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A pena de morte e a revolta dos escravos de Carrancas: a origem da“lei nefanda” (10 de junho de 1835)

The death penalty and the slave riot of Carrancas: the origin of “nefarious law” (June 10, 1835)

Resumo:

O objetivo deste artigo é situar a história do surgimento da lei de 10 de junho de 1835 e destacar o impacto causado pela revolta dos escravos de Carrancas em sua formulação, considerando o teor do projeto de lei enviado à Assembleia Geral no dia 10 de junho de 1833, que culminou em sua aprovação dois anos mais tarde. Pretende-se explorar, de forma mais aprofundada, alguns aspectos da insurreição, das memórias fragmentadas construídas por políticos e memorialistas ao longo do século XIX e do debate historiográfico, que reforçam as evidências de que a revolta de Carrancas esteve, de fato, associada à origem da referida lei.

Palavras-chave:
pena de morte; revolta escrava de Carrancas; lei de 10 de junho de 1835.

Abstract:

The aim of this article is to situate the history of the emergence of the law of June 10, 1835, and highlight the impact of Carrancas’ slave riot in its formulation, considering the bill’s content submitted to the Parliament on June 10, 1833, which culminated in its promulgation two years later. We intend to explore, in more depth, some aspects of the uprising and fragmented memories built by politicians and memoir writers, throughout the nineteenth century and of the historiographic debate, which provide further evidence that the Carrancas uprising was, in fact, associated with the origin of that law.

Keywords:
death penalty; slave riot of Carrancas; law of June 10, 1835.

No 13o dia de maio de 1833, por volta do meio-dia, a rotina de trabalho nas fazendas da família Junqueira, na região de Carrancas, foi brutal e imprevisivelmente quebrada. Ali ocorreu uma das revoltas escravas mais sangrentas da história do escravismo brasileiro. Naquela fatídica segunda-feira e nos dias que se seguiram, a tragédia que se abateu sobre os membros da família senhorial resultou na morte de nove de seus integrantes, com consequências não menos terríveis para os escravos insurgentes. Cinco deles foram mortos no confronto, incluindo o líder Ventura Mina. Dos 31 escravos indiciados e julgados, mais da metade (17) foi condenada à pena de morte, sendo 16 levados ao patíbulo e enforcados: 12, nos dias 3, 4 e 5 de dezembro de 1833, e os quatro últimos, no dia 23 de abril de 1834. Somente o escravo Antônio Resende teve a pena comutada em galés perpétua, pois serviu de carrasco de seus companheiros de infortúnio. Trata-se da maior condenação coletiva à pena de morte aplicada a escravos, e efetivamente aplicada, de que se tem notícia na história das insurreições escravas no Brasil. Qual a razão para uma punição tão severa e exemplar? Por que os escravos de Carrancas não conseguiram a comutação das penas pelo recurso à Petição de Graça ao Imperador, como no caso de outras insurreições semelhantes que ocorreram na mesma década? Qual seu impacto na formulação da Lei nº 4, de 10 de junho de 1835? Em que medida algumas das interpretações referentes a esse último aspecto podem ser problematizadas e ampliadas do ponto de vista analítico e empírico? Essas são algumas das questões a que tentarei responder ao longo do artigo.

1830: a década do medo

Como grande parte dos estudos historiográficos tem acentuado, a década de 1830 constituiu um período bastante particular da história do Brasil império, não só pelo número de sedições, rebeliões e revoltas escravas que assolaram o país recém-independente, mas também pelos vários projetos políticos em disputa, representados pelas facções e suas vertentes de liberalismo e republicanismo (Mattos, 1994MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. Rio de Janeiro: Access, 1994.; Morel, 2002MOREL, Marco _. O período das regências. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.). Estudos relativamente recentes romperam com as interpretações reducionistas que consideravam as Regências como um período “caótico e anárquico”, seguido de maior estabilidade no Segundo Reinado. Novas perspectivas e enquadramentos cronológicos foram propostos, destacando a conjuntura que antecede a década de 1830, a importância do período na formulação das bases do Estado nacional brasileiro, que contou com a participação de várias camadas sociais, com distintas apropriações dos significados da liberdade (Basile, 2004BASILE, Marcello Otávio Néri. O império em construção: projetos para o Brasil e ação política na Corte regencial. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.; Ribeiro, 2002RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Faperj, 2002.; Jancsó, 2003JANCSÓ, István. Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec/Unijuí/Fapesp, 2003.).

