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“Oh! Gegê! vem nos salvar”: propaganda política popular (1945-1953)

“Oh! Gegê! Viens nous sauver: propagande politique populaire (1945-1953)

“Oh! Gegê! Come and save us”: popular political propaganda (1945-1953)

“Oh! Gegê! Vengas nos salvar”: propaganda política popular (1945-1953)

Resumo

Neste artigo, procuro explorar um significado distinto para propaganda política. Esta é normalmente vislumbrada em mensagens produzidas por governos e difundidas por meios de comunicação de massa. Entretanto, pretendo mostrar que Getúlio Vargas contou com o apoio de muitos trabalhadores que o promoveram por conta própria desde o Estado Novo até sua ascensão à Presidência em 1950. Expressando seus interesses políticos, muitos deles escreveram e ecoaram versos, músicas e panfletos defendendo sua personalidade e suas propostas. Tais atividades propagandísticas parecem ter contribuído para criar uma espécie de esfera pública no Brasil naquele momento.

Palavras-chave:
trabalhadores; Getúlio Vargas; propaganda política.

Abstract

In this article I try to explore a distinct meaning for political propaganda. This is usuallynoticed in messages produced by governments and spread through mass media. However I intend to show that Getúlio Vargas had the support of many workers who promoted him on their own account through his path from Estado Novo to presidency in 1950. By expressing their political interests,many of them wrote and echoed verses, songs and pamphlets defending his personality and proposals. Such propagandaseems to have contributed to create a sort of public sphere here at the time.

Keywords:
workers; Getúlio Vargas; political propaganda.

Resumen

En esto artículo yo analizo una significación distinta para propaganda política. Esta es normalmente identificada en mensajes producidas por médios de comunicación de masa. Pero yo sugiro que Getúlio Vargas ha tido el apoyo de muchos obreros que lo han promovido por sí mismos durante su trayectoria desde el Estado Novo hasta la presidensia. Ellos han defendido sus intereses escribiendo y resonando versos, canciones y panfletos defendiendo su personalidad y proposiciones. Tal propaganda puede haber creado un tipo de esfera pública en el mencionado período.

Palavras-claves:
obreros; Getúlio Vargas; propaganda política.

Résumé

Dans cet article j’explore un signification distinct de propagande politique. Celle-ci est normalement identifiée dans quelques messages produits par des gouvernments et difusés à travers mass médias. Néanmoins je suggère que Getúlio Vargas avait l’appui de beaucoup d’ouvriers qui l’ont promu par eux-même au cours de sa trajectoire dès l’Estado Novo jusque la présidence en 1950. En exprimant ses interêts politiques, beaucoup d’entre eux ont écrit et resonné verses, chansons et pamphlets defendant sa personalité et ses propositions. Telle propagande pourrait avoir créé une sorte de sphère public dans cette période-là.

Mots-clés:
ouvriers; Getúlio Vargas; propagande politique.

Getúlio encherga longe, E prevê os acontecimentos, Por isto queremos ele, A todo e qualquer momento. Isto escréve um operário, Seu fan e adimirador Que lhe quer como Prezidente, E não como Senador. O Autor, W. B. B. Para ser publicado no O Radical.2

A propaganda política é tratada normalmente nos debates públicos no Brasil com sentido marcadamente negativo, como fator de obscurecimento da verdade ou de manipulação do eleitorado. De forma semelhante, a historiografia se empenhou, durante muito tempo, em destacar os efeitos de uma publicidade via meios de comunicação de massa na fragilização de nossas instituições democráticas - apesar de alguns estudos terem demonstrado, nos últimos anos, que os sujeitos são capazes de reelaborar seus conteúdos. Em ambos os casos, os anos em que Getúlio Vargas esteve na Presidência da República são apontados como o momento em que tal recurso foi intensamente empregado, uma das razões que teriam colocado sérios obstáculos ao desenvolvimento da cidadania. Tal abordagem contribuiu muito para o estudo da história do Brasil republicano. Porém, gostaria de analisar outro aspecto do fenômeno: entre meados da década de 1940 e início da de 1950, atividades propagandísticas conduzidas por trabalhadores em nome de Vargas foram muito difundidas, especialmente a confecção em pequena escala de panfletos versificados e a discussão de seus conteúdos em público. Tais práticas podem ter atuado para estimular os debates políticos no país.2 2 Arquivo pessoal de Getúlio Vargas, CPDOC - FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53, grafia original.

Antes de tratar da questão da propaganda política, façamos um breve balanço da redemocratização brasileira de 1945. A atuação do Brasil na Segunda Guerra Mundial favoreceu o aprofundamento de críticas ao Estado Novo. Este se fundamentara, em larga medida, em mecanismos e princípios semelhantes àqueles do nazi-fascismo europeu, notadamente em seu aparato repressivo e propagandístico. Ao contrapor-se aos nazistas nos campos de batalha, em aparente paradoxo, o regime ditatorial encabeçado por Vargas estimulou a margem de ação de seus opositores;e estes passaram a exigir mais abertamente a redemocratização do país. Entretanto, é muito simplista a perspectiva de que tal virada foi mero “reflexo interno” do cenário internacional, bem como a ideia de que não houve “qualquer movimento contestatório de amplas bases sociais, ou inspirado em metas ideológicas”, em 1945 (Souza, 1976SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976., p. 105-110).3 3 Em seu influente estudo, a autora defende que tal transição democrática foi exclusivamente ritualística e elitista. Segundo ela, esse “reflexo interno” foi “pálido”, “fazendo contraporem-se, não as formas militantes do fascismo e liberalismo existentes no plano internacional, mas sim versões aguadas de um e outro”. Trata-se de reafirmação das teorias que consideram muitas ideias no Brasil como “fora do lugar”. Concordo, por outro lado, com as críticas de Maria Stella Martins Bresciani à persistência de correntes interpretativas similares na historiografia recente, tributárias de ideias autoritárias como as de Oliveira Vianna, que considerava o liberalismo incompatível com a realidade brasileira. Ver Brescian (2007, p. 306-307).

O fato é que ocorreram mobilizações populares por todo o território nacional. Naquele ano, Vargas, sob fortes pressões internas e externas, comprometeu-se a convocar eleições presidenciais e abriu caminho para a reconfiguração dos partidos. Ademais, prometeu criar uma Assembleia Constituinte. Em seguida, para a surpresa e decepção das elites liberais, multidões de trabalhadores passaram a tomar as ruas do país embaladas pelo slogan “Queremos Getúlio”. Inicialmente, queriam que este último atuasse como candidato nas eleições presidenciais. Depois, quando essa opção foi descartada,como parlamentar na formulação da nova Carta. Daí o termo “queremismo” para nomear tais manifestações.4 4 Não parto do princípio de que “queremismo” simplesmente descreva fato ou fenômeno, como geralmente faz a historiografia. Suponho, antes, tratar-se de conceito cunhado no calor da luta política, — de modo semelhante ao que ocorre com “tenentismo” — possivelmente para desqualificar as referidas manifestações num primeiro momento. Sobre as possibilidades de se analisar a construção histórica de conceitos, ver Borges (1992) e Rosanvallon (1995).

O carisma e o personalismo de Vargas evidentemente não explicam todo o jogo político da época, mas desempenharam papel importante nele. Sua influência pessoal, em 1945, fora componente central na rearticulação dos partidos. Ele incentivou burocratas do Ministério do Trabalho e dirigentes sindicais a formar o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); estimulou ainda ex-interventores e grandes proprietários rurais a forjar o Partido Social Democrático (PSD). Enfim, uniram-se momentaneamente, contra sua pessoa e seu legado, desde socialistas até liberais para formar a União Democrática Nacional (UDN) (Souza, 1976SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976., p. 105-114).

Nessa conjuntura, era grande a descrença de setores liberais em relação à capacidade dos trabalhadores em se expressar politicamente. Homens como o gaúcho Raul Pilla, membro fundador da UDN, advogavam que a redemocratização brasileira estava descolada de outras experiências internacionais, conforme indica sua fala no O Jornal em 4 de setembro de 1945.Além disso, supunham que os partidários do varguismo pareciam aos olhos dos estrangeiros como “não só um povo de escravos, mas um povo que da escravidão se compraz”, pois “vivemos mais de um decênio sob ditadura integral (...) e, aberto o ensejo para a democratização e a consequente liberdade, o que se vê é (...) um movimento para perpetuar o ditador” (Cabral, 1984CABRAL, Elza Borghi de Almeida. O queremismo na redemocratização de 1945. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.Niterói, 1984., p. 201).

