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Entre cartas e livros: a livraria real e a escrita do bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos no período joanino (1808-1821)

Entre cartas y libros: la Biblioteca Real y las escrituras del bibliotecario Luís Joaquim dos Santos Marrocos en el periodo Joanino (1808-1821)

Among books and letters: the royal library and the writing of librarian Luís Joaquim dos Santos in the joan period (1808 -1821)

Entre lettres et des livres: la librairie royale et l’écriture du bibliothécaire Luis Joaquim dos Santos Marrocos dans la période Joanino (1808-1821)

Resumo

Entre livros e cartas, a história do império luso-brasileiro passou por profundas mudanças no início d’Oitocentos. O Rio de Janeiro tornou-se a sede da monarquia com a chegada da corte em 1808. O bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos viu sua vida transformar-se ao acompanhar a segunda leva de livros da Real Biblioteca d’Ajuda para a América. Ele atuou na estruturação da Real Biblioteca do Rio de Janeiro, pensada como um locus de saber. Nesse contexto, estudaremos a correspondência ativa de Marrocos escrita entre 1811 e 1821 pelas seguintes perspectivas: a historicidade da Real Biblioteca; a relação de Marrocos com a escrita ; as sociabilidades individuais e coletivas desse momento; as relações políticas nas quais estava inserido e a interlocução com seu pai, Francisco José dos Santos Marrocos; a conservação deste acervo epistolar. Nossa proposta é analisar tais cartas como tema e objeto de pesquisa para refletirmos sobre a escrita das relações políticas e culturais do império luso-brasileiro.

Palavras-chave:
Biblioteca Real; Período Joanino; correspondência de Luís Joaquim Santos Marrocos.

Resumen

Entre libros y cartas, la historia del imperio luso-brasileño pasó por profundas transformaciones a inicios de 1800. Río de Janeiro se convirtió en la sede de la monarquía con la llegada de la corte en 1808. El bibliotecario Luís Joaquim dos Santos Marrocos vio su vida transformarse al supervisar el segundo envío de los libros de la Real Biblioteca de Ayuda para América. Actuó en la estructuración de la Real Biblioteca de Río de Janeiro, pensada como un locus del saber. En ese contexto, estudiaremos la correspondencia activa de Marrocos escrita entre 1811 y 1821, mediante las siguientes perspectivas: la historicidad de la Real Biblioteca; la relación de Marrocos con la escritura; las sociabilidades individuales y colectivas del momento; las relaciones políticas en las cuales se encontraba inmerso y el diálogo con su padre, Francisco José dos Santos Marrocos; la conservación de este acervo epistolar. Nuestra propuesta será la de analizar tales cartas como tema y objeto de nuestra pesquisa para reflexionar sobre la escrita en las relaciones políticas y culturales del imperio luso-brasileño.

Palabras claves:
Biblioteca Real; Periodo Joanino; Correspondencia de Luís Joaquim Santos Marrocos.

Abstract

Among books and letters, the history of the Luso-Brazilian empire underwent profound changes at the beginning of the nineteenth century. Rio de Janeiro turned into the home of the Monarchy upon the court arrival in 1808.The librarian LuísJoaquim dos Santos Marrocos saw his life turned up side down when accompanied the second wave of books from Royal Library d’Ajuda to America. He was present in setting up the Royal Library of Rio de Janeiro, now conceived as a locus of knowledge. In this context, we will study Marrocos’s active correspondence written between 1811 and 1821 by the following perspectives: the historicity of Royal Library; the relationship between Marrocos and writing; the individual and collective sensibilities of this historical moment; the political relations in which he was inserted and the dialogue with his father, Francisco José dos Santos Marrocos; the conservation of this epistolary collection. Our aim is to examine such letters as the object of study to reflecton the written culture of the political relations in the Luso-Brazilian empire.

Keywords:
Royal Library; Joan period; Luís Joaquim Santos Marrocos’s correspondence.

Résumé

Entre des livres et des lettres, l’histoire de l’empire luso-brésilien a subi de profonds changements au début du XIXème siècle. Rio de Janeiro est devenue le siège de la royauté à l’arrivée de la Couronne en 1808.Le bibliothécaire Luis Joaquim dos Santos Marrocosa vu sa vie se transformer en assurant le suivi du deuxième envoi de livres de la Bibliothèque Royale d’Ajudavers l’Amérique. Il a travaillé dans la structuration de la Bibliothèque royale de Rio de Janeiro, conçue comme un lieu de savoir. Dans ce contexte, nousexaminerons la correspondance active de Santos Marrocos écrite entre 1811 et 1821, dans les perspectives suivantes: l’historicité de la Bibliothèque Royale ; la relation de Santos Marrocosavec l’écriture ; les sociabilités individuelles et collectives de ce moment historique; les relations politiques où il s’introduisaitet le dialogue avec son père, Francisco José dos Santos Marrocos ; la conservation de ces archives épistolaires. Notre objectif est d’analyser ces lettres et d’en faire notre objet de recherche,en vue de réfléchir sur l’écriture dans les relations politiques de l’empire luso-brésilienne.

Mots-clés:
Bibliothèque Royale; Période Joanino; Correspondence de Luis Joaquim dos Santos Marrocos.

No início do século XIX, o oceano Atlântico se agitou com um distinto tráfego de embarcações. Não eram as que transportavam mercadorias e nem eram os tumbeiros que deixavam a África, carregados de homens, mulheres e crianças, escravizados, rumo a um destino incerto. A viagem conduzia a nobreza e a família real portuguesa com seus baús repletos de pertences pessoais, papéis e objetos de distintos valores. Cada português que deixou Lisboa rumo à América estava investido por sentimentos particulares e coletivos de características múltiplas, como o medo de se estabelecer no Brasil, que abruptamente interrompia sua condição de espaço colonial para se tornar sede da monarquia portuguesa e que possuía um cotidiano pouco conhecido. Tais questões atormentavam a todos, uma vez que o Novo Mundo era visto apenas por meio dos relatos de cronistas e viajantes. Essa estratégia política objetivava manter o poder português diante das devastadoras ações de Napoleão Bonaparte e das novas relações com o espaço colonial, impregnadas por discursos econômicos e políticos de reforma, que não mais se enquadravam na tradição mercantilista e no desgastado pacto colonial.1 1 Os primeiros apontamentos desta pesquisa foram apresentados parcialmente no 6o Colóquio Portugal no Brasil: Pontes para o presente (Real Gabinete Português de Leitura) e no VI Simpósio Nacional de História Cultural, ambos em 2012, pela primeira autora. Por outro lado, pontuais problematizações deste texto também fizeram parte da tese de doutoramento da segunda autora. Este artigo aponta análises originais e pensadas exclusivamente para este texto. (O primeiro e o segundo correspondem à ordem alfabética de apresentação do nome das autoras).

A chegada do rei ao Rio de Janeiro implicou muitas preocupações, tendo a preservação do patrimônio literário recebido atenção especial, já que a livraria era um “espaço emblemático da Corte”, na expressão de Ana Cristina Araújo, o que na prática lhe concedia grande respeitabilidade como signo da monarquia e da nobreza (Araújo, 2008ARAÚJO, Ana Cristina. Uma longa despedida: cartas familiares de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. In: MARROCOS, Luís Joaquim dos Santos. Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008., p. 25). Assim, era imprescindível que a realeza constituísse esse locus de saber na nova sede de sua residência. Para isso, o governo português precisou transladar seguramente um dos seus bens mais preciosos: a coleção de livros e manuscritos raros. Diante de um empreendimento de tal monta, a escolha dos profissionais não poderia ser mais coerente: tamanha incumbência ficava nas mãos de dois diletos homens de letras da corte lusitana, os bibliotecários régios, que avaliavam em detalhes os acervos de suas respectivas instituições: a Real Biblioteca d’Ajuda e a Real Biblioteca Pública de Lisboa.2 2 Utilizamos o conceito de homem de letras defendido pela filósofa Hannah Arendt. Segundo a autora, “os homens de letras se educaram e cultivaram suas mentes em uma reclusão pela qual optaram livremente, colocando-se portanto a uma distância calculada, tanto do social como do político — dos quais de qualquer sorte, haviam sido excluídos —, a fim de observá-los em uma perspectiva apropriada.” Arendt (1988, p. 33-36). Ambos, portanto, conheciam os métodos de catalogação e as formas mais adequadas à organização de sua congênere no Brasil.

Nesse cenário, o presente texto analisa a correspondência do bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos para se discutirem as transformações que vigoraram na cidade e na biblioteca, mormente em relação ao mundo da escrita, com destaque para a circulação da palavra impressa, através dos livros, e da manuscrita, neste caso, as cartas de nosso personagem. Entretanto, também nos ocuparemos dos sentimentos aflorados pela distância de Lisboa, sua terra natal, e que indicam a escrita como um gesto acalentador e de aproximação com os interlocutores que permaneceram do outro lado do oceano. A conservação desse valioso acervo e as edições que intentaram sua disponibilização também serão mote deste artigo. Nossa proposta é apresentar as cartas de Marrocos como objeto de pesquisa histórica para ponderarmos algumas questões referentes aos acontecimentos passados nos primeiros anos do século XIX no Brasil sem, contudo, perder a dimensão de que a escrita de Marrocos foi uma das múltiplas formas de também viver a experiência do exílio. De acordo com a análise de Kirsten Schultz, para os portugueses vindos com a realeza a experiência do exílio trazia consigo a busca pela regeneração política e moral, cuja base era a obediência à monarquia. Já para os residentes do Rio de Janeiro, a nova Corte simbolizava o ressurgimento do poder e da prosperidade nacional. Para ambos, no entanto, “a novidade de um império americano era circunscrita pela tradição: vassalagem e identidade nacional portuguesa” (Schultz, 2008SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical: império, monarquia e a Corte Real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2008., p. 136).

