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Soberania sem independência: aspectos do discurso político e jurídico na proclamação do Reino Unido

Souveraineté sans indépendence: aspects du discours politique et juridique dans la proclamation du Royaume-Uni

Sovereignty without independence: aspects of political and legal discourse in the proclamation of the United Kingdom

Resumos

Análise de aspectos do discurso político e jurídico no processo de criação do Reino Unido, considerando o momento de transição do Antigo Regime para a era constitucional, inclusive no que diz respeito à imprecisão conceitual do vocabulário empregado. Destacam-se como principais questões a passagem da condição de Estado a reino, a nova organização do corpo político e da sociedade civil, o predomínio da lei, a naturalidade e os direitos civis e políticos dos cidadãos, "portugueses de ambos os hemisférios", e o temor manifestado ante a revolução moral e a revolução popular.

Reino Unido; Soberania; Independência


Il s'agit d'une analyse qui prend en considération le moment de transition de l'Ancien Régime à l'époque constitutionnelle et le caractère vague des concepts qui y ont été employés. Ainsi, cet article pose les questions concernant la transition de la condition du Brésil : de l'état au royaume, de la nouvelle organisation du corpus politicum et de la société civile, de l'empire de la loi, des droits civils et politiques des "Portugais des deux hémisphères" et de la peur d'une révolution morale, ou d'une révolution populaire.

Royaume Uni; Souveraineté; Indépendence


Analysis of aspects of political and legal discourse in the process of the creation of the United Kingdom, considering the moment of transition from the Ancien Régime to the constitutional era, including the conceptual vagueness of the vocabulary used. The article emphasizes questions like Brazil's transition from state to kingdom, the new organization of the political corpus and civil society, the rule of law, the nationality and the civil and political rights of the citizens, "Portuguese of both hemispheres" and the fear shown in the face of moral revolution and popular revolution.

United Kingdom; Sovereignty; Independence


DOSSIÊ

LINGUAGENS POLÍTICAS E HISTÓRIA DOS CONCEITOS: PROPOSTAS E APLICAÇÕES

Soberania sem independência: aspectos do discurso político e jurídico na proclamação do Reino Unido1 1 Artigo recebido e aprovado para publicação em fevereiro de 2011. 2 Professor titular da UFRJ e da UGF. Professor emérito da UNIRIO e presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

Sovereignty without independence: aspects of political and legal discourse in the proclamation of the United Kingdom

Souveraineté sans indépendence: aspects du discours politique et juridique dans la proclamation du Royaume-Uni

Arno Wehling2 1 Artigo recebido e aprovado para publicação em fevereiro de 2011. 2 Professor titular da UFRJ e da UGF. Professor emérito da UNIRIO e presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). ; Maria José Wehling3 1 Artigo recebido e aprovado para publicação em fevereiro de 2011. 2 Professor titular da UFRJ e da UGF. Professor emérito da UNIRIO e presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

RESUMO

Análise de aspectos do discurso político e jurídico no processo de criação do Reino Unido, considerando o momento de transição do Antigo Regime para a era constitucional, inclusive no que diz respeito à imprecisão conceitual do vocabulário empregado. Destacam-se como principais questões a passagem da condição de Estado a reino, a nova organização do corpo político e da sociedade civil, o predomínio da lei, a naturalidade e os direitos civis e políticos dos cidadãos, "portugueses de ambos os hemisférios", e o temor manifestado ante a revolução moral e a revolução popular.

Palavras-chave: Reino Unido - Soberania - Independência

ABSTRACT

Analysis of aspects of political and legal discourse in the process of the creation of the United Kingdom, considering the moment of transition from the Ancien Régime to the constitutional era, including the conceptual vagueness of the vocabulary used. The article emphasizes questions like Brazil's transition from state to kingdom, the new organization of the political corpus and civil society, the rule of law, the nationality and the civil and political rights of the citizens, "Portuguese of both hemispheres" and the fear shown in the face of moral revolution and popular revolution.

Keywords: United Kingdom - Sovereignty - Independence

RESUMÉ

Il s'agit d'une analyse qui prend en considération le moment de transition de l'Ancien Régime à l'époque constitutionnelle et le caractère vague des concepts qui y ont été employés. Ainsi, cet article pose les questions concernant la transition de la condition du Brésil : de l'état au royaume, de la nouvelle organisation du corpus politicum et de la société civile, de l'empire de la loi, des droits civils et politiques des "Portugais des deux hémisphères" et de la peur d'une révolution morale, ou d'une révolution populaire.

Mots-clés : Royaume Uni - Souveraineté - Indépendence

A carta de lei de 16 de dezembro de 1815 retirou o Brasil da condição político-jurídica de domínio ou Estado, atribuindo-lhe a condição de Reino, Reino Unido ao de Portugal e Algarves. Reconheceu-lhe formalmente um conjunto de atributos que já se desenhavam havia algum tempo, dando uma solução que implicava adotar a fórmula soberania sem independência.

Essa fórmula poderia soar contraditória em termos, mesmo pelo vocabulário da época, em diferentes línguas. Em português, Bluteau encara como expressões correlatas soberano ("Independente. Príncipe soberano. O que não depende de outra potência humana. Summa potestas"), independente ("Não sujeito a pessoa nem a coisa alguma. Sem dependência. Sem sujeição") e absoluto ("Independente. Soberano. Príncipe absoluto. Cum summo Imperio ou com summa potestatis princeps").4 4 Raphael Bluteau, Vocabulario portuguez e latino, Lisboa, 1718, v. I, p. 49, v. IV, p. 10, v. VI, p. 312, e v. VII, p. 670. Moraes e Silva, na virada do século XVIII para o XIX, constata o mesmo para soberano ("Que tem os caracteres da soberania; que é independente de outro poder; que tem a suprema autoridade") e independência ("Estado de uma nação independente, autônoma e soberana").5 5 Antonio de Moraes e Silva, Diccionario da língua portugueza, Rio de Janeiro, Empresa Literária Fluminense, 1889, v. II, p. 816 e 174.

No mesmo sentido, a carta de lei do Reino Unido, em seu primeiro considerando, falava no desejo do príncipe regente de fazer prosperar os "Estados" que a Divina Providência confiara a seu soberano regime.

Na filosofia política, desde o século XVI, em diferentes tradições, associavam-se os conceitos de soberania e independência, aos quais podia ser agregado o qualificativo absoluto, como em monarquia absoluta, isto é, não aquela que tudo pode, da crítica ilustrada, mas simplesmente a que não reconhece potência terrena superior a si (usualmente, lia-se esta como sendo o Imperador do Sacro Império ou o Papado). Essa monarquia, absoluta, mas não tirânica, como aparece em Bodin, convivia com representações, como os Estados Gerais, as Cortes ou o Parlamento inglês, com corporações de origem medieval e com limites morais e religiosos do tipo do Direito Natural, de inspiração estoica e a essa altura tomista. Ela também presumia uma comunidade política (a república de Bodin) ou um pactum societatis (Suárez) que transfere o poder ao Estado (a monarquia em ambos os autores) por meio de um pactum subjectionis. Mas nada disso retirava sua preeminência na organização política interna nem tolhia a independência de seus atos.

Como Quentin Skinner observou, a crítica de Suárez à interpretação bartolista do império abriu caminho à concepção de um rei "legibus solutus", livre dos limites das leis positivas, o que por sua vez contribuiu para a transição da ideia do Estado fundamentado na "liberdade original do povo" para a do poder absoluto dos príncipes, no qual, como em Hobbes, o povo vê derrogada sua "soberania original".6 6 Quentin Skinner, Los fundamentos del pensamiento político moderno, Mexico, FCE, 1993, v. II, p. 191. Se isso de fato ocorresse na prática social, no limite desse raciocínio restaria apenas ao súdito a proteção do Direito Natural, como definido em Santo Tomás e Suárez. Ou ainda, como em Bodin, na observância deste e do que se chamaria depois "leis fundamentais", de natureza positiva.

Essa questão estava no ar quando da publicação dos Seis livros da República, em 1576 - o rei pode ou não revogar as leis positivas que ele próprio ou seus antecessores elaboraram? -, e já em 1586 o presidente do Parlamento de Paris, dirigindo-se ao rei, dizia haver duas espécies de leis, "umas, as Ordenanças do rei que se podem mudar conforme a diversidade dos tempos e dos assuntos; outras, as Ordenanças do reino que são invioláveis e pelas quais vós subistes ao trono real".7 7 Marcel Marion, Dictionnaire des institutions de la France, XVIIe-XVIIIes, Paris, Picard, 1993, p./ 341.

Estas últimas constituíam, assim, as leis fundamentais, de natureza positiva, porém irrevogáveis.8 8 Bernardino Bravo Lira, Formación del Estado moderno: el Estado absoluto y leyes fundamentales em Francia, Revista de Derecho de la Universidad Católica de Valparaiso, 1985, v. IX; H. Mohnhaupt, Historische Vergleichung im Bereich von Staat und Recht, Franckfurt, Klostermannn, 2000, p. 221 ss. ; Airton Cerqueira Leite Seelaender, Notas sobre a constituição do direito público na idade moderna: a doutrina das leis fundamentais, Revista Sequência, 2006, n. 53, p. 197 ss.

O conflito entre conceitos opostos como o princeps legibus solutus (Bodin) e o princeps non est legibus solutus (Mariana) permaneceu ao longo da Idade Moderna, às vezes como mera discussão teórica, em outras como meio de legitimação do maior ou menor poder do soberano em relação ao Direito consuetudinário e a todas as outras formas de poderes intermediários e locais.

A monarquia absoluta dos séculos XVI e XVII conviveu, na sua prática institucional, com esse tipo de limitação originada da sedimentação histórica de direitos coletivos, o que acabava por representar uma condenação da tirania e uma brecha para recusar, por crime de lesa majestade divina, os atos do rei despótico.

No caso ibérico, a passagem de uma concepção de monarquia absoluta, e no entanto limitada, para o absolutismo setecentista só se deu com a influência dos afrancesados e assim mesmo com forte resistência de origem neoescolástica. Na virada do século XVIII para o XIX, assim, apesar da força do constitucionalismo ilustrado francês, a ideia do retorno a alguma espécie de pactismo tradicional ibérico também possuía adeptos.

Nesse melting pot de tradições ideológicas, intelectuais e jurídicas divergentes, efervescendo em um clima revolucionário de mais de duas décadas, o que podia significar a proclamação de um Reino Unido entre duas unidades políticas, uma europeia e outra americana?

Uma colônia que não se torna independente, como ocorrera antes de 1815 com os Estados Unidos ou o rio da Prata, mas que se transforma em reino no interior da monarquia preexistente configura solução diversa da que afinal se impôs com a independência. Para evitar uma leitura ucrônica, é preciso ter presente que aquela solução trouxe em si numerosos pressupostos e outras tantas dificuldades empíricas e conceituais.

