeto para tornar-se uma categoria de pensamento, a ponto de o corpo ser visto como uma roupa pelos nativos, sugere Eduardo Viveiros de Castro, "Os Pronomes Cosmológicos e o Perspectivismo Ameríndio", Mana – Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, PPGAS-Museu Nacional, vol. 2, nº 2, 1996, pp. 115-144. .

Isto fica claro em alguns sambas antológicos, como Senhor Delegado e Olha o Padilha. Nos dois, após a prisão pela polícia, o malandro tenta explicar-se e acaba por revelar muito das técnicas corporais, inscritas em sua indumentária e suas performances. Assim é que, no primeiro samba, destaca-se o momento em que o malandro diz:

Sou tecelão / Se ando alinhado / É porque gosto de andar na moda / Pois é / Se piso macio é porque tenho um calo / Que me incomoda na ponta do pé. [No segundo] E jogou uma melancia / Pela minha calça adentro que engasgou no funil / Eu bambeei ele sorriu / Apanhou a tesoura / E o resultado dessa operação / Foi que a calça virou calção31 31 Cláudia Matos, op. cit., 1982, pp. 56 e 58, respectivamente. O material bibliográfico utilizado não apresenta as datas de lançamento destes sambas, no entanto, em pesquisa na internet aparece como sendo 1957 o ano de gravação de Senhor Delegado, por Germano Mathias, porém a autoria é atribuída a Antoninho Lopes e Ernani Silva e não a Antoninho Lopes e Jaú, como normalmente consta nos livros; por sua vez, Olha o Padilha será lançado em 1952, por Moreira da Silva, samba composto juntamente com Bruno Gomes e Ferreira Gomes; ver: http://www.cliquemusic.com.br/artistas/artistas.asp?Status=DISCO&Nu_Disco=6679 e http://www.collectors.com.br/Vida&Obra/~MoreiraDaSilva.shtml .

Ao tentar justificar o modo de caminhar, o malandro se entrega. Seu andar enviesado acaba por explicitar um grande jogo de cintura e apurada técnica. Não é um balanceado qualquer; trata-se do famoso passo de urubu malandro, com o qual nossa personagem se move meio de banda, colocando-se o tempo inteiro em estado de prontidão. A propósito, segundo Miran de Barros Latif, o nome malandro traz na origem um vício ou um modo de mal andar32 32 Miran de Barros Latif, A Comédia Carioca, Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1962, p. 188. , metaforicamente falando, alguém que se desviou do caminho. Talvez, resida aí parte de seu poder de sedução, já que seducere significa desvio. Por outro lado, com relação ao teste da melancia, ironizado pelo malandro no samba, reza a lenda que o delegado Padilha, que realmente existiu, quando abordava um suspeito de malandragem, jogava um limão por dentro da cintura da calça. Caso o mesmo não passasse na altura do tornozelo, era detido como vadio. A finalidade deste teste era a de comprovar a identidade do malandro. A boca estreita da calça, dizem, impedia que, na luta, o malandro fosse derrubado pelas pernas.

Numa época em que a moda inglesa, a francesa e, até certo ponto, a americana ditavam as regras do vestuário, trajar um terno de linho branco era quase um crime. A julgar pelas observações de um contemporâneo da virada do século, diz Needell, o desgraçado que tentasse, corajosamente, atravessar, naquele tempo, as nossas ruas, mesmo pelo rigor do mais embravecido dos verões, vestindo um traje branco, mesmo de pano e bem cortado, receberia vaias ou seria tomado por maluco33 33 Marilia Barbosa da Silva et al., op. cit., p. 202. . O fato é que o branco estava associado ao que era próprio dos trópicos, ao passo que a cor negra representava a sobriedade e a autoridade da aristocracia, portanto, símbolo de civilização34 34 Desvalorizado, provavelmente, o tecido branco era mais barato. Câmara Cascudo ainda chama a atenção para a eficácia simbólica que o branco tem no imaginário afro-brasileiro; Luiz da Câmara Cascudo, Made in África, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p. 193. Também Carlos Eugênio Soares, op. cit., chama atenção para o significado das cores (branca e vermelha) nas maltas de capoeiras. . Por outro lado, não cair na batucada, não se deixar derrubar na pernada, não se sujar na roda de capoeira, sempre vestindo um elegante terno de linho branco, era um desafio constante ao qual o malandro se submetia. Espécie de ritual, participar das rodas de capoeira ou samba e mesmo nos casos de luta entre malandros e a polícia garantia respeito e reconhecimento público. De acordo com Marília Barboza da Silva et al., todos [os grandes malandros] freqüentavam as batucadas impecavelmente vestidos de terno de linho S-120 [...] como a fazer alarde da valentia, do não-medo de cair na lama e se sujar35 35 Marília B. Silva et al., Cartola, Os Tempos Idos, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, p. 33. . Para Maria Thereza Soares36 36 Maria T. Soares, São Ismael do Estácio, o Sambista que foi Rei, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1985, p. 122. , evitar que se sujasse o terno de linho branco era uma exigência do código da malandragem nos jogos de roda (capoeira, batucada, pernada, samba). Mas o que talvez melhor explique a presença do traje branco no contexto da malandragem seja, de certa forma, a relativização da ordem que ele insinua, em termos de liberdade e ócio. A bela poesia de Blaise Cendrars dá a exata medida do significado do Terno Branco nos idos de 20:

Passeio no convés com meu terno branco comprado em Daca

Nos pés minhas alpargatas compradas em Villa Garcia

Na mão minha boina basca trazida de Biarritz

Meus bolsos estão cheios de Caporal Ordinaire

De vez em quando farejo minha cigarreira de madeira da Rússia

Faço soar uns vinténs no meu bolso e uma libra esterlina de ouro

Tenho meu grande lenço calabrês e fósforos de cera dos grandes que só se acham em Londres.

Estou limpo lavado esfregado mais do que o convés

Feliz como um rei

Rico como um milionário

Livre como um homem37 37 Blaise Cendrars, Etc..., Etc... (Um livro 100% Brasileiro), São Paulo, Perspectiva, 1976, pp. 22. .

Mesmo que esta poesia seja dirigida ao consumidor conspícuo de Veblen38 38 Thorstein Veblen, Teoria da Classe Ociosa, São Paulo, Pioneira, 1965, p. 358. , era assim também que se sentia muitas vezes o negro, pobre e ex-escravo, nos primeiros anos da República, declara Fernandes39 39 Florestan Fernandes, O Negro no Mundo dos Brancos, São Paulo, Difel, 1972, p. 285. . A recusa em tornar-se um operário transforma o malandro em inimigo público da sociedade industrial capitalista. Preferir viver com o que o jogo permitir, / se a polícia consentir, / E [o que] Deus quiser propõe Noel Rosa no samba Malandro Medroso (1931); o malandro faz do não-trabalho, ou o que é considerado como tal, o seu trabalho. O jogo, o conto, o golpe e o roubo exigem dedicação e aplicação de técnicas como qualquer outra atividade de trabalho40 40 Situações onde o malandro expõe sua dedicação, cumprimento de horário, etc., por exemplo, durante um assalto, são narrados por Edmylson Perdigão, Linguajar da Malandragem, Rio de Janeiro, s/ed., 1940, p. 143. . Mas serão os objetos que compõem o vestuário do malandro fundamentais para o desenvolvimento de suas performances corporais. A navalha, o violão, a caixa-de-fósforo, o chapéu de palha, os anéis nos dedos, cada um desempenha um papel fundamental na caracterização da personagem.

Durante muito tempo, a faca e o porrete foram objetos inseparáveis dos capoeiras e dos malandros nos conflitos de rua. O cronista carioca Luís Edmundo reconhece a presença destes objetos desde o século XVIII, sendo, posteriormente, substituídos pela navalha e, no futuro, pelo revólver. Os petrópolis, porretes utilizados pelos capoeiras no início da República, eram armas letais, assim como as navalhas, também chamadas pastorinhas. A navalha tornou-se uma marca registrada do malandro, daí toda mística em torno da camisa de seda. Durante o conflito, quando aplicada sobre o tecido, a navalha escorre, desliza; dizem navalha não corta seda. De certa forma, a navalha e a seda parecem atualizar o mesmo dilema vivido na cultura japonesa entre o crisântemo e a espada, ilustrado magnificamente no estudo de Benedict41 41 Ruth Benedict, O Crisântemo e a Espada – Padrões da Cultura Japonesa, São Paulo, Perspectiva, 1972, p. 276. Como o título já sugere, expressa o padrão cultural japonês, mas que será visto como um dilema pelos Estados Unidos. Afinal, como pode um povo tão delicado, estético, obediente, cortês ser também o mais agressivo, traiçoeiro, insolente dos inimigos que os norte-americanos tiveram, numa guerra total? A lição nipônica (oriental) é que, o crisântemo e/ou a seda podem revelar-se mais fortes e resistentes do que o aço frio e duro das espadas e das navalhas. Do ponto de vista histórico, embora o malandro lance mão da navalha, simbolicamente sua arma principal é a ginga (inclusive com as palavras). Neste sentido, a seda aponta para uma estetização da personagem mais afeita, na aparência, aos jogos corporais (e também jogos de linguagem) do que aos conflitos armados propriamente ditos. . Ao corpo atingido, resta o estigma da cicatriz42 42 Desnecessário dizer que o uso da navalha exige do malandro habilidade, força e coragem, afinal, a luta acontece corpo-a-corpo. Numa performance única, alguns malandros desenvolveram certas técnicas que lhes permitiam uma maior distância dos rivais. O malandro Cintura Fina, conhecido como Rei da Navalha na Belo Horizonte dos anos 50/60, conta, em entrevista concedida em rádio local nos anos 90, ter desenvolvido a técnica de lançar e puxar a navalha presa a um cordão, como se fosse uma brincadeira de iô-iô, visando atingir o rival à distância. Por sua vez, dizem que Madame Satã, em conflitos abertos com vários policiais, tirava o chinelo cara-de-gato e prendia entre os dedos do pé a sua sueca (marca de navalha). Apoiando as mãos no chão e os pés em suspenso, rodopiando o corpo, o malandro ia cortando os rivais ao redor. Seguramente, o salto carrapeta do sapato funciona no sentido de facilitar os volteios, os rodopios, exigido pelos rabos-de-arraia aplicados durante a luta, ou mesmo para facilitar a brincadeira nas rodas de capoeira e de samba. .