Sobre a transferência da residência real para a América e o processo de estruturação do aparato governamental, Ana Cristina Araújo é enfática ao indicar que a “capitalidade política do Rio de Janeiro implicava a existência de rituais de informação e cerimônias públicas, até então distantes ou apenas imagináveis”, mas que se consolidaram e impuseram “uma imagem inédita e perdurável da materialidade do poder real” (Araújo, 2008ARAÚJO, Ana Cristina. Uma longa despedida: cartas familiares de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. In: MARROCOS, Luís Joaquim dos Santos. Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008., p. 31). Nesse cenário, a Real Biblioteca representava o grande capital simbólico da Coroa.

A Real Biblioteca no Império Português

Principalmente nos primeiros anos de estadia (1808 a 1815), o governo joanino cuidou da proteção de seu patrimônio intelectual por outras vias que não apenas a estruturação, abertura e funcionamento da Real Biblioteca do Rio de Janeiro e da transferência dos documentos manuscritos pertencentes aos arquivos de secretarias de governo.3 3 Para mais informações referentes à transferência de arquivos ver: Martins (2007). A Impressão Régia autenticava a visibilidade ao domínio simbólico almejado pela Coroa por meio da circulação dos papéis oficiais assim como das demais produções impressas que saíam dos prelos reais, como os periódicos produzidos pela mesma Tipografia - a Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1821) e O Patriota (1813-1814) - ou aqueles patrocinados pela Coroa - como foi o caso d’O Investigador Portuguez em Inglaterra (1811-1819). Portanto, os periódicos foram parte fundamental da política cultural da monarquia lusitana.4 4 Para a compreensão desse processo especificamente em relação à Gazeta do Rio de Janeiro, ver: Meirelles (2008, p. 91-154).

Em meio ao conturbado contexto político europeu dava-se a constituição da Real Biblioteca do Rio de Janeiro que, aos poucos, tomava forma sui generis. É sobre a formação desse locus de saber no Império que agora deteremos a nossa atenção. O sentido de livraria e biblioteca não apresentou definição clara ao longo da Idade Moderna. Rafael Bluteau, em seu dicionário, conceitua biblioteca como sinônimo de livraria, significando a loja de um livreiro. Na sequência, o bibliothecario é aquele que “tem a seu cargo huma livraria”.5 5 Ortografia e gramática conforme o original em todas as citações do dicionário. Bluteau (1712-1728, p. 118). No livro de verbetes suplementares, o sentido de biblioteca se expande e a palavra é anunciada como derivação de Theca, que seria uma caixa, receptáculo, “o mesmo que Receptaculo de livros, porque Biblio se deriva de Biblus, ou Biblos, que no Grego significa Livro”, sendo Biblos um junco do qual se fabricava um tipo de papel (Bluteau, 1712BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino, aulico, anatomico, rchitectonico (…), Coimbra, 1712-1728. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/dicionario. Acesso em: ago.2014.
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-1728, p. 131-132). Nesse verbete, ainda encontramos vários exemplos de bibliotecas, como a de Alexandria.

No final do século XVIII, Antônio de Moraes Silva definiu biblioteca como “Collecção de Livros posta em estantes, ou armários. Livro em que se apontão os Autores e alguma Nação, ou Terra, com a historia de sua vida, escritos, e censura deles”.6 6 Ortografia e gramática conforme o original em todas as citações do dicionário. Silva (1789, p. 280). O bibliotecário é o que “tem a seu cargo o cuidado de alguma Livraria” (Silva, 1789SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1789. Disponível em: Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/dicionario . Acesso em: ago. 2014.
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, p. 280). Portanto, os significados de biblioteca e livraria no século XVIII entrecruzam-se e não se diferenciava de reunião de livros e de local que os abrigava. Como já afiançou Robert Darnton, a biblioteca real na Idade Moderna era símbolo de erudição e status, mesmo que os livros não fossem lidos. Possuí-los e ser alfabetizado eram duas qualidades distintivas na sociedade de Corte (Darnton, 2001DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história francesa. Tradução de Sonia Coutinho. 4ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001., p. 284-292).

A história da livraria real lusitana é acompanhada de particulares características, constituída e edificada entre tremores de terra, fogo e uma travessia arriscada pelo oceano Atlântico. O território definido pelo grande poeta Luís de Camões como “quase cume da cabeça” da Europa, “onde a terra se acaba e o mar começa”,7 7 CAMÕES, Luís de. Os lusíadas. Canto III, estrofe 20. Disponível em: oslusiadas.org/iii/20. Acesso em: nov. 2013. não era reconhecido pelos europeus por seus méritos eruditos, embora algo os impressionasse, sobretudo, no começo do século XVIII. No paço da Ribeira, existia a vasta Livraria Real, que não correspondia com a avarenta vida cultural do reino. Durante o reinado de D. João V (1706-1750), o locus cresceu em quantidade de mapas, gravuras, livros e manuscritos. Porém, o mérito da imponente biblioteca não pode ser atribuído apenas a esse monarca.

O processo de reunião de obras importantes para o acervo real foi iniciado com D. João I (1395-1433), que, durante a reconquista dos mouros, começou a acumular livros que considerava relevante à educação dos infantes. Seu sucessor, D. Duarte (1433-1438), compilou obras para a formação da história de Portugal, mas, segundo apontou Lilia Schwarcz, foi D. Afonso V (1438-1481) “quem libertou a Livraria de seu caráter exclusivamente limitado ao Paço e a colocou à disposição dos estudiosos e da secularização da cultura” (Schwarcz, Azevedo e Costa, 2002, p. 68), embora não tivesse representado a publicização da livraria real, que contava com um espaço reservado a estudos locais e com funcionários exclusivos. Para a autora, seguindo as dinastias que efetuaram ações expressivas à biblioteca, foram D. Manuel (1495-1521) e D. João III (1521-1557) que mantiveram os empreendimentos de Afonso V, ficando os livros sem atenção durante a união ibérica (1580-1640).

D. João IV (1640-1646) também contribuiu para a ampliação da livraria ao trazer uma coleção de livros de Vila Viçosa para Lisboa, que se destacava pelas partituras. Porém, a ênfase se dá para a governança de D. João V: o monarca se dedicou com mais ênfase à biblioteca ao oferecer novas estantes e a construção de um novo espaço físico.8 8 O breve histórico da Biblioteca Real foi construído com base no estudo clássico: Schwarcz, Azevedo e Costa (2002, p. 68-78). O crescimento da biblioteca foi apontado pelo pesquisador Luís Almeida Ferraud como “uma questão de prestígio da realeza, que não poderia ignorar o mecenatismo de soberanos e magnates nas principais cortes europeias da época”. Ainda segundo Ferraud, o empreendimento era, “em muitos casos, a resposta a problemas concretos do país, como aconteceu com o desenvolvimento dos estudos geográficos e cartográficos” referente aos limites da América meridional na disputa entre as coroas ibéricas (Ferraud, 1991FERRAND, Luís Almeida. D. João V e a biblioteca real. Revista da Universidade de Coimbra, Comibra, nº 36, 1991., p. 414).

A constituição das bibliotecas do reino durante o governo de D. João V foi concebida como mola mestra de sua política cultural e a preocupação para com as bibliotecas como locus de saber de alta consideração fez parte de um “programa criteriosamente delineado que procurava inspiração e modelo no que de melhor se fazia na Europa” (Cluny e Barata, 1998CLUNY, Isabel; BARATA, Paulo. J. S. A propósito de um documento da política cultural joanina. Leituras. Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, s. 3, n. 3, 1998., p. 132). Apresentava-se, assim, a profícua comunicação entre a Coroa lusitana e seus súditos enviados para as cortes mais polidas do Velho Mundo, como Inglaterra, França e Países Baixos. Um relatório sobre algumas bibliotecas inglesas foi elaborado em 1721, pelo luso Antonio Galvão de Castelo Branco, destacando que eram visivelmente diferentes das presentes em conventos portugueses, conforme apontou Ferraud (1991FERRAND, Luís Almeida. D. João V e a biblioteca real. Revista da Universidade de Coimbra, Comibra, nº 36, 1991., p. 431).