Que a semântica flutuava nesses tempos de transmutação do Antigo Regime em liberalismo constitucional mais do que o comum é fato conhecido. Os desafios do novo nem sempre tinham seu correspondente aggiornamento no vocabulário político, muito menos no jurídico. Mas os autores luso-brasileiros desse momento - Cairu, Silvestre, Hipólito, Gonçalves dos Santos, Paulo Brito, Aires do Casal, Miranda Ribeiro, Sousa Coutinho e ainda outros e mesmo o vocabulário oficial - tinham alguns conceitos como pacíficos. Colônia, antigo regime colonial, domínios, estado, reino entravam nessa condição. É o caso do padre Perereca, quando se rejubila pela elevação do Brasil à "preeminência de Reino" ou à "dignidade e categoria de Reino", estando implícita a superação do que chamava o "antigo regime colonial".9 9 Luís Gonçalves dos Santos (Pe. Perereca), Memórias para servir à história do reino do Brasil, São Paulo, Edusp, 1981, v. II, p. 38. Essa circulação, alías, era internacional, pois o próprio Metternich, ao cumprimentar o encarregado de negócios português em Viena pelo evento, sublinhou que o Brasil era elevado à condição de reino, reconhecendo a continuidade de domínios e Estados na monarquia.10 10 Idem, v. II, p. 44. Para a análise das variações semânticas em alguns conceitos-chave (e também contraconceitos), Lucia Maria Bastos Pereira das Neves, Corcundas e constitucionais. A cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 169 ss.

Já o emprego de outros conceitos mostrava uma confusão involuntária ou intencional, como quando o Senado da Câmara do Rio de Janeiro agradeceu ao príncipe regente o "liberalíssimo diploma" utilizando a expressão no sentido que Napoleão dera a "liberal" em 1799 e que se tornara corrente. Ou quando continuava o emprego do plural povos, que logo se tornaria um arcaísmo, substituído pelo "povo" dos ilustrados e da Revolução.11 11 Arno Wehling, O conceito jurídico de povo no Antigo Regime - o caso luso-brasileiro, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 421, 2003, p. 39 ss.

O Brasil tornara-se, de qualquer modo, um reino, conceito sobre o qual havia certo consenso. Para utilizar o mesmo referencial, podemos lembrar que em Bluteau o conceito significa "uma ou mais províncias sujeitas a um rei. Estados que obedecem a um rei".12 12 Raphael Bluteau, op. cit., v. VI, p. 312. Moraes e Silva diz: "Estado de um rei, ou soberano. O Estado que teve rei particular e se anexou ao Estado de um soberano."13 13 Antonio de Moraes e Silva, op. cit., v. II, p. 687. Nesse autor, o conceito exclui a condição colonial, exceto como domínio, enquanto naquele o uso indiscriminado de "Estados" - para o caso de Portugal se aplicaria ao "Estado do Brasil", ao "Estado do Maranhão" e ao "Estado da Índia" - torna mais impreciso o significado.

Já para a filosofia política da idade moderna e os especialistas no que viria a ser o Direito Público, reino supunha em princípio exercício da soberania de modo absoluto, no sentido já mencionado, com poder exercido sobre certo território e com amplo reconhecimento interno e internacional. Uma das melhores expressões dessa abordagem encontra-se no anexo do Traité de la préeminence de nos rois, de Aubery, editado em 1649, que reproduz a Relation du royaume de la France do embaixador veneziano Miguel Soriano, no qual este define o reino francês, no ano 1562, do seguinte modo:

O reino da França foi sempre reconhecido, por um consentimento unânime dos povos, como o primeiro e melhor reino da Cristandade, tanto por sua dignidade e potência quanto pela autoridade absoluta daquele que o governa; sua dignidade deriva do fato de ter sido sempre livre desde suas origens e que jamais dependeu de nenhum outro [poder] além do de Deus [...].14 14 Miguel Soriano, Rélation du royaume de la France, apud Marcel Marion, op. cit., p. 489-490.

No caso da Espanha, após a união pessoal - e não união real, como aconteceria com o Reino Unido luso-brasileiro - oriunda do casamento de 1479 entre Fernando de Aragão e Isabel de Castela, continuou a ocorrer aglutinação em torno desses reinos principais de outras unidades políticas, algumas delas antigos reinos. Assim, Castela agregou Leon, Galícia, o País Basco, Andaluzia, Granada (em 1492) e Navarra (em 1515); e Aragão, Catalunha, Valência, as ilhas Baleares, Nápoles e a Sicília. Mas os reinos como tal considerados exerciam todos os poderes implícitos à soberania, como o de exercer a justiça, cunhar moedas, decretar a guerra, baixar leis e administrar. A limitação de algum ou de todos esses poderes gerava um capitis diminutio, já que lhe feria a independência ou o caráter "absoluto", restrição que o embaixador Soriano reconhecia existir em certos reinos.15 15 Ibidem.

Um pano de fundo: da federação imperial à monarquia dual

Em outro trabalho, chamou-se a solução encontrada para o Reino Unido de "monarquia dual", não obstante a formalidade dos três reinos. Para chegar a ela, elaborou-se a hipótese de que houve para isso inspiração hispânica. Indo mais adiante, constata-se também certo consenso nos meios ilustrados mais preocupados com os problemas coloniais dos diferentes países europeus.

Com efeito, desde meados do século XVIII homens de Estado e intelectuais ocupados com temas políticos questionavam a relação metrópole-colônia. Esta se encaminhara, com as práticas mercantilistas do século anterior e a afirmação centralizadora da burocracia ilustrada, para um grau de rigidez até então desconhecido nessa relação. Inglaterra, França, Espanha e Portugal seguiram esse padrão, e em determinado momento delinearam-se insatisfações que, para os espíritos mais avisados, poderiam chegar à secessão. Foi o caso de Turgot, de Hume e de Adam Smith, para quem uma espécie de "federação imperial" entre centro e periferia seria a solução para manter a integridade dos domínios.16 16 Anthony Pagden, Señores de todo el mundo. Ideologías del imperio em España, Inglaterra y Francia (en los siglos XVI, XVII y XVIII), Barcelona, Peninsula, 1997, p. 227 ss.

Na Espanha, o país mais obviamente afetado pelo problema, houve sucessivos planos de ministros nos reinados de Carlos III e Carlos IV, como os de Floridablanca, Aranda, Campomanes e Godoy. O do conde de Aranda, formulado em 1783, redefinia o espaço político, institucional e jurídico da América espanhola, dividindo as possessões americanas entre três dos infantes,17 17 Conde de Aranda, Exposición del conde de Aranda al rey Carlos III sobre la conveniência de crear reinos independientes em America. In: André Muriel, Gobierno del señor rey Carlos III, Madri, BAE, 1959. em uma formulação que se parece com as propostas posteriores de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho e de Silvestre Pinheiro Ferreira para o mundo luso-brasileiro.

Por esse motivo, no estudo sobre a "monarquia dual" que acabaria por implantar-se, aventou-se a hipótese de uma influência espanhola nessas formulações - às vezes com sabor de fabulações - para o eixo Portugal-Brasil.18 18 Arno Wehling, A monarquia dual luso-brasileira - crise colonial, inspiração hispânica e criação do Reino Unido. In: Anais do Seminário Internacional D. João VI, um rei aclamado na América, Museu Histórico Nacional, 2000, p. 338 ss. Neste, até chegar-se à carta de lei do Reino Unido, houve as propostas de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, de 1798 e 1803, e a de Silvestre Pinheiro Ferreira, de 1814-1815.

A primeira, mais estrutural, foi apresentada ao príncipe regente com a denominação Sistema político que mais convém que a nossa Coroa abrace para a conservação dos seus vastos domínios da América, que fazem propriamente a base da grandeza do Nosso Augusto Trono.19 19 Publicado em Marcos Carneiro de Mendonça, O intendente Câmara, São Paulo, CEN, 1958, p. 277 ss. , e Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, Textos políticos, econômicos e financeiros, 1783-1811, Lisboa, Banco de Portugal, tomo III, p. 47 ss.

Era uma proposta de reorganização político-administrativa do Brasil e também de sua relação com Portugal, contemplando aspectos como a segurança e defesa, a política fiscal, a justiça e a descentralização administrativa, com o restabelecimento dos governos do Norte, com sede em Belém, e do Sul, com sede no Rio de Janeiro. Os cinco princípios que embasavam a proposta eram a ideia de equilíbrio entre as diferentes partes do império em lugar da simples relação bipolar metrópole-colônia, a constatação da preeminência do Brasil nesse conjunto, a necessidade de um Estado colonial mais eficiente, o respeito às características geopolíticas e econômicas regionais e a concepção da unidade pela lusitanidade comum a todos os portugueses, pelos menos para os da Europa e os da América.20 20 O tema foi objeto do estudo de Kenneth Maxwell, The generation of the 1790s and the idea of luso-brazilian empire. In: Dauril Alden (ed.), The colonial roots of modern Brazil, Berkeley, UCP, 1973, p. 107 ss.

Os princípios são facilmente reconhecíveis também nas propostas espanholas e até nas sugestões dos intelectuais iluministas: afinal, o que se desejava evitar era a ruptura, a guerra civil e o eventual benefício às potências rivais. Para tanto, era necessário atender às novas características propiciadas pelo crescimento das colônias, o amadurecimento de suas elites e as novas correlações de forças estabelecidas. Kenneth Maxwell, referindo-se às ideias de Rodrigo de Sousa Coutinho sobre Minas Gerais, considera-as como parte de um plano mais amplo de "reconciliação imperial", em face dos acontecimentos políticos anteriores na colônia.21 21 Kenneth Maxwell, Conflicts and conspiracies, Brazil and Portugal, 1750-1808, Nova York, Routledge, 2004, p. 211.

Toda a evolução do processo até a proclamação do Reino Unido e à própria independência nada mais é do que a tentativa de equacionar esse problema à luz de diferentes postulados político-ideológicos.

A proposta do mesmo Dom Rodrigo, em 1803, foi mais circunstancial, dado o quadro das guerras napoleônicas: o deslocamento da Corte para o Brasil, assunto afinal retomado em 1807 em um quadro ainda mais dramático.

O documento de Silvestre Pinheiro Ferreira, por sua vez, foi originalmente uma resposta a consultas formuladas pelo príncipe regente a diferentes conselheiros. Ele pertence a outra conjuntura, com os mesmos problemas de fundo.22 22 Silvestre Pinheiro Ferreira, Memórias políticas sobre os abusos gerais e modo de os reformar e prevenir a revolução popular, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1884, t. 47, p. I, p. 1 ss. Maria Beatriz Nizza da Silva, Silvestre Pinheiro Ferreira: Ideologia e Teoria, Lisboa, Sá da Costa, 1975, p. 42 ss e "Silvestre Pinheiro Ferreira e o movimento constitucional no Rio de Janeiro", in Cadernos de Cultura, Centro de História da Cultura/UNB, n. 1, 1998, p. 57 ss. Arno Wehling e Maria José Wehling, "Um ator político e dois momentos de reestruturação institucional do império português (1814-1821)", in Ana Leal de Faria e Maria Adelina Amorim (coord.), O Reino sem Corte, Lisboa, Tribuna, 2011, p. 265 ss. A queda de Napoleão tornara inócua e até contraproducente, pelos padrões metropolitanos tradicionais, a presença da Corte no Rio de Janeiro. Havia, entretanto, a realidade colonial já exposta com tanta clareza por Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, em 1798. O que fazer?