A agilidade nas pernas e a habilidade nas mãos eram técnicas exigidas do malandro, não só durante os momentos de luta, ao contrário, comumente era nas rodas de samba e nas brincadeiras da capoeira, no jogo da pernada e do baralho que tais técnicas, somadas ao vestuário, permitiam a eficácia da performance do malandro. Por exemplo, os anéis nos dedos, mais do que um ornamento, um símbolo de distinção social ou vaidade pessoal, podiam funcionar como um instrumento de trabalho. Nas recordações do ex-policial paulista Meirelles, os malandros usavam um anel-espelho, certo, então ele via as cartas e mostrava para o parceiro, então a gente chegava e prendia esses malandros (...)43 43 Márcia R. Ciscati, Malandros da Terra do Trabalho – Malandragem e Boêmia na Cidade de São Paulo (1930-1950), São Paulo, Annablume, 2000, pp. 201. . Por sua vez, o chapéu de palha, além de servir de escudo ou ajudar a confundir o rival durante o conflito, também funcionava como instrumento de percussão, substituindo o pandeiro. Com o tempo, a cantor Cyro Monteiro iria trocar o chapéu de palha, patenteado como instrumento de percussão pelo cantor Luís Barbosa, pela caixa-de-fósforo44 44 Se aqui a caixa-de-fósforo aparece como um instrumento de percussão, há quem diga que sua utilização obedecia também à matéria contábil, ou seja, o malandro controlava o número de fregueses atendidos pelas prostitutas que explorava colocando um palito em sentido contrário na caixa. Ver Nestor Holanda, Memórias do Café Nice – Subterrâneos da Música Popular e da Vida Boêmia no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Conquista, 1969, p. 301. . Mas será o violão, ao lado da navalha, o símbolo principal na definição da personagem. O violão era de tal modo associado à malandragem, que o compositor Orestes Barbosa fala que o célebre Major Vidigal, chefe de polícia na época do Império, qualificava como crime o simples ato de tocar violão. Bastava um exame de datiloscopia para se provar a índole do réu, assim recomendava ao Juiz: E se V. Exa. ainda tiver sombras de dúvidas quanto à conduta do réu, queira examinar-lhe as pontas dos dedos e verificará que ele toca violão45 45 Orestes Barbosa, Samba, sua História, seus Poetas, seus Músicos e seus Cantores, 2ª ed., Rio de Janeiro, FUNARTE, 1978, p. 29. Também Carlos Sandroni, op. cit., reconhece o violão como um dos principais símbolos de identificação do vadio e, posteriormente, do malandro. .

Em suma, a roupa não está descolada do corpo do malandro, ao contrário, parece-lhe uma segunda pele. Pode-se mesmo sugerir que a roupa e os objetos que compõem sua indumentária estabelecem com a personagem uma relação semelhante à descrita por Gonçalves, acerca do patrimônio, em que os bens materiais não são classificados como objetos separados dos seus proprietários46 46 José Reginaldo Gonçalves, "O Patrimônio como Categoria de Pensamento", Regina Abreu & Mário Chagas (orgs.), Memória e Patrimônio – Ensaios Contemporâneos, Rio de Janeiro, DP&A, 2003, pp. 23. . Assim, no conjunto das representações que se fazem do malandro, seja no teatro, na música, no cinema e mesmo nas representações que ele faz de si mesmo, através das memórias, a roupa não aparece como algo separado do corpo e/ou de sua identidade. A combinação dos elementos da sua indumentária – os tecidos de linho ou seda, as cores branca ou preta, o sapato de salto carrapeta ou chinelo cara-de-gato, a gravata ou o lenço no pescoço, chapéu de panamá ou de palha – sugerem uma variação de sentido na personagem47 47 Por exemplo, nos sambas Camisa Listrada (1937), de Assis Valente, e Camisa Amarela (1939), de Ary Barroso, fica claro que mais do que vestir uma roupa, o malandro é que é investido de uma ação e/ou comportamento inscritos no listrado ou na cor amarela, os quais ele não controla. .

Camisa Listrada

Sem dúvida nenhuma, a principal referência do vestuário malandro no campo musical é Lenço no Pescoço, samba de Wilson Batista, gravado pela primeira vez em 1933. Nesta composição, como se pode ver à frente, o malandro é representado de maneira violenta, um tipo social perigoso, um homem cuja qualidade principal é ser valente. Seja o do morro, seja o da Lapa e, neste caso, o nome do bairro está inextricavelmente ligado aos nomes de famosos malandros que ajudaram a fazer a história e a criar a fama do bairro da boemia carioca, a sua imagem está associada à desordem, à vadiagem, ao mundo do crime. O fato é que esta composição provocaria uma reação imediata de Noel Rosa que, preocupado em regenerar a poética da malandragem, escreve, então, Rapaz Folgado (1933):

Lenço no Pescoço, Wilson Batista

Meu chapéu de lado

Tamanco arrastando

Lenço no pescoço

Navalho no bolso

Eu passo gingando

Provoco e desafio

Eu tenho orgulho

Em ser tão vadio

Sei que eles falam

Deste meu proceder

Eu vejo quem trabalha

Andar no miserê

Eu sou vadio

Porque tive inclinação

Eu me lembro era criança

Tirava samba-canção

Comigo não

Eu quero ver quem tem razão.

Rapaz Folgado, Noel Rosa

Deixa de arrastar o teu tamanco,

Pois tamanco nunca foi sandália,

Tira do pescoço o lenço branco,

Compra sapato e gravata,

Joga fora esta navalha

Que te atrapalha.

Com o chapéu de lado deste rata,

Da polícia quero que te escapes

Fazendo um samba-canção.

Já te dei papel e lápis,

Arranja um amor e um violão.

Malandro é palavra derrotista

Que só serve pra tirar

Todo o valor do sambista.

Proponho ao povo civilizado

Não te chamarem de malandro

E sim de rapaz folgado.

este sentido, a roupa parece investida de poderes mágicos. Dos contos populares infantis, passando pelos rituais de xamanismo à moda produzida nas sociedades industriais, sem dúvida, a roupa (vestuário, indumentária) constitui-se num importante sistema simbólico.

O resultado seria a composição de pelo menos outras seis músicas de Wilson e Noel que, posteriormente, seriam reunidas em um único disco; hoje, um objeto raro. Mas esta polêmica tem o mérito de tornar pública a guerra de imagens na representação do malandro48 48 À primeira vista, poder-se-ia supor haver aí um conflito de classes, permeando as representações do malandro. Embora freqüentassem os mesmos ambientes, Wilson Batista e Noel Rosa tinham origens sociais diferentes, que se expressariam tanto na escolaridade desigual (Wilson tinha instrução primária incompleta, já Noel chegou a freqüentar por dois anos a faculdade de Medicina), quanto nas diferenças musicais que a referida polêmica dramatiza. Em outras palavras, na interpretação de Carlos Sadroni, op. cit., a polêmica expressa a mudança de estilo musical do samba no início dos anos 30. Para Bruno Gomes, op. cit., Wilson e Noel eram amigos e a polêmica teve como motivação a disputa por uma cabrocha; já Almirante, op. cit., declara ser sido Noel tomado de um espírito de regeneração do samba, que sofria com a temática da malandragem em moda na época. O fato é que Noel parece ter levado a melhor, na medida em que sua domesticação do malandro-valente coincidia com a repressão da vadiagem imposta pelo Estado Novo (1937-1945). Mas seria ingenuidade pensar que Wilson Batista não estivesse atento às mudanças na malandragem, ao contrário, em alguns sambas posteriores fica patente a consciência de tal transformação como, por exemplo, História de Criança (1940), História da Lapa (1953) e, principalmente, o antológico O Bonde São Januário, sucesso do carnaval de 1941, no qual se cantava: Quem trabalha é que tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar / O bonde São Januário / Leva mais um operário / Sou eu que vou trabalhar / Antigamente eu não tinha juízo / Mas resolvi garantir meu futuro / Veja você / Sou feliz, vivo muito bem / A boêmia não dá camisa a ninguém, Wilson Batista, História da Música Popular Brasileira, São Paulo, Abril Cultural, 1982. Agradeço a lembrança de Adriana Facina para a importância deste samba. .