Os estudos relativos ao tráfico de cativos africanos e à escravidão também foram revistos e ampliados. O que poderia soar contraditório, a princípio, é que foi justamente na década de 1830, quando a instituição escravista teve suas bases questionadas, na medida em que o tráfico internacional de cativos foi considerado ilegal, mediante acordo assinado entre o Brasil e a Inglaterra, ratificado pela lei de 7 novembro de 1831, que as entradas anuais de africanos se intensificaram. A “lei para inglês ver”, como ficaria conhecida, teve um impacto inicial significativo na redução do tráfico nos primeiros cincos anos da década de 1830 (Mamigonian e Grinberg, 2007; Mamigonian, 2009; Parron, 2011PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão no império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2011.). Mas, no período posterior, assistiu-se a um aumento constante da entrada de escravos nos três principais portos brasileiros. A base de dados coordenada por David Eltis e Martin Halbert, resultado de um esforço coletivo de pesquisadores que mapearam a história das viagens do tráfico, confirma a intensificação e a dependência do Brasil no tráfico atlântico de cativos e na manutenção da escravidão nos trópicos. Considerando a primeira metade do século XIX até a extinção definitiva do tráfico em 1850, o porto do Rio de Janeiro foi responsável pelo desembarque de mais de 1 milhão de escravos, seguidos pelo da Bahia, com 400 mil, e pelo de Pernambuco, com 200 mil (Eltis et al., 2007CÓDIGO criminal do império do Brasil. Colleção das leis do império do Brasil. 1830. Parte Primeira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1876. p. 163. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/doimperio >. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www2.camara.gov.br/legislacao/pub...
).

Se os dados demográficos apontam para uma dependência cada vez maior do Brasil na reposição da mão de obra escrava pela via do tráfico internacional na primeira metade do século XIX, não foi por acaso que o principal destino de muitos africanos era o sudeste do império. As áreas ligadas ao abastecimento interno da Corte e, posteriormente, a cafeicultura em expansão foram responsáveis pela intensificação do tráfico e da escravidão. As estimativas demográficas internas confirmam que a província de Minas Gerais, entre 1825 e 1833, foi responsável pela absorção de quase metade (48%) dos cativos importados que chegaram ao Rio de Janeiro, superando as áreas exportadoras do vale do Paraíba e do Norte Fluminense, que, juntas, somaram 36% (Fragoso, 1998FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de grossa aventura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998., p. 177).

E foi justamente nesse contexto de intensificação do tráfico e de questionamento de sua legalidade, do aumento das entradas anuais de africanos e da ampliação da escravidão, que também se intensificou a rebeldia escrava (Grinberg et al., 2009GRINBERG, Keila; BORGES, Magno Fonseca; SALLES, Ricardo. Rebeliões escravas antes da extinção do tráfico. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil imperial. 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira ,2009. v. 1, p. 235-267.). Os discursos políticos, as correspondências entre as autoridades judiciárias, a documentação camarária e a imprensa periódica estão repletos de passagens que reforçam o fantasma do “haitinianismo” no Brasil e o temor de uma insurreição escrava de grandes proporções que escapasse ao controle das autoridades e dos agentes de repressão. Se muitos desses discursos beiravam a histeria e têm de ser compreendidos considerando o contexto em que foram formulados e os interesses e as disputas políticas de quem os proferiram, por outro lado não deixam de ser reveladores da tensão que marcou o período. Não foi por mero acaso que algumas áreas rurais e centros urbanos tornaram-se palco de revoltas escravas importantes (Carrancas, 1833LIVRO de assentos de óbitos da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Carrancas (1817-1879). Imagens 84 e 85. Disponível em: <Disponível em: https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:939N-GW9Z-61?i=83&wc=M5FX-928%3A370934801%2C369593702%2C371038301%3Fcc%3D2177275&cc=2177275 >. Acesso em: 30 nov. 2016.
https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:...
; Malês, 1835REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em 1835. Ed. rev. e amp São Paulo: Companhia das Letras, 2003.; Manuel Congo, 1838), que repercutiram nas instâncias políticas do império e atemorizaram as elites proprietárias(Andrade, 2014ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). Belo Horizonte: Fino Traço, 2014.; Reis, 2003REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em 1835. Ed. rev. e amp São Paulo: Companhia das Letras, 2003.; Gomes, 1995GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro - século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995.). Aquilo que poderia parecer um discurso exagerado e histérico da parte de publicistas, políticos e autoridades tornou-se realidade após a manifestação da rebeldia escrava e gerou medo entre a elite proprietária. A memória de algumas dessas revoltas, como a de Carrancas e a dos Malês, ecoou durante boa parte do século de XIX para justificar a manutenção da “lei nefanda”, como a definiram muitos de seus críticos no final do século XIX.