As opções dinásticas apontadas por Silvestre Pinheiro Ferreira, na linha das sugestões de Aranda, 30 anos antes, previam a divisão da família real entre Portugal e o Brasil, em diferentes combinações, uma das quais contemplaria o título de imperatriz do Brasil para a rainha, cumulativamente com a Coroa portuguesa. O príncipe regente continuaria no país - evidentemente sucedendo-a como imperador -, e o príncipe da Beira atuaria como regente em Portugal.

Essas opções revelavam a tentativa de solucionar o problema crucial que era o do status do Brasil no contexto do império português.

Em 1814-1815, evidenciou-se que algum passo teria de ser dado nesse sentido.

A encruzilhada de De Pratt, os desafios de Silvestre Pinheiro Ferreira e o pragmatismo de Hipólito da Costa

O abade De Pratt, em livro sobre o Congresso de Viena, colocou a questão do dilema em que se encontrava a monarquia portuguesa, já que a permanência no Brasil, cessando os motivos de sua transferência forçada, implicaria o fato de a América passar a possuir colônias na Europa, invertendo a relação tradicional de poder. Destacando um ponto que seria arguido daí por diante muitas vezes no discurso político luso-brasileiro, De Pratt lembrava que o Brasil não necessitava de Portugal, mas este dependia de sua colônia. Concluía que o soberano, desse modo, não poderia governar ambos os países, já que a metrópole não admitiria ser simples província do Brasil, e reciprocamente.23 23 Abbée De Pratt, Du Congrès de Vienne, Paris, 1815, v. II, p. 94.

O texto de De Pratt chegou ao país por sua menção no Correio Brasiliense de janeiro-junho de 1816, embora Hipólito da Costa criticasse o autor por ser "injusto com o Brasil" em algumas de suas afirmativas.

Silvestre Pinheiro Ferreira, no documento a Dom João, com uma crueza exemplar, definiu sucintamente os dois desafios maiores da monarquia. Para ele, além da reorganização imperial cujo impacto se reduziria com a utilização de membros da família real à testa das duas principais unidades políticas, estava latente a revolução popular, que definia pelos parâmetros jacobinos da Revolução Francesa.

A elevação do Brasil a reino aparecia, assim, como uma solução político-administrativa que se beneficiava de uma longa maturação, seja no ambiente luso-brasileiro, seja no exterior.

Hipólito da Costa, por sua vez, com seu forte pragmatismo, tão logo divulgou nas páginas do Correio Brasiliense a carta de lei, acrescentou em seus comentários que o ato deveria ser complementado com seus desdobramentos políticos e administrativos consequentes, indicando aqueles que lhe pareciam mais prementes, para não se tornar letra morta.24 24 Correio Brasiliense, v. XVI, fevereiro de 1816, p. 190.

A lenta emergência da soberania

O ato de criação do Reino Unido foi afinal a solução para se chegar à soberania sem independência. No entanto, desde 1808, esboçaram-se alguns traços, nem sempre sistemáticos e muitas vezes inarticulados, no mesmo sentido. Uma rápida revisão dos sete anos anteriores poderá fornecer alguns indicativos.

O ato de abertura dos portos, embora à primeira vista possa ser percebido como tendente à afirmação da soberania, não o era necessariamente, porque a presença de navios estrangeiros no comércio local poderia ocorrer nos quadros da dependência colonial, como, aliás, se deu em outros momentos em que ou existiu essa franquia, ou funcionou um consulado estrangeiro no país, ou ainda, como na Espanha, fazendo-se uma concessão por meio de asiento autorizativo.

Mas o ato de abertura acabou por tornar-se instrumento de soberania, ou pelo menos de menor dependência a Portugal, graças a uma manobra de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. Este conseguiu, na Cláusula VI do tratado de comércio e navegação de 1810, que não se revogasse doravante em nenhuma hipótese a abertura dos portos, pelo menos para os navios ingleses. Obstava-se, assim, com essa cláusula de irreversibilidade, qualquer que fosse a evolução posterior do Brasil na monarquia portuguesa, as tentativas de retorno ao status quo por meio de um compromisso internacional. Varnhagen interpretou dessa maneira a atitude do ministro, abrandando por isso sua crítica de excessivo favorecimento aos ingleses nos tratados de 1810.25 25 Francisco Adolfo de Varnhagen, História geral do Brasil, São Paulo, Melhoramentos, 1975, v. V, p. 115. Em suas palavras, talvez excessivamente teleológicas: "Mas a esse respeito a nós, brasileiros, cumpre-nos em todo caso venerar a memória do amigo do Brasil, que a todo transe queria assegurar o futuro deste país, buscando até para isso o auxílio de outra nação, para o caso em que pudesse faltar o da própria"; idem, p. 116.

Outro indício que pode ser percebido como indicativo de soberania foi a bicefalia de órgãos superiores, muito especialmente a existência de dois tribunais de última instância recursal como eram as Casas de Suplicação.26 26 Arno Wehling & Maria José Wehling, Themis dans la monarchie tropicale. In: Jorge Couto (ed.), Rio de Janeiro, capitale de l'empire portugais (1808-1821), Paris, Chandeigne-FCG, 2010, p. 219ss. O restabelecimento da Suplicação de Lisboa, após a primeira invasão napoleônica, com a manutenção da Suplicação brasileira, implicaria uma aberração jurídica, do ponto de vista do estatuto colonial; já como exercício de um poder soberano, era plenamente admissível.

Também a edição de um Código Brasiliense a partir de 1812, reunindo a legislação produzida no anterior, continuado até 1820,27 27 Código Brasiliense ou collecção das leis, alvarás, decretos, cartas régias &c. promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do príncipe regente n. s. a estes Estados, Rio de Janeiro, Impressão Régia, t. II, 1812. embora representasse apenas a compilação dos atos legislativos promulgados pelo príncipe regente, depois rei, sinaliza um status político e jurídico diferente do atribuído a normas esparsas sobre temas brasileiros, como aquelas sobre indígenas ou mineração nos séculos anteriores, ou mesmo a consolidações sobre questões específicas, como as Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia.28 28 Arno Wehling, As constituições primeiras do arcebispado da Bahia e o direito eclesiástico brasileiro - do Antigo Regime à construção do Leviatã. In: Anais do V Congresso de História da Bahia, Salvador, IGHB, 2001, p. 59ss.

No âmbito diplomático, esses indícios se multiplicaram nas negociações do Congresso de Viena. Como analisamos em outro texto, a percepção do Brasil como um império ou reino que ampliava a relevância de Portugal, sem ele apenas um pequeno país periférico no jogo político de reconstituição do mapa europeu, foi instrumento importante para a diplomacia portuguesa e francesa no Congresso. Isso se refletiu em três documentos diplomáticos, todos anteriores à carta de lei do Reino Unido, nos quais os plenipotenciários assinavam-se como representantes do príncipe regente dos reinos de Portugal e do Brasil. Esses documentos foram o tratado que instituiu a última coligação contra Napoleão, nos Cem Dias, o acordo sobre a devolução da Guiana à França e nada menos que a ata final do Congresso de Viena.

No mesmo contexto, a proposta de Silvestre Pinheiro Ferreira revelou-se, portanto, como uma pá de cal no longo processo de convencimento do que deveria ser feito - atribuir novo status institucional e jurídico ao Brasil -, restando apenas a definição do como, afinal resolvido com a decretação do Reino Unido em dezembro de 1815.

As questões em jogo e seu vocabulário conceitual, político e jurídico

A análise dos textos de época, inclusive da carta de lei de 16 de dezembro de 1815, permite diferentes leituras. De um ângulo político-jurídico, podemos constatar duas questões axiais, a do Estado e da sociedade, permeadas, se considerada a ação do governo joanino e o discurso de Hipólito da Costa e Silvestre Pinheiro Ferreira, por duas variáveis desafiadoras.

A questão do Estado (1) - de Estado a Reino

O primeiro aspecto a ser considerado é o da transformação do Estado do Brasil em Reino do Brasil. A carta de lei dizia textualmente que se elevava o Estado à "dignidade, preeminência e denominação" de Reino do Brasil.

A opção política de passar da condição de domínio ou Estado, ou seja, da condição colonial, para a de Reino procurava resolver o problema da realidade material e da percepção da inferioridade e da dependência externa - como disse 20 anos antes Luís dos Santos Vilhena, ao lastimar o "viver em colônias". No primeiro caso, como defendeu desde logo Hipólito da Costa, era preciso tomar medidas consequentes à nova condição, para que de fato o país deixasse de ser uma colônia. Nas suas palavras: "úteis reformas e melhoramentos radicais".29 29 Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187. No segundo, tratava-se de uma afirmação ideológica que, dependendo da existência ou não de mudanças, funcionaria positiva ou negativamente para o governo do príncipe regente.

De um modo ou de outro, juridicamente definiu-se uma união entre duas unidades políticas soberanas, uma preexistente, Portugal, outra elevada a essa condição pela carta de lei, Brasil. Não se tratou, assim, como já bem observou Cesar Tripoli, de uma união pessoal na pessoa da rainha ou do príncipe regente, mas de uma união política. A diferença, acrescentamos, estava no caráter casuístico e de natureza finita da primeira e no caráter sistemático e permanente do segundo. A atribuição de cidades, principados e até reinos inteiros a determinado monarca em caráter pessoal era uma prática corriqueira da diplomacia do Antigo Regime, normalmente ao fim de conflitos. Nesse caso, entretanto, o que se fez foi uma união política que ultrapassava os meros aspectos pessoais e dinásticos, sobrepondo-se a eles e adaptando-os às novas circunstâncias.

Olhada sob a ótica institucional do Antigo Regime, essa mudança inscrevia o novo ente como reino e não mais como domínio ou estado ou conquista, nas leis fundamentais do Reino, garantindo sua imutabilidade, já que qualquer recuo implicaria, sob o ângulo jurídico, "crime de lesa majestade divina e humana" à luz do Direito Natural e mesmo das leis positivas de Portugal, passível, portanto, de punição exemplar para seus autores, ou então a ruptura do pacto político que sustentava a república.

Aspecto importante do que se poderia esperar da nova condição foi salientado no discurso da época, a expectativa de que se desenvolvesse no Brasil o espírito público, que teria sido tolhido pela condição colonial. Duzentos anos depois do registro de frei Vicente do Salvador - aliás, inédito e, portanto, desconhecido à época - de que não havia república no Brasil, mas apenas interesses particulares, o padre Perereca afirmava que "os títulos de colônia e de domínios atenuava e abatia [sic] o caráter do povo brasileiro, e não havia espírito público nem aquela elevação de alma que tornava uma nação briosa e heroica".30 30 Luís Gonçalves dos Santos, op. cit., v. I, p. 323.

É claro, contudo, que tal mudança, feita no clima conturbado do final da era napoleônica, não se amparava mais - ou pelo menos apenas - nas normas do Antigo Regime, mas nas do novo mundo liberal-constitucional que se instituía, não obstante o fluxo-refluxo revolucionário e contrarrevolucionário. O constituinte de Cadiz, por exemplo, no título II da Constituição, preferiu usar um critério geográfico para definir o "território das Espanhas", limitando-se a descrever as diferentes regiões sem caracterizar seu status político e jurídico.31 31 Constitución de Cádiz, título II, Del território de lãs Españas, su religión y gobierno, y de los ciudadanos españoles, arts. 10 e 11, ed., Antonio Fernandez Garcia, Madri, Castalia, 2002, p. 92-93.