As constantes aquisições de D. João V entre manuscritos, livros avulsos e a compra de livrarias inteiras, enriqueceram o locus com 70.000 volumes.9 9 Verbete: Livraria Real. Disponível em: http://www.infopedia.pt/$livraria-real. Acesso em: jul. 2012. Assim, o amplo mosaico temático, bem como as coleções, ganhavam grande visibilidade (Ferraud, 1991FERRAND, Luís Almeida. D. João V e a biblioteca real. Revista da Universidade de Coimbra, Comibra, nº 36, 1991., p. 421). Na década de 1730, a biblioteca lisboeta já era considerada uma das maiores e mais valiosas da Europa, despertando o interesse, inclusive, de livreiros internacionais que passaram a frequentá-la.10 10 Para o francês Pedro Gendron, visto como um importante mercador de livros, nenhuma biblioteca possuía mais edições antigas do que a lusa, conforme indicou Manoela Domingos (1994, p. 59) em seus estudos. A grandiosidade desse espaço, por si só, já justificava o fato de o monarca ter sido batizado como o Rei Sol português. Além disso, outras bibliotecas cresciam em Portugal, como a da Universidade de Coimbra e a de Ordens Religiosas. Ao reunir tantos livros, era preciso dar-lhes sentido: a organização do acervo com métodos que compunham catálogos foi um importante empreendimento

Apesar de dar continuidade à política cultural do pai, o reinado de D. José I presenciou uma terrível catástrofe que interrompeu a ostentação da biblioteca: o terremoto de 1755, que sucumbiu os livros, o prédio e boa parte de Lisboa. Portanto, reerguer a cidade tornou-se o imperativo de reestruturação de Portugal e suas políticas ultramarinas. D. José I renovou o ministério em relação ao pai e nomeou para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal. Junto das frentes desse secretário, constava a questão da biblioteca, já que esta, no Ocidente, é concebida como o lugar da memória, sendo o acúmulo de conhecimento uma manifestação de superioridade intelectual e de poder político (Jacob, 2006JACOB, Christian, Prefácio. In: BARATIN, Marc; JACOB, Christian. O poder das bibliotecas: a memória dos livros no ocidente. Tradução de Marcela Mortara. 2º ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006., p. 11). A criação da Real Mesa Censória, nesse contexto político, é uma questão singular e indissociável da nova concepção de educação ilustrada dos súditos e da “política do livro”.11 11 Utilizamos essa expressão de acordo com a historiadora portuguesa Manoela Domingos (1994, p. 60-61). Para a historiadora Leila Mezan Algranti, a criação da Real Mesa Censória, em 1768, por Pombal, fez com que fosse retirada “do tribunal do Santo Ofício e do Ordinário a prerrogativa de responsáveis pela censura religiosa e passou-a para a alçada do Estado”, o que desencadeou a secularização da “ação da censura” e a tornou “um instrumento do Estado absolutista” (Algranti, 2004ALGRANTI, Leila Mezan. Livros de devoção, atos de censura: cultura religiosa na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2004., p. 135).

Com a mudança de reinado, consequência da morte de D. José I, as­sumindo a Coroa D. Maria I, junto de uma diversidade de configurações políticas, culturais e sociais do espaço europeu, a biblioteca lusa passaria por novas mudanças. Assim, com essas breves incursões pelo histórico da Biblioteca Real e sua importância simbólica como instrumento monárquico, adentraremos no século XIX, quando mais uma vez a biblioteca seria instrumento de configurações de poder com a transferência da Corte para o Brasil. Deste lado do Atlântico, chegava a monarquia com toda a sua representação e aparatos que a sustentavam. Assim, a biblioteca real também viajou para ser estabelecida na América. Em 1809, com o fracasso militar dos franceses em Portugal, o envio do acervo da Real Biblioteca Pública de Lisboa já não era prioridade. Por outro lado, em princípios de 1810, as obras pertencentes à Real Biblioteca d’Ajuda começavam a ser transferidas em segredo para a nova Corte. De acordo com a pesquisadora Lilia Schwarcz, a remessa da primeira leva de livros foi acompanhada por José Joaquim de Oliveira, servente da Real Biblioteca, que trouxe “também os ‘estratégicos’ Manuscritos da Coroa e uma coleção de 6 mil códices que se achavam em um arquivo reservado na Livraria do Paço da Necessidades, em Lisboa” (Schwarcz, Azevedo e Costa, 2002SCHWARCZ, Lilia Moritz; AZEVEDO, Paulo César de; COSTA, Ângela Márquez da. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. 266). O cuidado com o acervo carregava consigo simbolicamente uma ideia lusa de superioridade política da nação portuguesa perante os europeus. Era a história de suas grandes conquistas e vitórias que atravessava o oceano.

Em 1811, duas viagens oficiais concluíram a travessia do rico acervo. A segunda leva de livros chegou em março, com Luís Joaquim dos Santos Marrocos. Já em setembro, esse mesmo bibliotecário informou ao pai sobre a entrada dos “últimos 87 caixotes de livros”12 12 Embora tenhamos pesquisado as cartas de Marrocos não apenas pelas edições, mas também pelos originais, custodiados na Biblioteca da Ajuda (Cota: 54-VI-12), em Lisboa, faremos as citações por meio da edição de 2008 elaborada pela Biblioteca Nacional de Portugal. A escolha se pauta em facilitar a leitura, por conta da atualização da língua portuguesa. Considerando, ainda, que este texto não abordará questões da língua ou de filologia, seria desnecessário citar conforme o original. no Rio de Janeiro, que vinham sob a responsabilidade de José Lopes Saraiva, servente da Real Biblioteca.13 13 Marrocos (2008, Carta n. 10, p. 96). Doravante, quando fizermos menção às cartas de Marrocos, será sempre desta edição; portanto, apenas indicaremos o número da carta e a página. Se, por um lado, a transladação das preciosidades reais, enfim, estava a salvo, por outro, os funcionários régios da nova instituição tinham um trabalho hercúleo para realizar.

A direção do novo espaço estava nas mãos do padre Joaquim Dâmaso, pertencente à Congregação do Oratório de Lisboa, e do frei Gregório José Viegas, da terceira ordem de São Francisco. De acordo com Ana Cristina Araújo, “com graduações, ordenados e funções diferentes, todos estes indivíduos eram remunerados como funcionários do Paço e nele serviam com exclusiva assistência à livraria” (Araújo, 2008ARAÚJO, Ana Cristina. Uma longa despedida: cartas familiares de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. In: MARROCOS, Luís Joaquim dos Santos. Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008., p. 21). Nascia uma nova realidade no mundo da leitura no Brasil.

Luís Joaquim entre cartas e livros

A riquíssima produção epistolar de Luís Joaquim dos Santos Marrocos ao longo de dez anos (1811-1821), para além de compor uma excepcional documentação do período joanino, também pode ser compreendida em uma perspectiva histórica mais ampla. Sua prática epistolar perpassa o universo da sensibilidade individual e também coletiva, partilhada entre os lusos que atravessaram o oceano e viviam na América, como também informa sobre a estruturação do Rio de Janeiro como capital, ponderando acerca de questões políticas, econômicas, culturais e sociais. Porém, mais do que informar, a correspondência de Marrocos pode ser analisada como objeto de estudo, se colocada em diálogo com as problemáticas da história social da cultura escrita, das quais o interesse de pesquisa pondera: o processo de produção, circulação e conservação da escrita; detalhes da materialidade do papel; e a existência ou não de edições, incluindo a preocupação com os critérios dessa reescrita.

A missiva pode ser pensada como um objeto de intercâmbio de sentimentos, sociabilidades e representações. Para os historiadores Antonio Castillo Gómez e Verónica Sierra Blas, esse gênero textual possui uma normativa própria e é definido por uma retórica específica (Sierra Blas e Castillo Gómez, 2014SIERRA BLAS, Verónica; CASTILLO GÓMEZ, Antonio. ¿Porque ustedes son capaces de imaginarse un mundo sin cartas? In: SIERRA BLAS, Verónica; CASTILLO GÓMEZ, Antonio (Dir.). Cinco siglos de cartas: historia y prácticas epistolares en las épocas moderna y contemporânea. Huelva: Universidad de Huelva, 2014., p. 17), sendo um dos mais importantes atributos comunicativos da escrita, ao viabilizar a comunicação entre ausentes. Além disso, a carta mantém uma estrutura textual que passou por poucas mudanças desde a sua criação na antiguidade, marcada, em especial, pela saudação de abertura e fechamento.

A análise da produção epistolar de Santos Marrocos pode reverberar questões referentes ao que informa o texto, entre objetivação e subjetivação, assim como as características materiais de uma composição bem desenhada e atenta que, posteriormente, foi guardada com cuidado pelo pai. O bibliotecário ocupou-se constantemente com a escrita - enquanto informação, materialidade e fluxo de envio -, ao compartilhar sua percepção de um inusitado acontecimento: o estabelecimento da Corte e a reconfiguração da biblioteca na nova sede da monarquia.