A impressionante história da revolta de Carrancas

O dia 16 de maio de 1833 deve ter sido marcado por grande consternação e pavor entre a população do curato de São Tomé das Letras, pois, naquela data, foram enterrados, no adro da capela, o que restou dos corpos de nove integrantes da família Junqueira.2 2 Livro de assentos de óbitos da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Carrancas (1817-1879). Imagens 84 e 85. Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, José Francisco Junqueira e sua mulher, Dona Antônia Maria de Jesus, Manoel José da Costa e sua mulher, Dona Emiliana Francisca Junqueira e seus dois filhos, José, de cinco anos de idade, e Maria, de dois meses, além de Dona Ana Cândida da Costa, viúva de Francisco José Junqueira, e Antônia, filha de Manoel Vilela, de quatro anos, foram todos brutalmente assassinados pelos escravos das fazendas Campo Alegre e Bela Cruz, sob a liderança de Ventura Mina, no dia 13 de maio de 1833, que quase extirparam um ramo da árvore genealógica da família Junqueira. Toda a descendência e aparentados de José Francisco, que residiam na fazenda Bela Cruz, foram mortos pelos escravos, com exceção dos filhos que já não mais viviam na casa paterna, entre eles Gabriel José Junqueira, que, juntamente com seu tio, o deputado Gabriel Francisco Junqueira, foi o autor da denúncia contra os escravos rebeldes e os incitadores da revolta.

A insurreição começou na fazenda Campo Alegre, de propriedade do deputado. Era por volta do meio-dia quando Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, filho de Gabriel Francisco Junqueira, conhecido entre os escravos como “senhor moço”, chegou à roça, montado em seu cavalo, para supervisionar o trabalho dos cativos. Essa deveria ser uma atividade rotineira, pois seu pai era deputado-geral pela província de Minas de Gerais desde 1831 e, naquele dia, estava na Corte, exercendo as atividades parlamentares. O filho Gabriel também exercia uma atividade de importância para os padrões da época, que correspondia à de um delegado de polícia. Era juiz de Paz do curato de São Tomé das Letras. O que ele não deve ter pressentido é que aquela rotina de supervisionar os escravos na ausência do pai seria fatal naquele 13 de maio. Sem poder oferecer reação alguma, foi violentamente derrubado de seu animal e morto a pauladas e foiçadas pelos escravos Ventura Mina, Domingos Crioulo e Julião Congo. Domingos o tirou do cavalo, sendo Julião Congo “que se seguiu logo nas pancadas ao preto Ventura”.3 3 Escritório Técnico do Iphan. Seção São João del-Rei (Iphan-SJDR). Interrogatório do réu Julião Congo, fl. 127. Àquela altura, era possível imaginar a dramaticidade da cena, o “senhor moço” estirado e morto no chão, com grande efusão de sangue em virtude das pauladas e foiçadas que levara na cabeça; mas o pior estava por vir. Não se sabe quantos escravos estavam na roça naquele instante. Mas tudo indica que nem todos estavam predispostos a participar do levante, pois “o cavalo fugiu [e] um moleque fiel o cavalgou”,4 4 Ibidem. Correspondência enviada pelo juiz de paz de Baependi, Antônio Gomes Nogueira Francisco, ao relatar ao presidente da província, Manoel Ignácio de Melo e Souza, os acontecimentos de Campo Alegre e Bela Cruz. Anexa ao processo, fl. 14. correu para a casa de seu senhor e avisou os familiares do deputado sobre o que ocorrera na roça.5 5 O deputado possuía grande escravaria. Em 1839, a fazenda Campo Alegre foi recenseada e contava com 103 escravos. Provavelmente, esse número não diferia muito em 1833 (Listas nominativas de São Tomé das Letras, 1839). Acompanhado de um grupo de sete escravos, Ventura Mina e os demais insurgentes ainda tentaram atacar a sede da fazenda. Só não o fizeram porque constataram que a entrada estava guarnecida por dois cavaleiros. Ao que tudo indica, o moleque Francisco conseguira chegar a tempo de avisar os familiares para se preparem, caso ocorresse um ataque dos insurretos à sede da fazenda Campo Alegre. Diante disso, Ventura Mina e os demais escravos marcharam em direção à fazenda Bela Cruz.

Primeiramente, foram à roça, se encontraram com Joaquim Mina e relataram o que ocorrera em Campo Alegre. A partir daquele momento, o grupo se tornou bem maior, constituído de 30 a 35 escravos, partiu para a sede da Bela Cruz e a atacaram, matando todos os brancos que ali residiam, com extrema violência, sem perdoar inclusive três crianças, sendo uma delas recém-nascida, de poucos meses de idade. Os relatos dos insurgentes, presentes em seus interrogatórios, das testemunhas, do libelo acusatório e do auto de corpo de delito indireto confirmam as atrocidades e como foram executadas as mortes dos membros da família Junqueira.