Por outro lado, embora se cogitasse um "Império luso-brasileiro" ou um "Império do Brasil" em diferentes momentos e contextos ideológicos,32 32 Maria de Lourdes Vianna Lyra, A utopia do poderoso império, Rio de Janeiro, Sete Letras, 1994, passim. a instituição do reino em 1815, sob a forma de reino unido, envolvia desdobramentos que não foram atacados, no juízo de contemporâneos, como o próprio Silvestre Pinheiro Ferreira, ou foram apenas perfunctoriamente.

A intenção do legislador em usar a fórmula "reino unido" deixa clara a preocupação subjacente de que, embora com os atributos da soberania, os vínculos com Portugal permaneciam íntegros. Isso justifica o título de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em vez do empregado pelos plenipotenciários em Viena, que assinaram o tratado de 8 de abril de 1815, a última coligação contra Napoleão, com a fórmula Son Altesse le Prince Régent du Royaume de Portugal et de Celui du Brésil.

A implementação do novo modelo político em sua plenitude, como desejavam Hipólito, Silvestre e Cairu, envolvia definições de natureza política, institucional e jurídica muito importantes, salientadas por eles próprios e outros contemporâneos, como:

- Os órgãos administrativos permaneceriam paralelos até o topo da hierarquia nos dois reinos, ou haveria organismos centrais superiores, presumivelmente onde estivessem o soberano e a Corte?

- A igualdade jurídica quanto à naturalidade daria livre acesso recíproco aos súditos dos dois reinos nos diferentes cargos da administração? Para os mencionados autores isso era um pressuposto.

- As políticas públicas teriam orientação comum nos dois reinos, adaptadas às condições peculiares, ou poderiam atuar de forma autônoma?

- O governo de ambos os reinos seria exercido pelo mesmo soberano de forma direta ou existiria um regente, dinástico ou político (como o Conselho de Regência durante as invasões napoleônicas em Portugal)?

- Seriam efetivamente eliminados os resquícios da dominação colonial como forma de aperfeiçoar o ato de 1815?

A hipótese plausível é a de que o Brasil fora elevado a reino com todos os atributos da soberania, com a condição de permanecer unido a Portugal. Os desdobramentos políticos, institucionais e jurídicos, contudo, não se deram de modo claro e incisivo. Por quê?

A reconhecida capacidade protelatória do príncipe regente, logo rei, exacerbada no mar de pressões exercidas pelos interesses divergentes no país e em Portugal, pode explicar a inação nesses pontos. Ao contrário do gosto ilustrado pelo planejamento, compartilhado por quase todo o discurso político da época, as soluções para eles foram sempre casuísticas e empíricas, na melhor tradição do Antigo Regime.

A questão do Estado (2) - o novo corpo político e a sociedade civil

A passagem a Reino Unido, por sua vez, deu aos habitantes do Brasil tratamento jurídico semelhante aos de Portugal, dentro do princípio de que "o fim dos governos era o bem dos povos", ainda na expressão de Hipólito. Era uma expressão retórica, certamente, mas é preciso lembrar que, no caso de domínios, colônias ou conquistas, esse não era um argumento de filosofia política ou jurídica fundamental. Ao contrário, nessas regiões admitiam-se como legítimas práticas, especialmente no exercício do governo pelas autoridades metropolitanas, que no âmbito de um reino seriam julgadas inadmissíveis. As pesadas críticas de Silvestre Pinheiro Ferreira e Hipólito da Costa, entre outros autores, aos procedimentos dos capitães generais de capitanias brasileiras e o reconhecimento frequente dos excessos pelas autoridades portuguesas demonstram como a prática da vida social e política no Brasil seria - ou deveria ser - diferente em um país soberano, constituído por um corpo político e uma sociedade civil que implicava a reformulação profunda das práticas coloniais.

Aqui temos a afirmação de uma condição para a viabilidade política e jurídica de um reino. O conceito de corpo político teve diversas acepções desde a Idade Média, com suas metáforas anatômicas. No discurso político-jurídico do período joanino ele aparece da maneira mais geral, isto é, como uma unidade de soberano e povos à qual o Brasil, dada sua nova condição, fora incorporado de pleno direito. Na expressão de Hipólito: "[o príncipe regente] mudou a denominação de Estado do Brasil em Reino do Brasil e ordenou que o corpo político debaixo de seu governo fosse daqui em diante denominado Reino Unido [...]".33 33 Correio Brasiliense, v. XVI, p. 184.

A essa ideia sistêmica não foi estranha a influência do modelo fisicalista de percepção do mundo, trazido da física newtoniana pela leitura político-social do próprio Newton e de seus divulgadores setecentistas, como Clarke. Cairu, ecoando Smith e em sintomático paralelismo com Kant,34 34 Nas Ideias para a filosofia da história de um ponto de vista cosmopolita; Arno Wehling, A invenção da história - estudos sobre o historicismo, Rio de Janeiro, UGF-UFF, 2001. fala em um "sistema político" integrado e autoequilibrado,35 35 "O Universo criado é um sistema organizado de partes, que estão em harmonia entre si e com o Grande Todo, e é regido por Leis Imutáveis da Ordem Cosmológica... Entrando a espécie humana naquele sistema, não pode deixar de ser sujeita a essas leis e observá-las na sociedade civil, para a sua própria felicidade e progressiva perfeição de sua natureza." José da Silva Lisboa, Estudos do bem comum e economia política, Rio de Janeiro, IPCA, 1975, p. 177. Essa concepção encontra-se no princípio segundo o qual as constituições deveriam reger-se por categorias e elementos inscritos na própria natureza e racionalmente constatados; Lucia Bastos Pereira das Neves & Guilherme Pereira das Neves, Constituição. In: João Feres Jr (org.), Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil, Belo Horizonte, UFMG, 2009, p. 65 ss. ; Arno Wehling, Constitucionalismo e engenharia social no contexto da independência. In: Pensamento político e elaboração constitucional no Brasil - estudos de história das idéias políticas, Rio de Janeiro, IHGB, 1994, p. 11ss. o que pode referir-se tanto aos elementos político-administrativos do Estado quanto às províncias ou os setores do poder público e à dinâmica da relação governantes-governados. Desta segunda forma fala também Hipólito ao comentar a carta de lei do Reino Unido. Para ele, o ingresso do Brasil na nova situação implicava fazer parte plenamente de um novo quadro político, no qual os povos reconheciam a autoridade moral do soberano, não sua força. A analogia era também à newtoniana:

Na moral e no governo político das nações, não é somente a força quem governa: o mesmo acontece na física. Se a força motriz, como se diz na mecânica, não é bastante para vencer a resistência, ajunta-se-lhe mais uma roldana, com que se obtém o desejado fim: assim na política. Quando o poder da força não basta, une-se-lhe um artifício, que vence a dificulade; porque, enfim, a força física existe da parte da multidão e não do governo. O rei é um homem só, que não tem força bastante para sujeitar todo o povo que governa, mas é sua influência moral quem lhe dá o poder de sujeitar e governar e fazer-se obedecer por todos os seus súditos.36 36 Correio Brasiliense, v. XVI, p. 188.

O corpo político pressupunha, assim, o exercício do poder pelo governante, assentado sobre um princípio de autoridade moral, sendo a força apenas o instrumento para impô-la, e não a razão de ser da atividade política.

Todavia, tanto quanto o conceito de corpo político, o de sociedade civil era utilizado pelos publicistas luso-brasileiros, às vezes simplesmente associados. O próprio discurso oficial o fez, como ocorre no ato de criação da Casa da Suplicação do Brasil, de 10 de maio de 1808, que menciona expressamente, nos considerandos, que a administração da justiça "afiança a segurança pessoal e os sagrados direitos de propriedade, que muito desejo manter como a mais segura base da Sociedade Civil".37 37 Alvará com força de lei, pelo qual Vossa Alteza Real é servido regular a Casa da Suplicação do Brasil, Rio de Janeiro, Impressão Régia, 1808.

Mas em que sentido isso é feito? A indicação do próprio texto de que a sociedade civil tem como pilares a segurança individual e a da propriedade é comum a diferentes discursos. Trata-se, por ora, de questão em aberto, mas podem-se formular algumas perguntas. Sabemos das opções existentes a esse propósito em torno de 1815, antes das leituras de Hegel e Marx que tanto influenciaram a percepção contemporânea do tema.38 38 Que trabalham a questão, recorde-se, nos Princípios da filosofia do direito, de 1820, e na Crítica da economia política, de 1859. Lembremos sumariamente Aristóteles, para quem não existe oposição entre a pólis e a natureza, com a sociedade civil realizando os desígnios desta. Ou, ao contrário, a distinção entre a lei natural e a lei política introduzida pelos contratualistas modernos, como estabeleceu Hobbes opondo o mundo natural e o mundo artificial da república ou do Estado.39 39 Quentin Skinner, Hobbes e a liberdade republicana, São Paulo, Unesp, 2010, p. 125. Ou a associação kantiana entre Estado e sociedade civil, pela submissão às leis jurídicas. Ou ainda a tradição anglo-escocesa que associou "virtudes, direitos e comportamentos" a um mundo novo que envolvia fundamentalmente trocas, o comércio de homens, bens e ideias estudado recorrentemente por Pocock,40 40 J. G. A. Pocock, Virtue, commerce and history, Nova York, CUP, 2002, p. 37 ss. ; idem, Political ideas as historical events: political philosophers as historical actors. In: Political thought and history - essays on theory and method, Nova York, CUP, 2010, p. 51ss. mas que correspondeu também a um crescente "poder do Estado sobre a sociedade civil".41 41 Claude Gautier, Ferguson ou la modernité problématique, introdução a Adam Ferguson, Essai sur l'histoire de la societé civile, Paris, PUF, 1992, p. 18-19.

Encontramos ecos dessas percepções no discurso político da época joanina, quando Cairu define a sociedade civil no citado trecho dos Estudos. Estaria repercutindo apenas Smith? Teria meditado sobre o livro de Ferguson, de 1767, a propósito do histórico da sociedade civil? O mesmo eco parece encontrar-se no discurso do ouvidor Miranda Ribeiro, de 1821, que associa constituição, comércio, paz e progresso econômico, ou no verdadeiro programa para a institucionalização do Reino Unido sugerido por Hipólito.42 42 José Antonio de Miranda, Memória constitucional e política sobre o estado presente de Portugal e do Brasil. In: Raymundo Faoro, O debate político no processo da independência, Rio de Janeiro, CFC, 1973, p. 82-83. Hipólito da Costa, Correio Brasiliense, v. XVI, p. 188. O tema das "virtudes" e do "comércio" repercute, sobretudo, o capítulo IV do Ensaio sobre a história da sociedade civil, de Adam Ferguson, denominado "Das consequências que resultam dos progressos das artes civis e das artes relativas ao comércio". Já autores influenciados pela escolástica, inclusive juristas, estarão mais próximos da tradição aristotélica? E Silvestre Pinheiro Ferreira, que esteve alguns anos na Alemanha? E em que se fundamenta exatamente o texto instituidor da Casa da Suplicação ao mencionar sociedade civil?