O brigadeiro Eduardo Gomes, candidato presidencial pela UDN, expressou opinião semelhante. Em pronunciamento em São Paulo, em 16 de junho, ele identificou um suposto descompasso entre a sociedade brasileira e os “países de educação adiantada”. Nestes, segundo ele, a “opinião pública” era formada numa “infinidade de clubes, de ligas, de associações privadas”, fóruns em que visões críticas sobre interesses coletivos eram tecidas a partir de ângulos particulares, algo bem distante do que ocorreria no Brasil (Gomes, s.dGOMES, Major-Brigadeiro Eduardo. Campanha de Libertação. São Paulo: Livraria Martins Editora, s.d.., p. 18-19). Afinal, conforme declarou em Salvador em 25 de agosto, a ditadura do Estado Novo promoveu a “desvalorização do homem brasileiro”. Isto é, anulou seus direitos, dificultou sua subsistência com a alta generalizada dos preços, e negligenciou-lhe condições mínimas de higiene e assistência sanitária, precedentes para que as camadas menos desfavorecidas da população criassem alto grau de dependência em relação à máquina oficial. Tudo isso fora agravado pela manutenção de dois terços da população brasileira no analfabetismo, dado que “as grandes massas se alheiam dos assuntos gerais” por supostamente não poderem participar dos “debates esclarecedores” (Gomes, s.dGOMES, Major-Brigadeiro Eduardo. Campanha de Libertação. São Paulo: Livraria Martins Editora, s.d.., p. 61-62).

Alguns estudiosos da propaganda política produzida durante o Estado Novo, fundamentando-se em marxismo estruturalista, incorporaram perspectivas como as anteriores. Em sua opinião, a ação autônoma dos trabalhadores foi praticamente suprimida durante aqueles anos seja pela repressão ou pela doutrinação - esta a cargo principalmente do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) (Garcia, 1982GARCIA, Nelson Jahr, O Estado Novo. Ideologia e propaganda política: a legitimação do Estado autoritário perante as classe subalternas. São Paulo: Edições Loyola, 1982.; Goulart, 1991GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1991.). Tais interpretações foram problematizadas por Maria Helena Capelato em análise comparativa entre o varguismo e o peronismo. Reconhecendo que as atividades propagandísticas possuíam um forte potencial de dominação, ela admitiu, porém, que podem ter ocorrido resistências diante delas (Capelato, 1998CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1998., p. 140).De forma semelhante, Jorge Ferreira, ao analisar cartas populares enviadas a Vargas durante o Estado Novo, indicou como muitas pessoas foram capazes de reelaborar as mensagens publicitárias oficiais de acordo com seus interesses e valores (Ferreira, 2011FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011.). Concordo com essas duas últimas interpretações. De qualquer modo, gostaria de aprofundá-las identificando aspecto pouco ou nada comentado da propaganda política: o fato de muitos sujeitos terem elaborado material propagandístico próprio e ecoado seus conteúdos em defesa de seus interesses políticos. Panfletos da publicidade oficial foram reelaborados tanto em sua forma quanto em seu conteúdo; e músicas e folhetos repletos de versos promovendo Vargas, compostos e distribuídos. Essas obras foram em diversas ocasiões proferidas e discutidas nas ruas, pelo menos entre 1945 e 1950. Propaganda no sentido mais elementar do termo, de propagar, como também um conjunto de práticas sociais que apoiavam e reinventavam os objetos e as mensagens provindos do núcleo oficial da candidatura varguista.5 5 Tais procedimentos populares, minúsculos e cotidianos, criavam desvios dos mecanismos da disciplina, não se conformando com ela senão para alterá-los. Ver Certeau (2004, p. 41). O apoio popular a esta última, sugiro, passava pela criação e divulgação de um material propagandístico próprio, por vezes nomeado pelos próprios indivíduos envolvidos em sua difusão como propaganda.

O anedotário irreverente sobre Vargas fornece pistas desse fenômeno. O significado de sua imagem pública despertava, e continua despertando, acalorados debates entre os mais diversos grupos sociais (Janotti, 1998JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O imaginário sobre Getúlio Vargas, História Oral, v. 1, p. 91-119, 1998., p. 91-119). Após sua morte, por exemplo, o jornalista José Queiróz Júnior reuniu em livro uma série de anedotas a seu respeito. Ao declarar a suposta impossibilidade de elencar todas as fontes empregadas, ele afirmou que as narrativas estão “visivelmente gastas pelo uso e tantas outras deformadas pela perfídia de humoristas populares anônimos, mas que circulam, de boca em boca” (Queiróz Júnior, 1955QUEIRÓZ JÚNIOR, José. 222 anedotas de Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: Editora Companhia Brasileira de Artes Gráficas, 1955., p. 12). Ao que tudo indica, ele as julgou a partir de critérios de verdade comumente exigidos da imprensa escrita, tida por muitos como objetiva. Entretanto, no universo dos relatos orais, como apontou o filósofo Walter Benjamin, os narradores, “tal como a mão do oleiro na argila do vaso”, não se incomodam em imprimir suas marcas pessoais nas estórias (Benjamin, 1994BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994., p. 205).

Havia algum traço de politização ou crítica ao governo em meio a essas vozes? Queiroz Júnior relatou exemplo que pode iluminar esta discussão, uma suposta conversa entre Vargas e Lourival Fontes - na época em que este chefiava o DIP. Na narrativa, o presidente indagou ao último se já ouvira algumas das histórias sobre ele; e afirmou ser “necessário pôr um freio a esse humorismo irreverente” (Queiróz Júnior, 1955QUEIRÓZ JÚNIOR, José. 222 anedotas de Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: Editora Companhia Brasileira de Artes Gráficas, 1955., p. 17). Uma perspectiva diferenciada, porém, surge na versão do cantor Dieses dos Anjos Gaia, o Ranchinho, que formava dupla com Alvarenga, sobre um encontro como ditador. Ele asseverou que, juntamente com seu parceiro, foi convocado para um churrasco em São Borja (RS) para a comemoração do aniversário do presidente. Na ocasião, solicitaram-lhe a interpretação do repertório satírico de que dispunham sobre ele. Ao longo da cantoria, “[Vargas] riu muito”, “se divertiu”, conta Ranchinho, e depois “chamou o secretário e disse que liberasse nós, que não era nada de mau” (apud Garcia, 1982GARCIA, Nelson Jahr, O Estado Novo. Ideologia e propaganda política: a legitimação do Estado autoritário perante as classe subalternas. São Paulo: Edições Loyola, 1982., p. 92). Ambos os casos, apesar de seus diferentes pontos de vista, sugerem que a figura pública de Vargas e seus respectivos atos eram amplamente discutidos pela população em pleno período ditatorial.

Em meio a tais narrativas, demandas políticas podiam ser canalizadas. É o que aponta folheto de cordel reunido pelo escritor Orígenes Lessa em livro. Nele, o autor, que se apresenta como Rodolfo, exibe suas razões para o “nós queremos”:

Para que a nossa Pátria Pela mão dos estrangeiros Não seja ludibriada (...) a nossa Democracia Venha com mais garantia (...) Para abaixar os alugueis E a carne de ‘dez mil reis’ (...) Para que o agricultor Seja também amparado...(...) P’ra acabar com a bandalheira Destes tipos ‘coronéis’ Que põe a mão na algibeira E mandam o trabalhador Fazer força meu leitor Pagando qualquer besteira (...) (Lessa, 1973LESSA, Orígenes. Getúlio Vargas na literatura de cordel. Rio de Janeiro: Editora Documentário, 1973., p. 110)

O autor parece dialogar com opiniões e anseios de trabalhadores rurais. Ele sugere que Vargas, além de disposto a proteger o país contra ameaças externas,pode lhes assegurar maiores vantagens materiais e limites contra abusos de empregadores. Provavelmente, trata-se de expectativa relacionada à extensão da legislação trabalhista ao campo - até então ela era aplicada apenas aos trabalhadores urbanos. Com efeito, tal aspiração foi muito difundida entre os trabalhadores rurais; e, por outro lado, fonte de grande contrariedade entre os grandes proprietários de terra (Dezemone, 2008DEZEMONE, Marcus. Legislação social e apropriação camponesa: Vargas e os movimentos rurais, Estudos Históricos, v. 21, n. 42, p. 220-240, jul./dez. 2008., p.236).