Ao chegarem à sede da fazenda, Ventura Mina, Joaquim Mina e os demais escravos a atacaram de surpresa. Não houve tempo para que os que ali residiam esboçassem qualquer tipo de resistência. José Francisco Junqueira, antes de se trancafiar em um quarto da casa juntamente com sua mulher e filha, levou “duas bordoadas” de Manoel das Vacas.6 6 Escritório Técnico do Iphan. Seção São João del-Rei (Iphan-SJDR). Interrogatório de Manoel das Vacas, fl. 143. Logo depois, Antônio Retireiro buscou um machado e o entregou a Manoel das Vacas, que começou a arrombar a porta do quarto. Enquanto isso, Antônio foi à senzala “buscar uma pistola, com a qual deu um tiro no terreiro”. E, “estando dentro do quarto, dera com o cabo do machado [várias] vezes em sua senhora”.7 7 Ibidem. Interrogatório do réu Antônio Retireiro, fl. 143. O escravo Pedro Congo também deu uma bordoada em sua senhora, “deixando-a logo porque ela lhe havia pedido que não a matasse”.8 8 Ibidem. Interrogatório de Pedro Congo, fl. 145. José Francisco e seus familiares imploraram por clemência por parte dos escravos, mas estes estavam determinados a matá-los. Depois de ainda sofrer muitas bordoadas e foiçadas, José Francisco acabou de ser morto com um tiro na face, dado por Antônio Retireiro.

Dona Ana, viúva do irmão de José Francisco, tentou escapar e correu para a horta, mas sem sucesso. Capturada pelos escravos Sebastião, Pedro Congo, Manoel Joaquim e Bernardo, foi morta a golpes de foice e cacetadas. Os mesmos escravos mataram o netinho de José Francisco. O menino José foi morto com o auxílio do crioulo André (filho de Ventura Mina), e a menina Antônia, filha de Manoel Vilela, com o auxílio de Manoel das Caldas. A netinha Maria, de poucos meses de idade, “criança de peito […], foi morta pelo crioulo Quintiliano, que a mandou lançar, pelo Eusébio, no cubo do moinho”.9 9 Ibidem. Libelo acusatório, fl. 118. O genro, Manoel José da Costa, estava em Campo Alegre quando foram mortos seus dois filhos, sua esposa, seus sogros e mais dois moradores da Bela Cruz. No início da noite, recebeu aviso de que os insurgentes haviam partido para outra fazenda. O que não sabia é que se tratava de uma emboscada, pois um pequeno grupo ali permanecera para assassiná-lo. “Chegando à porteira, aí foi morto por José Campeiro, José Munhumbe e outros.”10 10 Ibidem, fl. 119.

As marcas da crueldade e da tragédia ficaram estampadas no quarto onde foram assassinados José Francisco Junqueira, sua mulher e filha, e no terreiro, onde foi morto o restante da família. Os relatos das testemunhas que estiveram na fazenda Bela Cruz, algum tempo depois de debelada a insurreição são impressionantes. Segundo Antônio Cintra, homem branco, 34 anos e que vivia da lavoura, “o terreiro da fazenda […] apresentava sinais de sangue derramado em várias partes”. Já Antônio Moreira da Silva, homem pardo, 42 anos, sapateiro, casado e morador na aplicação do Favacho, foi mais minucioso em sua descrição. Apresentou detalhes terríveis de como estavam as dependências da fazenda e o que provavelmente aconteceu com os corpos antes de serem recolhidos para o sepultamento. Quando chegou ao local, entrou no quarto e

[…] viu que estava todo ele ensanguentado, ainda mesmo pelas paredes onde se percebiam golpes de machado e foices e restos de miolos que tinham espirrado além de muitos sinais de pedradas nas paredes, tendo ficado os corpos estendidos nos mesmos lugares em que foram assassinados, expostos a serem estrangulados pelos cães e porcos, como se sucedeu a alguns deles, sem que houvesse um escravo que se lembrasse de os recolher, o que bem demonstra [serem] todos eles infiéis aos seus senhores [e que] entraram naquela insurreição.11 11 Ibidem. Depoimento da testemunha Antônio Moreira da Silva, fl. 27. (grifo meu)

É bem provável que o relato de Antônio Silva tenha bastante proximidade com o ocorrido, pois os corpos só foram recolhidos dois dias depois. Isso talvez se explique pelo fato de os proprietários e a guarda nacional estarem envolvidos primeiramente com a repressão aos insurgentes. E como em todas as fazendas da família havia uma grande criação de suínos e, provavelmente, andassem soltos pelo terreiro, além dos cães de raça para a realização de caçadas, não é de duvidar que alguns corpos possam ter sido alvo de cães e porcos (Andrade, 2014ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). Belo Horizonte: Fino Traço, 2014., p. 172-199). Por outro lado, o terror causado pela forma com que foram praticadas as mortes fez com que o depoente considerasse todos os escravos desumanos e infiéis, pois nem se lembraram de recolher os corpos.

