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Segurando brasas: “pensamento mítico” sobre a infância de ventre livre de uma rainha negra no Rio Grande do Sul

Holding Embers: “Mythical Thought” About a Free Womb Childhood of a Black Queen in Rio Grande do Sul, Brazil

Resumo:

O artigo analisa uma lenda sobre uma criança nascida de ventre livre, Maria Tereza Joaquina, assim como a repercussão daquela história nas gerações subsequentes. Já adulta, ela foi rainha Jinga, nas décadas de 1950, 1960 e 1970, do maçambique de Osório, folguedo popular afrocatólico do litoral do Rio Grande do Sul. Será enfocada a interação entre “pensamento mítico”, memória e história. Segundo o relato da própria rainha, ela havia segurado brasas em sua infância a fim de ajudar o senhor de sua mãe a acender cigarros de palheiro. Confronto a versão por ela narrada ao jornalista, folclorista e antropólogo Norton Corrêa em 1980 com relatos similares de seus netos durante a década de 2010. Estudo seus papéis nas concepções de escravidão e liberdade e seu impacto na identidade familiar.

Palavras-chave:
“pensamento mítico”; escravidão; liberdade.

Abstract:

The article analyses a legend about a child born of “free womb”, Maria Tereza Joaquina, and also its repercussion in the ensuing generations. Adult, she was “Jinga” queen, in the decades of 50, 60 and 70 of the XXth century, of Osório’s maçambique, a popular afro-catholic party in the littoral of Rio Grande do Sul. The interaction between “mythic thinking”, memory and history will be focused. According to the narrative of the queen herself, she had held ember, during her childhood, to help her mother’s master to light cigars. I compare the version narrated by her to the journalist, folklorist and anthropologist Norton Corrêa in 1980 with similar stories by her grandsons, during the decade of 2010. I study its role in the conceptions of slavery and freedom and its impact in the familiar identity.

Keywords:
“mythic thinking”; slavery; freedom.

Introdução

Ao fim de sua vida, em 1980, “tia” Maria Tereza, rainha do maçambique de Osório (cidade no litoral norte do Rio Grande do Sul), deu um depoimento a Norton Corrêa, da folha porto-alegrense Correio do Povo. Segundo o relato, ela tivera de prestar serviços ao senhor de sua mãe mesmo após a Abolição:

Quando a Princesa Isabel decorô a Forraria, os que nascesse daquele tempo em diante era forro. Eu, naquele tempo, quando nasci, foi no tempo do Ventre Livre. Quando eu tinha 4 anos já caminhava, corria por tudo. Então diz que o senhori da minha mãe dizia: “Se esta negrinha, se não viesse a Forraria, eu ia tirá ela pro meu comando porque ela quando pegô a caminhá já qué corrê. Que negrinha ativa não sai essa!” Às veis ele mandava “Vai buscá fogo pro nhonhô fumá”. Lá vai eu, ia buscá fogo. Às veis agarrava um tiçãozinho de fogo, quarqué uma coisa, trazia. Um dia diz que eu truxe uma brasa na mão. Ele foi, diz que garrô o cigarro, foi tirá do borso, fazê o cigarro: “Pera, deixa o nhonhô fazê cigarro”. Tá queimando, nhonhô. “Não, não quema, não”. Aí diz que eu deixei a brasa caí, e fui na cozinha, corri, cheguei na cozinha, garrei uma culhé que ela tinha de mexê a panela, botei a brasa dentro da culhé e truxe: “Oia nhonhô, tá aqui, agora não quema”. “Ah, tu aprendeu, hei!” Diz que tudo isto eu fazia, já era bem ladinha neste tempo.2 2 Corrêa, Norton. Tia Maria Tereza festejou aniversário rememorando momentos de seu passado. Correio do Povo, 8 fev. 1980. Mantive a grafia original, respeitando a intenção de Corrêa, me poupando da indicação {sic} a cada palavra “errada”, ao contrário das citações de entrevistas, em que procurei uniformizar conforme a língua portuguesa-padrão (exceto na conjugação do pronome “tu”, tal como empregada pelos gaúchos). Nas entrevistas foram mantidos os nomes de pessoas já falecidas. Para preservar a privacidade dos demais, foram atribuídos nomes fictícios.

O episódio, vivo na memória quase um século depois, aponta para um aspecto cristalizado em sua recordação, exprimindo vivência de lugares sociais de submissão mesmo após o fim da escravidão. Essas representações, que sustentarei ter um caráter mítico, são o rastro que pretendo seguir. Não busco averiguar, em sua objetividade, a infância de Maria Tereza, marcada pela lei de 1871 que, entre outras disposições, estabeleceu a liberdade das crianças nascidas daquele momento em diante.3 3 Existe farta bibliografia acerca da Lei do Ventre Livre, mas ela não será abordada aqui, dado que o foco do artigo é o “pensamento mítico” que cerca a memória da rainha Maria Tereza, mais do que propriamente a realidade de sua infância de ventre livre em si. Para diferentes leituras sobre infâncias de ventre livre, ver Conrad (1975), Mattoso (1988), Abreu (1997), Alaniz (1997), Pena (2001), Papali (2003), Zero (2004), Geremias (2005) e Teixeira (2007). Pelo contrário, estou em busca dos significados de escravidão e liberdade compartilhados pelo grupo familiar em questão: as narrativas servirão como via de acesso.

Discutirei e inter-relacionarei conceitos como mito, memória e história, procurando conectá-los à narrativa apresentada por Maria Tereza. O episódio em questão não pode ser considerado, exatamente, um mito propriamente dito, uma vez que, no sentido dado por Lévi-Strauss, este se caracteriza por sua adoção por uma tradição coletiva, transmitida oralmente (Lévi-Strauss, 2011LÉVI-STRAUSS, Claude. O homem nu: mitológicas 4. São Paulo: Cosac Naify, 2011., p. 604). A narrativa em questão restringe-se a um espaço familiar - e não à escala mais ampla apontada pelo etnólogo francês. O episódio foi rememorado entre seus netos, reafirmando-se mais de 30 anos após a morte da matriarca. Sua persistência permite a problematização dos significados da perenidade de sua recordação na memória familiar. Nesse sentido, se não constitui um mito, certamente constitui, será visto, uma narrativa de natureza mitológica, pelo que a descrevo como um “pensamento mítico”.

Há equivalência com uma característica que Lévi-Strauss destacou nessa natureza de pensamento: a narrativa tem dupla função (1996, p. 241). Situa e explica um acontecimento em um tempo passado, determinado - a avó sujeita ao arbítrio senhorial -, mas também tem eficácia permanente, significados que perpassam os anos e encontram repercussão no presente (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude. A estrutura dos mitos. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. p. 237-265., p. 237-265), na definição de “quem somos nós” e “a quem devemos nossa liberdade”. Essa concepção de dupla função do mito acabou por ser muito criticada, porque, no fim das contas, revela-se a-histórica. Supostamente investindo na explicação de determinado tempo passado, mas também em sua operacionalidade na definição de concepções de mundo no presente e no futuro, o autor acabou por focar, sobretudo, o segundo aspecto.

A permanência do “pensamento mítico” acaba por configurar sistemas classificatórios avessos aos efeitos da diacronia. Esta última, mesmo que afete todas as sociedades, não é igualmente bem recebida em todas elas (Lévi-Strauss, 1970LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970., p. 268-269). A explicação do passado fica ofuscada diante da ênfase nos efeitos do mítico no presente, isto é, nas formas como a lógica definida pela narrativa mítica funciona para além do tempo. O “pensamento selvagem” é, pois, “intemporal” (Lévi-Strauss, 1970LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970., p. 299). Tem certa imunidade, portanto, aos efeitos da história. Antes, porém, de analisar a forma como essa e outras discussões podem elucidar a narrativa de Maria Tereza, é fundamental situar o local de origem, o rito do qual participou e a trajetória de vida daquela mulher.