Os trabalhadores urbanos também foram interpelados com histórias como a anterior. É o que faz o poeta Manoel Pereira Sobrinho, de Campina Grande (PB), em folheto de cordel de 1948. Na capa, é possível observar a reprodução da fotografia de Vargas exibida inúmeras vezes em paredes de casas e repartições públicas como forma de engendrar respeito e veneração ao líder, indício de reinvenção da propaganda oficial. Nos versos, Manoel coloca que o operário, antes do governo Vargas, “Peor do que lixo bruto/ Nas fabricas era tratado”. E traça corte no tempo ao comentar o significado da legislação trabalhista: “Hoje o homem é empregado/ Tem honra e honestidade/ O patrão é imbecil/ Não quer saber da verdade/ O dispede sem motivo/ Mais à Lei está cativo”. Essa percepção, de que as leis do trabalho traziam certa dignidade aos empregados e impunham limites aos empregadores, era corrente entre os trabalhadores brasileiros, conforme veremos. No final do poema, o autor põe à venda seu produto: “Poèta que não vacila/ Nem tira o pé do caminho/ Com ele não tem canceira/ Tudo é chãm não há ladeira/ Quem for meu compre um versinho” (grifo do autor).6 6 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV rem.s 1950. 01. 28, doc. 19. No acervo pessoal do ex-presidente, encontra-se uma pasta que reúne documentos sobre propaganda eleitoral. Nela, quase todo o material refere-se a esse tipo de composição popular. Para fins desta análise, respeitarei a grafia dos textos de modo a preservar seus ritmos e métricas provindos do universo da oralidade, evitando a tentação de “corrigi-los”.

É possível que o poeta não acreditasse no conteúdo do folheto e o promovesse apenas para fins comerciais. De todo modo, expectativas e interesses de um grupo social foram mobilizados e entoados nele. Pois, para amplo contingente de trabalhadores, era tangível a possibilidade de transformar o discurso legal em limite às exigências e ações de empresários. Apesar de eles terem enfrentado múltiplos obstáculos no que diz respeito ao cumprimento da lei, concebiam os pressupostos da legislação trabalhista como passíveis de efetivação, ainda mais quando conseguiam fazer valer alguns de seus direitos perante os tribunais (French, 2001FRENCH, John David. Afogados em leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001., p. 10).

Versos populares impressos ou folhetos de cordel não são práticas isoladas nem tampouco novas. Peter Burke e Asa Briggs, em trabalho conjunto sobre a história da mídia, citam caso interessante de brochura publicada na Itália no século XV. Um livro de contabilidade com registro das despesas de casa impressora perto de Florença, entre 1476 e 1486, aponta que cerca de 500 cópias de romance de cavalaria foram vendidas a Bernardino, “que canta em um banco”. Na sequência, os autores comentam:

Parece plausível sugerir que Bernardino fazia o que ainda se faz em remotas partes do Brasil e alguns lugares do Terceiro Mundo - recitar o poema e depois dele vender cópias impressas. A performance era uma espécie de marketing. Juntava uma audiência de leitores potenciais e dava a eles a oportunidade de testar a qualidade do produto. O texto vendido permitia que os ouvintes repetissem a performance para a família e os amigos. Se fossem analfabetos, sempre poderiam pedir a alguém para ler ou recitar o poema (Briggs e Burke, 2004BRIGGS, Asa e BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutemberg à internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004., p. 56-57).

Dessa forma, é provável que versos de cordel em prol de Vargas e com mensagens politizadas tenham sido cantados em público, assim como ressoados por eventuais compradores ou distribuidores dos textos: uma forma de propaganda, se tomarmos a palavra em seu sentido básico. O recurso da versificação é muito significativo, na medida em que indicia o registro de formas orais de comunicação por meio do código escrito. Diversos autores demonstraram como a linguagem metrificada é muito utilizada por grupos que têm pouco ou nenhum conhecimento da escrita: recurso para armazenar informações com mais facilidade, bem como para acioná-las com maior prontidão (Ong, 199ONG, Walter. Orality&Literacy: thetechnologizingofthe Word. London: Routledge, 199.; Havelock, 1986HAVELOCK, Eric A. The muselearnstowrite: reflectionsonoralityandliteracyfromantiquitytothepresent. London: Yale University Press, 1986.). Portanto, os versos analisados são indícios de que pessoas com escassa ou nenhuma alfabetização discutiam e julgavam questões públicas.

Tais exemplos não devem ser isolados de outras sociedades ou de outros períodos. Paul Zumthor, por exemplo, indicou a importância da poesia panegírica na Ásia, na Oceania, na América e na África. Ele lembra o caso do griôKaba, que cantava a genealogia do presidente SékouTouré, na Guiné (Zumthor, 2010ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010., p. 100). Segundo o autor, a oralidade preenchia, em diversos grupos sociais situados naquelas regiões, a função de um jornalismo engajado. Na África, após a Segunda Guerra Mundial, uma poesia oral relacionada à atualidade política, calcada em tradições locais de panegírico ou de ataques, esteve presente nos movimentos de emancipação, bem como em campanhas eleitorais: na Tanzânia, na Zâmbia, na Guiné, no Senegal, na Nigéria; no Quênia, durante a insurreição dos Mau-Mau; na África do Sul, refrães em língua vernácula ironizavam as arbitrariedades policiais (Zumthor, 2010ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010., p. 105).

O passado europeu, em que a oralidade possuía uma presença mais destacada do que a atual, está repleto de músicas e versos politizados. De caráter urbano, a canção de protesto esteve presente na França, na Inglaterra, na Alemanha e na Itália dos séculos XV e XVI. Foram encontradas “baladas sediciosas” em Veneza por volta de 1575, canções francesas da época das guerras de religião, mazarinadas (panfletos contra o Cardeal Mazarino). Tal poesia, desprezada pelos eruditos e seguida atentamente pela polícia, também aflorou no século XVII monárquico. Nas cidades holandesas, por volta de 1615, canções apareciam tomando partido pró ou contra Oldenbarnevelt na luta pela independência da Espanha; nas cidades inglesas, durante o reinado de Charles I, as streetballads atacavam com virulência os homens de negócio monopolistas. Impressores especializados e cantores de rua difundiam opúsculos satíricos, canções e profecias, frequentemente com teor político (Zumthor, 2010ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010., p. 307). É possível mencionar ainda a poesia operária cantada na França da época dos enciclopedistas. Havia a comemoração dos conflitos dos papeleiros de Angoulême em 1739 ou da revolta dos canuts lioneses em 1786. Ao longo do século XIX, todos os grupos anarquistas e socialistas empenharam-se em disseminar canções engajadas (Zumthor, 2010, p. 308).

Algumas análises sobre a conjuntura da redemocratização brasileira de meados da década de 1940 evidenciam um cenário politizado capaz de abrigar composições como as anteriores. Elza Borghi de Almeida Cabral - respaldando-se em jornais e discursos de lideranças políticas - , admite que os manifestantes ligados ao “queremismo” constituíram significativa experiência de aprendizado cívico, com suas demandas pela institucionalização da política em torno da figura de Vargas. Contudo, ela assevera que eles encontraram limites para sua representação por terem seguido líderes provenientes das camadas médias ou da burguesia. Essa conclusão é tirada do fato de eles terem aceitado um viés supostamente burguês sobre as relações de produção, a ênfase no desenvolvimento harmônico das relações entre o capital e o trabalho (Cabral, 1984, p. 191).Em outras palavras,a autora pressupõe posições políticas que os trabalhadores deveriam ter tido. Por outro lado, não teriam eles compartilhado alguns de seus interesses com outros grupos sociais?