Por outro lado, esta polêmica parece sugerir algo mais amplo e complexo, na medida em que envolve um processo de domesticação da malandragem, que se inicia na República Velha, passa pela política do Estado Novo (1937-1945) e atinge os anos 70, com a ditadura militar. Todo este processo seria magistralmente captado e fixado pelo compositor popular Chico Buarque, em sua Ópera do Malandro e, especificamente, sintetizados no samba Homenagem ao Malandro49 49 Chico Buarque de Holanda, Ópera do Malandro, 3ª ed., São Paulo, Cultura, 1980, p. 248. . Porém, mais do que decretar o fim da malandragem, o que Chico Buarque revela são as transformações pelas quais ela passou. Trata-se de um processo em que a imagem do malandro vai sendo depurada, ressemantizada. Se o futuro lhe reservou pra valer um destino menos nobre, o malandro com contrato, com gravata e capital surge como um novo estilo de malandragem, senão uma forma mais estilizada e disciplinada. Aos poucos, sua imagem vai deixando de ser associada à violência ou à valentia, ganhando uma conotação mais romântica e, até certo ponto, folclórica. O número crescente de representações do malandro trajando camisa listrada parece ser proporcional à sua valorização, como sugere o estudo clássico de Cecília Meireles50 50 Cecília Meireles, Batuque, Samba e Macumba – Estudos de Gestos e de Ritmo 1926-1934, Rio de Janeiro, FUNARTE-INF, 1983, p. 105. a este respeito. É como se, ao se profissionalizar pela música, o malandro se tornasse, simultaneamente, bem comportado51 51 De certa forma, esta é também a tese defendida por Sandroni, op. cit., em particular no capítulo que dá título ao livro: O Feitiço Decente, pp. 169-185. .

A partir dos anos 40, o processo de modernização da sociedade brasileira atinge em cheio a malandragem e o antigo bairro da boemia carioca, a Lapa. Neste processo, o próprio malandro sofreria grandes modificações, que podem ser observadas no cinema produzido na época. Ganham destaque os malandros viradores, tipos urbanos altamente simpáticos, que tentam vencer na vida por meio de pequenos golpes e muita confusão. Grande Otelo, Oscarito, Dercy Gonçalves, artistas oriundos de circo, com muita presença de espírito, incorporam o seu papel, mas nem sempre estão vestidos a caráter. Exceção para os musicais, estilo Carnaval Atlântida (1952), onde os dançarinos aparecem vestidos com calça e sapatos brancos, chapéu de palha e camisa listrada. Uma versão que parece mais em sintonia com o papel da baiana, performatizado, na época, por Carmen Miranda, no filme Banana da Terra, de 1939.

Vários autores chamam a atenção para o processo de disciplinarização vivido pelo malandro neste período52 52 Como que fazendo eco às transformações na malandragem, o jornalista e compositor Davi Nasser assim lembrava dos malandros antigos: Os homens do morro são operários de todas as profissões, pedreiros, marceneiros, carregadores, trabalhadores do cais, ocupações dignas e decentes. Não mais aqueles barulhentos valentões do tempo de Camisa Preta. Usam ainda chinelos cara-de-gato, camisas abertas ao peito, andam daquele mesmo jeito bamboleante, na jinga malandra, reúnem nas esquinas do morro, conservam a mesma gíria, mas já não levam a mesma vida. De todas as tradições apenas uma se manteve, firme e inalterável: o samba", David Nasser, Parceiros da Glória – 45 Anos na Música Popular, Rio de Janeiro-Brasília, José Olympio-INL, 1983, p. 50. É preciso que se diga, todo este processo está em sintonia com o de valorização do mulato e da mestiçagem, iniciado a partir dos anos 30. Ver Lília M. Schwarcz, "Complexo de Zé Carioca: Notas sobre uma Identidade Mestiça e Malandra", XVIII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, novembro de 1994, p. 35. . Para Orestes Barbosa, com a evolução da cidade, o malandro largou a bombacha, a botina de salto alto, o chapéu desabado e a moca – bengala de grossura ostensiva, como também usavam os policiais53 53 Orestes Barbosa, Bambambã!, 2ª ed., Rio de Janeiro, SMC-DGDIC-DE, 1993, p. 99. . Só não abandonou por completo, pelo menos inicialmente, a navalha. Mas, com o tempo, a exemplo do que já prenunciava Noel Rosa em Século do Progresso (1934), o revólver teve ingresso/ Pra acabar com a valentia. Ainda nesta linha de interpretação, Oliven apresenta, em uma importante nota, as observações de um apologista do Estado Novo, declarando a civilidade adquirida pelo malandro nos idos de 40:

O qualificativo 'malandro' corrompeu-se com o tempo. Agora designa o indivíduo esperto, que não se deixa iludir, e, também, não se lamenta, salvo quando a cabrocha abandona o 'barraco'... Não é mais, pois, o malandro, homem da desordem, que agride, que mata. A navalha e o revólver foram substituídos pelo pandeiro, pelo violão, pelo cavaquinho. É tangendo esses instrumentos que ele 'desacata'. Aquele tipo clássico, de calças largas e inteiriças, de salto carrapeta, chapéu de banda, desapareceu. Civilizou-se. No lugar do lenço, a gravata. Não senta mais à beira do barranco para compor sambas. Vem para a Avenida. Vem fazê-los à mesa do Nice. Usa roupas de bom alfaiate. A transformação foi completa. E explicável. Facilmente explicável. Valorizou-se a música popular. Habilidades foram aproveitadas. O povo canta. Os salões repetem. Dão sua arte, seu talento à poesia, à música popular, nomes de realce. O povo, que é sempre justo, aprecia, sente no interessante 'argot' das trovas musicais, nos queixumes e nas alegrias dos cancioneiros 'do morro' toda a policromia da própria vida que passa na simplicidade da verdade, que dia a dia nos depara. O homem das favelas, agora, vinga-se, zomba batendo chapéu de palha e tangendo o 'pinho', orando à lua, cuja luz entra pelos buracos do zinco, iluminando todo o 'barraco' [...]54 54 Cruz, apud Oliven, op. cit., pp. 52-53. .

Reside aí, talvez, o sentido da pergunta que serve de título a um importante samba do período: Que rei sou eu? (1945), de Herivelto Martins e Waldemar Ressurreição. Como nos mostra a história do tecido listrado, o vestuário do malandro adquire um sentido positivo, sem deixar de insinuar uma certa marginalidade consentida pela sociedade55 55 O tecido listrado conquistou no mundo moderno uma significação mais positiva, contudo, nunca superou de todo a imagem da ambivalência. Em um belo estudo sobre o listrado, o historiador Michel Pastoureau revela as múltiplas significações de transgressão, revolucionário, herege e desordem que ele carrega ou de que é portador. Daí, muitas vezes indivíduos, animais e objetos, tais como prisioneiros, marinheiros, gangsters, palhaços, tendas de circo, zebras e tigres representarem desordem e perigo, senão marginalidade e má sorte. Ver Michel Pastoureau, O Tecido do Diabo – Uma História das Riscas e dos Tecidos Listrados, Lisboa, Estampa, 1991, p. 116. . Os anos 70 trouxeram de volta o malandro, (in)vestindo-o de uma nova significação cultural mais verbal e menos corporal, e tão bem performatizada por Chico Buarque. Os estudos sociológicos sobre a malandragem produzidos neste período são o melhor indicativo disto.

O Guarda-Roupa do Malandro

Em síntese, o guarda-roupa do malandro, se assim me posso referir ao conjunto das imagens do seu vestuário, evidencia uma lógica na qual um certo estilo de roupa corresponde a um determinado comportamento. Dependendo da combinação, se camisa listrada ou camisa de seda, sapato branco ou chinelo cara-de-gato, gravata ou um lenço amarrado ao pescoço, a roupa denuncia um momento histórico ou sua inserção na geografia da cidade. Vimos que não há um único tipo de malandro, ao contrário, parece haver mesmo um sistema da malandragem em que o malandro do morro se veste diferente do malandro da Lapa que, por sua vez, se veste diferente do malandro dos terreiros de macumba, que também é diferente do malandro do carnaval, mas nem sempre estas nuances são tão claras e distintas. Sem desprezar todas estas variações, basicamente dois tipos paradigmáticos dividem as principais representações da personagem: de um lado, encontramos o simpático e alegre malandro-sambista, quase sempre usando chapéu de palha, camisa listrada e sapato branco, por vezes tão bem representado na pintura de Heitor dos Prazeres; do outro lado, o malandro-valente, normalmente boêmio e violento, comumente vestido de terno branco, sapato de duas cores, chapéu de panamá, guarda uma certa familiaridade com o antigo capoeira de paletó, chapéu de panamá e lenço no pescoço. Não é difícil encontrarmos os que incorporam duplamente as representações do malandro esperto, simpático e cheio de gingas, e do malandro valente, boêmio, elegante e explorador de mulheres.

O fato é que o guarda-roupa do malandro, se assim nos podemos expressar, metaforicamente, acerca das variações de estilo e da multiplicidade de ornamentos que paramentam a personagem, é extremamente rico em simbolismos e significados sociais. Ele denuncia as mudanças de status pelas quais passou a sua identidade. A predominância de um certo estilo de roupa, com suas cores, material utilizado, quem a utiliza, como a utiliza, qual a justificativa para tal utilização, enfim, são algumas perguntas que vão surgindo quando se descobre, por trás da imagem elegante do malandro de terno de linho branco, a representação de outros malandros, outras roupas e outros significados sociais56 56 De acordo com a descrição do sambista Germano Matias, o vestuário do malandro paulista, nos anos 50, se assemelha à indumentária dos boppers americanos. Ver Patrice Bollon, A Moral da Máscara – Merveilleux, Zazous, Dândis, Punks etc., Rio de Janeiro, Rocco, 1993, p. 236; Márcia Ciscati, op. cit. .