Um lugar, um rito, uma vida

Neste momento, apresentarei algumas informações básicas para entender o debate sobre os mitos envolvendo a infância de Maria Tereza por meio de uma breve descrição da localidade onde os fatos aconteceram, do maçambique e de sua vida. Osório - antiga Conceição do Arroio -, a cerca de 100 quilômetros de Porto Alegre pela estrada BR-290 (freeway), situa-se no litoral do Rio Grande do Sul, no complexo lagunar que ali existe e à margem da encosta do morro. Cidade sesquicentenária, no século XIX sua economia direcionava-se à produção de açúcar e aguardente, o que demandou uma população escrava significativa. Parte dela trabalhava na fazenda do Morro Alto, onde hoje há a divisa entre aquele município e o de Maquiné, e também o entroncamento entre as estradas BR-101 e RS-407. Aquele empreendimento escravista incrustava-se entre as lagoas dos Quadros, Malvas, Pinguela, a Barra do João Pedro e o divisor de águas das encostas de morro (29° S e 50° W). Era uma sociedade entre as famílias escravocratas Marques da Rosa e Nunes da Silveira.

Com o ocaso do regime escravista, as famílias negras que ali trabalhavam foram se estabelecendo de forma autônoma no território. Em 1887, ocorreu uma doação de terras por parte da senhora escravista Rosa Osório Marques, que não teve filhos. Uma das beneficiárias foi Tereza, mãe da protagonista. Os descendentes hoje lutam por sua titulação fundiária na condição de “remanescentes de quilombos”, apoiando-se, entre outros aspectos, nesse testamento senhorial.4 4 A Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, prevê a propriedade de terras ocupadas pelos “remanescentes das comunidades de quilombos”. Morro Alto já obteve o reconhecimento dessa condição e atualmente luta pela titularização de suas terras.

A infância de Maria Tereza ocorreu nas circunstâncias daquele legado. No fim do século XIX, as famílias senhoriais progressivamente abandonaram aquelas terras, dirigindo-se para regiões mais propícias à pecuária (Barcellos et al., 2004BARCELLOS, Daisy Macedo; CHAGAS, Miriam; FERNANDES, Mariana; FUJIMOTO, Nina Simone; MOREIRA, Paulo; MÜLLER, Cíntia Beatriz; VIANNA, Marcelo; WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Comunidade negra de Morro Alto: historicidade, identidade e territorialidade. Porto Alegre: UFRGS, 2004.; Weimer, 2015WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Felisberta e sua gente: consciência histórica e racialização de uma família negra no pós-emancipação. Rio de Janeiro: FGV, 2015.). Na segunda metade da década de 1880, foram diversas as alforrias, inseridas na dinâmica de concessões de libertações condicionadas à prestação de serviços (Moreira, 2003MOREIRA, Paulo. Os cativos e os homens de bem: experiências negras no espaço urbano. Porto Alegre: EST, 2003.). São diversos os relatos de doações, aquisições de terras ou autorizações para a permanência das famílias de ex-escravos ali. Há, portanto, certa contradição entre o decrescente poderio dos Marques, apontado pela bibliografia, e o autoritarismo senhorial que transparece do relato da rainha. Ou, talvez, posturas mais despóticas foram um último amparo de um poder em dissolução.

Muitas famílias negras de Osório descendem dos escravos do Morro Alto, havendo um bairro na cidade ocupado por pessoas originárias daquela região. Desde há pelo menos um século ali se promove um rito afrocatólico em louvor a Nossa Senhora do Rosário, o maçambique.5 5 Segundo algumas narrativas míticas, a origem do maçambique ocorreu ainda no período escravista, pela intervenção de Nossa Senhora do Rosário para a salvação de um escravo condenado à morte (Fernandes, 2004; Bittencourt Jr., 2006). A família dos “Tereza”, familiares da escrava legatária do testamento, é moradora do bairro do Caravaggio. Sua filha, narradora do relato em análise, reinou naquela congada entre as décadas de 1950 e 1980.

As congadas no Brasil são manifestações religiosas da comunidade negra em que entidades do santuário católico associadas à devoção negra (Nossa Senhora do Rosário e São Benedito) são cultuadas segundo rituais com raízes africanas. Há uso de tambores e danças, e os reis que intermedeiam a relação dos fiéis com o sagrado são denominados Jinga e Congo. As coroações de reis negros estiveram presentes em diversos espaços brasileiros ao longo da história.

Sua persistência aponta para seu vigor como expressão da identidade negra. Diversos estudiosos interpretaram os significados das congadas, chegando a leituras diferentes. Para alguns, tratou-se de forma de apropriação de signos culturais católicos pelos negros (Mello e Souza, 2002MELLO E SOUZA, Marina. Reis negros no Brasil escravista: história da coroação de Rei Congo. Belo Horizonte: UFMG, 2002.). Para outros, foi uma maneira de reafirmar vínculos de ancestralidade com o continente africano e de reproduzir aqueles laços (Kiddy, 2009KIDDY, Elizabeth W. Quem é o rei do Congo? Um novo olhar sobre os reis africanos e afro-brasileiros no Brasil. In: HEYWOOD, Linda. Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. p. 165-192.). O maçambique de Osório pode ter desempenhado simultânea ou alternadamente diversas dessas funções ao longo dos anos.

Trata-se da única congada ainda existente nos dias de hoje no Rio Grande do Sul. As ruas de Osório são percorridas, de pés descalços, pelos dançantes, homens negros vestidos de branco com fitas vermelhas e azuis. Seguem em colunas, animados pelo rufar de tambores e pelo esgrimir de espadas. Nos dias de procissão, são seguidos pelos devotos, que durante a dança fazem promessas à Santa. Caso a dádiva seja alcançada, é necessário oferecer churrascos e mesas de doces.

Um rei e uma rainha, vitalícios e sucedidos por nomeação, são coroados na primeira missa da festa. O início e o fim do festejo são marcados pelo erguimento e arriamento de um mastro. Na composição do grupo, há tamboreiros, que percutem o ritmo da dança e cânticos, “capitães da espada”, encarregados da defesa do grupo, a “alferes da bandeira”, que guarda o estandarte da santa, pajens do rei e da rainha, que deles cuidam por serem idosos, e os dançantes. Maria Tereza, mesmo tendo reinado há mais de 35 anos, ainda é muito viva na memória do grupo. Em momentos de restrições disciplinares, sua autoridade é invocada: “se fosse no tempo da Maria Tereza tu ia ver”. Uma sobrinha-neta confidenciou, “jamais, não vai existir outra rainha igual a Maria Tereza”.6 6 Entrevista com Conceição Lima (nome fictício), em 7 de outubro de 2013, em Osório, 52 anos na ocasião. Sua condição exemplar relaciona-se com a longevidade a ela atribuída, com o vínculo com a ancestralidade representado, com a situação de ventre livre ou escrava que acreditam que ela tinha e, principalmente, com a autoridade ferrenha com que conduziu as atividades do grupo.

Segundo seu batismo, Maria Tereza Joaquina nasceu em 1887;7 7 Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Centro de História da Família. Microfilme 1391101, Item 4, Livro 2 de batismos de escravos de Conceição do Arroio, f. 60v. Microfilme 1391100, Item 5, Livro 14 de batismos de Conceição do Arroio, f. 85v. isso indica que a dominação a que fora sujeita por um senhor com pretensões a “pegá-la para seu comando” deve ter perdurado além da abolição, em 1888. Outras fontes, como relatos orais ou textos em jornais, lhe atribuíram idades diversas no momento de sua morte. Datações alternativas são possíveis, pois o registro pode ter sido feito tardiamente. Não há dúvidas, porém, de que nasceu durante a vigência da Lei do Ventre Livre e de que era filha da escrava Tereza.

Seu casamento com Abel Felipe Angélico, também filho de ventre livre,8 8 Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Centro de História da Família. Microfilme 1391101, Item 6, Livro de batismos de libertos de Conceição do Arroio, f. 48, nascimento em 29 de janeiro de 1877. ocorreu em abril de 1908.9 9 Fotografia do documento constante do acervo do antropólogo Norton Corrêa, gentilmente cedida pela Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Osório. O casal teve seis filhos: Tomásia, Antonieta, Isabel, Josefina, Tereza Maria e Abel. Por volta de 1920, Abel Felipe afogou-se ao atravessar um rio a nado. A viúva carregava o caçula em seu ventre. Conforme as palavras de sua neta Maria Aparecida, o sustento das crianças foi dificultoso:

E depois também ela contava pra nós quando ela ficou sozinha, sem o marido, que ela tinha muito filho, e levava tudo pra roça, tudo junto. Tava grávida, o meu pai, e os, os, e os senhores lá pediam as crianças pra ela… Pedia as meninas, né. Ah, me dá essa, fica comigo, não sei o quê. Ela não deu ninguém, né. {…} Ela criou todos, né. Comendo feijão com leite, uma história que ela falava muito, né. Meu pai também dizia que se criou comendo feijão com leite. E {a gente dizia assim}, era horrível aquilo, né. E ele dizia, não, vocês não sabem o que é trabalho, é uma… A mamãe nos criou assim. Né, comendo o pouco que tinha, e outras coisas, o leite tinha, o feijão tinha, né. Se comia muito feijão com leite. Era uma coisa.10 10 Entrevista com Maria Aparecida Pereira (nome fictício), em 29 de setembro de 2014, em Osório, 60 anos na ocasião.