De qualquer forma, uma ampla rede de simpatizantes parece ter defendido e propagado voluntariamente a figura de Vargas. É o que sugere depoimento de Jayme Boa Vista, líder “queremista” gaúcho que vinha ao Rio de Janeiro fundar diretório pró-candidatura Vargas em julho de 1945. A princípio, ele exagerou o número de simpatizantes do então presidente - algo compreensível quando se pensa em seus intentos de mobilização - , ao propalar que todos “os que têm contato com o grande público”, “com a massa de empregados e dos operários”, “com os elementos do comércio honesto e fora dos trustes e do lucro extraordinário”, apoiavam o então presidente. Entretanto, tendo em conta os exemplos anteriores e outros a seguir, não parece mera figura de retórica seu adendo de que a candidatura do mesmo “teve no próprio povo seu órgão de propaganda” (Cabral, 1984CABRAL, Elza Borghi de Almeida. O queremismo na redemocratização de 1945. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.Niterói, 1984., p. 103). Afinal, tudo indica que extensa rede de apoiadores de Vargas propagandeava seu nome e suas supostas vantagens eleitorais.

Essa publicidade parecia ser movida por interesses materiais e simbólicos associados à legislação trabalhista. Uma pesquisa de Jorge Ferreira pode lançar luzes sobre essa questão. Ele analisou seções da grande imprensa compradas por participantes dos movimentos pró-Vargas em 1945, bem como o jornal O Radical, favorável ao presidente à época. Um exemplo representativo por ele trazido é a opinião de Alcebíades V. Tôrres, operário da fábrica Cerâmica Brasileira e líder de comitê varguista, representante de 600 empregados da empresa, bem como de moradores dos morros da Mangueira e do Jacarezinho. Em ocasião em que contestou a legislação que impedia a candidatura do presidente, Tôrres discorreu: “Se isso é crime (...) não existe mais mentira do que a democracia! Se estamos no caminho de liberdades populares, como se apregoa, por que evitar que o povo escolha e eleja aquele que é o chefe da pobreza, o amigo dos humildes que nos garantiu?” (Ferreira, 2005FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura popular (1945-1964). Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2005., p. 29). Como se vê, ele clama pela readequação de Vargas à frente de um regime liberal-democrático, na condição de fiador de benefícios percebidos como conquistados.

Uma crítica ao conceito de populismo emerge nessa análise. Nas linhas adiante, ele também será problematizado.7 7 O conceito de populismo foi amplamente utilizado para explicar a política brasileira durante várias décadas. Basicamente, ele diria respeito a uma relação direta entre líder e massa, ou seja, uma personalidade carismática manipulando eleitores supostamente inconscientes e despreparados. Contudo, tal abordagem vem sendo problematizada nos últimos anos por diversos autores. Em geral, eles sugerem que os sujeitos eram capazes de fazer escolhas conscientes no jogo político, buscando vantagens materiais ou simbólicas. Ver Ferreira (2001). Uma série de propagandistas voluntários de Vargas, na campanha presidencial por ele disputada em 1950, parecem ter transcendido a relação direta entre líder e massa.Nos atos de confeccionar, distribuir e ecoar propaganda em seu nome por conta própria, elesparecem ter estimulado discussões políticas e partidárias naquele período.

Arautos do varguismo

Durante o governo Dutra, pressões populares convergiram para que Vargas voltasse à Presidência da República. O ex-presidente, mesmo em São Borja, sua terra natal, não se manteve isolado de articulações políticas. Recebia pessoas influentes em sua residência e traçava planos para o cenário eleitoral nacional. No entanto, passara a enfrentar acirrada oposição dos meios de comunicação, em situação distinta do Estado Novo. Seus oponentes, silenciados em grande medida em anos anteriores, contavam então com armas propagandísticas para combatê-lo. Na guerra de imagens, saíam na frente com o controle de poderosos veículos midiáticos (Capelato, 1998CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1998., p. 40). Mesmo assim,conforme Maria Celina D’Araújo, um “movimento inteiramente desarticulado, sem chefe e sem orientação, surge nos quatro cantos do Brasil”, “natural, espontâneo”, clamando pelo retorno do ex-presidente (D’Araújo, 1992D’ARAÚJO, Maria Celina. O segundo governo Vargas (1951-1954). São Paulo: Editora Ática, 1992., p. 56).Teriam existido indícios de politização nesses atos?

Embalado por tais manifestações, Vargas oficializou sua intenção de se lançar candidato junto ao jornalista Samuel Wainer, enviado para entrevistá-lo em nome dos Diários Associados. De São Borja, o repórter saiu com sentença de efeitos bombásticos entre o eleitorado: “Eu voltarei, mas não como líder de partidos e sim como líder de massas” (Wainer, 1988WAINER, Samuel. Minha razão de viver: memórias de um repórter. Rio de Janeiro: Record, 1988., p. 22).Em seguida, mediante a conquista de diversos apoiadores, o líder conseguiu se lançar à corrida presidencial pelo PTB. Seu grande adversáriopela UDN, o brigadeiro Eduardo Gomes, reeditava sua candidatura. Em menor escala, foi também desafiado pelo PSD por Cristiano Machado. Por pouco tempo, pois este se viu rapidamente abandonado por amplos setores da própria legenda.

A campanha de Vargas contou com seu carisma e personalismo;porém, não deixou de se apoiar em programa partidário.8 8 Trabalhos de excelente qualidade defendem perspectiva contrária. Maria Celina D’Araújo, por exemplo, sustenta que, ao deixar o sistema partidário em segundo plano, os discursos e as ações de Vargas influíram decisivamente na crise enfrentada por seu governo em 1954. Ver D’Araújo (1992, p. 114). Tal opinião é corroborada no artigo de Kornis (2004). Em Araçatuba (SP), em 12 de setembro de 1950, por exemplo, ele afirmou que: “Mais do que a mim”, os votos seriam dados “em favor de um programa administrativo que faz do bem-estar social, do amparo ao trabalho, do combate às dificuldades da vida, da assistência aos menos favorecidos (...) os ideais de democracia” (grifos meus) (Vargas, 1951VARGAS, Getúlio. A campanha presidencial (discursos). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1951., p. 420). Proposta de terceira via bem expressa na defesa de um “acordo entre o sentido coletivo de nossa época e o individualismo americano” (Vargas, 1951VARGAS, Getúlio. A campanha presidencial (discursos). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1951., p. 415). Tal qual planejada, essa orientação possuía explicitamente fins de controle social, pois visava combater a “inquietação social” supostamente “causada pelo preço exorbitante da vida” (Vargas, 1951VARGAS, Getúlio. A campanha presidencial (discursos). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1951., p. 410).

Mais detalhes do programa foram expostos por Vargas em Petrópolis (RJ)em 5 de setembro. Ele defendeu então mecanismo destinado não apenas ao “amparo aos prejudicados dentro de um quadro profissional”, como também ao fornecimento de “auxílio direto à prole e ao trabalhador na sua normalidade de vida”, o que parecia ser uma maneira de lidar com a sensação de insegurança generalizada. Na ocasião, justificou a assistência estatal aos mais desamparados com trecho de pronunciamento do papa. Este elogiara países europeus que teriam seguido orientações católicas sobre a necessidade de evolução progressiva dos direitos do trabalho; isto é, um processo de subordinação do proprietário privado a obrigações jurídicas em favor do operário. A respeito dos países em que a industrialização apenas começava, o papa louvou esforços de autoridades eclesiásticas junto a populações sujeitas a “regime patriarcal e mesmo feudal e sobretudo em aglomerações heterogêneas”. Com isso, elas teriam contribuído para impedir “a repetição das lamentáveis omissões do liberalismo econômico do século passado” (Vargas, 1951VARGAS, Getúlio. A campanha presidencial (discursos). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1951., p. 313-314).9 9 Não excluo a possibilidade de Vargas ter interferido na escrita de seus discursos. Contudo, havia equipe encarregada de redigir alguns deles e de estruturar outros. É o que sugere carta de João Neves da Fontoura a ele em 23 de julho de 1950: “No que toca aos discursos, já temos feito seguir para aí uma quantidade regular, sobretudo os principais: Porto Alegre, São Paulo, Rio, Belo Horizonte, etc”. Em seguida, acrescentou: “fiz esboçar 5 discursos a serem proferidos em Santos, Campinas, Sorocaba, Ribeirão Preto e Rio Preto”. Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV rem. S 1950. 01. 28, doc. 7.