Não se trata apenas da questão da filiação a determinada tradição intelectual, mas da adesão a um universo ideológico, da opção por uma filosofia política, da organização institucional da máquina pública e da definição jurídica dos direitos e deveres dos cidadãos e de todos os comportamentos decorrentes dessas tomadas de posição. O tema exige, assim, abordagens de realidades ideológicas, intelectuais, institucionais e jurídicas distintas, mas interagentes entre si e com a materialidade das demais condições históricas. Ou, dito de outro modo por Pocock, "a verbalização de [grifo do autor] um ato político e a própria verbalização como [idem] um ato político".43 43 J. G. A. Pocock, Political..., op. cit., p. 33.

A questão do Estado (3) - o predomínio da lei

Se em um corpo político ou na sociedade civil o exercício do poder fundamentava-se na autoridade moral e não na força, qual o instrumento adequado para que aquela se impusesse?

Hipólito da Costa, como os publicistas luso-brasileiros em geral, seguia Montesquieu, ao encaminhar o raciocínio para o passo seguinte, o predomínio da lei.

Se em uma colônia, domínio, conquista ou mesmo em "tempo de guerra", admitia Hipólito, procedimentos como o de prender uma pessoa sem a declaração do crime supostamente praticado eram toleráveis, certamente não seriam usuais. O jornalista lembrava que nem mesmo no Antigo Regime a legislação em nenhum momento o permitia; muito mais ainda isso seria admissível nos novos tempos, em que o "poder moral da lei" se impusera aos governos: "Miserável é o governo que, para se fazer respeitar, precisa apelar para a baioneta do soldado. O súdito deve obedecer pela convicção de que em consciência é obrigado a submeter-se."44 44 Correio Brasiliense, v. XVI, p. 189.

Nesse aspecto da fundamentação moral do poder revela-se um traço de continuidade entre o Antigo Regime e o novo mundo liberal-constitucional. A ideia de superioridade absoluta da lei, inclusive sobre as demais normas, bem como a sua elaboração por meio de algum tipo de consentimento ou deliberação dos governados, era uma novidade ilustrada. Mas o exercício do poder no Antigo Regime, nos quadros da monarquia absoluta, já exigia a submissão a algumas normas básicas, como o Direito Natural "divino e humano" e as leis fundamentais dos reinos. Assim, o desdobramento jurídico da fundamentação moral dos governos recaía ou nas leis fundamentais de um modelo ou nas constituições do outro.

Outra consequência jurídica importante: a prática de atos políticos ou administrativos pelos governos, dissociados dessa fundamentação legal, era nula e seus efeitos seriam considerados inócuos. No argumento de Hipólito, isso se dava por dois motivos: o desrespeito ao princípio de que "o governo foi instituído para o bem dos governados" e o próprio princípio da legalidade.45 45 Idem, v. XVI, p. 189.

A questão do Estado (4) - "portugueses de ambos os hemisférios"

Passando do âmbito da fundamentação e organização do Estado para a definição do cidadão, constata-se, no discurso de Hipólito, por exemplo, que ele se torna membro de um corpo político do qual participa por meio da representação. Há uma mudança de concepção na passagem do súdito que se representava no corpo político por meio da ordem ou Estado a que pertencia ou pela inserção nos quadros municipais para o cidadão-eleitor, mesmo que de segunda classe, da era constitucional, que o fazia de modo individual. Esse não era um passo fácil a ser dado pelo intelectual que transitava entre os dois mundos, pois implicava a abolição, ou a severa atenuação, da sociedade estamental. De qualquer modo, a conjuntura refletia o trânsito das sociedades aristocráticas para as democráticas, mais tarde estudado por Alexis de Tocqueville.

Tal transição referia-se, em princípio, aos súditos ou cidadãos do reino original, isto é, Portugal. Como se aplicaria ao Brasil? Pelo menos desde o documento de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, de 1798, já se batia na tecla da unidade dos portugueses, para que

o português nascido nas quatro partes do mundo se julgue somente português e não se lembre senão da glória e grandeza da monarquia a que tem a fortuna de pertencer, reconhecendo e sentindo os felizes efeitos da reunião de um só todo composto de partes tão diferentes que separadas jamais poderiam ser igualmente felizes [...].46 46 Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, Sistema que mais convém..., op. cit., p. 49.

Essa concepção não era propriamente uma inovação, já que o instituto jurídico da pátria comum, aplicado em circunstâncias como o das provas testemunhais nas "leituras de bacharéis", concurso de ingresso à magistratura portuguesa, era prática antiga e reconhecida.47 47 Arno Wehling & Maria José Wehling, Direito e justiça no Brasil colonial - o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 249 ss. Mas a proposta de Dom Rodrigo a ampliava em uma escala política que transcendia de muito o exercício de um direito individual em um segmento burocrático.

Daí por diante políticos, publicistas e cronistas, pelo menos os identificados com uma ótica luso-brasileira, falaram correntemente em "portugueses da América" ou "brasileiros de ambos os hemisférios",48 48 Paulo José Miguel de Brito, Memória política sobre a capitania de Santa Catarina, Florianópolis, IHGSC, 1998, p. 20 ss. ou simplesmente "portugueses",49 49 Dom Romualdo Antonio de Seixas, Sermão de ação de graças [Belém, 1817], apud Ana Rosa Closet da Silva, Inventando a nação - intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português, São Paulo, Hucitec, 2006, p. 252. tendo como consequência política o fim da "odiosa distinção de colônias e metrópole" e como consequência jurídica a regulação do acesso funcional aos quadros da administração civil, eclesiástica e militar "sem distinção alguma de países" [de origem].50 50 Silvestre Pinheiro Ferreira, Memórias políticas sobre os abusos gerais e modo de os reformar e prevenir a revolução popular redigidas por ordem do príncipe regente, RIHGB, t. 57, 1884, p. 5.

Aí também aparece forte paralelo com a Constituição espanhola, cujo artigo 1º diz que "a nação espanhola é a reunião de todos os espanhóis de ambos os hemisférios".51 51 Constitución de Cádiz (1812), título I, De la nación española y de los españoles, art. 1º, op. cit., p. 89. Arno Wehling e Maria José Wehling. "Liberalismo ou Democracia: a recepção brasileira da Constituição de Cadiz", in Jose Antonio Escudero, Cortes y Constitución de Cádiz 200 años, Madri, Espasa, 2011, v. III, p. 638.

O Reino Unido, portanto, enfrentava dois problemas nesse âmbito: o da igualdade de direitos sem consideração da naturalidade dos súditos e o da transição destes a cidadãos no novo modelo político-jurídico. Não se dava apenas o mesmo status jurídico aos "portugueses" do Brasil e de Portugal. Mais que isso, associava-se seu destino dentro do mesmo corpo político, fazendo-os transitar, ambos e em igualdade de condições, de súditos de um monarca absoluto a cidadãos de um reino que, se ainda não era "constitucional", ao menos passava a governar-se - no caso do Brasil, pela ascensão à categoria de reino - pelo exclusivo primado da lei.

A questão do Estado (5) - viabilizar o reino e eliminar o arbítrio

A nova condição de reino dada ao Brasil implicava, nesse discurso político, o aperfeiçoamento da administração pública, retirando-a do caráter dependente que tinha como colônia para tornar-se objeto de políticas públicas próprias ao interesse do país. Como observou Hipólito, as reformas das finanças, agricultura, comércio e marinha, embora "essenciais", independiam da forma de governo, isto é, poderiam ocorrer mesmo nos quadros de uma administração colonial "esclarecida". Já a oportunidade trazida pelo Reino Unido consistia em algo mais profundo: o "melhoramento da forma de governo" do Brasil.52 52 Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.

Isso significava a efetiva incorporação da ex-colônia ao corpo político da monarquia portuguesa, a igualdade de direitos com Portugal, o predomínio absoluto da lei e o reconhecimento dos súditos de "ambos os hemisférios" como membros da mesma sociedade civil.

No caso brasileiro, pelo menos depois da promulgação da carta de lei do Reino Unido, não caberia mais o exercício do governo arbitrário, e eventualmente despótico, quer dos governadores de capitanias, quer das demais autoridades públicas. Esse corolário percorre o discurso de diferentes autores, inclusive quando lamentam, como Silvestre Pinheiro Ferreira em 1821, a falta de modificações institucionais após a lei de dezembro de 1815.53 53 Silvestre Pinheiro Ferreira, Cartas..., op. cit., p. 245 ss.

Tal entendimento permite concluir que, tanto em tempo de guerra quanto nos domínios, conquistas ou colônias, admitir-se-iam legalmente práticas arbitrárias de governo, não obstante essa não devesse ser a prática cotidiana do "bom governo" na ótica do Antigo Regime. A quase euforia que acompanha o texto dos publicistas, como o padre Perereca, com o fim do "antigo regime colonial" deixa clara essa percepção.

Por outro lado, sabemos, pelo desenvolvimento recente da historiografia, como o governo colonial português e espanhol do século XVIII diferiu, em matéria de centralização e arbítrio, das práticas anteriores, que admitiam um grau significativo de autonomia aos governos municipais, não por fraqueza do centro político, mas por princípio institucional.54 54 Eduardo Martiré, El impacto de las "reformas borbónicas" en el mundo andino. Consecuencias de la alteración ilustrada de un orden tradicional. In: Eduardo Martiré (coord.), La América de Carlos IV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho, 2006, p. 131ss. Para o reflexo sobre a magistratura na América espanhola, buscando enquadrá-la na "nova ordem" da burocracia ilustrada, Eduardo Martiré, La Audiencia y la administración de justicia em Indias - del iudex perfectus al iudex solutus, Buenos Aires, Historica Perrot, 2009, p. 320 ss.

A pedra de toque desse aperfeiçoamento foi muitas vezes ignorada pela historiografia, mas aparece com frequência nos textos da época. Trata-se do governo dos capitães-generais de capitania.

Desde pelo menos o governo pombalino há referências negativas ao arbítrio dos governadores, mesmo quando reconhecidas suas qualidades administrativas. Essa reação provavelmente corresponde tanto a efetivos atos de despotismo como a medidas tomadas sob a égide do espírito centralizador ilustrado do "Estado de polícia", que precedeu o consulado pombalino, intensificou-se com ele e continuou nos governos posteriores.

O eco dos interesses prejudicados, que se encontra, principalmente, nos documentos da administração municipal e da magistratura, juntou-se à difusa ideologia liberal-constitucional da virada do século, para a condenação dos governadores capitães-generais.

Já na crise de 1821-1822, Silvestre Pinheiro Ferreira fez referências muito críticas ao arbítrio dos governadores. Pela mesma época, entre outros textos que tratam do assunto, dos mais contundentes é o de Antonio José Gonçalves Chaves, escrito a partir da ótica do Rio Grande do Sul, capitania militar por excelência por motivos muito conhecidos. Em uma linha de argumentação semelhante à de Hipólito da Costa, Gonçalves Chaves lembrava que mesmo as leis do Antigo Regime não foram respeitadas pelos governadores, "seres supremos no Brasil":

Seriam necessários volumes para enumerar os despotismos, opressões, violências, depredações e protérvias que os capitães-generais do Brasil têm praticado contra os povos. Chamo em testemunho todos os habitantes que tenham alguma sensibilidade. Eles que digam quantas vezes têm visto as leis pisadas aos pés! Quantas vezes têm visto degredar, fazer carregar de ferros e trabalhar nos serviços públicos e peníveis das cidades a pessoas de representação e mesmo câmaras inteiras [...].55 55 Antonio José Gonçalves Chaves, Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil, São Leopoldo, Unisinos, 2004, p. 39.