Artigo recebido em janeiro de 2005 e aprovado para publicação em outubro de 2005.

  • * É como parte de uma investigação em curso que este texto deve ser visto e lido. Neste sentido, o que aqui se apresenta são notas introdutórias a um campo de estudos relativamente novo para mim, o da antropologia do vestuário; embora tenha alguma familiaridade com o tema da malandragem, retomá-lo tem significado também um novo exercício de estranhamento. Ver Gilmar Rocha, O Rei da Lapa Madame Satã e a Malandragem Carioca, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2004, p. 176.
  • 1 Almirante, No Tempo de Noel Rosa, 2Ş ed., Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1977, p. 79.
  • 2 Alguns grupos sociais ocupam uma posição liminar na estrutura social. Este é o caso dos malandros, dos capoeiras, dos boêmios, das prostitutas, dos saltimbancos, enfim, do lumpen-proletariado. Se, de um lado, muitas vezes são vistos como incontroláveis, parceiros da desordem e do crime, exemplos das classes perigosas, do outro lado podem ganhar voz na sociedade, ocasionalmente, como sugerem as análises clássicas de Karl Marx, "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", idem, Manuscritos Econômico-Filosóficos e Outros Textos Escolhidos; José Arthur Giannotti (org.), 2Ş ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978, pp. 323-404;
  • e Walter Benjamin, "A Paris do Segundo Império em Baudelaire", Sociologia, Flávio Kothe (org.), São Paulo, Ática, 1985, pp. 44-122.
  • Como seres liminares, símbolos de fronteira, malandros, boêmios, capoeiras e outros carregam uma ambigüidade discursiva que ora os torna revolucionários, ora os transforma em reacionários. Com efeito, no Brasil, a malandragem tem sido apropriada por atores sociais diversos, oriundos de posições sociais diferentes, em momentos históricos específicos. Como linguagem, a malandragem permite ser investida de sentidos diferentes, quer expressando um certo estilo de vida, junto a grupos das classes populares, quer como metáfora política dos setores das classes médias. A este respeito, ver Gilmar Rocha, Honra e Valentia no Mundo da Malandragem, Dissertação de Mestrado em Sociologia, FAFICH-UFMG, 1993, p. 297;
  • Roberto Goto, Malandragem Revisitada Uma Leitura Ideológica de 'Dialética da Malandragem', Campinas, Pontes, 1988, p. 115.
  • 4 Marcel Mauss, Sociologia e Antropologia, São Paulo, Cosac & Naify, 2003, p. 536.
  • 5 Victor Turner, Anthropology of Performance, New York, PAJ, 1988, p. 185.
  • 6 Alice Campos et al., Um Certo Geraldo Pereira, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, pp. 69.
  • 7 Ruben Oliven, Violência e Cultura no Brasil, 3Ş ed., Petrópolis, Vozes, 1986, p. 86.
  • 8 Dizem alguns cronistas que o enterro de Meia-Noite, em 1938, um dos mais temidos e respeitados malandros que já passaram pela Lapa, reuniu uma multidão de pessoas e automóveis, como sempre acontece no enterro de grandes personalidades. Era a época de ouro da malandragem. Neste mesmo ano, era batizado com o nome de Madame Satã, um outro personagem, que, ao longo do tempo, entraria para a história do Rio de Janeiro como um mito da malandragem carioca. Porém, diferentemente de Meia-Noite, o enterro de Madame Satã, em 1976,reuniu algumas poucas pessoas que, como ele, viveram à margem da sociedade. Por esta época, dizem outros, o malandro agonizava junto com o bairro que o viu nascer, crescer, morrer e virar mito: a Lapa. O fim e/ou a morte de um suposto malandro autêntico, malandro de carne-e-osso, tem sido atestada por alguns pesquisadores do assunto, como se viu em nota anterior. Para uma visão crítica, ver Cláudia Matos, Acertei no Milhar _ Samba e Malandragem no Tempo de Getúlio, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, p. 222.
  • 9 Dias Gomes & Ferreira Gullar, Dr. Getúlio, sua Vida e sua Glória, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, pp. 5-6.
  • 11 Gasparino Damata, Antologia da Lapa Vida Boêmia no Rio de Ontem, 2Ş ed., Rio de Janeiro, Codecri, 1978, pp. 12.
  • 12 Bruno Gomes, Wilson Batista e sua Época, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1985, p. 20.
  • 13 Não é meu propósito desenvolver uma história da moda no Brasil da primeira metade do século XX, contudo, faz-se necessário lembrar que tudo começa com a chegada da Corte ao país, no início do século XIX, quando, então, as modas francesa e inglesa passam a ditar, de certa forma, os rumos do processo civilizatório. Durante muito tempo, civilizado era sinônimo de roupas: para os homens, em tons escuros, na forma retilínea, com tecidos grossos de lã, acompanhando a paisagem urbano-industrial inglesa; para as mulheres, após o abandono do espartilho, acentuava-se o sentido da forma corporal, contudo, sem eliminar por completo a presença de bordados, mangas fofas e brocados, sugere Gilda de Mello e Souza, O Espírito das Roupas A Moda no Século XIX, São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 255.
  • Após um longo período em que o uso da moda inglesa e/ou francesa representava obediência à lei da evolução social, aos poucos os jornais, os pedagogos e os médicos passam a recomendar uma vestimenta mais adequada ao clima tropical, sem perder de vista os males provocados pela moda à saúde física e à moral da mulher. Os setores populares não ficariam de fora do processo civilizatório, no que diz respeito à utilização do vestuário considerado adequado, haja vista a lei de obrigatoriedade do uso de sapatos e paletós imposta pela República nascente. A este respeito, ver Mônica Velloso, As Tradições Populares na Belle Epoque Carioca, Rio de Janeiro, FUNARTE-INL, 1988, p. 62;
  • Nicolau Sevcenko, Literatura como Missão _ Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República, 3Ş ed., São Paulo, Brasiliense, 1989, p. 260.
  • De acordo com Luís Edmundo, desde o século XVIII, o traje popular carioca era completamente inadequado ao clima tropical da cidade. Ver Luís Edmundo, O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis, 4Ş ed., Rio de Janeiro, Conquista, 1956, vol. 2, pp. 291-356.
  • 14 A importância da Rua do Ouvidor é correspondente à importância de seus transeuntes. Mesmo sendo um território público aberto à circulação dos mais variados representantes da sociedade, a sua fama será devida à freqüência da elite carioca. De certa forma, a Rua do Ouvidor se tornou, no século XIX, uma espécie de passarela da moda, na medida em que ali transitavam as damas da alta sociedade, políticos e homens de negócio, que iam atrás das novidades introduzidas pelo estilo de vida moderno, ao mesmo tempo em que mostravam os bens de luxo, importados da Europa e adquiridos desde a última passagem, no dizer de Needell, por aquela que seria a versão carioca de um santuário do comércio elegante. Ver Jeffrey Needell, Belle Époque Tropical _ Sociedade e Cultura no Rio de Janeiro na Virada do Século, São Paulo, Companhia das Letras, 1993, p. 383. Contudo, isto também não impediu que a moda fosse criticada nos sambas e nas marchinhas de carnaval, como atestam os sucessos Sai Cartola (1925), de Raul Silva, ou então Os Calças Largas (1927), de Lamartine Babo e Gonçalves de Oliveira. Ver Edigar de Alencar, O Carnaval Carioca através da Música, 5Ş ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1985, vol. 1, p. 355.
  • 15 Alberto Simoens da Silva (Bororó), Gente da Madrugada Flagrantes da Vida Noturna, Rio de Janeiro, Guavira, 1982, p. 18.
  • 16 Gilles Lipovetsky, O Império do Efêmero A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 294.
  • 17 Francisco Guimarães (Vagalume), Na Roda do Samba, 2Ş ed., Rio de Janeiro, FUNARTE, 1978, pp. 156.
  • 18 A moda encontrará no samba, em alguns momentos, um aliado; um exemplo é o jingle Alfaiataria 'A Cidade', de Cartola e Paulo da Portela, no qual se canta: Vestir bem gastando pouco / Eis o problema louco / Que nós temos a resolver / Prestem atenção / Estou autorizado a dizer / Pagando só o feitio / Eis o plano inteligente / De uma casa aqui do Rio / Não pode haver / Maior felicidade / Só na Alfaiataria 'A cidade'", Marília T. Barboza da Silva & Arthur L. de Oliveira Filho, Cartola Os Tempos Idos, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, p. 185.
  • 19 É notório, por exemplo, o significado da roupa para a identidade do malandro nas composições de Noel Rosa. O compositor João da Baiana também reafirma esta condição em Cabide de Molambo, samba produzido em fins dos anos 20, no qual a relação dureza/malandragem é notória: Meu Deus eu ando / com o sapato furado / tenho a mania de andar engravatado (...) Minha camisa foi encontrada na praia / A gravata foi achada / Na Ilha da Sapucaia / Meu terno branco / Parece casca de alho / Foi a deixa de um cadáver / Do acidente do trabalho. Ver Cláudia N. Matos, "O Malandro no Samba (de Sinhô e Bezerra da Silva)", João Baptista Vargens (org.), Notas Musicais Cariocas, Petrópolis, Vozes, 1986, p. 44.