A campanha de Vargas contou com seu carisma e personalismo; porém, não deixou de se apoiar em programa partidário

Não é casual, naquelas circunstâncias, o emprego da chamada doutrina social da Igreja para a defesa de maior presença do Estado no combate à pobreza. Ela vinha sendo mobilizada para a estruturação dos chamados Estados de Bem-Estar Social (WelfareStates) em vários países da Europa. Na Alemanha, na França, na Áustria, na Itália e na Holanda, foram os democratas-cristãos os principais artífices desses arranjos políticos (Judt, 2010JUDT, Tony. Reflexões sobre um século esquecido (1901-2000). Rio de Janeiro: Objetiva, 2010., p. 21-22). No cerne dessas orientações, havia a combinação entre liberalismo econômico e democracia social, com empréstimos da União Soviética no que se refere ao planejamento econômico(Hobsbawm, 1995HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 265).

Desse modo, tudo indica que princípios políticos circulavam entre o cenário político europeu e o brasileiro, assumindo peculiaridades em cada um deles. O programa político do PTB foi utilizado nos discursos varguistas esua orientação reformista possuía afinidades com as aspirações dos trabalhadores. É o que pode ser apontado a partir de análise do sociólogo Adalberto Cardoso. Segundo ele, a instituição da legislação trabalhista e de mecanismos de proteção social, ao longo do primeiro governo Vargas, marcou profundamente o horizonte de trabalhadores rurais e urbanos. Eles passaram, em geral, a vislumbrar o sonho de “autopromoção pessoal pela via do trabalho protegido pelo Estado” (Cardoso, 2010CARDOSO, Adalberto. Uma utopia brasileira: Vargas e a construção do Estado de Bem-Estar numa sociedade estruturalmente desigual, DADOS - Revista de Ciências Sociais, v. 53, n. 4, p. 775-819, 2010., p. 805). Com isso, não afirmo que todo o eleitorado varguista fosse mobilizado por princípios partidários; sugiro apenas que boa parte dele tinha alguns de seus interesses contemplados no programa delineado nos discursos do ex-presidente.10 10 Não pretendo reabilitar o ex-ditador nem borrar seu consentimento a muitas das atrocidades perpetradas em anos anteriores. Preocupo-me, antes, em abordar discursos e práticas que sugiram a possibilidade de significativos setores da sociedade brasileira terem sustentado um regime democrático. E, ao que parece, o próprio Vargas precisou ceder diante de pressões orientadas nesse sentido. A repressão e o controle social sob sua batuta estão bem documentados e analisados. Ver Cancelli (1993) e Rose (2001).

De qualquer forma, durante a campanha eleitoral de 1950, extensa rede de simpatizantes de Vargas tomou para si a tarefa de fazer propaganda política em seu nome. Em seu arquivo pessoal, uma pasta inteira foi dedicada para reunir documentação que evidencia tal prática. Os documentos não deixam pista de quem os coletou, nem quais foram suas razões. Mesmo assim,é possível imaginar que eles foram armazenados por membros da equipe de Vargas. Além do conhecido gosto deste último pelas anedotas em torno de seu nome, talvez o referido material servisse para aferir sua popularidade e traçar estratégias de comunicação junto às camadas populares. Na maioria dos folhetos, não aparece data. São composições destinadas a atuar no jogo político no calor da hora, o que poderia explicar em parte tal ausência. No entanto, a pasta traz a data de 1953. Sabemos, pelos temas, que os versos giram em torno da disputa presidencial de 1950, numa perspectiva favorável a Vargas. Em outras palavras, algumas dessas composições podem ter sido produzidas ou distribuídas depois da referida campanha, ao longo do seu segundo governo. Neste caso, as discussões políticas transcenderiam os períodos eleitorais, o que reforça nossa hipótese acerca da formação de uma esfera pública em torno de uma propaganda política elaborada e distribuída por seguidores do dito líder.

Em primeiro lugar, é notável o emprego do imaginário religioso nas composições - outrora agenciado pelo próprio governo varguista para fins de controle social -, para formular uma publicidade voluntária e irreverente.11 11 Alcir Lenharo admitiu essa possibilidade: “Alega-se que os temas, as imagens, as verdades cristãs foram despojadas do seu conteúdo, restando-lhes apenas as formas. Seria o caso de se apurar pelo imaginário popular a quantas anda essa afirmação”. Ver Lenharo(1986, p. 155). Neste texto, procurarei indicar como numerosos sujeitos utilizaram o imaginário religioso de maneira cômica ou politicamente engajada. Um exemplo inicial pode ser visto em panfleto intitulado “Oração dos getulistas”, em que se lê a seguinte conclamação: “Está sendo espalhados em todos os Estados do Brasil, um escrito do qual se pede que sejam tirada contra copias para mandar aos cinco amigos mais patriotas”; claro apelo para a ação voluntária na propagação da candidatura do mesmo. Em seguida, emerge paródia da oração do Credo mesclada a informações do cenário eleitoral: “Creio em Getulio Vargas, todo poderoso, criador das leis trabalhistas (...) Creio no seu retorno ao Palacio do Catete, na comunhão de pensamento e na sucessão do presidente Dutra por toda a sua vida Amem”.12 12 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Deparo-me às vezes com e-mails de colegas cujos conteúdos revelam politização e pedidos de reencaminhamento das mensagens a uma rede de conhecidos. Velha fórmula, nova mídia.

Em outro panfleto, com a inscrição da tipografia Cariri, de Crato-CE, outra menção ao Credo e outro chamado para a difusão da candidatura varguista: “Para bem do Brasil queira difundir esta oração de fé com os seus amigos”. No texto, a identificação com um grupo social e a ideia de que ele não recebia suficiente reconhecimento: “Creio nos trabalhadores de todas categorias - que são a alavanca mestra da nacionalidade!”. Por fim, a defesa de um candidato para representá-los: “Finalmente, creio em Getulio Vargas que em 1951VARGAS, Getúlio. A campanha presidencial (discursos). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1951., se Deus quiser será levado pelo voto consciente do eleitorado á suprema direção da Patria brasileira!”.13 13 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GVrem.s 50.01.28 doc. 18.

São peças de propaganda eleitoral a favor de Vargas. Elas revelam um padrão muito parecido em relação àquelas presentes na correspondência de Jânio Quadros durante a campanha presidencial que disputou entre 1959 e 1960, tanto pelos ritmos empregados quanto pelo uso do imaginário religioso (Queler, 2010QUELER, Jefferson José. Quando o eleitor faz a propaganda política: o engajamento popular na campanha eleitoral de Jânio Quadros (1959-1960),Tempo, v. 14, n. 28, p. 59-84, 2010.). Nelas, encontram-se apelos para que seus eventuais leitores formem rede de pessoas com o intuito de divulgar ou ecoar suas mensagens. Os traços de politização destas são claramente personalizados na figura do líder, cuja atuação individual é tida como responsável pela criação das leis trabalhistas ou pela defesa dos trabalhadores - perspectivas como essa, lembramos, são muito difundidas em regimes presidencialistas, se não quisermos reduzir tudo à propalada relação direta entre líder e massa.

Havia, em meio à personalização generalizada do jogo político, a percepção ou a perspectiva de ganhos entre o eleitorado varguista. É o que pode ser notado em versos de Antonio Carlos Vidal. Em folheto intitulado “Há uma esperança...”, desfilam razões para se eleger o líder. Entre elas, a realização de obras de infraestrutura e a regulamentação do mercado de trabalho. Por isso, Vargas seria a esperança: “É a mesma, sim, a mesma/ que fez a Volta Redonda,/ que nos defendeu da onda/ de tubarões, dando a nós/ ‘direitos’ mais do que justos”. A identificação do autor com um grupo social fica bem explícita ao proclamar quais seriam os destinatários das ações de Vargas: “para nós, trabalhadores,/ que nem sempre temos pão,/ mas que somos o esteio”.14 14 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Tal composição certamente circulou entre eleitores da época e seu conteúdo provavelmente foi discutido.