Os fazendeiros da região requisitavam a Maria Tereza que lhes entregasse os filhos em criação; ao que se recusou obstinadamente. Optou por “passar trabalho”.11 11 “Passar trabalho”, na linguagem local, expressa as dificuldades enfrentadas para a sobrevivência. É por isso que o relato apresentado a Norton Corrêa se inscreveu vigorosamente na memória familiar: as dificuldades sofridas por ela na infância foram deliberadamente poupadas aos filhos. No momento em que os netos foram entrevistados, no primeiro quinquênio do século XXI, apareceu um sentimento de dívida em relação à efetiva liberdade alcançada pela avó.

Entre as décadas de 1920 e 1930, foi embora do Morro Alto rumo à localidade de Passinhos, também situada na área rural de Osório. Segundo dois sobrinhos, teria encontrado um pote de ouro dado pelos fantasmas dos escravos da senzala, em cujos arredores residia. Pegou o pote de ouro que “era pra ela” e “foi-se embora pra não se complicar”.12 12 Entrevista com Elpídio Joaquim (nome fictício) por Miriam de Fátima Chagas, Mariana Balen Fernandes e Cíntia Beatriz Müller, em 22 de fevereiro de 2002, em Osório; entrevista com Francisco Joaquim Elpídio (nome fictício), em 10 de outubro de 2013, em Osório, 93 anos na ocasião. Analisei esse episódio, de natureza evidentemente mítica, em trabalhos anteriores (Weimer, 2014a, 2014b). No fim dos anos 1950, instalou-se na cidade de Osório. Talvez tenha feito isso para melhor desempenhar a autoridade real, pois teria assumido a coroa do maçambique em 1950 (Branco, Garcia e Marques, 1999BRANCO, Estelita; GARCIA, Rose Marie Reis; MARQUES, Lilian Argentina Braga Marques. Maçambique: coroação de reis em Osório. Porto Alegre: Comissão Gaúcha de Folclore, 1999.).

Em 1966, um intruso requisitou usucapião do quinhão comunitário constituído pelo terreno de uso comum doado por Rosa Osório Marques.13 13 Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Cartório de Órfãos e Ausentes — Viamão, estante 24 e/c, caixa 030.0125, auto n. 108, inventário de Rosa Osório Marques, ano 1888. Junto com outra filha de um escravo herdeiro, a rainha ingressou com uma contestação judicial.14 14 Fórum de Osório, contestação ao Processo de Usucapião no 175/1966. O testamento previa cláusulas de sucessão geracional indefinida e de inalienabilidade, o que levou Maria Tereza Joaquina e Aurora Conceição da Silveira a acionarem o Judiciário, na condição de filhas de escravos. Após árdua batalha nos tribunais, houve ganho de causa. Cumpre destacar que, mesmo não residindo mais naquele terreno, foi considerada a representante autorizada das demandas coletivas, seja pela dignidade real, seja pela proximidade geracional com os escravos legatários.

Ao estudar a biografia de São Luís, Jacques Le Goff (1996)LE GOFF, Jacques. Saint Louis. Paris: Gallimard, 1996. verificou quão dificultosos e ambíguos podem ser os caminhos para elucidar a “verdade” sobre personagens envolvidas pelo mito, por camadas sedimentadas e fugidias de memórias.15 15 O mesmo pode ser dito das biografias de Ricardo Coração de Leão e Leonor de Aquitânia escritas por Jean Flori (1999, 2005). Há de se avaliar categorias de individualidade e personalidade conforme categorias éticas de época e de se lidar com fatos de difícil comprovação. A vida interna e a personalidade da “verdadeira” Maria Tereza seguem um enigma. Contudo, as construções realizadas em torno de São Luís puderam ser analisadas pelo medievalista francês, e também é possível estudar os relatos míticos acerca de Maria Tereza.

Como não poderia deixar de ser, o tempo e a diversidade de situações político-sociais ao longo do século XX imprimiram modificações nas maneiras como o passado é lembrado. A memória se molda a partir das injunções do presente, passando por releituras (Rousso, 1998ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV /UFRJ, 1998. p. 93-101., p. 93-94). Essa é a abordagem adequada para uma aproximação à questão da memória, restando o desafio de abordar a temática do “pensamento mítico”, frequentemente visto como estático. É verdade que existe um núcleo narrativo comum. Instâncias diferenciadas de locução não implicaram a inexistência de elementos recorrentes, quer por ser o episódio dotado de “existência objetiva”, quer por ser preservado em um repertório familiar, qualificado como mítico, ao longo dos anos. Cabe esmiuçar como se entende essa categoria, em sua relação com a memória.

Mito e memória

Estudos que contrapõem o “pensamento mítico” e a lógica histórica, ou que investigam as relações entre memória e história, são mais comuns do que uma problematização da relação do mito e da memória entre si. Pontuarei aspectos dos dois primeiros pares para chegar ao último aspecto. Em geral, parece haver uma preocupação com a especificidade da sensibilidade histórica contemporânea em contraponto à alteridade. Contudo, formas distintas de pensar o tempo e expressar narrativas usualmente acabam por ser enfocadas, de forma etnocêntrica, a partir do contraponto com um “nós” ocidental, e não em sua especificidade.

Um exemplo disso é o artigo de Moses Finley (1989), “Mito, memória e história”. A despeito da riqueza com que o autor analisa as formas como os gregos viviam o mito, seu estudo se ressente de uma discussão sobre a memória, mesmo que esse termo conste no título de seu artigo, que está polarizado entre o “pensamento mítico” e o raciocínio histórico. Assim, a relação entre memória e mito acaba naturalizada, isenta de reflexões. Não me proponho aqui resolver tal questão, o que extrapolaria meus objetivos. Contudo, é possível fazer apontamentos modestos no que tange à narrativa de Maria Tereza.

No que tange à relação entre história e mito, Marshall Sahlins (1990, 2008) apresenta uma visão alternativa e divergente da de Lévi-Strauss, permitindo escapar a uma oposição paralisante entre tais aspectos. Sahlins visa à “explosão do conceito de história pela experiência antropológica de cultura” e à “explosão do conceito antropológico de cultura, e da estrutura, pela experiência histórica”. O autor apresenta esses termos de forma dialógica, e não em oposição. Da mesma forma que reconhece a cultura como uma construção histórica, ressalta que os eventos não independem dos sistemas simbólicos. Propõe conceitos que possam elucidar relações entre termos posicionados como opostos pelo estruturalismo.

Ao apresentar a noção de “reavaliação funcional de categorias”, o autor observa que os “nativos” confrontam suas noções, inclusive míticas, com a experiência vivida. Elas podem ser objeto de releituras. Por outro lado, ao falar de “mitopráxis”, Sahlins ressalta que a prática, a experiência e a ação no mundo são ordenadas e vividas em termos mitológicos. Sua contribuição pode ser sintetizada na frase “culturas diferentes, historicidades diferentes”: cada sociedade pensa, vive e concebe a história de forma diversa.

Da mesma forma como, em Sahlins, a história se reconcilia com o mito, teorizações mais recentes têm procurado superar a aporia entre história e memória, sublinhando convergências e mesmo algumas similitudes entre seus procedimentos cognitivos (Catroga, 2001CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Coimbra: Quarteto, 2001.; Ricœur, 2007RICŒUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp , 2007.). Outro aspecto relevante é trazido por Rousso (1998ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV /UFRJ, 1998. p. 93-101., p. 93-94), que entende a memória como uma “representação seletiva do passado”. Como essas percepções flutuam e se transformam ao longo do tempo, a memória (tal como o mito) tem uma historicidade que pode ser analisada, no projeto investigativo denominado “história da memória”.