A última frase é a diatribe de um liberal contra práticas despóticas, mas também reproduz o mal-estar de setores da elite colonial com a ampliação do poder real ao longo do século XVIII.

Mas é de Hipólito da Costa a melhor análise contemporânea do significado dos governadores capitães-generais e de sua incompatibilidade institucional com o novo regime do Reino Unido, se este não desejasse permanecer apenas no papel.

Para Hipólito, a passagem de colônia a reino implicava o fim dos capitães-generais porque estes representavam o "governo militar das capitanias e todas as mais instituições que se estabeleceram quando o país se considerava colônia e em muitos casos até erradissimamente se olhava como conquista".56 56 Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.

É na questão do "governo militar" que Hipólito focava, pois a nova condição de reino supunha que o governo só poderia agir em conformidade com a lei e a partir de uma interpretação estrita e não alargada desta. Havia, assim, absoluta incompatibilidade entre um governo civil, fundamentado na lei, e um governo militar, ipso facto de exceção, como ocorria nas colônias, domínios ou em estado de guerra. O embasamento jurídico do governo ancorado na lei vinha do pressuposto filosófico segundo o qual, ao contrário da obediência devida às ordens superiores no âmbito militar - com a qual concordava -, na vida civil

O cidadão, bem longe de obedecer cegamente, como o militar, obra, ou se supõe obrar, meditadamente e com reflexão: quando viola ou infringe a lei, supõe-se que voluntariamente se sujeita à pena da lei: é, pois necessário que todos os arranjamentos do corpo político sejam dirigidos conforme a este princípio.57 57 Idem, p. 188.

Entende-se, assim, que na percepção de Hipólito a passagem de colônia a reino implicava a ampliação dos direitos dos antigos colonos e o aperfeiçoamento de suas garantias, mesmo que para isso ainda não houvesse uma Constituição, mas apenas o Direito Natural e as leis fundamentais do reino, isto é, o modelo institucional do Antigo Regime.

A questão da sociedade

Embora muito concentrado na questão do Estado, os problemas da sociedade brasileira não foram esquecidos pelo discurso político da conjuntura do Reino Unido.

As dificuldades econômicas das diferentes regiões do país, os conflitos gerados pela administração colonial, a escravidão e a entrada de imigrantes de outras nacionalidades foram aspectos claramente percebidos no quadro de uma "questão social" da época.

Escrevendo às vésperas da Independência, portanto no Reino Unido e apresentando-se este como uma possibilidade política, Gonçalves Chaves defendia a necessidade de "seguir um sistema liberal" para tentar sanar os graves problemas sociais e políticos do Brasil, constatando que o "Brasil é um corpo de Estado mui melindroso, em razão do estado de sua população, para que possa suster-se no sofrimento de alguma guerra civil sem passar pelas mesmas desgraças das colônias espanholas, e calamos ideias ainda mais tristes [...]".58 58 Antonio José Gonçalves Chaves, op. cit., p. 49.

Anos antes, na representação de 1814-1815 ao príncipe regente, Silvestre Pinheiro Ferreira falou abertamente da "revolução popular" no Brasil, levantando o risco da fragmentação e trazendo à baila o fantasma do Haiti, ao perguntar: "Como se pode prevenir e atalhar o perigo de reação das três raças - branca, preta e mulata -, aliás infalível, próxima e horrorosa, que tem devastado e devasta as desgraçadas Antilhas?"59 59 Silvestre Pinheiro Ferreira, Memórias políticas..., op. cit., p. 16.

Para encaminhar a questão social, Silvestre Pinheiro Ferreira propôs realizar uma verdadeira reforma da nobreza, instalando um princípio meritocrático e uma hierarquia baseada na estrutura político-administrativa do "Império do Brasil" e do "Reino de Portugal" [sic] e dos domínios ultramarinos. Assim, o território seria dividido sucessivamente em arquiducados, ducados, marquesados, condados, viscondados e baronias, garantindo-se que a vaga em um dos títulos implicaria a ascensão do titular imediatamente inferior.

A criação dessa nobreza administrativa, que já ocorrera com menos clareza racionalista em outros países, implicaria de qualquer modo transformações jurídicas na sociedade estamental então vigente, já que a antiga nobreza não seria abolida, como acontecera na França napoleônica.

Hipólito da Costa, nos comentários à lei do Reino Unido, limitou-se a orientar a questão social para a do cidadão, membro do corpo político e como tal submetido à lei. Não obstante defender o fim do tráfico africano e a imigração, medidas consideradas necessárias ao encaminhamento do problema escravo, no discurso da época, seu enfoque era o de que era suficiente atribuir condições de exercício político ao cidadão, sem temer excessos ou radicalismos, já que a "ideia de justiça e do Direito sempre foi, é e será um freio bastante ao cidadão, governado com prudência".60 60 Correio Brasiliense, v. XVI, p. 190.

As variáveis subjacentes: revolução moral e revolução popular

A ideia de uma revolução moral aparece nos comentários da Hipólito da Costa para definir aquilo que não desejava que acontecesse no Brasil e em Portugal, ou seja,

a mudança repentina, em qualquer país, da forma de governo, da religião, das leis ou dos costumes. Mas seguramente, longe de aborrecer, julgamos mui dignas de desejar-se aquelas mudanças graduais e melhoramentos nas leis, que se fazem necessárias pelos progressos de civilização, e que são ditadas pelas circunstâncias dos tempos.61 61 Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.

Assim, ao contrário da revolução moral, Hipólito propõe um reformismo gradual e vê na elevação do Brasil a reino um meio para, como disse, "abrir a porta a úteis reformas e melhoramentos radicais".

Essa posição, que lembra o conservadorismo reformista de Hume, conforme a leitura de Polin,62 62 Raymond Polin, Introdução, David Hume, Essais politiques, Paris, Vrin, 1972, p. 21. explica o incômodo manifestado, já em 1808, com a reprodução das instituições portuguesas no Brasil copiadas do almanaque de Lisboa, crítica que, reverberada por Varnhagen, ecoa até hoje.63 63 Francisco Adolfo de Varnhagen, História geral do Brasil, São Paulo, Melhoramentos, 1975, v. V, p. 94-95; Arno Wehling, Administração joanina. In: Ronaldo Vainfas & Lucia Bastos Pereira das Neves (orgs.), Dicionário do Brasil joanino 1808-1821, Rio de Janeiro, Objetiva, 2008, p. 31 ss. ; e Arno Wehling, Estado, governo e administração no Brasil jonaino, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 436, 2007, p. 75 ss.

Não é difícil identificar o que Hipólito considerava como elementos dessa revolução moral a partir da promulgação do Reino Unido: a transformação dos súditos portugueses e brasileiros em efetivos cidadãos, com direitos, garantias e algum grau de participação política; o emprego da reflexão pelo cidadão como aspecto fundamental dessa participação;64 64 O conceito de reflexão política pelo cidadão, contraposto ao súdito que apenas obedece, era muito divulgado entre os publicistas da época, a começar por Benjamin Constant, que dele faz uso nos Princípios de política aplicáveis a todos os governos, publicado em 1810. Mas a fonte de todos é Montesquieu, De l'esprit des lois, Paris, Gallimard, 1994, t. II, Livro XIX, 27: "em uma nação livre é em geral matéria sem importância se o indivíduo reflete bem ou mal. Basta que reflita... Da mesma forma, sob um governo despótico, é igualmente pernicioso se o indivíduo reflete bem ou mal. Basta que tal reflexão ocorra para que a própria base do governo se escandalize". o exercício "civil" dos governos de capitanias e a transformação delas próprias em províncias, pondo fim ao arbítrio dos governos militares; o aperfeiçoamento da política comercial, tirando-a do controle de órgãos específicos, com visões parciais, e fazendo-a objeto da política geral do governo; o estímulo à imigração estrangeira, inclusive com distribuição de terras para agricultores; a transferência da capital do Brasil para o interior, entre outras medidas em que se confundiam aspectos políticos, sociais e econômicos, todas derivadas de uma concepção ou "sistema" em que se mesclavam ideias de Montesquieu, Smith, Hume, Ferguson, dos fisiocratas e de publicistas contemporâneos.

Parece claro que Hipólito da Costa via no Reino Unido uma oportunidade, se não se constituísse em letra morta, para realizar reformas ao estilo de Benjamin Constant ou dos reformistas ingleses, recusando tanto o imobilismo dos adeptos do Antigo Regime quanto o radicalismo jacobino. Seu reformismo gradual prevenia a revolução moral a partir de mudanças promovidas pelo alto. A diferença para o reformismo dos burocratas ilustrados, como Dom Rodrigo de Sousa Coutinho ou mesmo Jovellanos, estava na atribuição de um papel político e de direitos e garantias jurídicas ao cidadão que não constava dos programas de governo, mas que agora as novas circunstâncias revolucionárias impunham.

Outro magno problema subjacente às questões do Estado e da sociedade conforme se colocavam ao mundo luso-brasileiro no início do século XIX foi vocalizado por Silvestre Pinheiro Ferreira. Sem dúvida, os "princípios franceses" foram temidos e repudiados pelo governo português desde muito cedo, como também cedo foi sua penetração na metrópole e no Brasil. Mas, enquanto em Portugal o temor envolvia algum tipo de sublevação das camadas médias e inferiores da sociedade, ou mesmo de alguma quartelada que procurasse interpretar esses sentimentos, guardando a analogia com a situação francesa e de outras regiões europeias, no Brasil, o sentimento explicitado no parecer de Silvestre ao príncipe regente era o de complexidade maior. Para ele, a revolução popular poderia envolver não apenas os setores descontentes com a monarquia por influência dos "princípios franceses", mas estender-se a camadas mais amplas da sociedade, como, por exemplo, uma revolta dos escravos ou uma guerra civil.

O reformismo gradual de Hipólito e a reforma dos abusos gerais de Silvestre viam na elevação do Brasil a reino, desde que realizadas as mudanças julgadas necessárias, o meio para instaurar uma nova ordem política e social, com o indispensável arcabouço jurídico moderno.

A proposta de soberania sem independência para o Brasil implicava, a essa altura dos acontecimentos, algo mais do que um status político diferenciado entre reinos: presumia um novo estatuto político e jurídico para o súdito, no seu trânsito para a condição de cidadão, tanto na ex-colônia quanto na metrópole.