As paródias de orações repletas de mensagens politizadas eram muito comuns. É o que anuncia panfleto com o seguinte destaque: “Orações do Brasileiro Patriota para serem recitadas no dia 29 de outubro”, dia da eleição presidencial. Nele, além das fórmulas do Pai Nosso e da Ave Maria, novamente aparece a do Credo. Desta vez, em versão um pouco diferente, lembrando as marcas pessoais dos narradores nas estórias: “Creio em Getulio Vargas, o maior dos estadistas americanos, creador das leis Trabalhistas e da Grandeza da Pátria”.Alguém capaz de bloquear intervenções indevidas de outros países: “Hoje está exilado em São Borja de onde há de vir julgar o imperialismo estrangeiro e seus cúmplices”.15 15 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Nesta versão, o elogio da legislação trabalhista aparece ao lado de crítica ao imperialismo, em mostra de que as referidas histórias em versos ganhavam cores locais: Vargas era associado a uma série de orientações políticas em tais folhetos. Em panfleto com conteúdo semelhante ao anterior, é possível notar uma conclamação pluriclassista: “Operários, Funcionários, Fazendeiros, Povo em Geral/ O Salvador do nosso Brasil é/ GETULIO VARGAS/ Ele voltará/ Trabalhem desde já pela proxima/ vitoria do maior dos Brasileiros”.16 16 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Neste caso, o autor anônimo não pretende apenas congregar eleitores de 6 diversas camadas sociais. Ele também planeja transformá-los em militantes ativos da campanha varguista. Teria sido alcançado algum sucesso?

É possível ensaiar uma resposta positiva a partir de cópia manuscrita de paródia do Pai Nosso. Ela indica que muitos concretizaram apelos como o anterior: reescrevendo mensagens de apoio ao líder e, por vezes, modificando-as e distribuindo-as a outras pessoas. No documento, o epíteto máximo de Vargas, como pai protetor, é fundido com trechos da oração, combinação que advoga preferência eleitoral: “Pai dos Pobres que estais em S. Borja (...) Não nos deixeis cair nas mãos da UDN e livrai-nos de outro General e do Ademar”.17 17 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Caso semelhante pode ser analisado em panfleto de propaganda intitulado “Padre Nosso Getulista”. Ao interpelar o “protetor nosso”, em São Borja, seu autor clama pelos “direitos nossos de cada dia”. Solicita-lhe ainda que “não nos deixeis cair no comunismo, mas livrai-nos do capitalismo”, em sugestão de que preferia espécie de terceira via - em ponto de contato com o programa da candidatura varguista. É o que transparece também nos seguintes versos, os quais traçam divisor de águas na história do país a partir da Presidência de Vargas, como em exemplo já analisado:

Trabalhadores se lembrem/ do nosso Brasil antigo/ antes de Getulio Vargas (...)/ Trabalhador aquele tempo/ eram antes sem valia/ trabalhava como escravo/ sem nenhuma garantia(...)/ O Getulio fez justiça/ acabou com o banditismo/ amparar os trabalhadores/ pôs freio ao capitalismo/ deu exemplos de justiça/ e provas de socialismo/ Ele implantou no paiz/ o regime e a disciplina/ criou as leis trabalhistas/ foi inspiração divina (...)

Vargas é basicamente relacionado à proteção social e a limites à exploração dos trabalhadores: um modelo de Estado é associado à personalidade do líder. É curioso ainda o modo como o autor se apresenta: “Me tratem de queremista/ eu com isso tenho muito orgulho”. O termo “queremismo” e seus derivados, possivelmente cunhados nas lutas políticas de 1945 para desqualificar as manifestações em prol de Vargas, parecem ter adquirido sentidos positivos, verdadeiros pólos de identidade política. O autor, enfim, escreve seu nome e endereço nas linhas finais do documento. Declara-se Francisco Alves Nascimento, de Paranavaí (PR). Em seguida, concita seus leitores a discutir suas ideias diretamente com ele, assim como a distribuir cópias de suas rimas entre amigos e vizinhos.18 18 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Um detalhe importante: o texto não é o original. Na parte inferior da folha, destacam-se as assinaturas de José Izidoro e Joaquim Patrocínio Leão, da Estrada de Ferro Paulista em Tupã (SP)- a uma considerável distância de onde o texto parece ter sido composto- , os quais se apresentam como “copiadores e distribuidores dos folhetos Getulistas”, sinal de que o apelo do rimador, para que outros disseminassem a propaganda em prol de Vargas, conquistou adeptos.

É muito significativa, no mesmo texto, a menção de que os trabalhadores eram tratados como escravos antes do governo Vargas. Essa ideia é reafirmada em folheto de propaganda em que se estampa o retrato do líder com seu célebre sorriso. Em seu topo, uma conhecida personalidade da história brasileira é invocada: “PRINCEZA IZABEL Libertou os Escravos em 1888”. Na parte inferior, uma analogia entre seu suposto ato e o feito esperado do político no futuro: “GETULIO VARGAS libertará o povo brasileiro em 1950”.19 19 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Opinião semelhantefoi aceita por alguns grupos sociais. É o que sugere, anos depois, o depoimento de Manoel Seabra, descendente de escravos e morador da comunidade negra de São José da Serra: “Quem deu a liberdade foi a Princesa Isabel, mas contudo (...) não tinha força como Vargas. Ele (Getúlio) deu a Lei (...) Só a Lei dele que acabou com esse negócio de a pessoa ser cativo” (apud Mattos e Rios, 2005MATTOS, Hebe e RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2005., p. 56). Essa falareforça a ideia de que as propagandas políticas em questão podiam estar relacionadas a expectativas ou interpretações presentes em alguns grupos.

A relação desse material com demandas sociais emerge em folheto intitulado “Getulio voltará porque”. Nele, aparecem 37 razões para o leitor apoiá-lo. No nono item, o destaque é conferido à obra legislativa implementada anos antes: “Getulio governou ao lado dos trabalhadores, dando-lhes uma Legislação Trabalhista das mais perfeitas do Universo, com direitos e ferias remuneradas e estabilidade no emprego (antes os trabalhadores eram escravos)”. As leis do trabalho são consideradas um importante esteio para a autonomia dos operários. No restante do texto, outros argumentos são elencados a favor do líder;entre eles, a construção de empresas estatais e de obras de infraestrutura, bem como realizações nas áreas da saúde e do ensino. Em seguida,destaca-se a recorrente solicitação para que seus eventuais leitores reproduzam-no e redistribuam-no. Desta vez, pede-se para que eles se sirvam de meio específico, a impressão, em tipografia de suas respectivas localidades, com a produção de 500 cópias.A procedência do impresso é exposta, aliás, com a identificação da Tipografia Marli, de Campo Belo (MG).20 20 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.

Um panfleto muito semelhante ao anterior guarda a identificação da cidade de Manhumirim (MG), em sinal de que apelos como o anterior encontraram respostas positivas. Nele, três razões a mais para se votar em Vargas aparecem. Elas acentuam a atuação do ex-presidente à frente da política monetária, em momento em que a elevação do custo de vida era uma questão candente. Na mesma folha, do lado direito, seus divulgadores acharam oportuno fixar reportagem do jornal O Radical de primeiro de julho de 1949 antes de enviá-la à máquina impressora. Na matéria, assevera-se que uma pluralidade de cantores populares baianos promovia a candidatura varguista, assim como fustigava aqueles que detinham o poder. E trechos das canções são transcritos, alguns dos quais tratando Vargas justamente como alguém que podia frear a escalada dos preços e solucionar o problema da baixa oferta de víveres: “Quero ver se ele não voltar/ Já basta de caristia/ Já basta de se aumentar/ Já basta de cumilões/ Já basta de esperar/ Já basta de estripulia/ Valha-me a Virgem Maria/ Se GETULIO não voltar”. No canto direito da montagem, transparece pista de que o texto(ou ao menos sua reprodução) era uma obra coletiva,pois os “amigos de GETULIO VARGAS” o assinam. São eles: Boaventura Josino da Cruz, Othon M. Chaves, Manoel de Aguiar Drumend, José M. Vaz, Joaquim Luiz Soares, Oldrado Andrade, João Rabelo, ArcebinoBreder, Gumercindo Heringer.21 21 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Uma rede de apoiadores de Vargas promovia sua candidatura, seja por meio de cantorias de versos politizados pelas ruas do país,seja pela impressão e distribuição voluntária de material de propaganda.