O autor traça um paralelismo entre “mito”/memória e “realidade”/historiografia. Contudo, não opõe esses pares; antes, afirma que não faz sentido contrastar “mito” e “realidade” (Rousso, 1998ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV /UFRJ, 1998. p. 93-101., p. 97). No caso examinado, por exemplo, o “pensamento mítico” tem efeitos reais na configuração de uma identidade coletiva e de concepções de cativeiro e liberdade. O que a proposta daquele autor insinua é que a representação historiográfica narra um “real”, e a memória narra um “mítico”, com todas as consequências da necessidade de não separá-las. Assim, a memória pode ser percebida como forma narrativa expressiva do “pensamento mítico”. O fato de a recordação do mítico encontrar-se em um registro de historicidade por meio dos processos de repetição e, consequentemente, transformação de narrativas confere-lhe uma dinâmica nem sempre admitida.

Existe importante debate a respeito do caráter da memória. Para Halbwachs (2006)HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006., ela tem uma dimensão coletiva, verificada pelo intercâmbio de reminiscências, e se conserva com a manutenção dos laços que unem os indivíduos aos grupos de que fazem parte. Para esse autor, a recordação individual se dá em função do pertencimento grupal. Em contraposição, Pollak (1989)POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. observa que toda memória coletiva tem como suporte necessário indivíduos com pontos de vista particulares. Disso decorre o caráter conflitivo e contraditório da memória, em contraponto ao viés uniforme e não problemático como Halbwachs a concebe. A abordagem do primeiro autor, no que toca ao “pensamento mítico”, dá ênfase a seu caráter de tradição coletiva; a do segundo, à dinâmica da locução da narrativa. Para efeitos deste artigo, ambos os aspectos devem ser observados.

Alberti (2004ALANIZ, Anna Gicelle García. Ingênuos e libertos: estratégias de sobrevivência familiar em épocas de transição. 1871-1895. Campinas: Unicamp, 1997., p. 37) assinala, na demonstração dos limites dos constrangimentos da memória coletiva, a especificidade da história oral. Por mais fértil que seja essa abordagem - diria, até mesmo, fundamental, pois sempre há narrativas em disputa -, não encontrei grandes divergências entre as tônicas contemporâneas dos relatos dos netos no que diz respeito à história da brasa, apenas dissonâncias com o relato de sua avó em 1980. As narrações mudam, e essa mudança deve ser examinada, porque a memória não é apenas significado, e sim ação interpretativa do passado (Alberti, 2004ALANIZ, Anna Gicelle García. Ingênuos e libertos: estratégias de sobrevivência familiar em épocas de transição. 1871-1895. Campinas: Unicamp, 1997., p. 34-37). Assim, se o conteúdo codificado em um relato pode ter natureza mítica, sua reprodução ao longo do tempo sofrerá reelaborações, o que imprime uma dinâmica diacrônica impensável para Lévi-Strauss.

Julie Cavignac (2007) analisa as narrativas dos sertanejos nordestinos a respeito de “fenômenos misteriosos” e “aparições sobrenaturais”. Tais episódios encontram-se no registro do mítico; contudo, em seu argumento, a memória oral aparece como o vetor narrativo por meio do qual os causos e as lendas são socializados e reproduzidos. A cosmologia dos grupos pode ser acessada por meio da oralidade e das histórias passadas de geração em geração (como no caso aqui analisado). Essa expressão do mito operada pela memória, por sua vez, configura a identidade local. Por meio dos relatos orais, as lendas expressam “uma versão local da história”.

O relato que Maria Tereza apresentou a Norton Corrêa ultrapassou gerações por meio dos relatos orais entre avó e netos; mas também sofreu metamorfoses. Foi conformador de aspectos identitários e formas de situar o devir histórico, por meio de concepções de cativeiro e liberdade. Um cruzamento não objetiva qualificar as versões como mais ou menos verdadeiras, mas interpretar as variações - e regularidades - nas diferentes narrativas sobre o episódio. Admito, então, o mito como uma modalidade específica de pensamento, e a memória como um veículo pelo qual aquele se reitera no tempo. No caso examinado, isso claramente se dá pelo diálogo intergeracional.

Uma avó escrava ou de ventre livre?

Ao longo das entrevistas com seus netos, aparecem referências à rainha Maria Tereza como alguém que nasceu sob a vigência do ventre livre, mas também como tendo experienciado a escravidão. É um aspecto a ser esmiuçado, pois, a partir das lembranças sobre as condições jurídicas de sua avó, é possível avaliar concepções sobre cativeiro e liberdade. Apesar das diferenças, a submissão a um poder senhorial, extrapolando ou não a escravidão, sobressai como fundo comum.

Segundo Veyne (1984)VEYNE, Paul. Acreditavam os gregos em seus mitos?. São Paulo: Brasiliense, 1984., a credibilidade do “pensamento mítico” reside na palavra. Para ele, a autenticidade das crenças não se mede pela verdade do objeto, mas pelo argumento de autoridade do narrador. É irrelevante se é possível ou não que fantasmas tenham aparecido nas ruínas ou que a brasa tenha sido conservada em sua mão enquanto o sinhô preparava o palheiro. O importante aos sobrinhos e netos é a reverência à voz de Maria Tereza. Escrava ou de ventre livre, o que confere veracidade à recordação é o que acreditam ter ouvido da antiga rainha.

Em 16 entrevistas realizadas com seus netos, a escravidão e a liberdade foram abordadas em 12. A condição cativa da mãe de Maria, a bisavó Tereza, é consensual. Ela era a escrava por excelência. Alguns descendentes (Sebastião, João e Luís Antônio16 16 Entrevista com o senhor Luís Antônio Ramos (nome fictício), em 26 de dezembro de 2013, em Osório, 67 anos na ocasião. ) contrastaram bisavó e avó, utilizando a expressão “ventre livre” para referir-se à última. É digno de nota que João e Luís foram seus filhos de criação, o que possibilitou um convívio maior com a rainha, que se traduziu em uma memória conforme à sua situação de ingênua.17 17 “Ingênuo” é uma categoria sociojurídica emprestada ao direito romano, que ressalta aqueles livres de nascença e que jamais foram reduzidos à escravidão. No contexto das décadas finais do século XIX no Brasil, diz respeito a filhos de escravas nascidos livres.

Os vínculos de dependência do antigo senhor foram destacados. Sebastião, por exemplo, mesmo reconhecendo que “os filhos dos escravos, né, que nascessem naquela época, eles não eram mais escravos”, assinalou que as crianças “ficavam com os senhores deles” e que eles costumavam “pedir coisas”.18 18 Entrevista com seu Sebastião José Ramos (nome fictício), em 11 de outubro de 2013, em Osório, 64 anos na ocasião. Os “pedidos” tinham caráter compulsório. Sebastião generalizou às demais crianças de ventre livre a situação particular narrada por sua avó. Já João apontou uma “pressão” senhorial sobre sua avó/mãe de criação, manifesta no constrangimento para que ficasse no mesmo local da mãe, pela ausência de alternativas; esse “ficar” implicava o exercício de tarefas e serviços.

João: Ah, o senhor é o que era o dono. Ela era escrava.

Rodrigo: Ela era escrava.

João: A minha vó… A minha bisavó.

Rodrigo: A bisavó. A vó, não?

João: A vó era do ventre livre.

Rodrigo: Do ventre livre.

João: Era do ventre livre.

Rodrigo: E ela falava desse ventre livre?

João: Falava.

Rodrigo: Que que ela dizia?

João: Olha, ela falava que depois desse ventre livre ela ia… Ela tava liberada. Não tinha responsabilidade como o antigo. Como os anteriores. Mas sempre tinha aquela pressão deles.

Rodrigo: Que pressão?

João: A pressão é que não tinha no que trabalhar, tinha que ficar ali.19 19 Entrevista com o senhor João Silvério Campos (nome fictício), em 20 de dezembro de 2013, em Porto Alegre, 72 anos na ocasião (grifos nossos).