No interrogatório dos réus, há vários depoimentos de cativos que demonstram que nem todos estavam predispostos a se insurgirem e a matarem seus senhores. Alguns disseram que participaram por medo e porque foram ameaçados por Ventura Mina, inclusive de serem degolados pelo líder. Outros disseram que fugiram no momento do confronto ou não participaram das mortes porque desfrutavam de uma relação de maior proximidade com seus senhores. Possivelmente, culpar Ventura Mina, já morto, tanto pela liderança quanto por incitar e intimidar o restante dos escravos à insurreição poderia se configurar como uma boa estratégia de defesa para alguns escravos. Mas alguns não tiveram como negar e confessaram a participação nas mortes. Joaquim Mina, por exemplo, acusado de planejar a insurreição junto com Ventura Mina, apesar de ter dito que não matara seu senhor e a sua família, porque “lhe batera o coração”,12 12 Ibidem. Interrogatório de Joaquim Mina, fl. 142. foi condenado à pena máxima e enforcado. Dos 31 escravos indiciados, 10 foram absolvidos por não terem participação direta na morte de seus senhores e de sua família.

A família Junqueira acumulou fortuna, prestígio e poder, conquistados ao longo da segunda metade século XVIII e as primeiras décadas do XIX, fruto de alianças com outras famílias da elite da comarca do Rio das Mortes e do desenvolvimento de atividades agropastoris voltadas para o abastecimento interno e o mercado da Corte.Como contavam com grande escravaria (todas acima de 30 e algumas até com mais de 100 cativos), em muitas dessas propriedades, os senhores não tinham outra alternativa a não ser contar com escravos de confiança, na posição de feitor ou capitão do mato, ou até de armá-los em situações emergenciais (Andrade, 2014ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). Belo Horizonte: Fino Traço, 2014., p. 229-298). Parece que a família Junqueira teve de se utilizar desse recurso, que, à primeira vista, parecia ser extremamente arriscado, mas que acabou se tornando uma situação bastante corriqueira em todas as sociedades escravistas. Os depoimentos dos réus e das testemunhas no processo instaurado para apurar os responsáveis pela insurreição de Carrancas trazem exemplos dessas estratégias, mas que não foram suficientes para evitar um confronto direto entre escravos e senhores. Julião Crioulo, por exemplo, era pajem de José Francisco, que já era sexagenário e cego (doença congênita que acometeu vários homens da família), sendo ainda responsável por amansar cavalos. Provavelmente desfrutava de uma relação de muita proximidade com a família senhorial e gozava de certos benefícios a que a maioria dos escravos não tinha acesso, inclusive de poder montar e amansar cavalos, mas nem por isso prestou socorro a Manoel José da Costa, genro de José Francisco Junqueira, quando este acudiu à fazenda Bela Cruz e foi morto em uma emboscada, assim que cruzou a porteira. Manoel da Costa implorou pela ajuda e piedade de Julião quando foi agarrado por outros escravos. Em vez de o acudir, deu-lhe com “um pau nas costas, do que acabou de cair”.13 13 Ibidem. Interrogatório de Julião Crioulo, fl. 150. O caso de Joaquim Mina também parece ser emblemático. Era escravo da Bela Cruz e responsável por feitorar os escravos na roça. Como seu senhor já era idoso e cego e os filhos homens já não residiam na fazenda, Joaquim Mina, provavelmente por ser um escravo de confiança, talvez pudesse andar armado e feitorar os escravos. Talvez seja essa a explicação para a referência em várias partes do processo, inclusive nas respostas dadas pelos insurgentes, de que Antônio Retireiro buscou uma pistola carregada, que estava na senzala, e deu um tiro na face de seu senhor.14 14 A figura do “braço armado” do escravo é antiga na história da escravidão. Sobre o tema, ver Costa e Silva (2002, p. 94) e Costa (2013, p. 18-32).

Ao que tudo indica, essa relação de confiança foi quebrada pela leitura feita pelos escravos do contexto político das Regências nas Minas Gerais, no qual estava profundamente envolvida a família Junqueira, e da expectativa da liberdade. Somente o proprietário João Candido da Costa, dono da fazenda Bom Jardim, pôde contar com a solidariedade de alguns de seus escravos. Trancafiou a maioria deles na senzala e armou somente dois em que tinha estrita confiança, recebendo os insurgentes à bala. O líder, Ventura Mina, e mais outros quatro escravos foram atingidos antes de cruzar a porteira. A partir daí, a insurreição perdeu força e muitos escravos fugiram e se embrenharam nas matas, demorando alguns dias para serem capturados pelos proprietários e pela guarda nacional.