  • 20 Jota Efegê, "Para ir à Festa da Penha fazia-se uma 'beca' nova", Meninos, Eu Vi, Rio de Janeiro, FUNARTE-INL, 1985, pp. 75.
  • 21 É notório o parentesco entre o malandro e o capoeira, embora sejam personagens distintos. Inicialmente, a diferença consiste no fato de o capoeira, enquanto grupo social, estar relacionado à política do Brasil Império, ao passo que o malandro se confunde com o sambista. Porém, ambos são personagens identificados com o espaço urbano, sendo protagonistas de uma verdadeira cultura das ruas. Os capoeiras sofreriam duríssima repressão republicana até sua extinção, no início do século XX. Entre outras coisas, contribui para manter a confusão entre o malandro e o capoeira, além da presença de outros adjetivos como bambas e vadios, o fato de uns e outros tomarem emprestado objetos e técnicas corporais que os caracterizam, por exemplo, a navalha, o jogo da capoeira, o vestuário. Mesmo que o simbólico terno de linho branco do vestuário malandro esteja associado à profissionalização do sambista a partir dos anos 30 ou, como identifica Claúdia Matos, op. cit., a política estadonovista obrigou o malandro a regenerar-se, nos anos 40, encontrando no seu traje um modo de se apresentar como bom moço; posteriormente, nos anos 50, nos tempos da chanchada, o malandro tiraria o terno e, no seu lugar, passaria a usar uma camisa listrada, o fato é que, já na época dos capoeiras, ocasionalmente, a elegância no vestir já era preocupação de alguns indivíduos. São inúmeras as referências neste sentido, a começar pelos lenços brancos e vermelhos, usados no pescoço, que funcionam como símbolos de identificação das duas principais maltas da época: guaiamus e nagoas. A este respeito, ver, principalmente, Carlos Eugênio Soares, A Negregada Instituição Os Capoeiras no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, SC-DGDI-DE-RJ, 1994, p. 335;
  • e Marcos Luiz Bretas, "Navalhas e Capoeiras Uma Outra Queda", Ciência Hoje Especial República, Rio de Janeiro, n. 59, novembro de 1989, pp. 56-64.
  • 23 Mario de Andrade, Macunaíma - herói sem nenhum caráter, Rio de Janeiro-LTC, São Paulo-SCCT, 1978, pp. 55-63.
  • 24 De acordo com Edson Carneiro, a pernada, também conhecida como batuque, é uma variação da capoeira, diz o autor: É uma competição individual. Um dos parceiros se planta, unindo bem as pernas, enquanto o outro, dançando à sua volta, aproveita qualquer momento de descuido para derrubá-lo com uma rasteira. Esta forma de luta, a banda, permaneceu, depois de eliminada no Rio a capoeira. É hoje, sem contestação, a forma de luta do povo, a sua grande arma de defesa pessoal: Edson Carneiro, A Sabedoria Popular, Rio de Janeiro, MEC-INL, 1957, p. 79.
  • 25 Para uma síntese atualizada desta polêmica, ver Carlos Sandroni, Feitiço Decente Transformações do Samba no Rio de Janeiro (1917-1933), Rio de Janeiro, Jorge Zahar-Editora UFRJ, 2001, pp. 118-130.
  • 26 Clifford Geertz, A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 323.
  • 27 Luís Edmundo, O Rio de Janeiro do Meu Tempo, 2Ş ed., Rio de Janeiro, Conquista, 1957, pp. 376.
  • Nos idos de 1865, o lendário Manduca da Praia era chefe da malta de capoeiras de Santa Luzia, reduto nagoas, opositores das maltas guaiamus, dentro da geografia política da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil Império. Sobre o capoeira, ver Mello Morais Filho, "Capoeiragem e Capoeiras Célebres (Rio de Janeiro)", Festas e Tradições Populares do Brasil, Belo Horizonte-Itatiaia, São Paulo-EDUSP, 1979, pp. 257-263.
  • 29 Luiz Noronha, Malandros Notícias de Um Submundo Distante, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2003, pp. 114.
  • 30 Nos estudos de etnologia ameríndia, a roupa deixa de ser um objeto para tornar-se uma categoria de pensamento, a ponto de o corpo ser visto como uma roupa pelos nativos, sugere Eduardo Viveiros de Castro, "Os Pronomes Cosmológicos e o Perspectivismo Ameríndio", Mana Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, PPGAS-Museu Nacional, vol. 2, nş 2, 1996, pp. 115-144.
  • 32 Miran de Barros Latif, A Comédia Carioca, Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1962, p. 188.
  • 34 Desvalorizado, provavelmente, o tecido branco era mais barato. Câmara Cascudo ainda chama a atenção para a eficácia simbólica que o branco tem no imaginário afro-brasileiro; Luiz da Câmara Cascudo, Made in África, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p. 193.
  • 35 Marília B. Silva et al., Cartola, Os Tempos Idos, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, p. 33.
  • 36 Maria T. Soares, São Ismael do Estácio, o Sambista que foi Rei, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1985, p. 122.
  • 37 Blaise Cendrars, Etc..., Etc... (Um livro 100% Brasileiro), São Paulo, Perspectiva, 1976, pp. 22.
  • 38 Thorstein Veblen, Teoria da Classe Ociosa, São Paulo, Pioneira, 1965, p. 358.
  • 39 Florestan Fernandes, O Negro no Mundo dos Brancos, São Paulo, Difel, 1972, p. 285.
  • 40 Situações onde o malandro expõe sua dedicação, cumprimento de horário, etc., por exemplo, durante um assalto, são narrados por Edmylson Perdigão, Linguajar da Malandragem, Rio de Janeiro, s/ed., 1940, p. 143.
  • 41 Ruth Benedict, O Crisântemo e a Espada Padrões da Cultura Japonesa, São Paulo, Perspectiva, 1972, p. 276.
  • 43 Márcia R. Ciscati, Malandros da Terra do Trabalho Malandragem e Boêmia na Cidade de São Paulo (1930-1950), São Paulo, Annablume, 2000, pp. 201.
  • 44 Se aqui a caixa-de-fósforo aparece como um instrumento de percussão, há quem diga que sua utilização obedecia também à matéria contábil, ou seja, o malandro controlava o número de fregueses atendidos pelas prostitutas que explorava colocando um palito em sentido contrário na caixa. Ver Nestor Holanda, Memórias do Café Nice Subterrâneos da Música Popular e da Vida Boêmia no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Conquista, 1969, p. 301.
  • 45 Orestes Barbosa, Samba, sua História, seus Poetas, seus Músicos e seus Cantores, 2Ş ed., Rio de Janeiro, FUNARTE, 1978, p. 29.
  • 46 José Reginaldo Gonçalves, "O Patrimônio como Categoria de Pensamento", Regina Abreu & Mário Chagas (orgs.), Memória e Patrimônio Ensaios Contemporâneos, Rio de Janeiro, DP&A, 2003, pp. 23.
  • 48 À primeira vista, poder-se-ia supor haver aí um conflito de classes, permeando as representações do malandro. Embora freqüentassem os mesmos ambientes, Wilson Batista e Noel Rosa tinham origens sociais diferentes, que se expressariam tanto na escolaridade desigual (Wilson tinha instrução primária incompleta, já Noel chegou a freqüentar por dois anos a faculdade de Medicina), quanto nas diferenças musicais que a referida polêmica dramatiza. Em outras palavras, na interpretação de Carlos Sadroni, op. cit., a polêmica expressa a mudança de estilo musical do samba no início dos anos 30. Para Bruno Gomes, op. cit., Wilson e Noel eram amigos e a polêmica teve como motivação a disputa por uma cabrocha; já Almirante, op. cit., declara ser sido Noel tomado de um espírito de regeneração do samba, que sofria com a temática da malandragem em moda na época. O fato é que Noel parece ter levado a melhor, na medida em que sua domesticação do malandro-valente coincidia com a repressão da vadiagem imposta pelo Estado Novo (1937-1945). Mas seria ingenuidade pensar que Wilson Batista não estivesse atento às mudanças na malandragem, ao contrário, em alguns sambas posteriores fica patente a consciência de tal transformação como, por exemplo, História de Criança (1940), História da Lapa (1953) e, principalmente, o antológico O Bonde São Januário, sucesso do carnaval de 1941, no qual se cantava: Quem trabalha é que tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar / O bonde São Januário / Leva mais um operário / Sou eu que vou trabalhar / Antigamente eu não tinha juízo / Mas resolvi garantir meu futuro / Veja você / Sou feliz, vivo muito bem / A boêmia não dá camisa a ninguém, Wilson Batista, História da Música Popular Brasileira, São Paulo, Abril Cultural, 1982.
  • 49 Chico Buarque de Holanda, Ópera do Malandro, 3Ş ed., São Paulo, Cultura, 1980, p. 248.
  • 50 Cecília Meireles, Batuque, Samba e Macumba Estudos de Gestos e de Ritmo 1926-1934, Rio de Janeiro, FUNARTE-INF, 1983, p. 105.
  • 51 De certa forma, esta é também a tese defendida por Sandroni, op. cit., em particular no capítulo que dá título ao livro: O Feitiço Decente, pp. 169-185.
  • 52 Como que fazendo eco às transformações na malandragem, o jornalista e compositor Davi Nasser assim lembrava dos malandros antigos: Os homens do morro são operários de todas as profissões, pedreiros, marceneiros, carregadores, trabalhadores do cais, ocupações dignas e decentes. Não mais aqueles barulhentos valentões do tempo de Camisa Preta. Usam ainda chinelos cara-de-gato, camisas abertas ao peito, andam daquele mesmo jeito bamboleante, na jinga malandra, reúnem nas esquinas do morro, conservam a mesma gíria, mas já não levam a mesma vida. De todas as tradições apenas uma se manteve, firme e inalterável: o samba", David Nasser, Parceiros da Glória 45 Anos na Música Popular, Rio de Janeiro-Brasília, José Olympio-INL, 1983, p. 50. É