Se os netos mais chegados reconheceram a avó como “ventre livre”, outros associaram à escravidão os vínculos de submissão de que eram cientes. Não tendo sido criados com a avó e provavelmente sem saber do “ventre livre”, a dependência foi explicada pela condição cativa. Os mais categóricos foram Cláudio, segundo o qual “ela chegou a ser escrava”, e Joaquina, para quem “ela assistiu à escravidão”, que é lembrada com contornos muito negativos, associada aos castigos físicos na fala do primeiro, e ao assassinato, dificuldades e privação de recursos para a segunda:

Cláudio: Sobre a escravidão, a única coisa que ela diz é que ela nunca foi castigada, mas ela via, no caso, os parentes dela, o pai, mãe, ser castigado, eram castigados assim, sabe. Mas, para ela, ela sempre dizia que os senhores eram muito bons. Ela fazia as coisas dentro do lar assim, da casa, e eles eram muito bons para ela, nunca… Nunca castigaram assim como eles castigaram os outros… E ela falava que tinha aquele, um tipo de um pau lá no meio, e eles amarravam os escravos lá, batiam e se chovesse, continuavam ali amarrados e eles tinham que ficar lá, né. Não podia escapar.20 20 Entrevista com o senhor Cláudio José Ramos (nome fictício), em 28 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 52 anos na ocasião.

Joaquina: Pra mim, ela sempre contava que ela se escondia muito, né. E eles queriam matar, sabe. E ela se escondia muito no mato. Eles passavam muito trabalho. Às vezes, ela sentava assim, começava a contar as histórias dela que… Da escravidão. Dos escravos. {…} E passavam fome, passavam miséria, passavam assim… Frio! Pra se esconder da escravidão. Pra eles não matar. Matavam muita gente naquela época.21 21 Entrevista com a senhora Joaquina José Ramos (nome fictício), em 8 de outubro de 2014, em São Leopoldo, 70 anos na ocasião.

A avó, porém, teria evitado ambas as situações: no primeiro caso, por ter senhores “bons”, que não a submetiam a sevícias; no segundo, por ter fugido. Segundo alguns autores, as famílias descendentes de escravos procuram subtrair do registro familiar experiências dolorosas que possam comprometer a dignidade de seus ancestrais. O castigo, contudo, não é esquecido como definidor da condição escrava: ele é imputado a um terceiro abstrato, no qual o familiar não está implicado (Rios e Mattos, 2005RIOS, Ana; MATTOS, Hebe. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.; Weimer, 2015).

No caso da fala de Lúcia, essa evitação chegou ao ponto de situar sua avó apenas como testemunha do cativeiro, sobre o qual, porém, tinha histórias tristes para contar. Não era reconhecida como escrava. Seu relato é uma variante da forma mais usual de negar os sofrimentos mais agudos aos entes queridos: em lugar de atribuí-los a outros escravos, vai-se além e isenta-se a ancestral da condição cativa. Antes disso, todavia, essa senhora deixou escapar um “ela sofreu muito”, ato falho que incluiu Maria Tereza em sua narrativa.

Rodrigo: E… ela contava história dos escravos?

Lúcia: Ela contava. Que sofreu muito!

Rodrigo: Que é que ela contava?

{…} Lúcia: Que… que vinham, eles matavam, davam laço nos escravos, eles faziam eles trabalhar um horror, pegar peso, pegar, ah e sair assim, não tinha hora, isso ela falava muito, tinham que tá se escondendo pra eles não ver, mas também só neles olhar assim, eles já vinham assim com tudo pra dar neles. {…} Eles eram ruins, os escravos, assim, sofriam na mão do pessoal.

Rodrigo: Mas ela não, não foi escrava?

Lúcia: Não, não foi.22 22 Entrevista com a senhora Lúcia Marques Ramos Alencar (nome fictício), em 12 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 64 anos na ocasião (grifo nosso).

Na maior parte dos relatos dos netos, não há somente o estabelecimento de um contraste entre sua família e esses escravos-outros, mas também entre a situação da avó e a da bisavó. Se a última foi a escrava por excelência, Maria Tereza teria vivenciado o período final do regime escravista (como relata Maria Aparecida).23 23 Entrevista com a senhora Maria Aparecida Pereira (nome fictício), em 29 de setembro de 2014, em Osório, 60 anos na ocasião. Irene afirmou que “ela nasceu no tempo da Lei Áurea, quando a princesa Isabel libertou os escravos”.24 24 Entrevista com a senhora Irene José Ramos de Andrade (nome fictício), em 9 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 59 anos na ocasião. Em diversos relatos, ela já aparece como livre, mas sujeita ao domínio senhorial. Nuanças assim estão presentes na fala de diversos primos.25 25 Entrevista com a senhora Luiza Silvério Francisco (nome fictício), em 22 de dezembro de 2014, em Porto Alegre, 79 anos na ocasião; entrevista com o senhor Antônio Pereira (nome fictício), em 30 de setembro de 2014, em Santo Antônio da Patrulha, aproximadamente 79 anos na ocasião; entrevista com Cecília José Ramos (nome fictício), em 14 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 57 anos na ocasião; entrevista com a senhora Margarida José Ramos (nome fictício), em 20 de outubro de 2014, em Noiva do Mar, 64 anos na ocasião. A bisavó Tereza é lembrada como indubitavelmente escrava, e há certa indecisão quanto à condição da avó. As falas contemplam espaços de indefinições, explicados de diversas formas pelos descendentes.

Configura-se, no mapa da memória, uma bisavó-Tereza-escrava e uma avó-Maria-Tereza-limítrofe-entre-cativeiro-e-liberdade. Há, assim, uma circunstância distinta daquela encontrada por Hebe Mattos entre os quilombolas de São José da Serra, em que há uma delimitação geracional mais precisa entre cativeiro e ventre livre (Mattos, 2005MATTOS, Hebe. Novos quilombos: re-significações da memória do cativeiro entre descendentes da última geração de escravos. In: RIOS, Ana; MATTOS, Hebe. Memórias do cativeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2005. p. 255-301.). No caso assinalado, as fronteiras entre escravidão e liberdade existem, mas se embaçam em algum momento do passado, quer por se tratar de uma geração mais nova, menos ciente das narrativas tradicionais, quer porque o próprio relato de Maria Tereza dá margem a ambiguidades.

Fundindo em um só tempo mítico “Ventre livre” e “Forraria”, a narrativa da rainha, se relatada aos netos em moldes similares aos que contou para Corrêa, contribuiu para essa percepção da infância da rainha estar nas fronteiras entre escravidão e liberdade. “Quando a princesa Isabel decorô a Forraria, os que nascesse daquele tempo em diante era forro. Eu, naquele tempo, quando nasci, foi no tempo do Ventre Livre”,26 26 Corrêa, Norton. Tia Maria Tereza festejou aniversário rememorando momentos de seu passado. Correio do Povo, 8 fev. 1980 (grifos nossos). dizia ela. A indefinição temporal é característica do “pensamento mítico”, como apropriadamente destacou Finley (1989FINLEY, Moses. Mito, memória e história. In: FINLEY, Moses. Uso e abuso da história. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 3-27., p. 7). Não se trata de proceder a datações precisas, mas de articular escalas de temporalidades genéricas, mais do que cronologias: dizem respeito a um passado distante “fundamentalmente atemporal” - mas ao qual, veremos, a dinâmica das narrativas imprime historicidade.

Os estudos históricos têm demonstrado que, de fato, as fronteiras entre liberdade e cativeiro eram opacas e difusas na segunda metade do século XIX. Com a desagregação do sistema escravista, existia uma miríade de situações sociais que não se enquadravam exatamente nos estatutos jurídicos de “escravo”, “forro” ou “livre”. Pelo contrário, essas condições encontravam-se em permanentes negociação e disputa. Casos como os dos cativos aportados ilegalmente depois de 1831 e administrados pelo Estado, denominados “africanos livres” (Mamigonian, 2005CAVIGNAC, Julie Antoinette. Mito e memória na construção de uma identidade local. Revista Organon, v. 21, n. 42, p. 95-111, 2007.); o crescente número de alforrias e as disputas judiciais pelo reconhecimento da liberdade (Chalhoub, 1990CAVIGNAC, Julie Antoinette. Mito e memória na construção de uma identidade local. Revista Organon, v. 21, n. 42, p. 95-111, 2007.; Grinberg, 1994GRINBERG, Keila. Liberata - a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.); novas situações sociais estabelecidas a partir da legislação antiescravista (Mendonça, 1999MENDONÇA, Joseli. Entre a mão e os anéis: a Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas: Unicamp , 1999.); ou, ainda, o ambíguo estatuto das crianças nascidas de ventre livre em senzalas e outros espaços sociais escravistas (conferir bibliografia arrolada na nota 3) são apenas alguns exemplos. A crença em estágios liminares entre escravidão e liberdade não está, portanto, desprovida de sustentação histórica - ainda que dela não careça. “Em suma, havia condições intermediárias entre a escravidão e a liberdade que, ao mesmo tempo que matizam a visão tradicional de uma sociedade rigidamente dividida em senhores e escravos, sugerem o tanto de precariedade inerente à condição desses dependentes” (Chalhoub, 2003ALBERTI, Verena. O que documenta a fonte oral: a ação da memória. In: ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 33-43., p. 56).