Neste artigo, consideramos a correspondência de Marrocos como a narrativa de um súdito ilustrado de pouca visibilidade em busca de ascensão social em outro espaço de sociabilidade, diferente daquele no qual vivia. A partir também desse viés, a leitura da correspondência impõe alguns cuidados. Por mais que a sua narrativa nos permita compreender melhor as múltiplas especificidades da sociedade de corte luso-brasileira no raiar do século XIX, Marrocos lia os acontecimentos à sua volta de um lugar específico: é um português com grandes dificuldades iniciais de adaptação à vida no Rio de Janeiro; um funcionário público em busca do reconhecimento real que, para isso, procurava tecer relações políticas complexas favoráveis a si no universo da alta cúpula ministerial.14 14 Marrocos parecia ser mais próximo a D. Rodrigo de Souza Coutinho e seus aliados. No entanto, mesmo quando o ministro era vivo, o bibliotecário solicitava ao pai que mandasse a Antonio de Azevedo de Araújo uma carta de recomendação para que ele pudesse se introduzir junto ao conselheiro real. O pai atendeu o seu pedido, enviando ao Conde da Barca uma carta referente às qualidades do filho. Essas informações circularam entre as Cartas: n. 16 (p. 113-114), n. 20 (p. 127-128) e n. 69 (p. 261).

A despeito das circunstâncias e acrescentando o fato de Marrocos não ter tido um cargo de alta hierarquia dentro da livraria ou mesmo dentro de outras instituições governamentais, é mister lembrar que ele desempenhou muitas atividades dentro da Real Biblioteca, o que o permitiu conhecer a estruturação e funcionamento da instituição em detalhes.15 15 Sobre a sua ascensão profissional, conferir carta n. 106, p. 361. Se, muitas vezes suas cartas nos colocam diante de um homem ressentido, que se sentia preterido em relação a “contendores mais bem apadrinhados” (Malerba, 2000MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder às vésperas da independência (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 217), desejoso de voltar a Lisboa, elas também nos mostram a face de um sujeito que conheceu em profundidade o locus de saber no qual trabalhou: a biblioteca.

Luís Joaquim fez a travessia atlântica em substituição a seu pai, Francisco José dos Santos Marrocos, professor régio de filosofia racional e moral em Lisboa, e funcionário da Real Biblioteca d’Ajuda, com muitas relações ligadas ao mundo da cultura letrada. Por mais que Luís Joaquim tenha crescido em um profícuo ambiente literário e frequentado a Universidade de Coimbra, aos 30 anos de idade, ainda era um homem solteiro e dependente da família. Apesar disso, desde 1801, trabalhava sob os olhos paternos no registro de preciosas coleções régias de livros e documentos. Essa atividade lhe garantiu, dez anos depois, a experiência necessária para atravessar o oceano (Araújo, 2008ARAÚJO, Ana Cristina. Uma longa despedida: cartas familiares de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. In: MARROCOS, Luís Joaquim dos Santos. Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008., p. 20-21).

Com o início dos trabalhos, em 1810, a biblioteca levou quatro anos para abrir as portas ao público. Em 1814, houve muitas transformações no universo da circulação de ideias e, como analisou Iara Schiavinatto, a partir de 1808, o Rio de Janeiro vivenciou a emergência de outra ordem discursiva, na qual impressos e manuscritos circulavam pela cidade, garantindo novos hábitos de leitura, assim como múltiplas interpretações acerca da cultura política do período. Segundo Schiavinatto, lentamente, “o manuscrito deixaria de gozar do mesmo prestígio, crédito e capacidade de afirmar a verdade que o impresso. Ele passaria a se aproximar do rumor, da murmuração, do ouvir-dizer” (Schiavinatto, 2008SCHIAVINATTO, Iara Lis F. Entre os manuscritos e os impressos. In: LESSA, Mônica Leite; FONSECA, Sílvia C. Pereira de Brito. Entre a monarquia e a república: imprensa, pensamento político e historiografia (1822-1889). Rio de Janeiro: Eduerj, 2008., p. 14). Nesse sentido, gazetas, jornais, relações de festas, sermões, peças de teatro, entre outros impressos, estavam inseridos no que a autora concebe como a imagética do poder (Schiavinatto, 2008SCHIAVINATTO, Iara Lis F. Entre os manuscritos e os impressos. In: LESSA, Mônica Leite; FONSECA, Sílvia C. Pereira de Brito. Entre a monarquia e a república: imprensa, pensamento político e historiografia (1822-1889). Rio de Janeiro: Eduerj, 2008., p. 22), ou seja, a possibilidade dessas séries discursivas, cada qual com sua especificidade, “deixar ver como a escrita e a imagem moldam uma interpretação da figura real” e, consequentemente, de sua capacidade de governar. Portanto, os manuscritos desse período, incluindo as correspondências particulares, devem ser pensados e interpretados sob a perspectiva de um diálogo com a emergência desses novos impressos e da especificidade de uma cultura política.16 16 Dialogamos com o conceito de cultura política da historiadora Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (2003, p. 25-26).

Em 1814, às vésperas de abrirem as portas da biblioteca, Marrocos confessou ao pai que, durante os anos em que ela era preparada “com todo o asseio e magnificência”, foram constantes as visitas da família real pelos corredores da livraria, privilégio do qual o público não podia usufruir.17 17 Carta n. 63, p. 246. A biblioteca foi frequentada pela elite intelectual da Corte e também por viajantes. Nas cartas de Marrocos, um estrangeiro recebeu atenção, Lord Strangford, que inclusive teve acesso a empréstimos. Strangford deixou o Rio de Janeiro, em abril de 1815, e não devolveu dois títulos: O Cancioneiro, que, por sorte, a biblioteca tinha um exemplar repetido, e o Blasonero geral, que, lamentavelmente, era exclusivo. Ao se despedir, o inglês levou os livros, mas não aceitou “o presente das 12 barras de ouro”, conforme destacou Luís Joaquim.18 18 Carta n. 79, p. 284.

Retomemos aos momentos que antecederam a abertura, em outubro de 1811, um ano após o decreto que mandava erigir a Real Biblioteca na nova Corte.19 19 O decreto real é datado de 29 de outubro de 1810. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_69/Decreto.htm. Acesso em: out. 2012. Nessa data, Marrocos informava ao pai sobre a criação de um grande “Plano de Estabelecimento Público, e Arranjamento melhor dos empregados das Reais Bibliotecas, com bons ordenados, ração, foros de criados, etc., etc.”.20 20 Carta n. 79. Em novembro de 1811, pedia-lhe que “remetesse em Carta pelo Correio uma Cópia do Sistema de Classificação Bibliográfica feita pelo Doutor António Ribeiro dos Santos para a Biblioteca Pública”, ressaltando que estes “são papelinhos aqui de muita estimação, pois é terra de tudo estéril”.21 21 Carta n. 9, p. 93. Dois meses depois, em janeiro de 1812, o pai lhe enviava os estatutos da Biblioteca da Espanha. Considerando-se que na época a travessia interatlântica durava em média de dois a três meses, Francisco José dos Santos Marrocos atendia rapidamente as solicitações profissionais do filho.

Entretanto, a história do bibliotecário Luís Joaquim possui uma exclusividade: sua escrita como produção epistolar, materializada nas dezenas de cartas que enviou a Lisboa e que foram conservadas. Tais epístolas nos permitem conhecer particularidades da vida de um sujeito e da nova Corte, no estabelecimento e transformação do Rio de Janeiro de capital da colônia em sede da monarquia. Entre as muitas questões que perpassavam a vida sociopolítica e cultural no universo luso-brasileiro, as cartas de Marrocos são fontes peculiares para se pensar as práticas de escrita de cartas oitocentistas e as transformações do Império luso-brasileiro.

Com palavras de quem começa uma nova jornada, desconhecendo o destino, e ainda longe do Rio de Janeiro, Luís Joaquim escreveu ao pai a primeira carta, enviada da ilha de Santiago, em Cabo Verde: “Meu Pai e Senhor do Coração. Esta é feita entre Céu e água, sobre mil aflições, desgostos e trabalhos, quais nunca pensei sofrer; pois tendo saído da barra de Lisboa com vento de travessia, que nos impeliu para a Costa de África”.22 22 Carta n. 1, p. 77. Os medos e temores da travessia se manifestaram de imediato e Marrocos expôs uma preocupação: “Finalmente, para dizer tudo de uma vez, se eu soubera o estado, em que existe a Fragata Princesa Carlota, repugnava absolutamente de meter-me nela e a Livraria, e nisto mesmo fazia um grande serviço a Sua Alteza Real”.23 23 Carta n. 1, p. 77-78. Ao lado de sua vida, estava a conservação do tesouro da Coroa, a biblioteca real que, ao ser reestruturada após o terremoto, representava a força portuguesa para recomeçar. Porém, qual o valor desses livros para a monarquia portuguesa ao enviá-los em uma fragata em péssimas condições? Tal situação nos indica dois vieses políticos importantes para a monarquia portuguesa: se, por um lado, era imprescindível transladar o simbólico poder cultural, as fragilidades socioeconômicas do império eram latentes.