O que teria motivado os escravos, mesmo aqueles que desfrutavam de uma melhor condição no cativeiro e eram considerados fiéis, para se envolverem em um confronto direto contra seus senhores e os matarem de forma tão violenta? A considerar os argumentos que produziram em sua defesa e também os de várias testemunhas, parece que a motivação principal foi a expectativa da liberdade. Todos os escravos e a maioria das testemunhas incriminaram Francisco Silvério Teixeira de ser o agenciador e incitador dos escravos à insurreição e de divulgar a notícia de que a escravidão havia sido abolida na capital da província, e, por isso, os caramurus haviam tomado o poder e derrotado os liberais moderados. Ainda segundo o boato atribuído a Francisco Silvério, as propriedades e os bens ficariam para os escravos, os caramurus só queriam o dinheiro. Todos os escravos reforçaram o contato estreito que Francisco Silvério Teixeira tivera com o líder, Ventura Mina, na propagação dessa notícia. Parece que mantinham convívio relativamente frequente há muito tempo. Francisco Silvério era fazendeiro e negociante, circulava por várias fazendas da região e dependia do acesso aos caminhos e às estradas que passavam por várias propriedades, entre os quais os da família Junqueira Ao que tudo indica, em tempos de outrora, gozava de certa proximidade com a família, pois era compadre do deputado Gabriel, proprietário da fazenda Campo Alegre.

Francisco Silvério Teixeira, homem branco com extensa família, proprietário de 19 escravos, era natural de Ouro Preto e morava no Rio do Peixe, termo da vila de Campanha há mais de 20 anos, e “vivia de roça e cobrança”.15 15 Escritório Técnico do Iphan. Seção São João del-Rei (Iphan-SJDR). Auto de perguntas feitas ao réu Francisco Silvério Teixeira, fl. 205. Anteriormente, havia sido contratador de dízimos. Na época da revolta, era proprietário de cargueiro e estava nas proximidades quando a insurreição se iniciou. Foi acusado de ser agenciador dos escravos e de promover a insurreição para dispersar a marcha da guarda nacional que estava reunida na vila de São João del-Rei e seguia em direção à capital da província para combater os sediciosos na capital da província. Assim como a maioria das revoltas escravas, a de Carrancas foi precipitada e estava marcada para acontecer no domingo do Espírito Santo, que naquele ano caiu no dia 26 de maio. Portanto, a revolta foi antecipada em 13 dias, a se confirmar o que foi registrado nos autos pelo interrogatório dos réus e depoimento das testemunhas.

A revolta de Carrancas está profundamente imbricada com a Sedição Militar de 1833. A Sedição iniciou-se em Ouro Preto, no dia 22 de março, e se encerrou no dia 23 de maio. Três dias depois, Manoel Inácio de Melo e Souza reassumiu a presidência da província. Durante esses dois meses, a capital da província foi ocupada pelo grupo ligado ao conselheiro Manoel Soares do Couto, identificado pelas forças moderadas como um movimento de restauradores e desordeiros, particularmente militares. No dia 5 de abril, o governo legal foi transferido para a vila de São João del-Rei, com a presença dos depostos vice-presidente, Bernardo Pereira de Vasconcelos, e, posteriormente, do presidente Manoel Inácio de Melo e Souza. O “governo intruso”, como foi designado pelos moderados, libertou vários militares acusados de serem partidários da restauração do trono de d. Pedro I, além de reduzir a taxação sobre a aguardente, reorganizar a tropa e suspender a proibição dos sepultamentos nas igrejas, entre outras medidas (Iglésias, 1985IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico.. São Paulo: Difel, 1985 t. II, v. 2, p. 364-412., p. 364-412; Gonçalves, 2008GONÇALVES, Andréa Lisly. A fidalguia escravista e a construção do Estado Nacional Brasileiro. In: CONGRESSO INTERNACIONAL ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME: PODERES E SOCIEDADES. Actas… Lisboa: Instituto Camões, 2008. p. 1-18., p. 6). As abordagens mais recentes do movimento têm chamado a atenção para o fato de que a ameaça restauradora parece ter sido muito mais uma construção das forças moderadas e de seus líderes na defesa dos princípios da ordem e consolidação de sua hegemonia. As forças sediciosas eram muito heterogêneas, compostas de partidários de diversas tendências políticas, inclusive moderados, e contaram com a participação de distintos extratos sociais (Silva, 2008SILVA, Wlamir. Liberais e povo: a construção da hegemonia liberal-moderada na província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo: Hucitec; Belo Horizonte: Fapemig, 2008.). Se era ou não uma sedição restauradora, pelo menos para os aspectos que procuro enfatizar, no momento isso não tem tanta importância. O que importa destacar é que a família Junqueira também fazia parte do seleto grupo de fazendeiros negociantes que controlava parte da criação e do comércio de gado, porcos e derivados para a capital do império (Lenharo, 1979LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. São Paulo: Símbolo, 1979.) e que também conseguiu ascender à Assembleia Geral do Império e fazia parte do grupo moderado (Andrade, 2014ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). Belo Horizonte: Fino Traço, 2014.).