A precariedade dessa liberdade, ao menos como retratada na memória dos netos, só teria sido ultrapassada com seu casamento e consolidada na geração dos filhos de Maria. No relato da velha rainha, está sugerida a continuidade de laços de dependência. Segundo João Silvério, ela permaneceu no Morro Alto junto com os antigos senhores até casar-se. Também foi visto que, de acordo com Maria Aparecida, teria se recusado a dar seus filhos em criação depois de ficar viúva. Essa providência foi lida como garantia de liberdade para o porvir.

Eis o porquê de a liminaridade entre cativeiro e liberdade atribuída pela memória a Maria Tereza ser superada na geração dos pais dos narradores: em decorrência de méritos e esforços da avó, que “passou trabalho”.27 27 Daisy Barcellos (1996) ressalta o sentimento de dívida dos familiares em relação às mulheres negras, que, com sua “força moral”, se empenham para a ascensão social da coletividade. Ela é percebida, entre os netos, como alguém que completou a transição cativeiro-liberdade, por ter impedido, por toda sorte de sacrifícios, que seus rebentos padecessem da situação de subordinação e sofrimento de sua infância.28 28 Ver-se-á adiante que essa percepção de padecimento é mais destacada nos relatos dos netos do que no da própria rainha.

A brasa e o palheiro: ventres libertos, domínio senhorial

Ao contrário de Lúcia, que, conforme visto, procurou poupar a memória familiar ao situar sua avó do lado externo da fronteira do cativeiro, dois irmãos (Cecília e Sebastião) e uma prima (Maria Aparecida) tinham relatos mais precisos de sofrimentos impostos pelo arbítrio senhorial. É claro que no passar de gerações a narrativa transformou-se, quer em suas ênfases, quer nos elementos que a compõem. O relato de Maria Tereza, como não podia ser diferente, é distinto daquele de sua descendência. Estou em busca dos sentidos de diversas narrativas, em uma perspectiva interpretativa, fugindo à crítica dirigida por Leach (1996LEACH, Edmund Ronald. Sistemas políticos da Alta Birmânia. São Paulo: Edusp, 1996., p. 310) ao esforço pela eliminação da incoerência das narrativas mitológicas em nome da reconstituição de um único conjunto de fatos históricos:

Sebastião: Ele fazia aqueles, aqueles cigarros deles de, de palha, né, então na hora de pegar, então ele pedia o fogo pra ela, mas ela disse assim que ele era muito safado, então… e a minha vó também era safada, então em vez de pegar o tição de fogo ela pegava, então a brasa na mão, então ele dizia, ah, minha filha, deixa eu fazer outro cigarrinho, e ela começava, dum lado pra outro, na mão com aquela brasa pra ela se machucar, né? Então ele dizia assim, não, não, espere aí que eu tou fazendo, né?29 29 Entrevista com seu Sebastião José Ramos (nome fictício), em 11 de outubro de 2013, em Osório, 64 anos na ocasião.

Cecília: Que a avó, nessa época, minha avó, ela era pequenininha, naquele tempo, o que, ela teria, eu acho, uns 6 pra 7 anos, que até ela contava que o senhor chegava e dizia pra ela assim oh, oh, vai lá nega, pega uma brasa lá pra mim acender meu… meu… meu… não era cigarro, era aqueles palheiros, aquela coisa, né, aí diz que ele ficava sentado e a vó ia lá e pegava uma brasa, no fogo lá, sabe, e botava na mão e começava com a brasa, pra lá e pra cá, passava pra cá, passava pra cá, e ele ficava olhando, sabe, pra ver queimar as mãos do negro. {…} E ela, pra não apanhar, ela fazia aquilo ali, até que ele via que ela já tava se queimando, daí ele mandava ela ficar com a mão parada para ele poder acender o cigarro.30 30 Entrevista com Cecília José Ramos (nome fictício), em 14 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 57 anos na ocasião.

Maria Aparecida: Não, que ela contava assim, né. Que ela, ela tava o senhor sentado na… E dizia pra ela assim, ô Tereza. Né, falava o nome dela Tereza, né. E pedia pra ela “traz o fogo”. E ela já sabia que o fogo que tinha que trazer, ela olhava pra ele, e ele tava com charuto. Com cigarro, né. Charuto que fazia palheiro, né. E aí ela olhava pra ele e via que ele já tava com o palheiro pra acender. E ela pegava, corria, pegava a colher, corria pro fogão, esses fogões de comprido {?}, quase se queimava, e botava na colher e levava pra ele. E ele acendia aquilo ali, e é assim que ela fazia. Isso aí era… Era uma história que ela permanentemente… Pros netos, ela sempre falava, então tinha uma tia que fumava, quando ela, minha tia acendia o cigarro, ela dizia. Vamo lá no fogão, pega a colher, acende pra Ninica. Ela chamava, a tia nós chamávamos de Ninica. {…} Acende pra Ninica. Não, nós vamos nos queimar, vó. E ela dizia, pois é, a vó fazia isso e não tinha nada de se queimar. Tinha que fazer. E era assim.31 31 Entrevista com Maria Aparecida Pereira (nome fictício), em 29 de setembro de 2014, em Osório, 60 anos na ocasião.

Existem divergências entre o relato de Maria Tereza e os de seus netos. No excerto apresentado ao início do artigo, a rainha relatava que “um dia” trouxe (pretérito perfeito) a brasa para responder a uma demanda que “às vezes” era ordenada pelo “nhonhô”. Na narrativa dos netos, a prática torna-se sistemática (pelo uso do pretérito imperfeito, apontando para ação continuada no passado), associada a um exercício de crueldade. Essa transformação tem a ver com uma apreciação crítica do cativeiro realizada retrospectivamente, distinta da percepção de alguém que o viveu e narrou com maior familiaridade. Maria Tereza padeceu das rebarbas do cativeiro, que, ainda que sofridas, eram parte de sua vivência.

Um olhar externo, em tempos de movimento negro mobilizado, de ações afirmativas, permitiu a Sebastião, Maria Aparecida e Cecília, mesmo não sendo ativistas, observar com grande crítica aquilo que para a rainha fazia parte de seu repertório de vivências. Os filhos de Maria Tereza espalharam-se por diversas cidades, como Porto Alegre, Osório ou Santo Antônio da Patrulha. Os netos foram socializados em meio urbano e tiveram acesso à escolarização. Nenhum deles logrou atingir o ensino superior, mas muitos bisnetos, sim. Isso ensejou uma sensibilidade histórica distinta, com parâmetros críticos apurados em relação ao passado escravista. Implicou versões distintas do mesmo fato, cujas principais características são resumidas no quadro a seguir.

Por mais que a ideia de uma criança segurando uma brasa para que um adulto prepare um cigarro choque sensibilidades contemporâneas (sobretudo de seus netos), no relato da rainha o episódio tem caráter anedótico. A submissão a ela imposta não é denunciada como maldade. É impossível saber até que ponto havia aceitação daquela autoridade. Há estudos que demonstram que a “inviolabilidade da vontade senhorial” é apenas uma autodescrição do paternalismo, manipulada por escravos e dependentes. Estes últimos, por meio da astúcia, procuravam manejar a ideologia senhorial para induzir comportamentos que lhes possibilitassem atingir objetivos específicos (Chalhoub, 2003CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.).