  • preciso que se diga, todo este processo está em sintonia com o de valorização do mulato e da mestiçagem, iniciado a partir dos anos 30. Ver Lília M. Schwarcz, "Complexo de Zé Carioca: Notas sobre uma Identidade Mestiça e Malandra", XVIII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, novembro de 1994, p. 35.
  • 53 Orestes Barbosa, Bambambã!, 2Ş ed., Rio de Janeiro, SMC-DGDIC-DE, 1993, p. 99.
  • 55 O tecido listrado conquistou no mundo moderno uma significação mais positiva, contudo, nunca superou de todo a imagem da ambivalência. Em um belo estudo sobre o listrado, o historiador Michel Pastoureau revela as múltiplas significações de transgressão, revolucionário, herege e desordem que ele carrega ou de que é portador. Daí, muitas vezes indivíduos, animais e objetos, tais como prisioneiros, marinheiros, gangsters, palhaços, tendas de circo, zebras e tigres representarem desordem e perigo, senão marginalidade e má sorte. Ver Michel Pastoureau, O Tecido do Diabo Uma História das Riscas e dos Tecidos Listrados, Lisboa, Estampa, 1991, p. 116.
  • 56 De acordo com a descrição do sambista Germano Matias, o vestuário do malandro paulista, nos anos 50, se assemelha à indumentária dos boppers americanos. Ver Patrice Bollon, A Moral da Máscara Merveilleux, Zazous, Dândis, Punks etc., Rio de Janeiro, Rocco, 1993, p. 236;
  • *
    É como parte de uma investigação em curso que este texto deve ser visto e lido. Neste sentido, o que aqui se apresenta são notas introdutórias a um campo de estudos relativamente novo para mim, o da
    antropologia do vestuário; embora tenha alguma familiaridade com o tema da malandragem, retomá-lo tem significado também um novo exercício de estranhamento. Ver Gilmar Rocha,
    O Rei da Lapa –
    Madame Satã e a Malandragem Carioca, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2004, p. 176.
  • 1
    Almirante,
    No Tempo de Noel Rosa, 2ª ed., Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1977, p. 79.
  • 2
    Alguns grupos sociais ocupam uma posição liminar na estrutura social. Este é o caso dos malandros, dos capoeiras, dos boêmios, das prostitutas, dos saltimbancos, enfim, do
    lumpen-proletariado. Se, de um lado, muitas vezes são vistos como incontroláveis, parceiros da desordem e do crime, exemplos das
    classes perigosas, do outro lado podem ganhar voz na sociedade, ocasionalmente, como sugerem as análises clássicas de Karl Marx, "O 18 Brumário de Luís Bonaparte",
    idem,
    Manuscritos Econômico-Filosóficos e Outros Textos Escolhidos; José Arthur Giannotti (org.), 2ª ed., São Paulo, Abril Cultural, 1978, pp. 323-404; e Walter Benjamin, "A Paris do Segundo Império em Baudelaire",
    Sociologia, Flávio Kothe (org.), São Paulo, Ática, 1985, pp. 44-122. Como seres liminares, símbolos de fronteira, malandros, boêmios, capoeiras e outros carregam uma ambigüidade discursiva que ora os torna revolucionários, ora os transforma em reacionários. Com efeito, no Brasil, a malandragem tem sido apropriada por atores sociais diversos, oriundos de posições sociais diferentes, em momentos históricos específicos. Como linguagem, a malandragem permite ser investida de sentidos diferentes, quer expressando um certo estilo de vida, junto a grupos das classes populares, quer como metáfora política dos setores das classes médias. A este respeito, ver Gilmar Rocha,
    Honra e Valentia no Mundo da Malandragem, Dissertação de Mestrado em Sociologia, FAFICH-UFMG, 1993, p. 297; Roberto Goto,
    Malandragem Revisitada –
    Uma Leitura Ideológica de 'Dialética da Malandragem', Campinas, Pontes, 1988, p. 115.
  • 3
    Não se pode perder de vista que a análise específica do discurso literário, cinematográfico, memorialístico ou musical, cada qual expressa a seu modo um conjunto de representações singulares do malandro que, por si só, denunciam a
    performatividade da personagem.
  • 4
    Marcel Mauss,
    Sociologia e Antropologia, São Paulo, Cosac & Naify, 2003, p. 536.
  • 5
    Victor Turner,
    Anthropology of Performance, New York, PAJ, 1988, p. 185.
  • 6
    Alice Campos
    et al.,
    Um Certo Geraldo Pereira, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, pp. 69.
  • 7
    Ruben Oliven,
    Violência e Cultura no Brasil, 3ª ed., Petrópolis, Vozes, 1986, p. 86.
  • 8
    Dizem alguns cronistas que o enterro de
    Meia-Noite, em 1938, um dos mais temidos e respeitados malandros que já passaram pela Lapa, reuniu uma multidão de pessoas e automóveis, como sempre acontece no enterro de grandes personalidades. Era a época de ouro da malandragem. Neste mesmo ano, era batizado com o nome de Madame Satã, um outro personagem, que, ao longo do tempo, entraria para a história do Rio de Janeiro como um mito da malandragem carioca. Porém, diferentemente de
    Meia-Noite, o enterro de Madame Satã, em 1976,reuniu algumas poucas pessoas que, como ele, viveram à margem da sociedade. Por esta época, dizem outros, o malandro agonizava junto com o bairro que o viu nascer, crescer, morrer e virar mito: a Lapa. O fim e/ou a morte de um suposto
    malandro autêntico, malandro de
    carne-e-osso, tem sido atestada por alguns pesquisadores do assunto, como se viu em nota anterior. Para uma visão crítica, ver Cláudia Matos,
    Acertei no Milhar _ Samba e Malandragem no Tempo de Getúlio, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, p. 222.
  • 9
    Dias Gomes & Ferreira Gullar,
    Dr. Getúlio, sua Vida e sua Glória, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, pp. 5-6.
  • 10
    Também em outras peças de Dias Gomes, figuras como
    Bonitão,
    Mirandão e
    Brilhantina, protagonistas das peças
    O Pagador de Promessas (1987) e
    O Rei de Ramos (1979), se vestem com ternos de linho branco, sapato de duas cores, chapéu de panamá, anéis nos dedos... O mesmo aplica-se a
    Pedro Mico, personagem de
    Uma lição de Malandragem, filme de Ipojuca Pontes (1985), baseado em peça homônima de Antônio Callado, ou então, ao imortal
    Vadinho, de
    Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), do romance de Jorge Amado, vivido no cinema pelo ator José Wilker.
  • 11
    Gasparino Damata,
    Antologia da Lapa –
    Vida Boêmia no Rio de Ontem, 2ª ed., Rio de Janeiro, Codecri, 1978, pp. 12.
  • 12
    Bruno Gomes,
    Wilson Batista e sua Época, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1985, p. 20.
  • 13
    Não é meu propósito desenvolver uma história da moda no Brasil da primeira metade do século XX, contudo, faz-se necessário lembrar que tudo começa com a chegada da Corte ao país, no início do século XIX, quando, então, as modas francesa e inglesa passam a ditar, de certa forma, os rumos do processo civilizatório. Durante muito tempo, civilizado era sinônimo de roupas: para os homens, em tons escuros, na forma retilínea, com tecidos grossos de lã, acompanhando a paisagem urbano-industrial inglesa; para as mulheres, após o abandono do espartilho, acentuava-se o sentido da forma corporal, contudo, sem eliminar por completo a presença de bordados, mangas fofas e brocados, sugere Gilda de Mello e Souza,
    O Espírito das Roupas –
    A Moda no Século XIX, São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 255. Após um longo período em que o uso da moda inglesa e/ou francesa representava obediência à lei da evolução social, aos poucos os jornais, os pedagogos e os médicos passam a recomendar uma vestimenta mais adequada ao clima tropical, sem perder de vista os males provocados pela moda à saúde física e à moral da mulher. Os setores populares não ficariam de fora do processo civilizatório, no que diz respeito à utilização do vestuário considerado adequado, haja vista a lei de obrigatoriedade do uso de sapatos e paletós imposta pela República nascente. A este respeito, ver Mônica Velloso,
    As Tradições Populares na Belle Epoque Carioca, Rio de Janeiro, FUNARTE-INL, 1988, p. 62; Nicolau Sevcenko,
    Literatura como Missão _ Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República, 3ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1989, p. 260. De acordo com Luís Edmundo, desde o século XVIII, o traje popular carioca era completamente inadequado ao clima tropical da cidade. Ver Luís Edmundo,
    O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis, 4ª ed., Rio de Janeiro, Conquista, 1956, vol. 2, pp. 291-356.
  • 14