De início, Santos Marrocos esclareceu que gostaria de manter um acerto epistolar com o pai: “Espero que Vossa Mercê me escreva, logo que receber esta, dirigindo-a para o Rio de Janeiro: e Sou De Vossa Mercê Filho muito afectuoso e [do] Coração”.24 24 Sem grifo no original. Carta n. 1, p. 78. Nas primeiras linhas, declarou que, daquele ponto em diante, a comunicação seria escrita e o contato seria apenas via papel. Luís Joaquim ansiava pela reciprocidade do pai na troca de notícias, desejo que se apresenta no epistolário que manteve a família unida ao longo de dez anos. Nesse sentido, as cartas de Marrocos foram marcadas por uma incansável súplica por notícias. Já em fevereiro de 1812, sentado na sala de Manuscritos da biblioteca, descreveu o Rio de Janeiro com olhos de quem sentia muita falta de sua terra e via na nova morada um mau lugar: “Está claramente decidido que este Clima é mais pestífero do que o de Cacheu, Caconda, Moçambique, e todos os mais da Costa de Leste”, já que nesses lugares as notícias de epidemias tinham diminuído. Mas, por aqui, continuou Marrocos, “anda sempre o Santo Viático25 25 Nota da edição: “Sacramento ministrado aos enfermos ou aos moribundos”, p. 107. por casa dos enfermos, de dia e de noite”, o que desencadeava que continuamente oferecessem “sinais de defuntos; e há pouco eu soube que só na Igreja da Misericórdia desta Cidade se enterraram no ano de 1811 para cima de 300 pessoas, naturais de Lisboa!”. Declarou o medo da morte, ao destacar o elevado número de lisboetas falecidos. O clima o deixava com doenças e problemas. Com desespero, ainda relatou: “Confesso ingenuamente que antes queria aí viver na nossa casa mui pobre, do que aqui com grandes riquezas”.26 26 Grifo no original. Carta n. 14, p. 107. Ao manifestar sua intenção de voltar a viver em Lisboa, Santos Marrocos estava disposto a se distanciar do rei, o que, em uma sociedade de corte, significava perdas sociopolíticas, mas o repúdio à cidade não durou para sempre.

Diante das ininterruptas reclamações e resmungos presentes nas cartas, a pesquisadora Lilia Schwarcz o apresentou como “nosso mal-humorado bibliotecário” (Schwarcz, Azevedo e Costa, 2002SCHWARCZ, Lilia Moritz; AZEVEDO, Paulo César de; COSTA, Ângela Márquez da. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras , 2002., p. 268). Já para o pesquisador Rodolfo Garcia, era “um indivíduo doente, portador de terríveis hemorroidas, cujas características clínicas são, como se sabe, a irritabilidade e o mau humor”, acrescentando que os males também eram decorrentes da “aspereza do clima do Rio de Janeiro, ou pelo sistema alimentar da terra, que era obrigado a adotar” (Garcia, 1939GARCIA, Rodolfo. Introdução. In: CARTAS de Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, escritas do Rio de Janeiro à sua família em Lisboa, de 1811 a 1821. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, vol. 56, 1939., p. 11). Diante dessas percepções, nos perguntamos: será apenas mau humor ou o coração de Marrocos nutria-se com um profundo sentimento de melancolia? Seja qual for a conclusão, como já apontou Schultz ao analisar as relações de solidariedade entre os residentes do Rio de Janeiro e os exilados, desde 1808, os primeiros experimentavam “a um só tempo” sentimentos conflituosos de “tranquilidade e medo, lisonja e melancolia, felicidade e pesar, o consolo da paz e o horror da guerra, e o orgulho junto com insegurança e aflição” (Schultz, 2008SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical: império, monarquia e a Corte Real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2008., p. 131). Por essa perspectiva, compreendemos o quanto Marrocos compartilhava da esfera de sensibilidades coletivas do seu tempo, em que ficar na América ou retornar ao Velho Mundo aparecia como uma preocupação central na vida dos súditos da monarquia lusa que, como ele, atravessaram o oceano em nome do rei e da unidade imperial.

No início do século XVIII, Rafael Bluteau definiu melancolia como a tristeza derivada do humor melancólico - “para os que tem este humor, são sementeiras de penas. Tudo o que elles vem, os molesta. Quando lhes faltão motivos de sentimento, a imaginação lhos ministra” (Bluteau, 1712BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino, aulico, anatomico, rchitectonico (…), Coimbra, 1712-1728. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/dicionario. Acesso em: ago.2014.
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-1728, p. 404). Embora nosso objetivo não seja fazer um estudo psicanalítico das cartas de Luís Joaquim e diagnosticá-lo como melancólico, consideramos a tristeza, destacada por Bluteau, como característica importante do sentimento que o cercava e era representado em suas cartas, lembrando que a melancolia pode emergir de sentidos individuais e coletivos. Porém, neste artigo, nos interessa investigar o viés cultural que marcou a vida desse português no contexto de transferência da Corte para a América, sobretudo dentro de uma vivência específica de sensibilidades partilhadas. Especialmente nos primeiros anos no Brasil, sua produção epistolar é contornada por um sentimento de tristeza, justificado pela distância e não reconhecimento afetivo entre seus interesses e as configurações do Rio de Janeiro, que, embora já fosse capital imperial, ainda estava longe de uma adequada configuração sociocultural do que podia ser denominado corte pelo prisma dos europeus.

Na quarta missiva, de julho de 1811, Marrocos começou-a expressando que todas as vezes que pegava na pena para se dirigir ao pai se sentia mais alegre, aliviando-se do desgosto fruto da distância. Na sequência, anunciou que passava a se interessar pelas conversas com homens de valimento e honra, desenferrujando a língua e buscando assegurar um bom posicionamento social na nova Corte. Isso o fazia abandonar, conforme argumentou, seu “misantropismo; pois as circunstâncias, em que estou, obrigam-me a ser abelhudo, mesureiro, e orador, qualidades estas até aqui bem contrarias ao meu génio”.27 27 Carta n. 4, p. 81. Com essas expressões, deixou evidente que sua opção por se afastar do convívio social, marcada pela tristeza que sentia, algumas vezes foi ignorada, pois precisava interagir com os meios sociais da ascendente sociedade da corte do Rio de Janeiro.

Na sociabilidade epistolar, remetente e destinatário envolvem-se em um pacto no qual escrever e responder tornam-se uma premissa fundamental. Porém, sua prática de escrita nem sempre foi contemplada com uma resposta, acentuando as inquietações de quem já tinha o Atlântico como marco divisório entre os entes queridos. No final de julho de 1811, escreveu: “É para mim a maior desconsolação quando vejo chegar Navios de Lisboa e não acho Cartas” - o que o levava a maus pensamentos que transformavam seus sentidos; portanto, rogava “que me escreva sempre por todos os Navios, ainda que seja dar-me parte da sua saúde, e da Mãe, e mais família”.28 28 Carta n. 5, p. 82. Trechos semelhantes caracterizam grande parte de sua correspondência.

Ao considerarmos que as relações com o tempo-espaço do início do século XIX são muito diferentes das atuais no que se refere às práticas de comunicação à distância, é necessário compreender Marrocos em uma sociabilidade específica, em que a ansiedade pela chegada dos paquetes e a espera por notícias d’além-mar eram uma realidade. Uma carta levava até 60 dias para chegar a Lisboa, o que fazia com que uma troca epistolar - se eficiente - pudesse levar até quatro meses para se concretizar. Assim, depois de reclamar da ausência de respostas, descreveu ao pai que passava por um defluxo, consequente do ar qualificado como infernal - “tenho sofrido uma grande hemorragia de sangue pelo nariz; por cuja causa estou temendo os grandes calores do verão, por que me hão-de afligir muito”.29 29 Carta n. 5, p. 82.

A troca de informações entre ambas as margens do Atlântico, além da esfera pública, no início do século XIX, não se restringiu apenas aos assuntos familiares e às aflições pela distância, mas foi também marcada por simbolismos de um novo diálogo entre a monarquia e seus súditos. Em Lisboa, os portugueses sem rei; na América, os exilados da antiga capital - os dois lados estavam afastados de suas realidades e viviam uma multiplicidade de sentimentos marcados pelo abandono do rei ou de suas representações em Lisboa, o que podia exaltar sentimentos coletivos e individuais.30 30 Reflexão semelhante consta em: Meirelles (2008, p. 117-118).

Assim, em fins de fevereiro de 1812, o bibliotecário segurou a pena com desgosto diante do silêncio que avistava todas as vezes em que não recebia notícias dos navios que atracavam. Afirmou que se sentia vivendo em um triste estado, passando a vida a esperar em “cada passo alguma moléstia, que venha terminar meus dias, pois que elas grassam aqui de contínuo, e eu não tenho forças para resistir, nem cabeça para as sofrer”.31 31 Carta n. 13, p. 105. Portanto, ao analisarmos essa correspondência, constatamos as inúmeras vezes nas quais Luís Joaquim destacou a ausência de respostas, enfatizando que isso lhe alimentava a profunda tristeza. Na mesma carta, concluindo as últimas linhas, confessou: “Rogo a Vossa Mercê se não esqueça de me escrever, mesmo até para me aliviar a melancolia em que vivo continuamente”.32 32 Carta n. 13, p. 105. A conversação com o pai servia como um tipo de antídoto à nostalgia que o perpassava de modo contínuo e permanente, conforme escolhia representar por meio de suas palavras escritas.