Os elementos trazidos pelo registro de Corrêa permitem uma análise de tal desprendimento de parte de Maria Tereza. Em nenhum momento do relato ela parece colocar em questão a legitimidade do exercício do poder do “nhonhô”. Socializada em um ambiente legatário de práticas escravistas, talvez Maria Tereza as reconhecesse: fosse por internalização de normas escravocratas, fosse por querer destacar que era “ladinha” {ladina32 32 Dizia-se do escravo africano que já havia aprendido a língua portuguesa e o manejo dos códigos da sociedade escravista. No contexto local, até hoje, entre os moradores da região, “ladino” é uma grande virtude, associada a “esperteza”, “malandragem”. }, algo de que muito se orgulhava em seu relato. Fazer-se ladina poderia ser, enfim, uma forma de manipular a seu favor a lógica senhorial. Esse aspecto deve ter ajudado a “dar um jeito” de flexibilizar as normas às quais estava sujeita. É o caso de ter atinado com pegar a colher para carregar a brasa, possivelmente uma metáfora para relações de negociação mais amplas. Em sua fala há, ainda, o fato de o senhor querer “pegá-la para seu comando”, que é apresentado como uma exaltação do fato de ser “ativa”.

Essa perspectiva está presente na fala de Sebastião, que observou que a avó era “safada” e “nasceu esperta”. No trecho “em vez de pegar o tição de fogo ela pegava…”, acredito que ele fosse contar que a menina utilizara uma colher para poupar a mão da queimadura, o que lhe fez concluir pela esperteza da avó, em termos similares ao “ladinha”, como ela apresentou-se ao fim da vida. É provável, uma vez que nenhum outro elemento narrativo poderia levá-lo a concluir por sua “safadeza”. No entanto, o fio da narrativa foi interrompido pela afirmação de que a brasa foi pega na mão.

A figura da colher aparece no relato da rainha Maria Tereza e no depoimento de Maria Aparecida. Todavia, há simbolismos opostos nos relatos. Para a primeira, a colher representou alívio, atingido por meio da inteligência. Na fala de Maria Aparecida, porém, a brasa não é pega com a mão. O uso da colher, por si só, é associado ao sofrimento, por expor uma criança pequena aos calores do forno.

Mesmo que se saiba do caráter ideológico da pretensão de onipotência da vontade senhorial, os relatos convergem para esse aspecto. Para Maria Tereza, o senhor “mandava”; para Sebastião e Maria Aparecida, “pedia” (mas os contextos semânticos sugerem que os pedidos não admitiam negações); para Cecília, “dizia”, mas ela deveria fazê-lo para “não apanhar”. Nesse jogo de semelhanças e diferenças entre as gerações, faz-se o recordar. O caráter mítico permeia significados de liberdade e cativeiro que seguem presentes e operam identidades e sensos de pertencimento. O “quem nós somos” dos entrevistados passa pelas desventuras de sua avó segurando brasas, e pela conquista da liberdade operada por ela.

Conclusão

Lévi-Strauss reconhece que fatos e gestos dos antepassados podem configurar “grandes mitos”. Nesse sentido, a história mítica é uma narrativa ancestral (Lévi-Strauss, 1970LÉVI-STRAUSS, Claude. A estrutura dos mitos. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. p. 237-265., p. 275 e 278). Assim, pode-se reconhecer em Maria Tereza uma heroína familiar, por ter percorrido o itinerário que levava da submissão à liberdade - e em alto estilo, conquistando a coroa do maçambique! A descendência a quem legou essa condição a refere com as honras devidas à situação que instituiu. Em sua heroicização, talvez, seja possível encontrar o sentido mais visceral do caráter mítico por ela tomado.

Há nos relatos, aparentemente, uma dimensão mítica/estrutural: o relato da rainha comporta e impõe sentidos de escravidão e liberdade que operam no presente. No entanto, os processos de enunciação lhe conferem dinâmica e historicidade, no sentido de Sahlins. Ao relatarem as narrativas a partir de novos lugares de fala, os netos de Maria Tereza configuram uma “história da memória” mais complexa do que a análise estrutural; mais cheia de nuanças e variações. Todavia, há uma dimensão “mítica” que se preserva.

Afora as variações que o “pensamento mítico” assume, a persistência da autoridade senhorial acompanha os diversos relatos, quer ligada ao orgulho de ser “ladina”, quer em tom de denúncia. Seja percebida como expressão da sujeição identificada com a condição cativa, seja admitida como uma permanência posterior ao fim da escravidão, repetir a história da brasa é uma maneira pela qual falam dos laços de dominação, marcantes na memória, por maiores que tenham sido os espaços de autonomia batalhados e conquistados.

Ainda que nenhum dos netos entrevistados esteja engajado na mencionada luta pela titulação de Morro Alto como comunidade remanescente de quilombos, eles percebem-se como sujeitos de direito na querela. Ademais, todos eles vivem em um momento em que, por meio das ações afirmativas, dos avanços na luta contra a discriminação racial e da valorização da história africana e afro-brasileira, existe uma positivação de “ser negro”. A própria presença de pesquisadores indagando acerca do tema indica e fomenta esse interesse.

As divergências entre a recordação de Maria Tereza e os relatos “de segunda mão” de seus netos não são aqui ressaltadas para colocar em dúvida a viabilidade de utilização de relatos dessa natureza em pesquisas. Pelo contrário, falas relativas a gerações antecedentes são de fundamental importância, sobretudo em casos como este, em que são escassas e valiosas as referências sobre a personagem estudada.33 33 Tudo que se sabe sobre sua viuvez, por exemplo, é por meio do relato de Maria Aparecida. Todavia, cabe situar os relatos em termos de seus momentos e espaços de enunciação.

Há regularidades que ultrapassam a situação das falas, pelo que tendo a situar os relatos em um registro mítico. A avó é alçada à condição de símbolo de ancestralidade. Por sua idade avançada, pela alegada condição escrava ou de ventre livre, ela entrelaça vínculos com as raízes de “ser negro”. Sua condição ancestral lhe teria valido o prestígio, também, na sociedade osoriense. Conforme Joaquina: “a minha vó foi a centenária de Osório. Ela é a centenária”.34 34 Entrevista com a senhora Joaquina José Ramos (nome fictício), em 8 de outubro de 2014, em São Leopoldo, 70 anos na ocasião.

Maria Tereza é representativa do “tempo dos antigos”. A liminaridade entre liberdade e escravidão que a memória familiar lhe confere diz respeito a uma situação na qual é impossível desvinculá-la do cativeiro - porque não se consegue esquecê-lo, em virtude das profundas cicatrizes deixadas sobre sua condição existencial - e em que não cabe identificá-la plenamente - porque não se deseja lembrá-lo, em virtude da pesada carga de negatividade, crueldade e sofrimento associada (Gilroy, 2001GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes/Centro de Estudos Afro-asiáticos, 2001., p. 413).

Há gratidão pelo legado da conquista da liberdade ao ter atingido a avó a idade adulta. Ela não pode ser esquecida e se cristaliza na narrativa mítica. Dessa maneira, a família é legatária da transição operada por Maria Tereza. A descendência viu-se livre desde o princípio e não precisou passar pelo mesmo trabalho enfrentado pela avó, mulher batalhadora. A liberdade era uma aquisição da rainha para seus filhos e, por vias indiretas, para seus netos. Nisso há reverência à ancestral-heroína e sentimento de dívida.

Por outro lado, em tempos de afirmação da negritude e de mobilização política em termos étnico-raciais, as narrativas contadas acentuam o caráter de sofrimento e a dimensão compulsória do apelo a acender o cigarro utilizando uma brasa. O poderio de nhonhô não é aceito como normal. Tampouco há ênfase na dimensão ladina, tão sublinhada por Maria Tereza. Percebem-se revolta e indignação. O significado residente no âmago da narrativa pode encontrar regularidades míticas, operar em sentidos comuns, permanecer o mesmo no que toca a percepções de cativeiro e liberdade. Ele também é, contudo, ressignificado, em uma “reavaliação funcional”, uma vez que “quanto mais é a mesma coisa, mais ela muda” (Pouillon apud Sahlins, 1990, p. 50). Novos tempos, novas leituras de narrativas míticas.