A eleição de Gabriel Francisco Junqueira como deputado-geral constitui um claro exemplo desse tipo de trajetória. Durante os meses de janeiro e fevereiro de 1831, d. Pedro I fez sua segunda viagem ao território mineiro, passando por várias localidades, como as vilas de Barbacena, São João del-Rei, Sabará, Caeté, Mariana e Ouro Preto, com o objetivo de recompor as forças políticas, já fragilizadas na Corte, em virtude das disputas com os grupos liberais. Além da tradicional comitiva, veio acompanhado de seu ministro e candidato à reeleição pela província de Minas Gerais, José Antônio Maia. Se a primeira viagem de 1822 foi coroada de êxito, a de 1831 não resultou o objetivo esperado. O imperador não conseguiu o apoio das lideranças liberais mineiras. O efeito foi o contrário, principalmente depois da “proclamação” feita em Ouro Preto, após criticar abertamente aqueles que faziam oposição a seu reinado e defendiam a adoção da “forma federativa” de governo (Pandolfi, 2016PANDOLFI, Fernanda Cláudia. A viagem de d. Pedro I a Minas Gerais em 1831: embates políticos na formação da monarquia constitucional no Brasil. Revista Brasileira de História, v. 36, n. 71, p. 35-55, 2016.). A resposta da maioria do eleitorado liberal moderado mineiro veio logo em seguida, com a votação maciça em Gabriel Francisco Junqueira, um fazendeiro escravista, de trajetória política somente local, pois, anteriormente, tinha sido vereador na câmara da vila de São João del-Rei. Por outro lado, parece que a vitória de Gabriel Francisco não foi bem vista por seus oponentes. O mal-estar em relação à eleição de Gabriel também apareceu no depoimento de algumas testemunhas do processo da revolta de Carrancas. Segundo o capitão Manoel Álvares, quando esteve em São João del-Rei, por ocasião da derrota do candidato Silva Maia, José Rodrigues Carneiro “lhe contou […] que, passando Gabriel Francisco Junqueira pela rua defronte da casa de Manoel José da Costa Machado, dissera este para o dito Carneiro, apontando para o dito Gabriel - aí vai o seu deputado, deixo que há de ser vítima de seus próprios escravos”.16 16 Ibidem. Depoimento da testemunha Manoel Álvares, fl. 32.

É importante situar, ainda que brevemente, o impacto causado pela vitória de Gabriel Francisco Junqueira sobre o ministro Maia e como, a partir daí, o deputado passou a se configurar como uma liderança regional de importância, embora não editasse nenhum periódico com divulgação de ideias políticas, como outros deputados gerais eleitos pela província de Minas Gerais, a exemplo de Bernardo Pereira de Vasconcelos, Evaristo da Veiga, José Bento Ferreira Leite, entre outros. Voltemos à Sedição de 1833. Historicamente, não há nenhuma evidência de que os sediciosos de Ouro Preto defendessem a libertação dos escravos. Ao contrário, tratou-se de uma disputa de poder entre as elites políticas mineiras, de distintos extratos sociais e de correntes políticas diversas, que teve impactos regionais diferenciados na província. A comarca do Rio das Mortes, por exemplo, apesar de ter tido a vila de São João del-Rei como sede do governo legal e de ser um dos pontos de reunião da guarda nacional que combateu os sediciosos em Ouro Preto, foi palco da revolta escrava mais sangrenta do sudeste do império. Compreender a correlação existente entre a Sedição de 1833 e a revolta de Carrancas de forma alguma desqualifica a ação dos escravos ou nos permite entendê-los como meras vítimas de agenciadores e incitadores, como se deixa transparecer na documentação coeva. Se tomarmos como procedentes as acusações dos autos, presentes no depoimento de várias testemunhas e de todos os escravos interrogados, o boato de que os caramurus acabaram com a escravidão em Ouro Preto circulou com frequência entre os escravos a partir das conversas que Francisco Silvério tivera com Ventura Mina, e deste com os demais escravos. A arregimentação e sedução de livres pobres, pardos e até mesmo escravos não constituíram estratégicas pouco incomuns na história da escravidão brasileira e muito menos no tempo do império. Também em vários episódios da história do escravismo nas Américas houve tentativas de se arregimentarem os escravos a partir da divulgação de boatos (Genovese, 1983GENOVESE, Eugene D. Da rebelião à revolução. São Paulo: Global, 1983.).

Se atentarmos para o significado da palavra boato nos dicionários dos séculos XVIII e XIX, veremos um sentido muito próximo do que talvez teria representado a notícia propagada por Francisco Silvério Teixeira e Ventura Mina aos demais escravos. Segundo Antônio Morais e Silva, boato significava “a notícia ou a novidade que se dá claramente em altas vozes” (Silva, 1813SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da língua portugueza. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813., p. 285). Ou, segundo Raphael Bluteau, o sentido metafórico de boato quer dizer “estrondo da fama ou de uma nova opinião ou de coisa que se espera com grande alvoroço” (Bluteau, 1728BIBLIOTECA NACIONAL PR-SOR. O Verdadeiro Caramuru, n. 5, 31 maio 1833., p. 133). Ao apropriarmos dos sentidos dados pelos dois dicionaristas, provavelmente os escravos interpretaram o boato de que a escravidão havia acabado em Ouro Preto e que os caramurus os queriam forros como uma “novidade que se dá claramente em altas vozes” ou algo que se esperava “com grande alvoroço”.