Luís Joaquim dos Santos Marrocos talvez tivesse sido diagnosticado nos seus primeiros anos no Rio de Janeiro como um homem de coração melancólico, ligando-se à patologia da depressão. Para Sandra Edler, que estudou a obra Luto e melancolia de Sigmund Freud, “na história do pensamento, o termo melancolia revelou extraordinária longevidade e, mais do que isso, resistiu à desvinculação de suas raízes, atravessando a época clássica e o Renascimento”; nesse ponto, acrescentou que o “deslocamento para o termo depressão se deu apenas na primeira metade do século XIX e ampliou-se extraordinariamente durante o século XX e o início do XXI” (Edler, 2008EDLER, Sandra. Luto e melancolia: à sombra do espetáculo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., p. 20-21).

Nossa intenção não é atribuir a Marrocos um quadro depressivo, mas ponderar em que medida sua escrita contribui para se compreender as sensibilidades coletivamente partilhadas, o que nos coloca diante dos sentimentos de um homem que abandonou a família e a terra para servir ao rei. Portanto, tristeza e profundo desalento caracterizam sua relação com o outro diante dos desassossegos suscitados pela distância e pelo estranhamento que marcaram o seu convívio inicial no Brasil. No entanto, com o passar do tempo, o olhar de Marrocos para o Rio de Janeiro foi mudando. Consequentemente, seus humores e relações com a nova capital transformaram-se, o que, talvez, o teriam livrado paulatinamente do estado melancólico, embora os clamores por cartas da família nunca cessassem.

Os olhos de Luís Joaquim foram seduzindo-se pela nova Corte auxiliados por seu casamento, envolvendo-o em outra dimensão de suas próprias sensibilidades. Ao final de 1813, noticiava aos parentes: “Devo declarar a Vossa Mercê que achei nesta Corte uma pessoa, a quem escolhi para vir a ser minha mulher”.33 33 Carta n. 59, p. 236. À irmã exprimiu: “encostei-me a uma Carioca, que só tem o único defeito de ser Carioca”.34 34 Carta n. 73, p. 273. Tratava-se de dona Ana Maria de Santiago Sousa, filha do português José de Sousa Mursa e da brasileira dona Francisca das Chagas de Santa Teresa.35 35 Segundo Rodolfo Garcia, “o sogro vivia de suas posses, que juntara havia muitos anos em negócios para Lisboa e portos do Brasil; era homem de bom conceito, conhecido e respeitado de grandes personagens da corte do Rio de Janeiro”. Garcia (1939, p. 12-13). O comentário reiterava a sua implicância ou dificuldade no trato com os naturais do Rio de Janeiro, o que também, de alguma forma, demonstra algumas permanências no seu modo de ver a terra que o acolhia e a sociedade da qual fazia parte. Por outro lado, mesmo que para Luís Joaquim a mulher tivesse o defeito de ser carioca, o que representava uma identificação ao espaço colonial, ela podia satisfazê-lo “em tudo o que pertence ao governo da casa, (…), por ser este o seu génio e a sua criação”.36 36 Carta n. 73, p. 273. O casamento resultou em três filhos: todos anunciados nas missivas enviadas a Lisboa.

As razões políticas de tal calmaria já são conhecidas: D. João escolhia pessoalmente os lugares de seus súditos e, para o sucesso de suas metas, não media esforços.37 37 Sobre a importância do cargo público, ver: Algranti (2004, p. 225-226). Marrocos se envaidecia de estar sob a mira do príncipe regente, uma vez que na sociedade do Antigo Regime estar próximo do rei era um dos maiores prestígios almejados pelos cortesãos. Em 1813, recebeu por ordem de “Sua Alteza Real” a chave da Sala dos Manuscritos, o que o enchia de orgulho. Disse ao pai: “Quem quiser ir a ela há-de vir primeiro à bajulação”.38 38 Carta n. 37, p. 167. Nesse contexto, em setembro de 1817, foi nomeado oficial da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino por Thomaz Antonio Vilanova Portugal, deixando de trabalhar na biblioteca, mas sem perder a função. Permaneceu como oficial até 1821, quando voltou a trabalhar exclusivamente na livraria real, acumulando as funções junto aos manuscritos e à Direção e Arranjamento - em substituição ao padre Viegas, nomeado bispo de Pernambuco.

As cartas de Marrocos relatam também as intrigas da Corte, quando apontou que sua ascensão não tinha sido vista com bons olhos por muitos palacianos, sobretudo, o cuidado com os manuscritos. Compartilhou com o pai que por dois dias sucessivos não foi ao Paço, pois tinha sido expulso do seu lugar de trabalho. Isso ocorreu, justificava, “não por motivos de honra, que me envergonhem, graças a Deus, mas porque queriam persuadir a Sua Alteza Real que eu não devia ver certos Papéis enquanto estes se conservassem na Sala de Manuscritos”.39 39 Carta n. 26, p. 139. O imbróglio foi rapidamente resolvido com a interferência do visconde de Vila Nova da Rainha, que agiu em seu favor diretamente com D. João.40 40 Carta n. 26, p. 139.

Diante da nova conjuntura política luso-brasileira, tornou-se latente a exigência dos portugueses para a volta da realeza (Silva, 2006SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Inventando a nação: intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros no crepúsculo do Antigo Regime Português: 1750-1822. São Paulo: Hucitec; Fapesp , 2006., p. 247; Meirelles, 2008MEIRELLES, Juliana Gesuelli. Imprensa e poder na corte joanina: a Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1821). Rio de Janeiro: Ed. Arquivo Nacional, 2008., p. 127-133), o que encontramos como tema de algumas cartas. Sobre os burburinhos que corriam pela capital, em maio de 1814, o bibliotecário compartilhava: “Nunca se pensou menos nessa matéria [do retorno a Lisboa], do que agora”.41 41 Carta n. 67, p. 256. Menos de um mês depois, as súplicas dos governadores do Reino já se faziam públicas e presentes no Rio de Janeiro. Embora Marrocos visse muitas embarcações de distintas nações no porto, o que indicava alianças com a Coroa portuguesa, os preparativos para o regresso ainda eram incertos. Porém, em relação à sua situação particular e à da biblioteca, elaborava uma singular conjectura, indicando que, se o rei voltasse a Lisboa, poderia ou não transportar a livraria. Na primeira hipótese, caso a levasse, acreditava que não nomearia outras pessoas para transportá-la, além das que chefiavam o espaço, sobremaneira os dois clérigos, Joaquim Dâmaso e Gregório José Viegas, e ele próprio. No caso de deixá-la no Brasil, provavelmente, caberia a Marrocos permanecer nos trópicos, já que os padres eram confessores da família real. Portanto, indagava: “o que será de mim, se eu disser que não quero, e que só quero ir-me embora?”.42 42 Carta n. 69, p. 261.

Entretanto, o retorno da Corte permaneceu por anos como uma chaga aberta entre as suas preocupações e as de todo o Império. Em julho de 1819, recebeu uma carta do pai, escrita em março daquele ano, que revelava as crescentes dificuldades familiares. Apreensivo, se preparou para passar um extenso período a conversar distantemente com o progenitor: o novo olhar sobre o Rio de Janeiro era a tônica de sua resposta. Depois de fazer vários elogios à cidade, tomou uma decisiva postura, convidou a família a atravessar o Atlântico, indicando sua boa e vistosa situação - “eu julgaria por maior circunstância de minhas fortunas que Vossa Mercê dirigisse as suas vistas futuras em se transportar com toda a nossa família para este continente”, onde poderia viver afastado de apertos “vergonhosos tão humilhantes para o nosso brio”.43 43 Carta n. 141, p. 433. Assim, em outra longa carta, insistiu e demonstrou grande preocupação: “Meu Pai, é este o momento de decidir. Trata-se de um negócio da maior importância, qual é a futura subsistência da nossa família, no meio de mil comodidades”,44 44 Carta n. 145, p. 448. pois Francisco José precisava compreender que a vida no Rio de Janeiro era muito mais favorável “do que não tem sido em Lisboa, e por consequências, sem ser exageração, espero que Vossa Mercê passe aqui o resto de seus dias mais alegre e mais tranquilo”.45 45 Carta n. 145, p. 445. O filho já não tinha dúvida de que a vida na América era mais farta. Tratava, então, de tentar convencer o pai.

Luís Joaquim fez duras críticas a Lisboa: “Deixe uma terra, que lhe não é próspera, e que o tem feito recuar na sua carreira: e venha gozar de dias mais descansados e mais alegres, desfrutando tudo quanto o seu génio possa apetecer”.46 46 Carta n. 145, p. 445. Unindo forças interiores, vociferou: “Demos as mãos numa empresa, que nos dá glória; e façamos reciprocamente uma obra para nós útil”.47 47 Carta n. 145, p. 449. Não restava dúvida ao filho de que o bem-estar da família estava garantido no Rio de Janeiro e não mais na terra que agora, para ele, era sinônimo de atraso. Ao longo dos anos, o bibliotecário foi rompendo sua relação com a antiga capital, em um processo de afrouxamento dos laços que o unia sobretudo à família. A presença do rei no Brasil e sua ascensão como funcionário real transformaram a nova capital no lugar ideal e que, lentamente, o fez afortunado, leve, alegre e promissor.