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  • WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Tia Maria Tereza, os fantasmas e o pote de ouro: estruturas e reavaliações funcionais de narrativas míticas sobre a escravidão entre descendentes de cativos. Osório, século XX. Cadernos do LEPAARQ, v. 11, n. 12, p. 380-392, 2014a. Disponível em: <Disponível em: http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/lepaarq/issue/view/324/showToc >. Acesso em: 26 dez. 2014.
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  • WEIMER, Rodrigo de Azevedo. O ouro dos escravos: metáforas de expropriação de territórios negros no litoral norte do Rio Grande do Sul. In: XII ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH-RS. Anais… São Leopoldo/RS: Anpuh/Unisinos, 2014b. Disponível em: <Disponível em: http://www.eeh2014.anpuh-rs.org.br/resources/anais/30/1403793809_ARQUIVO_Oourodosescravos_artigo_Rodrigo_Weimer.pdf >. Acesso em: 26 dez. 2014.
    » http://www.eeh2014.anpuh-rs.org.br/resources/anais/30/1403793809_ARQUIVO_Oourodosescravos_artigo_Rodrigo_Weimer.pdf
  • ZERO, Arethuza. O preço da liberdade: caminhos da infância tutelada - Rio Claro (1871-1888). Dissertação (Mestrado em História), Universidade de Campinas, Campinas, 2004.
  • 2
    Corrêa, Norton. Tia Maria Tereza festejou aniversário rememorando momentos de seu passado. Correio do Povo, 8 fev. 1980. Mantive a grafia original, respeitando a intenção de Corrêa, me poupando da indicação {sic} a cada palavra “errada”, ao contrário das citações de entrevistas, em que procurei uniformizar conforme a língua portuguesa-padrão (exceto na conjugação do pronome “tu”, tal como empregada pelos gaúchos). Nas entrevistas foram mantidos os nomes de pessoas já falecidas. Para preservar a privacidade dos demais, foram atribuídos nomes fictícios.
  • 3
    Existe farta bibliografia acerca da Lei do Ventre Livre, mas ela não será abordada aqui, dado que o foco do artigo é o “pensamento mítico” que cerca a memória da rainha Maria Tereza, mais do que propriamente a realidade de sua infância de ventre livre em si. Para diferentes leituras sobre infâncias de ventre livre, ver Conrad (1975), Mattoso (1988), Abreu (1997), Alaniz (1997), Pena (2001), Papali (2003), Zero (2004), Geremias (2005) e Teixeira (2007).
  • 4
    A Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, prevê a propriedade de terras ocupadas pelos “remanescentes das comunidades de quilombos”. Morro Alto já obteve o reconhecimento dessa condição e atualmente luta pela titularização de suas terras.
  • 5
    Segundo algumas narrativas míticas, a origem do maçambique ocorreu ainda no período escravista, pela intervenção de Nossa Senhora do Rosário para a salvação de um escravo condenado à morte (Fernandes, 2004; Bittencourt Jr., 2006).
  • 6
    Entrevista com Conceição Lima (nome fictício), em 7 de outubro de 2013, em Osório, 52 anos na ocasião.
  • 7
    Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Centro de História da Família. Microfilme 1391101, Item 4, Livro 2 de batismos de escravos de Conceição do Arroio, f. 60v. Microfilme 1391100, Item 5, Livro 14 de batismos de Conceição do Arroio, f. 85v.
  • 8
    Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Centro de História da Família. Microfilme 1391101, Item 6, Livro de batismos de libertos de Conceição do Arroio, f. 48, nascimento em 29 de janeiro de 1877.
  • 9
    Fotografia do documento constante do acervo do antropólogo Norton Corrêa, gentilmente cedida pela Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Osório.
  • 10
    Entrevista com Maria Aparecida Pereira (nome fictício), em 29 de setembro de 2014, em Osório, 60 anos na ocasião.
  • 11
    “Passar trabalho”, na linguagem local, expressa as dificuldades enfrentadas para a sobrevivência.
  • 12
    Entrevista com Elpídio Joaquim (nome fictício) por Miriam de Fátima Chagas, Mariana Balen Fernandes e Cíntia Beatriz Müller, em 22 de fevereiro de 2002, em Osório; entrevista com Francisco Joaquim Elpídio (nome fictício), em 10 de outubro de 2013, em Osório, 93 anos na ocasião. Analisei esse episódio, de natureza evidentemente mítica, em trabalhos anteriores (Weimer, 2014a, 2014b).
  • 13
    Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Cartório de Órfãos e Ausentes — Viamão, estante 24 e/c, caixa 030.0125, auto n. 108, inventário de Rosa Osório Marques, ano 1888.
  • 14
    Fórum de Osório, contestação ao Processo de Usucapião no 175/1966.
  • 15
    O mesmo pode ser dito das biografias de Ricardo Coração de Leão e Leonor de Aquitânia escritas por Jean Flori (1999, 2005).
  • 16
    Entrevista com o senhor Luís Antônio Ramos (nome fictício), em 26 de dezembro de 2013, em Osório, 67 anos na ocasião.
  • 17
    “Ingênuo” é uma categoria sociojurídica emprestada ao direito romano, que ressalta aqueles livres de nascença e que jamais foram reduzidos à escravidão. No contexto das décadas finais do século XIX no Brasil, diz respeito a filhos de escravas nascidos livres.
  • 18
    Entrevista com seu Sebastião José Ramos (nome fictício), em 11 de outubro de 2013, em Osório, 64 anos na ocasião.
  • 19
    Entrevista com o senhor João Silvério Campos (nome fictício), em 20 de dezembro de 2013, em Porto Alegre, 72 anos na ocasião (grifos nossos).
  • 20
    Entrevista com o senhor Cláudio José Ramos (nome fictício), em 28 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 52 anos na ocasião.
  • 21
    Entrevista com a senhora Joaquina José Ramos (nome fictício), em 8 de outubro de 2014, em São Leopoldo, 70 anos na ocasião.
  • 22
    Entrevista com a senhora Lúcia Marques Ramos Alencar (nome fictício), em 12 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 64 anos na ocasião (grifo nosso).
  • 23
    Entrevista com a senhora Maria Aparecida Pereira (nome fictício), em 29 de setembro de 2014, em Osório, 60 anos na ocasião.
  • 24
    Entrevista com a senhora Irene José Ramos de Andrade (nome fictício), em 9 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 59 anos na ocasião.
  • 25
    Entrevista com a senhora Luiza Silvério Francisco (nome fictício), em 22 de dezembro de 2014, em Porto Alegre, 79 anos na ocasião; entrevista com o senhor Antônio Pereira (nome fictício), em 30 de setembro de 2014, em Santo Antônio da Patrulha, aproximadamente 79 anos na ocasião; entrevista com Cecília José Ramos (nome fictício), em 14 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 57 anos na ocasião; entrevista com a senhora Margarida José Ramos (nome fictício), em 20 de outubro de 2014, em Noiva do Mar, 64 anos na ocasião.
  • 26
    Corrêa, Norton. Tia Maria Tereza festejou aniversário rememorando momentos de seu passado. Correio do Povo, 8 fev. 1980 (grifos nossos).
  • 27
    Daisy Barcellos (1996) ressalta o sentimento de dívida dos familiares em relação às mulheres negras, que, com sua “força moral”, se empenham para a ascensão social da coletividade.
  • 28
    Ver-se-á adiante que essa percepção de padecimento é mais destacada nos relatos dos netos do que no da própria rainha.
  • 29
    Entrevista com seu Sebastião José Ramos (nome fictício), em 11 de outubro de 2013, em Osório, 64 anos na ocasião.
  • 30
    Entrevista com Cecília José Ramos (nome fictício), em 14 de novembro de 2013, em Porto Alegre, 57 anos na ocasião.
  • 31
    Entrevista com Maria Aparecida Pereira (nome fictício), em 29 de setembro de 2014, em Osório, 60 anos na ocasião.
  • 32
    Dizia-se do escravo africano que já havia aprendido a língua portuguesa e o manejo dos códigos da sociedade escravista. No contexto local, até hoje, entre os moradores da região, “ladino” é uma grande virtude, associada a “esperteza”, “malandragem”.
  • 33
    Tudo que se sabe sobre sua viuvez, por exemplo, é por meio do relato de Maria Aparecida.
  • 34
    Entrevista com a senhora Joaquina José Ramos (nome fictício), em 8 de outubro de 2014, em São Leopoldo, 70 anos na ocasião.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2016
  • Aceito
    11 Maio 2016
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