    A importância da Rua do Ouvidor é correspondente à importância de seus transeuntes. Mesmo sendo um território público aberto à circulação dos mais variados representantes da sociedade, a sua fama será devida à freqüência da elite carioca. De certa forma, a Rua do Ouvidor se tornou, no século XIX, uma espécie de passarela da moda, na medida em que ali transitavam as damas da alta sociedade, políticos e homens de negócio, que iam atrás das novidades introduzidas pelo estilo de vida moderno, ao mesmo tempo em que mostravam os bens de luxo, importados da Europa e adquiridos desde a última passagem, no dizer de Needell, por aquela que seria a versão carioca de um
    santuário do comércio elegante. Ver Jeffrey Needell,
    Belle Époque Tropical _ Sociedade e Cultura no Rio de Janeiro na Virada do Século, São Paulo, Companhia das Letras, 1993, p. 383. Contudo, isto também não impediu que a moda fosse criticada nos sambas e nas marchinhas de carnaval, como atestam os sucessos
    Sai Cartola (1925), de Raul Silva, ou então
    Os Calças Largas (1927), de Lamartine Babo e Gonçalves de Oliveira. Ver Edigar de Alencar,
    O Carnaval Carioca através da Música, 5ª ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1985, vol. 1, p. 355.
  • 15
    Alberto Simoens da Silva (Bororó),
    Gente da Madrugada –
    Flagrantes da Vida Noturna, Rio de Janeiro, Guavira, 1982, p. 18.
  • 16
    Gilles Lipovetsky,
    O Império do Efêmero –
    A Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 294.
  • 17
    Francisco Guimarães (Vagalume),
    Na Roda do Samba, 2ª ed., Rio de Janeiro, FUNARTE, 1978, pp. 156.
  • 18
    A moda encontrará no samba, em alguns momentos, um aliado; um exemplo é o jingle
    Alfaiataria 'A Cidade', de Cartola e Paulo da Portela, no qual se canta:
    Vestir bem gastando pouco / Eis o problema louco / Que nós temos a resolver / Prestem atenção / Estou autorizado a dizer / Pagando só o feitio / Eis o plano inteligente / De uma casa aqui do Rio / Não pode haver / Maior felicidade / Só na Alfaiataria 'A cidade'", Marília T. Barboza da Silva & Arthur L. de Oliveira Filho,
    Cartola –
    Os Tempos Idos, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, p. 185.
  • 19
    É notório, por exemplo, o significado da roupa para a identidade do malandro nas composições de Noel Rosa. O compositor João da Baiana também reafirma esta condição em
    Cabide de Molambo, samba produzido em fins dos anos 20, no qual a relação dureza/malandragem é notória:
    Meu Deus eu ando / com o sapato furado / tenho a mania de andar engravatado (...)
    Minha camisa foi encontrada na praia / A gravata foi achada / Na Ilha da Sapucaia / Meu terno branco / Parece casca de alho / Foi a deixa de um cadáver / Do acidente do trabalho. Ver Cláudia N. Matos, "O Malandro no Samba (de Sinhô e Bezerra da Silva)", João Baptista Vargens (org.),
    Notas Musicais Cariocas, Petrópolis, Vozes, 1986, p. 44.
  • 20
    Jota Efegê, "Para ir à Festa da Penha fazia-se uma 'beca' nova",
    Meninos, Eu Vi, Rio de Janeiro, FUNARTE-INL, 1985, pp. 75.
  • 21
    É notório o parentesco entre o malandro e o capoeira, embora sejam personagens distintos. Inicialmente, a diferença consiste no fato de o
    capoeira, enquanto grupo social, estar relacionado à política do Brasil Império, ao passo que o malandro se confunde com o sambista. Porém, ambos são personagens identificados com o espaço urbano, sendo protagonistas de uma verdadeira
    cultura das ruas. Os capoeiras sofreriam duríssima repressão republicana até sua extinção, no início do século XX. Entre outras coisas, contribui para manter a confusão entre o malandro e o capoeira, além da presença de outros adjetivos como
    bambas e
    vadios, o fato de uns e outros tomarem emprestado objetos e técnicas corporais que os caracterizam, por exemplo, a navalha, o jogo da capoeira, o vestuário. Mesmo que o simbólico terno de linho branco do vestuário malandro esteja associado à profissionalização do sambista a partir dos anos 30 ou, como identifica Claúdia Matos,
    op. cit., a política estadonovista obrigou o malandro a
    regenerar-se, nos anos 40, encontrando no seu traje um modo de se apresentar como
    bom moço; posteriormente, nos anos 50, nos tempos da chanchada, o malandro tiraria o terno e, no seu lugar, passaria a usar uma camisa listrada, o fato é que, já na época dos capoeiras, ocasionalmente, a elegância no vestir já era preocupação de alguns indivíduos. São inúmeras as referências neste sentido, a começar pelos lenços brancos e vermelhos, usados no pescoço, que funcionam como símbolos de identificação das duas principais maltas da época: guaiamus e nagoas. A este respeito, ver, principalmente, Carlos Eugênio Soares,
    A Negregada Instituição –
    Os Capoeiras no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, SC-DGDI-DE-RJ, 1994, p. 335; e Marcos Luiz Bretas, "Navalhas e Capoeiras – Uma Outra Queda"
    , Ciência Hoje –
    Especial República, Rio de Janeiro, n. 59, novembro de 1989, pp. 56-64.
  • 22
    Cláudia Matos,
    op. cit. 1986, p. 35.
  • 23
    Mario de Andrade,
    Macunaíma - herói sem nenhum caráter, Rio de Janeiro-LTC, São Paulo-SCCT, 1978, pp. 55-63. A edição original é de 1928.
  • 24
    De acordo com Edson Carneiro, a
    pernada, também conhecida como
    batuque, é uma variação da capoeira, diz o autor:
    É uma competição individual. Um dos parceiros se planta, unindo bem as pernas, enquanto o outro, dançando à sua volta, aproveita qualquer momento de descuido para derrubá-lo com uma rasteira. Esta forma de luta, a banda, permaneceu, depois de eliminada no Rio a capoeira. É hoje, sem contestação, a forma de luta do povo, a sua grande arma de defesa pessoal: Edson Carneiro,
    A Sabedoria Popular, Rio de Janeiro, MEC-INL, 1957, p. 79.
  • 25
    Para uma síntese atualizada desta polêmica, ver Carlos Sandroni,
    Feitiço Decente –
    Transformações do Samba no Rio de Janeiro (1917-1933), Rio de Janeiro, Jorge Zahar-Editora UFRJ, 2001, pp. 118-130.
  • 26
    Clifford Geertz,
    A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 323.
  • 27
    Luís Edmundo,
    O Rio de Janeiro do Meu Tempo, 2ª ed., Rio de Janeiro, Conquista, 1957, pp. 376. Nos idos de 1865, o lendário
    Manduca da Praia era chefe da malta de capoeiras de Santa Luzia, reduto nagoas, opositores das maltas guaiamus, dentro da geografia política da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil Império. Sobre o capoeira, ver Mello Morais Filho, "Capoeiragem e Capoeiras Célebres (Rio de Janeiro)",
    Festas e Tradições Populares do Brasil, Belo Horizonte-Itatiaia, São Paulo-EDUSP, 1979, pp. 257-263.
  • 28
    O combate à malandragem se estende para além destes momentos iniciais, sendo também bastante intensa a perseguição física e ideológica aos malandros durante o período do Estado Novo (1937-1945).
  • 29
    Luiz Noronha,
    Malandros –
    Notícias de Um Submundo Distante, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2003, pp. 114.
  • 30
    Nos estudos de etnologia ameríndia, a
    roupa deixa de ser um objeto para tornar-se uma categoria de pensamento, a ponto de o corpo ser visto como uma roupa pelos nativos, sugere Eduardo Viveiros de Castro, "Os Pronomes Cosmológicos e o Perspectivismo Ameríndio",
    Mana –
    Estudos de Antropologia Social, Rio de Janeiro, PPGAS-Museu Nacional, vol. 2, nº 2, 1996, pp. 115-144.
  • 31
    Cláudia Matos,
    op. cit., 1982, pp. 56 e 58, respectivamente. O material bibliográfico utilizado não apresenta as datas de lançamento destes sambas, no entanto, em pesquisa na
    internet aparece como sendo 1957 o ano de gravação de
    Senhor Delegado, por Germano Mathias, porém a autoria é atribuída a Antoninho Lopes e Ernani Silva e não a Antoninho Lopes e Jaú, como normalmente consta nos livros; por sua vez,
    Olha o Padilha será lançado em 1952, por Moreira da Silva, samba composto juntamente com Bruno Gomes e Ferreira Gomes; ver:
  • 32
    Miran de Barros Latif,
    A Comédia Carioca, Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1962, p. 188.
  • 33
    Marilia Barbosa da Silva
    et al.,
    op. cit., p. 202.
  • 34
    Desvalorizado, provavelmente, o tecido branco era mais barato. Câmara Cascudo ainda chama a atenção para a eficácia simbólica que o branco tem no imaginário afro-brasileiro; Luiz da Câmara Cascudo,
    Made in África, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p. 193. Também Carlos Eugênio Soares,
    op. cit., chama atenção para o significado das cores (branca e vermelha) nas maltas de capoeiras.
  • 35
    Marília B. Silva
    et al.,
    Cartola, Os Tempos Idos, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1983, p. 33.
  • 36
    Maria T. Soares,
    São Ismael do Estácio, o Sambista que foi Rei, Rio de Janeiro, FUNARTE, 1985, p. 122.
  • 37
    Blaise Cendrars,
    Etc..., Etc... (Um livro 100% Brasileiro), São Paulo, Perspectiva, 1976, pp. 22.
  • 38
    Thorstein Veblen,