D. João e seu séquito voltaram ao velho mundo em meio às consequências da revolução do Porto, em 1821. No entanto, Marrocos nunca mais se atreveu a cortar o Atlântico. Segundo Rodolfo Garcia, aderiu à independência e foi graduado oficial-maior da Secretaria de Estado dos Negócios do Império, em abril de 1824. Oito anos depois, em 1831, já no período regencial, foi promovido a oficial-maior efetivo e passou a viver em Niterói (Garcia, 1939GARCIA, Rodolfo. Introdução. In: CARTAS de Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, escritas do Rio de Janeiro à sua família em Lisboa, de 1811 a 1821. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, vol. 56, 1939., p. 16). Em dezembro de 1838, o Jornal do Comércio informava sobre o falecimento do oficial-maior, desligado da vida e da biblioteca (Garcia, 1939GARCIA, Rodolfo. Introdução. In: CARTAS de Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, escritas do Rio de Janeiro à sua família em Lisboa, de 1811 a 1821. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, vol. 56, 1939., p. 16).

As cartas de Luís Joaquim dos Santos Marrocos: entre edições e possibilidades de análise documental

Curiosamente, a escrita de Luís Joaquim - assim como ele - continuou entre livros. Toda a correspondência do bibliotecário encontra-se na Biblioteca Real, sendo o resultado da cuidadosa organização de Francisco José dos Santos Marrocos, que as deixou em seu local de trabalho, no palácio da Ajuda, onde permanecem guardadas. O acervo epistolar é formado por aproximadamente 185 cartas, datadas de abril de 1811 a março de 1821. Dessas, 165 foram enviadas ao pai e o restante à irmã, a um tio e a outros conhecidos em Lisboa.

Grafada em bom papel, a correspondência possui uma escrita cautelosa que demonstra o zelo destinado à sociabilidade epistolar. A correspondência já passou por três processos de edição. A primeira delas é de 1939, sendo disponibilizada ao público por meio das páginas dos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Foi preparada como uma honraria a um de seus primeiros funcionários e pertence ao volume LVI dos anais, de 1934 (Garcia, 1939GARCIA, Rodolfo. Introdução. In: CARTAS de Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, escritas do Rio de Janeiro à sua família em Lisboa, de 1811 a 1821. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, vol. 56, 1939.). A publicação reúne todas as cartas optando por uma edição conservadora. A transcrição deu-se através de cópias realizadas e enviadas ao Brasil pelo escritor Luiz Edmundo, conforme explica Rodolfo Garcia, diretor da Biblioteca Nacional na época e também autor da introdução. No início, Garcia destacou o ineditismo da fonte, pesquisada apenas por Oliveira Lima, autor de Dom João VI no Brasil, publicado em 1908, em comemoração ao centenário da chegada da família real portuguesa ao Brasil. A explicação de Garcia é rica em informações sobre a vida de Marrocos, as temáticas abordadas nas cartas e o contexto histórico.

Em 2007, a Biblioteca Nacional realizou uma nova edição, motivada pelas celebrações do segundo centenário da transferência da Corte. Nesta, consta uma breve introdução intitulada “Cartas de um observador privilegiado”, indicando que a abertura realizada por Rodolfo Garcia para a primeira edição seria reproduzida. No entanto, as cartas não foram apresentadas na íntegra, com exceção da primeira. A edição reproduziu trechos, considerando que, de modo geral, as expressões de Marrocos “são por vezes repetitivas e, em vários momentos, tratam de assuntos de menor relevância para o leitor” (O bibliotecário do rei, 2007O BIBLIOTECÁRIO O BIBLIOTECÁRIO do rei. Trechos selecionados das cartas de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2009., p. 10) - o que gera um aspecto problemático à edição, diante da complexa decisão do que seria relevante ou não ao leitor, embora a edição indique que apenas se trata de trechos. O que excluir? Os detalhes da vida privada? As sensibilidades do bibliotecário diante das saudades e da ausência de notícias da família? Diante dessas inquirições, ressaltamos a importância de se analisar o acervo, contrapondo edições e originais para uma análise pormenorizada da prática epistolar que Luís Joaquim construiu e seu pai preservou.

Em 2008, a Biblioteca Nacional de Portugal, diante do mesmo movimento celebrativo dos 200 anos de transferência da corte para o Brasil, publicou integralmente o acervo. Assim, por três vezes, a correspondência do bibliotecário que deixou Lisboa e partiu amedrontado para o Novo Mundo tornou-se pública, contrariando um objetivo do próprio autor, desejoso que seus escritos permanecessem em segredo, conforme solicitou ao pai em um bilhete que acompanhou a carta de 3 de abril de 1812. Nesse escrito, Luís Joaquim pede que o pai “não mostre nem fie de pessoa alguma as minhas Cartas, que daqui lhe for escrevendo”.48 48 Carta nº .8, p 123. Há décadas, o pedido de Marrocos foi ignorado. A quebra do sigilo pelas bibliotecas foi uma iniciativa de inestimável valor para o amplo rol de pesquisadores das ciências humanas, que investigam questões referentes ao contexto político e sociocultural do início do século XIX e as problemáticas da cultura escrita.

A edição de Lisboa é modernizadora e agrega dois estudos: o da historiadora Ana Cristina de Araújo, “Uma longa despedida. Cartas familiares de Luís Joaquim dos Santos Marrocos”, e o artigo de Luís Alves Marques, “O papel e as marcas de água nas cartas de Luís Joaquim dos Santos Marrocos”, que aponta a importância de se analisar a materialidade do documento, indicando o quanto o material nos informa do período em sua relação com as práticas de escrita.49 49 Esta edição também apresenta os seguintes índices: cronológico, topográfico, onomástico e ideográfico.

A conservação da correspondência partiu de uma prática de arquivamento realizada por Francisco José, que acondicionou as missivas recebidas e também as enviadas a outros parentes. Essa prática indica que teve a intenção de conservar a escrita do filho, como um sensível gesto de guarda documental, preservando, assim, a materialidade que permitia uma aproximação entre eles, além de trazer para a vida particular características de sua função como bibliotecário, ligada à conservação e à organização de papéis.

Os escritos de Marrocos também inspiraram o mundo literário. Com edição portuguesa e depois brasileira, a escritora Cristina Norton publicou o romance O guardião de livros, que vai além da imaginação histórica, mesclando ficção e realidade (Norton, 2011NORTON, Cristina. O guardião de livros. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.). Na obra, muitos acontecimentos e percalços da vida do bibliotecário pertencem ao espaço da criação literária; contudo, as construções narrativas com outros personagens e situações que excedem o espaço de sua epistolografia se transformaram em um romance que envolve o leitor. A edição brasileira, lançada pela Casa da Palavra, em 2011, pertence ao projeto Biblioteca do Professor, que integra o programa “Rio, uma cidade de leitores”, promovido pela Secretaria Municipal de Educação com o objetivo de estimular a leitura literária. O guardião de livros está ao lado de grandes obras da literatura estrangeira e nacional, tais como: Confesso que vivi (Pablo Neruda), Ensaio sobre a cegueira (José Saramago), A ilha sob o mar (Isabel Allende), Felicidade clandestina (Clarice Lispector), entre outros. Na construção literária de Cristina Norton, Luís Joaquim é um homem menos mal-humorado. A autora investiu em uma ficção não ficcionada: partiu de uma realidade muito particular, que pertencia às representações do ajudante de bibliotecário, que viu sua vida mudar e se metamorfosear, assim como aconteceu com a cidade do Rio de Janeiro.

Considerações finais

As missivas de Luís Joaquim nos remetem a uma dimensão relevante do mundo luso-brasileiro, no que tange à comunicação interatlântica. Assim, é importante delimitarmos quem são os interlocutores das correspondências ultramarinas, que propiciaram uma troca comunicativa intensa e profícua pelo Império. Nesse caso, particularmente, é preciso salientar não apenas a figura do autor das cartas - Luís Marrocos - mas, sobretudo, a de Francisco José, seu principal destinatário. Para além de ser seu pai, Francisco José era um funcionário com acesso direto à documentação da Real Biblioteca d’Ajuda que havia ficado em Lisboa, sendo, ainda, um homem com grande experiência nas relações sociopolíticas da sociedade de corte, fosse como súdito da monarquia ou como bibliotecário régio.

O filho, Luís Joaquim, não apenas conhecia as relações políticas do pai, como também reconhecia - e respeitava - sua vasta experiência profissional. Nesse sentido, apesar dos avanços e retrocessos na comunicação entre pai e filho, diante das ausências de respostas que sofreu ao longo de uma década, certamente, Luís Joaquim via-o como seu orientador político e intelectual - “Espero da sua bondade me tenha sempre na lembrança, favorecendo-me com o seu conselho, letras, amizade, bênção, sendo estes os bens, com o que desejo conservar-me”.50 50 Carta n. 20, p. 128.