  • 5 Antonio de Moraes e Silva, Diccionario da língua portugueza, Rio de Janeiro, Empresa Literária Fluminense, 1889, v. II, p. 816 e 174.
  • 6 Quentin Skinner, Los fundamentos del pensamiento político moderno, Mexico, FCE, 1993, v. II, p. 191.
  • 7 Marcel Marion, Dictionnaire des institutions de la France, XVIIe-XVIIIes, Paris, Picard, 1993, p./ 341.
  • 8 Bernardino Bravo Lira, Formación del Estado moderno: el Estado absoluto y leyes fundamentales em Francia, Revista de Derecho de la Universidad Católica de Valparaiso, 1985, v. IX;
  • H. Mohnhaupt, Historische Vergleichung im Bereich von Staat und Recht, Franckfurt, Klostermannn, 2000, p. 221 ss.
  • ; Airton Cerqueira Leite Seelaender, Notas sobre a constituição do direito público na idade moderna: a doutrina das leis fundamentais, Revista Sequência, 2006, n. 53, p. 197 ss.
  • 9 Luís Gonçalves dos Santos (Pe. Perereca), Memórias para servir à história do reino do Brasil, São Paulo, Edusp, 1981, v. II, p. 38.
  • 10Idem, v. II, p. 44. Para a análise das variações semânticas em alguns conceitos-chave (e também contraconceitos), Lucia Maria Bastos Pereira das Neves, Corcundas e constitucionais. A cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 169 ss.
  • 11 Arno Wehling, O conceito jurídico de povo no Antigo Regime - o caso luso-brasileiro, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 421, 2003, p. 39 ss.
  • 16 Anthony Pagden, Señores de todo el mundo. Ideologías del imperio em España, Inglaterra y Francia (en los siglos XVI, XVII y XVIII), Barcelona, Peninsula, 1997, p. 227 ss.
  • 17 Conde de Aranda, Exposición del conde de Aranda al rey Carlos III sobre la conveniência de crear reinos independientes em America. In: André Muriel, Gobierno del señor rey Carlos III, Madri, BAE, 1959.
  • 18 Arno Wehling, A monarquia dual luso-brasileira - crise colonial, inspiração hispânica e criação do Reino Unido. In: Anais do Seminário Internacional D. João VI, um rei aclamado na América, Museu Histórico Nacional, 2000, p. 338 ss.
  • 19 Publicado em Marcos Carneiro de Mendonça, O intendente Câmara, São Paulo, CEN, 1958, p. 277 ss.
  • , e Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, Textos políticos, econômicos e financeiros, 1783-1811, Lisboa, Banco de Portugal, tomo III, p. 47 ss.
  • 20 O tema foi objeto do estudo de Kenneth Maxwell, The generation of the 1790s and the idea of luso-brazilian empire. In: Dauril Alden (ed.), The colonial roots of modern Brazil, Berkeley, UCP, 1973, p. 107 ss.
  • 21 Kenneth Maxwell, Conflicts and conspiracies, Brazil and Portugal, 1750-1808, Nova York, Routledge, 2004, p. 211.
  • 22 Silvestre Pinheiro Ferreira, Memórias políticas sobre os abusos gerais e modo de os reformar e prevenir a revolução popular, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1884, t. 47, p. I, p. 1 ss.
  • Maria Beatriz Nizza da Silva, Silvestre Pinheiro Ferreira: Ideologia e Teoria, Lisboa, Sá da Costa, 1975, p. 42 ss e "Silvestre Pinheiro Ferreira e o movimento constitucional no Rio de Janeiro",
  • in Cadernos de Cultura, Centro de História da Cultura/UNB, n. 1, 1998, p. 57 ss.
  • Arno Wehling e Maria José Wehling, "Um ator político e dois momentos de reestruturação institucional do império português (1814-1821)", in Ana Leal de Faria e Maria Adelina Amorim (coord.), O Reino sem Corte, Lisboa, Tribuna, 2011, p. 265 ss.
  • 23Abbée De Pratt, Du Congrès de Vienne, Paris, 1815, v. II, p. 94.
  • 24Correio Brasiliense, v. XVI, fevereiro de 1816, p. 190.
  • 25 Francisco Adolfo de Varnhagen, História geral do Brasil, São Paulo, Melhoramentos, 1975, v. V, p. 115.
  • 26 Arno Wehling & Maria José Wehling, Themis dans la monarchie tropicale. In: Jorge Couto (ed.), Rio de Janeiro, capitale de l'empire portugais (1808-1821), Paris, Chandeigne-FCG, 2010, p. 219ss.
  • 27Código Brasiliense ou collecção das leis, alvarás, decretos, cartas régias &c. promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do príncipe regente n. s. a estes Estados, Rio de Janeiro, Impressão Régia, t. II, 1812.
  • 28 Arno Wehling, As constituições primeiras do arcebispado da Bahia e o direito eclesiástico brasileiro - do Antigo Regime à construção do Leviatã. In: Anais do V Congresso de História da Bahia, Salvador, IGHB, 2001, p. 59ss.
  • 29Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.
  • 31Constitución de Cádiz, título II, Del território de lãs Españas, su religión y gobierno, y de los ciudadanos españoles, arts. 10 e 11, ed., Antonio Fernandez Garcia, Madri, Castalia, 2002, p. 92-93.
  • 32 Maria de Lourdes Vianna Lyra, A utopia do poderoso império, Rio de Janeiro, Sete Letras, 1994, passim.
  • 33Correio Brasiliense, v. XVI, p. 184.
  • 34 Nas Ideias para a filosofia da história de um ponto de vista cosmopolita; Arno Wehling, A invenção da história - estudos sobre o historicismo, Rio de Janeiro, UGF-UFF, 2001.
  • 35 "O Universo criado é um sistema organizado de partes, que estão em harmonia entre si e com o Grande Todo, e é regido por Leis Imutáveis da Ordem Cosmológica... Entrando a espécie humana naquele sistema, não pode deixar de ser sujeita a essas leis e observá-las na sociedade civil, para a sua própria felicidade e progressiva perfeição de sua natureza." José da Silva Lisboa, Estudos do bem comum e economia política, Rio de Janeiro, IPCA, 1975, p. 177.
  • Essa concepção encontra-se no princípio segundo o qual as constituições deveriam reger-se por categorias e elementos inscritos na própria natureza e racionalmente constatados; Lucia Bastos Pereira das Neves & Guilherme Pereira das Neves, Constituição. In: João Feres Jr (org.), Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil, Belo Horizonte, UFMG, 2009, p. 65 ss.
  • ; Arno Wehling, Constitucionalismo e engenharia social no contexto da independência. In: Pensamento político e elaboração constitucional no Brasil - estudos de história das idéias políticas, Rio de Janeiro, IHGB, 1994, p. 11ss.
  • 36Correio Brasiliense, v. XVI, p. 188.
  • 39 Quentin Skinner, Hobbes e a liberdade republicana, São Paulo, Unesp, 2010, p. 125.
  • 40 J. G. A. Pocock, Virtue, commerce and history, Nova York, CUP, 2002, p. 37 ss.
  • ; idem, Political ideas as historical events: political philosophers as historical actors. In: Political thought and history - essays on theory and method, Nova York, CUP, 2010, p. 51ss.
  • 41 Claude Gautier, Ferguson ou la modernité problématique, introdução a Adam Ferguson, Essai sur l'histoire de la societé civile, Paris, PUF, 1992, p. 18-19.
  • 44Correio Brasiliense, v. XVI, p. 189.
  • 47 Arno Wehling & Maria José Wehling, Direito e justiça no Brasil colonial - o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 249 ss.
  • 48 Paulo José Miguel de Brito, Memória política sobre a capitania de Santa Catarina, Florianópolis, IHGSC, 1998, p. 20 ss.
  • 50 Silvestre Pinheiro Ferreira, Memórias políticas sobre os abusos gerais e modo de os reformar e prevenir a revolução popular redigidas por ordem do príncipe regente, RIHGB, t. 57, 1884, p. 5.
  • 51Constitución de Cádiz (1812), título I, De la nación española y de los españoles, art. 1ş, op. cit., p. 89. Arno Wehling e Maria José Wehling. "Liberalismo ou Democracia: a recepção brasileira da Constituição de Cadiz", in Jose Antonio Escudero, Cortes y Constitución de Cádiz 200 años, Madri, Espasa, 2011, v. III, p. 638.
  • 54 Eduardo Martiré, El impacto de las "reformas borbónicas" en el mundo andino. Consecuencias de la alteración ilustrada de un orden tradicional. In: Eduardo Martiré (coord.), La América de Carlos IV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho, 2006, p. 131ss.
  • Para o reflexo sobre a magistratura na América espanhola, buscando enquadrá-la na "nova ordem" da burocracia ilustrada, Eduardo Martiré, La Audiencia y la administración de justicia em Indias - del iudex perfectus al iudex solutus, Buenos Aires, Historica Perrot, 2009, p. 320 ss.
  • 55 Antonio José Gonçalves Chaves, Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil, São Leopoldo, Unisinos, 2004, p. 39.
  • 56Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.
  • 62 Raymond Polin, Introdução, David Hume, Essais politiques, Paris, Vrin, 1972, p. 21.
  • 63 Francisco Adolfo de Varnhagen, História geral do Brasil, São Paulo, Melhoramentos, 1975, v. V, p. 94-95;
  • Arno Wehling, Administração joanina. In: Ronaldo Vainfas & Lucia Bastos Pereira das Neves (orgs.), Dicionário do Brasil joanino 1808-1821, Rio de Janeiro, Objetiva, 2008, p. 31 ss.
  • ; e Arno Wehling, Estado, governo e administração no Brasil jonaino, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 436, 2007, p. 75 ss.
  • 1
    Artigo recebido e aprovado para publicação em fevereiro de 2011.
    2
    Professor titular da UFRJ e da UGF. Professor emérito da UNIRIO e presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
  • 3
    Professora emérita da UNIRIO e professora titular da UGF.
  • 4
    Raphael Bluteau,
    Vocabulario portuguez e latino, Lisboa, 1718, v. I, p. 49, v. IV, p. 10, v. VI, p. 312, e v. VII, p. 670.
  • 5
    Antonio de Moraes e Silva,
    Diccionario da língua portugueza, Rio de Janeiro, Empresa Literária Fluminense, 1889, v. II, p. 816 e 174.
  • 6
    Quentin Skinner,
    Los fundamentos del pensamiento político moderno, Mexico, FCE, 1993, v. II, p. 191.
  • 7
    Marcel Marion,
    Dictionnaire des institutions de la France, XVIIe-XVIIIes, Paris, Picard, 1993, p./ 341.
  • 8
    Bernardino Bravo Lira, Formación del Estado moderno: el Estado absoluto y leyes fundamentales em Francia,
    Revista de Derecho de la Universidad Católica de Valparaiso, 1985, v. IX; H. Mohnhaupt,
    Historische Vergleichung im Bereich von Staat und Recht, Franckfurt, Klostermannn, 2000, p. 221 ss. ; Airton Cerqueira Leite Seelaender, Notas sobre a constituição do direito público na idade moderna: a doutrina das leis fundamentais,
    Revista Sequência, 2006, n. 53, p. 197 ss.
  • 9
    Luís Gonçalves dos Santos (Pe. Perereca),
    Memórias para servir à história do reino do Brasil, São Paulo, Edusp, 1981, v. II, p. 38.
  • 10
    Idem, v. II, p. 44. Para a análise das variações semânticas em alguns conceitos-chave (e também contraconceitos), Lucia Maria Bastos Pereira das Neves,
    Corcundas e constitucionais. A cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 169 ss.
  • 11
    Arno Wehling, O conceito jurídico de povo no Antigo Regime - o caso luso-brasileiro,
    Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 421, 2003, p. 39 ss.
  • 12
    Raphael Bluteau,
    op. cit., v. VI, p. 312.
  • 13
    Antonio de Moraes e Silva,
    op. cit., v. II, p. 687.