Outra pista confere mais credibilidade à notícia de que numerosos trovadores irradiavam a candidatura de Vargas na Bahia. Um manuscrito de Salvador traz a afirmação de que versos estavam sendo “profusamente” distribuídos por lá. O próprio texto contém alguns. As rimas assinadas por Zé da Bahia, com data de novembro de 1949, situam-se do ponto de vista de cidadão anônimo que se considera desprovido de condições mínimas de dignidade, ao zombar do significado da eleição passada: “Zé-Povo a vida consome,/ Sem ter roupa, com ter fome.../ E soluça, assim, febril:/ - Só agora, é que descubro,/ O 29 de Outubro/ Foi-me um 1° de Abril!”. Porém, depositam suas esperanças em nova liderança: “Findou-se 49,/ E o povo não se demove/ Dêste seu querer viril:/ Quer por que quer o GETÚLIO,/ Com barulho, ou sem barulho,/ P’ra governar o Brasil!” (grifos do autor).22 22 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Esses versospodem ter sido distribuídos ou cantados em público, uma forma de propagandear a candidatura de Vargas.

A ênfase desses textos em realizações passadas ou futuras do candidato é bastante cambiante. No folheto “Cartilha do queremismo. Porque sou queremista!”, por exemplo, 34 razões são dispostas. O problema do aumento do custo de vida reaparece, mas a tônica dos supostos feitos do político assume direção específica. É o que pode ser observado no décimo sétimo item, único em negrito: “PORQUE GETULIO ajudou o crédito nacional, não mendigando empréstimo no estrangeiro”. Na interpretação do(s) autor(es), Vargas deve ser valorizado por ter conduzido a economia do país de maneira autônoma no cenário internacional: um apelo ao nacionalismo. E, mais uma vez, vem à tona um chamado para divulgação voluntária da mensagem. O folheto é identificado como proveniente do Centro Nacional Queremista. Seus leitores deveriam providenciar dez cópias dele e distribuí-las entre seus conhecidos. Esses atos são classificados como parte de uma “propaganda eficiente, econômica onde todos podem cooperar”.23 23 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Portanto, algumas das composições analisadas consideravam a si próprias uma espécie de propaganda política.

Isso mostra que a noção de propaganda, naquele momento, nem sempre dizia respeito a mensagens construídas e difundidas pelos meios de comunicação de massa. No mesmo documento,os destinatários almejados são apontados entre distintos ramos profissionais e segmentos sociais: o agricultor, o funcionário, o soldado, o marinheiro, o industriário, o rodoviário, o comerciário, o capitalista, o banqueiro, o industrial, o ferroviário, o comerciante, o bancário, os ricos e os pobres: um novo apelo pluriclassista. E todos são interpelados da seguinte forma: “Votem pela prosperidade do Brasil, com salários altos, lucros compensadores e honestos, e bem estar geral”:24 24 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. uma posição bastante próxima do projeto reformista proposto na campanha eleitoral de Vargas.

Em outro folheto, nova solicitação de aliança de classes pode ser vislumbrada. Nele, Vargas é primeiramente tomado como alguém capaz de enfrentar as pessoas que estariam drenando as riquezas do Brasil. Em seguida, aparecem elogios aos ideais defendidos por ele e críticas a determinados princípios: “Não queremos regimens importados de alem-mares, queremos as tuas leis e teu amparo, as tuas idéas são nossas, são de acordo com nosso clima, com o nosso modo de pensar”.25 25 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Ora, o próprio programa de Vargas, como vimos, não relia os princípios e práticas dos Estados de Bem-Estar Social? O folheto sugere, aliás,uma afinidade entre suas posições e os referidos princípios programáticos, em especial quando flerta com os princípios da doutrina social da Igreja. Afinal, ele afirma: “somos todos CRISTÃOS e DEMOCRATAS”. Outra pista pode ser notada em momento em que grupo social específico é interpelado: “OPERÁRIOS E TRABALHADORES DO BRASIL”. Este apelo classista, em conformidade com os princípios da democracia cristã, visava acabar com a luta de classes: “Combatemos os fomentadores de greves, evitando a desgraça e a ruina dos nossos lares, com o pensamento fito na nossa Bandeira: Ordem e Progresso”.26 26 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Sinal de que o projeto de controle social presente nos pronunciamentos públicos de Vargas encontrava respaldo em diversos segmentos da sociedade.

Muitos dos textos de propaganda vinham sob a forma de canção.João de Barros e José Maria Abreu, por exemplo, compuseram a marchinha “Ai Gegê”, interpretada por Jorge Goulart e registrada pela gravadora Continental. Nela, após o refrão com as palavras do título, entra em cena uma crítica ao aumento do custo de vida e à inflação “Que saudades que nós temos de você. (bis)/ O feijão subiu de preço./ O café subiu também./ Carne seca anda por cima./ Não se passa pra ninguém./ Tudo sobe, sobe, sobe/ Todo dia no cartaz./ Só o pobre do cruzeiro/ Todo dia desce mais, mais, mais, mais”.27 27 Ouvi a canção no site do jornalista Franklin Martins. Disponível emhttp://www.franklinmartins.com.br/som_na_caixa_gravacao.php?titulo=ai-gege#. Acesso em 17 de fevereiro de 2012. Nessas rimas, Vargas é considerado alguém que pode intervir no mercado e assim controlar seus preços. Tal composição, amparada por grande gravadora, foi distribuída e reproduzida em várias partes do Brasil.

Outras canções, de maneira mais independente, foram compostas em homenagem a Vargas. Em folheto identificado como de autoria do “Trio de ouro”, há a promessa para “o maior sucesso para o carnaval de 1949”. Na sequência, uma marchinha é proposta com o título “Quem será?”:

Ouvi dizer que ele volta/ Para as saudades matar/ O nome dele eu não digo/ Quem será? Quem será?/ Se ele voltar eu garanto/ A vida vai melhorar/ Mas o seu nome eu não digo/ Quem será? Quem será?/ Então seremos felizes/ E poderemos cantar/ Aquela canção que diz assim/ (vocalizar)/ Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!/ Bis/Que Deus lhe dê muita vida, nêga/ Estou ai para votar28 28 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Nesta mesma pasta, encontra-se uma variação dessa música: “O nome dele eu não digo (...) Seu nome começa com Gê/ Oh! Gege! Vem nos salvar”.

Os preparativos eleitorais e os arranjos carnavalescos são colocados em compasso. Mostra de como os primeiros podiam assumir caráter de festividade ou de comemoração:umrecurso para estimular o engajamento de amplos setores da população em atividades políticas. Provavelmente, os jingles, as canções e os bordões de políticos profissionais têm dialogado com o universo rítmico da oralidade.

Finalmente, na “canção popular-política” “Que coisa louca!” assinada por Freire Júnior, a célebre declaração “Eu voltarei” é retrabalhada:

Stá na hora, minha gente,/ De pensar no Presidente!/ Um nortista, um sulista.../ Isso é indiferente.../ Todos trazem seu cartucho/ Muita papa e pouca roupa/ Mas cuidado com o gaúcho/ Que o gaúcho não é sôpa./ Ele voltará!/ Ele voltará!/ É o que se ouve de boca em boca./ Ele voltará!/ Ele voltará!/ Se isso acontecer.../ Que coisa louca!/ Que coisa louca!/ Que coisa louca!/ Que coisa louca!

Junto da letra, uma partitura e um chamado como muitos outros: “Procure o piano mais próximo/ Toque e cante”.29 29 Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Tal chamado teria sido respondido afirmativamente, como ocorreu em tantos casos semelhantes?