Através dos bons conselhos recebidos, o filho pôde se movimentar de forma menos agitada pela política e sociedade da nova Corte do Rio de Janeiro. O olhar experiente do pai ajudava-o a correr menos riscos, dentro e fora da biblioteca. Ao longo do tempo, o olhar inverteu-se e Luís Joaquim intentou aconselhar o pai, ponderando que as circunstâncias eram favoráveis para abandonar Lisboa. Atreveu-se a orientá-lo: “Saia pois Vossa Mercê de um letargo tão desgraçado”.51 51 Carta n. 145, p. 449. Porém, tal conselho jamais foi ouvido pela família. Eles nunca chegaram à margem tropical do Atlântico. Como já dissemos, esse discurso de Marrocos ganha uma nova dimensão ao pensarmos em termos das práticas de sociabilidade e sensibilidade coletivas que vigoraram no Rio de Janeiro no período joanino. De acordo com Schultz, apesar das angústias intrínsecas à separação de seus amigos e familiares, os exilados em geral “tinham em mente redefinir o Brasil como refúgio virtuoso da corrupta Europa, um lugar onde a civilidade situada pudesse prosperar” (Schultz, 2008SCHULTZ, Kirsten. Versalhes tropical: império, monarquia e a Corte Real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2008., p. 136). Como exilado, Luís Joaquim também manifestava, já em tempos de paz, a perspectiva de muitos residentes do Rio de Janeiro desde os primeiros momentos da instalação da realeza na nova capital. Em outras palavras, Marrocos compreendia que as provações dos súditos reais que viviam dos dois lados do Atlântico, por mais diferentes que fossem, convergiam para o destino unificado da nação portuguesa.

As cartas trocadas entre a família Marrocos são uma fonte documental ainda pouco explorada pela historiografia luso-brasileira, especialmente no que concerne a uma investigação que dialogue seriamente com as análises da história da cultura escrita. Neste artigo, sugerimos algumas leituras possíveis acerca da relação entre pai e filho, sendo o objetivo contribuir para um debate profícuo sobre a importância desses dois personagens para a história da estruturação da Real Biblioteca do Rio de Janeiro. A relação entre eles, assim como a preservação de um acervo de tamanha magnitude para conhecimento da história do Brasil no início do século XIX, são um tema merecedor de outras possibilidades de pesquisa.

“Apoios: Adriana Angelita da Conceição (Unicamp/Fapesp); Juliana Gesuelli de Meirelles (Fapesp e Capes).”

Referências bibliográficas

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  • 1
    Os primeiros apontamentos desta pesquisa foram apresentados parcialmente no 6o Colóquio Portugal no Brasil: Pontes para o presente (Real Gabinete Português de Leitura) e no VI Simpósio Nacional de História Cultural, ambos em 2012, pela primeira autora. Por outro lado, pontuais problematizações deste texto também fizeram parte da tese de doutoramento da segunda autora. Este artigo aponta análises originais e pensadas exclusivamente para este texto. (O primeiro e o segundo correspondem à ordem alfabética de apresentação do nome das autoras).
  • 2
    Utilizamos o conceito de homem de letras defendido pela filósofa Hannah Arendt. Segundo a autora, “os homens de letras se educaram e cultivaram suas mentes em uma reclusão pela qual optaram livremente, colocando-se portanto a uma distância calculada, tanto do social como do político — dos quais de qualquer sorte, haviam sido excluídos —, a fim de observá-los em uma perspectiva apropriada.” Arendt (1988ARENDT, Hannah. Da revolução. São Paulo, Ática; Brasília, UnB, 1988., p. 33-36).
  • 3
    Para mais informações referentes à transferência de arquivos ver: Martins (2007)MARTINS, Ana Canas Delgado. Governação e arquivo. D. João VI no Brasil. Lisboa: Instituto do Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, 2007..
  • 4
    Para a compreensão desse processo especificamente em relação à Gazeta do Rio de Janeiro, ver: Meirelles (2008, p. 91-154).
  • 5
    Ortografia e gramática conforme o original em todas as citações do dicionário. Bluteau (1712-1728, p. 118).
  • 6
    Ortografia e gramática conforme o original em todas as citações do dicionário. Silva (1789, p. 280).
  • 7
    CAMÕES, Luís deCAMÕES, Luís de. Os lusíadas. Disponível em: http://www.oslusiadas.org/iii/20. Acesso em: nov. 2013.
    http://www.oslusiadas.org/iii/20...
    . Os lusíadas. Canto III, estrofe 20. Disponível em: oslusiadas.org/iii/20. Acesso em: nov. 2013.
  • 8
    O breve histórico da Biblioteca Real foi construído com base no estudo clássico: Schwarcz, Azevedo e Costa (2002, p. 68-78).
  • 9
    Verbete: Livraria Real. Disponível em: http://www.infopedia.pt/$livraria-real. Acesso em: jul. 2012.
  • 10
    Para o francês Pedro Gendron, visto como um importante mercador de livros, nenhuma biblioteca possuía mais edições antigas do que a lusa, conforme indicou Manoela Domingos (1994DOMINGOS, Manoela. A primeira biblioteca pública portuguesa, 1775-1795. Planos, projetos e primeiros fundos. Cadernos BAD, Lisboa, nº 3, 1994., p. 59) em seus estudos.
  • 11
    Utilizamos essa expressão de acordo com a historiadora portuguesa Manoela Domingos (1994, p. 60-61).
  • 12
    Embora tenhamos pesquisado as cartas de Marrocos não apenas pelas edições, mas também pelos originais, custodiados na Biblioteca da Ajuda (Cota: 54-VI-12), em Lisboa, faremos as citações por meio da edição de 2008 elaborada pela Biblioteca Nacional de Portugal. A escolha se pauta em facilitar a leitura, por conta da atualização da língua portuguesa. Considerando, ainda, que este texto não abordará questões da língua ou de filologia, seria desnecessário citar conforme o original.
  • 13
    Marrocos (2008MARROCOS, Luís Joaquim dos Santos. Cartas do Rio de Janeiro (1811-1821). Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal , 2008., Carta n. 10, p. 96). Doravante, quando fizermos menção às cartas de Marrocos, será sempre desta edição; portanto, apenas indicaremos o número da carta e a página.
  • 14
    Marrocos parecia ser mais próximo a D. Rodrigo de Souza Coutinho e seus aliados. No entanto, mesmo quando o ministro era vivo, o bibliotecário solicitava ao pai que mandasse a Antonio de Azevedo de Araújo uma carta de recomendação para que ele pudesse se introduzir junto ao conselheiro real. O pai atendeu o seu pedido, enviando ao Conde da Barca uma carta referente às qualidades do filho. Essas informações circularam entre as Cartas: n. 16 (p. 113-114), n. 20 (p. 127-128) e n. 69 (p. 261).
  • 15
    Sobre a sua ascensão profissional, conferir carta n. 106, p. 361.
  • 16
    Dialogamos com o conceito de cultura política da historiadora Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (2003NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revam; Faperj, 2003., p. 25-26).
  • 17
    Carta n. 63, p. 246.
  • 18
    Carta n. 79, p. 284.
  • 19
    O decreto real é datado de 29 de outubro de 1810. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_69/Decreto.htm. Acesso em: out. 2012.
  • 20
    Carta n. 79.
  • 21
    Carta n. 9, p. 93.
  • 22
    Carta n. 1, p. 77.
  • 23
    Carta n. 1, p. 77-78.
  • 24
    Sem grifo no original. Carta n. 1, p. 78.
  • 25
    Nota da edição: “Sacramento ministrado aos enfermos ou aos moribundos”, p. 107.
  • 26
    Grifo no original. Carta n. 14, p. 107.
  • 27
    Carta n. 4, p. 81.
  • 28
    Carta n. 5, p. 82.
  • 29
    Carta n. 5, p. 82.
  • 30
    Reflexão semelhante consta em: Meirelles (2008, p. 117-118).
  • 31
    Carta n. 13, p. 105.
  • 32
    Carta n. 13, p. 105.
  • 33
    Carta n. 59, p. 236.
  • 34
    Carta n. 73, p. 273.
  • 35
    Segundo Rodolfo Garcia, “o sogro vivia de suas posses, que juntara havia muitos anos em negócios para Lisboa e portos do Brasil; era homem de bom conceito, conhecido e respeitado de grandes personagens da corte do Rio de Janeiro”. Garcia (1939, p. 12-13).
  • 36
    Carta n. 73, p. 273.
  • 37
    Sobre a importância do cargo público, ver: Algranti (2004, p. 225-226).
  • 38
    Carta n. 37, p. 167.
  • 39
    Carta n. 26, p. 139.
  • 40
    Carta n. 26, p. 139.
  • 41
    Carta n. 67, p. 256.
  • 42
    Carta n. 69, p. 261.
  • 43
    Carta n. 141, p. 433.
  • 44
    Carta n. 145, p. 448.
  • 45
    Carta n. 145, p. 445.
  • 46
    Carta n. 145, p. 445.
  • 47
    Carta n. 145, p. 449.
  • 48
    Carta nº .8, p 123.
  • 49
    Esta edição também apresenta os seguintes índices: cronológico, topográfico, onomástico e ideográfico.
  • 50
    Carta n. 20, p. 128.
  • 51
    Carta n. 145, p. 449.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2014
  • Aceito
    20 Maio 2015
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