  • 14
    Miguel Soriano,
    Rélation du royaume de la France,
    apud Marcel Marion,
    op. cit., p. 489-490.
  • 15
    Ibidem.
  • 16
    Anthony Pagden,
    Señores de todo el mundo. Ideologías del imperio em España, Inglaterra y Francia (en los siglos XVI, XVII y XVIII), Barcelona, Peninsula, 1997, p. 227 ss.
  • 17
    Conde de Aranda,
    Exposición del conde de Aranda al rey Carlos III sobre la conveniência de crear reinos independientes em America. In: André Muriel,
    Gobierno del señor rey Carlos III, Madri, BAE, 1959.
  • 18
    Arno Wehling, A monarquia dual luso-brasileira - crise colonial, inspiração hispânica e criação do Reino Unido. In:
    Anais do Seminário Internacional D. João VI, um rei aclamado na América, Museu Histórico Nacional, 2000, p. 338 ss.
  • 19
    Publicado em Marcos Carneiro de Mendonça,
    O intendente Câmara, São Paulo, CEN, 1958, p. 277 ss. , e Dom Rodrigo de Sousa Coutinho,
    Textos políticos, econômicos e financeiros, 1783-1811, Lisboa, Banco de Portugal, tomo III, p. 47 ss.
  • 20
    O tema foi objeto do estudo de Kenneth Maxwell, The generation of the 1790s and the idea of luso-brazilian empire. In: Dauril Alden (ed.),
    The colonial roots of modern Brazil, Berkeley, UCP, 1973, p. 107 ss.
  • 21
    Kenneth Maxwell,
    Conflicts and conspiracies, Brazil and Portugal, 1750-1808, Nova York, Routledge, 2004, p. 211.
  • 22
    Silvestre Pinheiro Ferreira, Memórias políticas sobre os abusos gerais e modo de os reformar e prevenir a revolução popular,
    Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1884, t. 47, p. I, p. 1 ss. Maria Beatriz Nizza da Silva,
    Silvestre Pinheiro Ferreira: Ideologia e Teoria, Lisboa, Sá da Costa, 1975, p. 42 ss e "Silvestre Pinheiro Ferreira e o movimento constitucional no Rio de Janeiro", in
    Cadernos de Cultura, Centro de História da Cultura/UNB, n. 1, 1998, p. 57 ss. Arno Wehling e Maria José Wehling, "Um ator político e dois momentos de reestruturação institucional do império português (1814-1821)", in Ana Leal de Faria e Maria Adelina Amorim (coord.),
    O Reino sem Corte, Lisboa, Tribuna, 2011, p. 265 ss.
  • 23
    Abbée De Pratt,
    Du Congrès de Vienne, Paris, 1815, v. II, p. 94.
  • 24
    Correio Brasiliense, v. XVI, fevereiro de 1816, p. 190.
  • 25
    Francisco Adolfo de Varnhagen,
    História geral do Brasil, São Paulo, Melhoramentos, 1975, v. V, p. 115. Em suas palavras, talvez excessivamente teleológicas: "Mas a esse respeito a nós, brasileiros, cumpre-nos em todo caso venerar a memória do amigo do Brasil, que a todo transe queria assegurar o futuro deste país, buscando até para isso o auxílio de outra nação, para o caso em que pudesse faltar o da própria";
    idem, p. 116.
  • 26
    Arno Wehling & Maria José Wehling, Themis dans la monarchie tropicale. In: Jorge Couto (ed.),
    Rio de Janeiro, capitale de l'empire portugais (1808-1821), Paris, Chandeigne-FCG, 2010, p. 219ss.
  • 27
    Código Brasiliense ou collecção das leis, alvarás, decretos, cartas régias &c. promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do príncipe regente n. s. a estes Estados, Rio de Janeiro, Impressão Régia, t. II, 1812.
  • 28
    Arno Wehling, As constituições primeiras do arcebispado da Bahia e o direito eclesiástico brasileiro - do Antigo Regime à construção do Leviatã. In:
    Anais do V Congresso de História da Bahia, Salvador, IGHB, 2001, p. 59ss.
  • 29
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.
  • 30
    Luís Gonçalves dos Santos,
    op. cit., v. I, p. 323.
  • 31
    Constitución de Cádiz, título II, Del território de lãs Españas, su religión y gobierno, y de los ciudadanos españoles, arts. 10 e 11, ed., Antonio Fernandez Garcia, Madri, Castalia, 2002, p. 92-93.
  • 32
    Maria de Lourdes Vianna Lyra,
    A utopia do poderoso império, Rio de Janeiro, Sete Letras, 1994,
    passim.
  • 33
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 184.
  • 34
    Nas
    Ideias para a filosofia da história de um ponto de vista cosmopolita; Arno Wehling,
    A invenção da história - estudos sobre o historicismo, Rio de Janeiro, UGF-UFF, 2001.
  • 35
    "O Universo criado é um sistema organizado de partes, que estão em harmonia entre si e com o
    Grande Todo, e é regido por Leis Imutáveis da Ordem Cosmológica... Entrando a espécie humana naquele sistema, não pode deixar de ser sujeita a essas leis e observá-las na sociedade civil, para a sua própria felicidade e progressiva perfeição de sua natureza." José da Silva Lisboa,
    Estudos do bem comum e economia política, Rio de Janeiro, IPCA, 1975, p. 177. Essa concepção encontra-se no princípio segundo o qual as constituições deveriam reger-se por categorias e elementos inscritos na própria natureza e racionalmente constatados; Lucia Bastos Pereira das Neves & Guilherme Pereira das Neves, Constituição. In: João Feres Jr (org.),
    Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil, Belo Horizonte, UFMG, 2009, p. 65 ss. ; Arno Wehling, Constitucionalismo e engenharia social no contexto da independência. In:
    Pensamento político e elaboração constitucional no Brasil - estudos de história das idéias políticas, Rio de Janeiro, IHGB, 1994, p. 11ss.
  • 36
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 188.
  • 37
    Alvará com força de lei, pelo qual Vossa Alteza Real é servido regular a Casa da Suplicação do Brasil, Rio de Janeiro, Impressão Régia, 1808.
  • 38
    Que trabalham a questão, recorde-se, nos
    Princípios da filosofia do direito, de 1820, e na
    Crítica da economia política, de 1859.
  • 39
    Quentin Skinner,
    Hobbes e a liberdade republicana, São Paulo, Unesp, 2010, p. 125.
  • 40
    J. G. A. Pocock,
    Virtue, commerce and history, Nova York, CUP, 2002, p. 37 ss. ;
    idem, Political ideas as historical events: political philosophers as historical actors. In:
    Political thought and history - essays on theory and method, Nova York, CUP, 2010, p. 51ss.
  • 41
    Claude Gautier, Ferguson ou la modernité problématique, introdução a Adam Ferguson,
    Essai sur l'histoire de la societé civile, Paris, PUF, 1992, p. 18-19.
  • 42
    José Antonio de Miranda,
    Memória constitucional e política sobre o estado presente de Portugal e do Brasil. In: Raymundo Faoro,
    O debate político no processo da independência, Rio de Janeiro, CFC, 1973, p. 82-83. Hipólito da Costa,
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 188. O tema das "virtudes" e do "comércio" repercute, sobretudo, o capítulo IV do
    Ensaio sobre a história da sociedade civil, de Adam Ferguson, denominado "Das consequências que resultam dos progressos das artes civis e das artes relativas ao comércio".
  • 43
    J. G. A. Pocock,
    Political...,
    op. cit., p. 33.
  • 44
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 189.
  • 45
    Idem, v. XVI, p. 189.
  • 46
    Dom Rodrigo de Sousa Coutinho,
    Sistema que mais convém...,
    op. cit., p. 49.
  • 47
    Arno Wehling & Maria José Wehling,
    Direito e justiça no Brasil colonial - o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 249 ss.
  • 48
    Paulo José Miguel de Brito,
    Memória política sobre a capitania de Santa Catarina, Florianópolis, IHGSC, 1998, p. 20 ss.
  • 49
    Dom Romualdo Antonio de Seixas, Sermão de ação de graças [Belém, 1817],
    apud Ana Rosa Closet da Silva,
    Inventando a nação - intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do Antigo Regime português, São Paulo, Hucitec, 2006, p. 252.
  • 50
    Silvestre Pinheiro Ferreira,
    Memórias políticas sobre os abusos gerais e modo de os reformar e prevenir a revolução popular redigidas por ordem do príncipe regente,
    RIHGB, t. 57, 1884, p. 5.
  • 51
    Constitución de Cádiz (1812), título I, De la nación española y de los españoles, art. 1º,
    op. cit., p. 89. Arno Wehling e Maria José Wehling. "Liberalismo ou Democracia: a recepção brasileira da Constituição de Cadiz", in Jose Antonio Escudero,
    Cortes y Constitución de Cádiz 200 años, Madri, Espasa, 2011, v. III, p. 638.
  • 52
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.
  • 53
    Silvestre Pinheiro Ferreira,
    Cartas...,
    op. cit., p. 245 ss.
  • 54
    Eduardo Martiré, El impacto de las "reformas borbónicas" en el mundo andino. Consecuencias de la alteración ilustrada de un orden tradicional. In: Eduardo Martiré (coord.),
    La América de Carlos IV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho, 2006, p. 131ss. Para o reflexo sobre a magistratura na América espanhola, buscando enquadrá-la na "nova ordem" da burocracia ilustrada, Eduardo Martiré,
    La Audiencia y la administración de justicia em Indias - del iudex perfectus
    al iudex solutus, Buenos Aires, Historica Perrot, 2009, p. 320 ss.
  • 55
    Antonio José Gonçalves Chaves,
    Memórias ecônomo-políticas sobre a administração pública do Brasil, São Leopoldo, Unisinos, 2004, p. 39.
  • 56
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.
  • 57
    Idem, p. 188.
  • 58
    Antonio José Gonçalves Chaves,
    op. cit., p. 49.
  • 59
    Silvestre Pinheiro Ferreira,
    Memórias políticas...,
    op. cit., p. 16.
  • 60
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 190.
  • 61
    Correio Brasiliense, v. XVI, p. 187.
  • 62
    Raymond Polin, Introdução, David Hume,
    Essais politiques, Paris, Vrin, 1972, p. 21.
  • 63
    Francisco Adolfo de Varnhagen,
    História geral do Brasil, São Paulo, Melhoramentos, 1975, v. V, p. 94-95; Arno Wehling, Administração joanina. In: Ronaldo Vainfas & Lucia Bastos Pereira das Neves (orgs.),
    Dicionário do Brasil joanino 1808-1821, Rio de Janeiro, Objetiva, 2008, p. 31 ss. ; e Arno Wehling, Estado, governo e administração no Brasil jonaino,
    Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 436, 2007, p. 75 ss.
  • 64
    O conceito de
    reflexão política pelo cidadão, contraposto ao súdito que apenas obedece, era muito divulgado entre os publicistas da época, a começar por Benjamin Constant, que dele faz uso nos
    Princípios de política aplicáveis a todos os governos, publicado em 1810. Mas a fonte de todos é Montesquieu,
    De l'esprit des lois, Paris, Gallimard, 1994, t. II, Livro XIX, 27: "em uma nação livre é em geral matéria sem importância se o indivíduo reflete bem ou mal. Basta que reflita... Da mesma forma, sob um governo despótico, é igualmente pernicioso se o indivíduo reflete bem ou mal. Basta que tal reflexão ocorra para que a própria base do governo se escandalize".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2011
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