Considerações finais

Emitir juízos sobre as ações dos governantes, estimular discussões públicas, sugerir alternativas políticas, tais são algumas das potencialidades da propaganda política, nem sempre devotada a dominar, manipular ou mentir (Domenach, 1950DOMENACH, Jean. La propagandepolitique. Paris: PressesUniversitaires de France, 1950., p. 83). No processo de redemocratização brasileira, com o término do Estado Novo, diversas vozes apregoaram a necessidade de redefinição do aparato publicitário do DIP para atuar nesse sentido. Em meio à discussão acerca da dotação orçamentária do Estado de São Paulo, na Assembleia Legislativa estadual, alguns deputados propuseram uma redução de verbas para o Departamento Estadual de Informação (DEI), sucessor regional daquele órgão. Caio Prado Júnior (PCB), Milton Cayres de Brito (PSD), Porphirio da Paz (PTB), Estocel de Moraes (PCB) e Lincoln Feliciano (PSD) chamaram a atenção para o que seria o desvirtuamento do departamento, “incensador de governantes, de nenhum interesse para a educação do povo”. Não questionaram valor da propaganda em si, pois, em sua opinião, “é desejável que o governo dê conhecimento de seus atos públicos”. Colocaram-se apenas contra o modo pelo qual o órgão era gerido e o tipo de mensagens que veiculava (apud Goulart, 1991GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1991., p. 86).

Se mensagens como essa ficaram na penumbra ou ganharam destaque e força nos debates públicos, é ainda ponto a ser investigado. De qualquer modo, considerável rede de apoiadores de Getúlio Vargas produziu e divulgou espécie de propaganda política em seu nome, fator que parece ter sido importante para sua vitória no pleito. Pelo menos desde meados da década de 1940 até o início da de 1950, muitos trabalhadores produziram e distribuíram manuscritos e impressos a favor de Vargas entre outras pessoas: em geral, material escrito com linguagem metrificada ou ritmada que indicia a politização de setores da população pouco ou nada alfabetizados. Muitas dessas composições parecem ter sido copiadas e relidas diante de outras pessoas. Por meio delas, interesses e aspirações políticas podiam ser veiculados e tratados como passíveis de serem realizados pela figura do ex-presidente: o combate ao aumento do custo de vida, o fortalecimento da economia nacional, a proteção contra intervenções estrangeiras, a defesa da legislação trabalhista. Muitas vezes, elas ultrapassaram a simples relação personalista com o líder, tocando em princípios programáticos presentes em seus discursos, o que problematiza o conceito de populismo.

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  • 2
    Arquivo pessoal de Getúlio Vargas, CPDOC - FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53, grafia original.
  • 3
    Em seu influente estudo, a autora defende que tal transição democrática foi exclusivamente ritualística e elitista. Segundo ela, esse “reflexo interno” foi “pálido”, “fazendo contraporem-se, não as formas militantes do fascismo e liberalismo existentes no plano internacional, mas sim versões aguadas de um e outro”. Trata-se de reafirmação das teorias que consideram muitas ideias no Brasil como “fora do lugar”. Concordo, por outro lado, com as críticas de Maria Stella Martins Bresciani à persistência de correntes interpretativas similares na historiografia recente, tributárias de ideias autoritárias como as de Oliveira Vianna, que considerava o liberalismo incompatível com a realidade brasileira. Ver Brescian (2007BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil.São Paulo: Editora Unesp, 2007., p. 306-307).
  • 4
    Não parto do princípio de que “queremismo” simplesmente descreva fato ou fenômeno, como geralmente faz a historiografia. Suponho, antes, tratar-se de conceito cunhado no calor da luta política, — de modo semelhante ao que ocorre com “tenentismo” — possivelmente para desqualificar as referidas manifestações num primeiro momento. Sobre as possibilidades de se analisar a construção histórica de conceitos, ver Borges (1992)BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e revolução brasileira., 1992. e Rosanvallon (1995)ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político, Revista Brasileira de História, v. 15, n. 30, p. 9-22, 1995..
  • 5
    Tais procedimentos populares, minúsculos e cotidianos, criavam desvios dos mecanismos da disciplina, não se conformando com ela senão para alterá-los. Ver Certeau (2004CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2004, v. 1, p. 41., p. 41).
  • 6
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV rem.s 1950. 01. 28, doc. 19. No acervo pessoal do ex-presidente, encontra-se uma pasta que reúne documentos sobre propaganda eleitoral. Nela, quase todo o material refere-se a esse tipo de composição popular. Para fins desta análise, respeitarei a grafia dos textos de modo a preservar seus ritmos e métricas provindos do universo da oralidade, evitando a tentação de “corrigi-los”.
  • 7
    O conceito de populismo foi amplamente utilizado para explicar a política brasileira durante várias décadas. Basicamente, ele diria respeito a uma relação direta entre líder e massa, ou seja, uma personalidade carismática manipulando eleitores supostamente inconscientes e despreparados. Contudo, tal abordagem vem sendo problematizada nos últimos anos por diversos autores. Em geral, eles sugerem que os sujeitos eram capazes de fazer escolhas conscientes no jogo político, buscando vantagens materiais ou simbólicas. Ver Ferreira (2001).
  • 8
    Trabalhos de excelente qualidade defendem perspectiva contrária. Maria Celina D’Araújo, por exemplo, sustenta que, ao deixar o sistema partidário em segundo plano, os discursos e as ações de Vargas influíram decisivamente na crise enfrentada por seu governo em 1954. Ver D’Araújo (1992, p. 114). Tal opinião é corroborada no artigo de Kornis (2004)KORNIS, Mônica de Almeida. Imagens do autoritarismo em tempos de democracia: estratégias de propaganda na campanha presidencial de Vargas em 1950, Estudos Históricos, n. 34, p. 71-90, 2004..
  • 9
    Não excluo a possibilidade de Vargas ter interferido na escrita de seus discursos. Contudo, havia equipe encarregada de redigir alguns deles e de estruturar outros. É o que sugere carta de João Neves da Fontoura a ele em 23 de julho de 1950: “No que toca aos discursos, já temos feito seguir para aí uma quantidade regular, sobretudo os principais: Porto Alegre, São Paulo, Rio, Belo Horizonte, etc”. Em seguida, acrescentou: “fiz esboçar 5 discursos a serem proferidos em Santos, Campinas, Sorocaba, Ribeirão Preto e Rio Preto”. Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV rem. S 1950. 01. 28, doc. 7.
  • 10
    Não pretendo reabilitar o ex-ditador nem borrar seu consentimento a muitas das atrocidades perpetradas em anos anteriores. Preocupo-me, antes, em abordar discursos e práticas que sugiram a possibilidade de significativos setores da sociedade brasileira terem sustentado um regime democrático. E, ao que parece, o próprio Vargas precisou ceder diante de pressões orientadas nesse sentido. A repressão e o controle social sob sua batuta estão bem documentados e analisados. Ver Cancelli (1993) e Rose (2001)ROSE, R. S., Uma das coisas esquecidas: Getúlio Vargas e controle social no Brasil/1930-1954. São Paulo: Companhia das Letras, 2001..
  • 11
    Alcir Lenharo admitiu essa possibilidade: “Alega-se que os temas, as imagens, as verdades cristãs foram despojadas do seu conteúdo, restando-lhes apenas as formas. Seria o caso de se apurar pelo imaginário popular a quantas anda essa afirmação”. Ver Lenharo(1986LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas: Editora da Unicamp: Papirus, 1986., p. 155). Neste texto, procurarei indicar como numerosos sujeitos utilizaram o imaginário religioso de maneira cômica ou politicamente engajada.
  • 12
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Deparo-me às vezes com e-mails de colegas cujos conteúdos revelam politização e pedidos de reencaminhamento das mensagens a uma rede de conhecidos. Velha fórmula, nova mídia.
  • 13
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GVrem.s 50.01.28 doc. 18.
  • 14
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 15
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 16
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 17
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 18
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 19
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 20
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 21
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 22
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 23
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 24
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 25
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 26
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 27
    Ouvi a canção no site do jornalista Franklin Martins. Disponível emhttp://www.franklinmartins.com.br/som_na_caixa_gravacao.php?titulo=ai-gege#. Acesso em 17 de fevereiro de 2012.
  • 28
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53. Nesta mesma pasta, encontra-se uma variação dessa música: “O nome dele eu não digo (...) Seu nome começa com Gê/ Oh! Gege! Vem nos salvar”.
  • 29
    Arquivo pessoal Getúlio Vargas, CPDOC-FGV, GV ce 50. 08/ 09. 00/ 53.
  • 30
    Agradeço muito aos pareceristas anônimos desta revista pelas sugestões. Esta pesquisa foi financiada pelo CNPq.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2015
  • Aceito
    20 Jul 2015
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