    Teoria da Classe Ociosa, São Paulo, Pioneira, 1965, p. 358.
  • 39
    Florestan Fernandes,
    O Negro no Mundo dos Brancos, São Paulo, Difel, 1972, p. 285.
  • 40
    Situações onde o malandro expõe sua dedicação, cumprimento de horário, etc., por exemplo, durante um assalto, são narrados por Edmylson Perdigão,
    Linguajar da Malandragem, Rio de Janeiro, s/ed., 1940, p. 143.
  • 41
    Ruth Benedict,
    O Crisântemo e a Espada – Padrões da Cultura Japonesa, São Paulo, Perspectiva, 1972, p. 276. Como o título já sugere, expressa o padrão cultural japonês, mas que será visto como um
    dilema pelos Estados Unidos. Afinal, como pode um povo tão
    delicado,
    estético,
    obediente,
    cortês ser também o mais
    agressivo,
    traiçoeiro,
    insolente dos inimigos que os norte-americanos tiveram, numa guerra total? A lição nipônica (oriental) é que, o crisântemo e/ou a seda podem revelar-se mais fortes e resistentes do que o aço frio e duro das espadas e das navalhas. Do ponto de vista histórico, embora o malandro lance mão da navalha, simbolicamente sua arma principal é a
    ginga (inclusive com as palavras). Neste sentido, a seda aponta para uma estetização da personagem mais afeita, na aparência, aos
    jogos corporais (e também
    jogos de linguagem) do que aos conflitos armados propriamente ditos.
  • 42
    Desnecessário dizer que o uso da navalha exige do malandro habilidade, força e coragem, afinal, a luta acontece corpo-a-corpo. Numa performance única, alguns malandros desenvolveram certas técnicas que lhes permitiam uma maior distância dos rivais. O malandro
    Cintura Fina, conhecido como
    Rei da Navalha na Belo Horizonte dos anos 50/60, conta, em entrevista concedida em rádio local nos anos 90, ter desenvolvido a técnica de lançar e puxar a navalha presa a um cordão, como se fosse uma brincadeira de
    iô-iô, visando atingir o rival à distância. Por sua vez, dizem que Madame Satã, em conflitos abertos com vários policiais, tirava o chinelo cara-de-gato e prendia entre os dedos do pé a sua
    sueca (marca de navalha). Apoiando as mãos no chão e os pés em suspenso, rodopiando o corpo, o malandro ia cortando os rivais ao redor. Seguramente, o salto carrapeta do sapato funciona no sentido de facilitar os volteios, os rodopios, exigido pelos rabos-de-arraia aplicados durante a luta, ou mesmo para facilitar a brincadeira nas rodas de capoeira e de samba.
  • 43
    Márcia R. Ciscati,
    Malandros da Terra do Trabalho – Malandragem e Boêmia na Cidade de São Paulo (1930-1950), São Paulo, Annablume, 2000, pp. 201.
  • 44
    Se aqui a caixa-de-fósforo aparece como um instrumento de percussão, há quem diga que sua utilização obedecia também à matéria contábil, ou seja, o malandro controlava o número de fregueses atendidos pelas prostitutas que explorava colocando um palito em sentido contrário na caixa. Ver Nestor Holanda,
    Memórias do Café Nice – Subterrâneos da Música Popular e da Vida Boêmia no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Conquista, 1969, p. 301.
  • 45
    Orestes Barbosa,
    Samba, sua História, seus Poetas, seus Músicos e seus Cantores, 2ª ed., Rio de Janeiro, FUNARTE, 1978, p. 29. Também Carlos Sandroni,
    op. cit., reconhece o violão como um dos principais símbolos de identificação do vadio e, posteriormente, do malandro.
  • 46
    José Reginaldo Gonçalves, "O Patrimônio como Categoria de Pensamento", Regina Abreu & Mário Chagas (orgs.),
    Memória e Patrimônio – Ensaios Contemporâneos, Rio de Janeiro, DP&A, 2003, pp. 23.
  • 47
    Por exemplo, nos sambas
    Camisa Listrada (1937), de Assis Valente, e
    Camisa Amarela (1939), de Ary Barroso, fica claro que mais do que vestir uma roupa, o malandro é que é investido de uma ação e/ou comportamento inscritos no listrado ou na cor amarela, os quais ele não controla.
  • 48
    À primeira vista, poder-se-ia supor haver aí um conflito de classes, permeando as representações do malandro. Embora freqüentassem os mesmos ambientes, Wilson Batista e Noel Rosa tinham origens sociais diferentes, que se expressariam tanto na escolaridade desigual (Wilson tinha instrução primária incompleta, já Noel chegou a freqüentar por dois anos a faculdade de Medicina), quanto nas diferenças
    musicais que a referida polêmica dramatiza. Em outras palavras, na interpretação de Carlos Sadroni,
    op. cit., a polêmica expressa a mudança de estilo musical do samba no início dos anos 30. Para Bruno Gomes,
    op. cit., Wilson e Noel eram amigos e a polêmica teve como motivação a disputa por uma cabrocha; já Almirante,
    op. cit., declara ser sido Noel tomado de um espírito de regeneração do samba, que sofria com a temática da malandragem em moda na época. O fato é que Noel parece ter levado a melhor, na medida em que sua
    domesticação do malandro-valente coincidia com a repressão da vadiagem imposta pelo Estado Novo (1937-1945). Mas seria ingenuidade pensar que Wilson Batista não estivesse atento às mudanças na malandragem, ao contrário, em alguns sambas posteriores fica patente a consciência de tal transformação como, por exemplo,
    História de Criança (1940),
    História da Lapa (1953) e, principalmente, o antológico
    O Bonde São Januário, sucesso do carnaval de 1941, no qual se cantava:
    Quem trabalha é que tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar / O bonde São Januário / Leva mais um operário / Sou eu que vou trabalhar / Antigamente eu não tinha juízo / Mas resolvi garantir meu futuro / Veja você / Sou feliz, vivo muito bem / A boêmia não dá camisa a ninguém, Wilson Batista,
    História da Música Popular Brasileira, São Paulo, Abril Cultural, 1982. Agradeço a lembrança de Adriana Facina para a importância deste samba.
  • 49
    Chico Buarque de Holanda,
    Ópera do Malandro, 3ª ed., São Paulo, Cultura, 1980, p. 248.
  • 50
    Cecília Meireles,
    Batuque, Samba e Macumba –
    Estudos de Gestos e de Ritmo 1926-1934, Rio de Janeiro, FUNARTE-INF, 1983, p. 105.
  • 51
    De certa forma, esta é também a tese defendida por Sandroni,
    op. cit., em particular no capítulo que dá título ao livro:
    O Feitiço Decente, pp. 169-185.
  • 52
    Como que fazendo eco às transformações na malandragem, o jornalista e compositor Davi Nasser assim lembrava dos malandros antigos:
    Os homens do morro são operários de todas as profissões, pedreiros, marceneiros, carregadores, trabalhadores do cais, ocupações dignas e decentes. Não mais aqueles barulhentos valentões do tempo de Camisa Preta. Usam ainda chinelos cara-de-gato, camisas abertas ao peito, andam daquele mesmo jeito bamboleante, na jinga malandra, reúnem nas esquinas do morro, conservam a mesma gíria, mas já não levam a mesma vida. De todas as tradições apenas uma se manteve, firme e inalterável: o samba", David Nasser,
    Parceiros da Glória –
    45 Anos na Música Popular, Rio de Janeiro-Brasília, José Olympio-INL, 1983, p. 50. É preciso que se diga, todo este processo está em sintonia com o de valorização do mulato e da mestiçagem, iniciado a partir dos anos 30. Ver Lília M. Schwarcz, "Complexo de Zé Carioca: Notas sobre uma Identidade Mestiça e Malandra",
    XVIII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, novembro de 1994, p. 35.
  • 53
    Orestes Barbosa,
    Bambambã!, 2ª ed., Rio de Janeiro, SMC-DGDIC-DE, 1993, p. 99.
  • 54
    Cruz,
    apud Oliven,
    op. cit., pp. 52-53.
  • 55
    O tecido listrado conquistou no mundo moderno uma significação mais positiva, contudo, nunca superou de todo a imagem da ambivalência. Em um belo estudo sobre o listrado, o historiador Michel Pastoureau revela as múltiplas significações de transgressão, revolucionário, herege e desordem que ele carrega ou de que é portador. Daí, muitas vezes indivíduos, animais e objetos, tais como prisioneiros, marinheiros,
    gangsters, palhaços, tendas de circo, zebras e tigres representarem desordem e perigo, senão marginalidade e má sorte. Ver Michel Pastoureau,
    O Tecido do Diabo –
    Uma História das Riscas e dos Tecidos Listrados, Lisboa, Estampa, 1991, p. 116.
  • 56
    De acordo com a descrição do sambista Germano Matias, o vestuário do malandro paulista, nos anos 50, se assemelha à indumentária dos
    boppers americanos. Ver Patrice Bollon,
    A Moral da Máscara –
    Merveilleux, Zazous, Dândis, Punks etc., Rio de Janeiro, Rocco, 1993, p. 236; Márcia Ciscati,
    op. cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Jan 2006

    Histórico

    • Aceito
      Out 2005
    • Recebido
      Jan 2005
    EdUFF - Editora da UFF Instituto de História/Universidade Federal Fluminense, Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, Bloco O, sala 503, 24210-201, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, tel:(21)2629-2920, (21)2629-2920 - Niterói - RJ - Brazil
    E-mail: tempouff2013@gmail.com