O que importa ressaltar é que os escravos também fizeram as apropriações das identidades políticas em confronto. Liberais moderados, exaltados e caramurus (restauradores) ocuparam a cena política nos primeiros anos da década de 1830, principalmente na Corte, mas também em várias outras províncias. Tinham nos periódicos e nas sociedades políticas os principais instrumentos de divulgação e de confronto de suas ideias, muitas delas de formas incisivas e até mesmo insultuosas. Também foram responsáveis por arregimentar rebeliões, sedições e até mesmo por aliciarem escravos (Morel, 2005MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.; Basile, 2004BASILE, Marcello Otávio Néri. O império em construção: projetos para o Brasil e ação política na Corte regencial. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.; Silva, 2008SILVA, Wlamir. Liberais e povo: a construção da hegemonia liberal-moderada na província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo: Hucitec; Belo Horizonte: Fapemig, 2008.; Andrade e Silva, 2012ANDRADE, Marcos Ferreira de; SILVA, Janaína Carvalho. Moderados, exaltados e caramurus no prelo carioca: os embates e as representações de Evaristo Ferreira da Veiga (1831-1835). Almanack, n. 4, p. 130-148, 2012.).

Há indícios claros de que os escravos de Carrancas incorporaram a identidade caramuru, seja para se insurgirem contra os Junqueiras, seja por acreditarem que os caramurus defendiam sua libertação do cativeiro. Antônio Retireiro, por exemplo, gostava de utilizar o codinome caramuru.17 17 Segundo o depoimento da testemunha Gabriel Osório das Dores, alfaiate, de idade de 37 anos, Antônio Retireiro “se apelidava caramuru” (Escritório Técnico do Iphan. Seção São João del-Rei, fl. 58). Ficou registrado no depoimento de duas testemunhas, agregados da fazenda Jardim, a última a ser atacada pelos escravos antes da repressão aos insurgentes. Maria Joaquina do Espírito Santo, 60 anos, e Manoel José da Costa, 64 anos, ambos pardos, eram casados e agregados da fazenda Jardim. Já era noite quando “entrarão pelo seu terreiro [um] bando de pretos, cujo número ela testemunha não pode calcular em razão de ser já escuro e entrando alguns pela casa adentro e disseram a ela e a o seu companheiro que entregassem logo as espingardas, senão morreriam”. O grupo de escravos, liderados por Ventura Mina, exigira que ela e seu companheiro entregassem as armas que possuíam. Seu companheiro buscou duas espingardas que estavam em outro estabelecimento fora da casa e as entregou aos insurgentes. Mas, antes de partirem, “o preto Antônio Benguela pulava no seu terreiro e batia nos peitos dizendo para ela e seu companheiro: vocês não costumam a falar nos Caramurus, pois conheçam agora os Caramurus. Nós somos os Caramurus, vamos arrasar tudo”18 18 Ibidem. Depoimento de Maria Joaquina do Espírito Santo, fl. 49. (grifo meu ).

No interrogatório dos insurgentes, todos declararam que participaram da insurreição por acreditar na notícia divulgada por Ventura Mina de que os caramurus estavam matando os brancos de Ouro Preto e libertando os escravos. Percebe-se claramente como a expectativa de liberdade foi determinante para mobilizar os escravos a lançarem mão de uma estratégia tão arriscada na busca da liberdade. Se ser caramuru era ser contra a escravidão e contra os senhores de Carrancas, incluindo os Junqueiras, embora historicamente isso não tivesse a menor procedência, para os escravos representou a tentativa desesperada na busca da liberdade. Essa parece ter sido a leitura política possível feita por Ventura Mina e tantos outros insurgentes que o acompanharam na insurreição.

O processo durou alguns meses até ser concluído. Os escravos que não tiveram participação nas mortes foram condenados a penas de açoites e prisão por alguns anos. Francisco Silvério foi preso por mais de 19 meses, mas depois foi solto porque Gabriel Francisco Junqueira, um dos autores da denúncia, embora não estivesse convencido da inocência do réu, foi o último a desistir da acusação. As condenações à pena máxima ocorreram em novembro, e os enforcamentos dos insurretos, em dezembro de 1833 e em abril de 1834. Dos 17 condenados à forca, somente Antônio Resende teve a pena comutada para prisão perpétua, com a condição de servir de carrasco dos companheiros insurretos. Ao que tudo indica, levou o codinome para o túmulo e teria exercido essa função por algum tempo na vila de São João del-Rei. Ficou estigmatizado pelo resto da vida como Antônio Resende, o carrasco. Parecia que ali se encerraria mais um capítulo trágico da história da escravidão, punido com uma exemplaridade sem comparações na história do escravismo brasileiro, que ficaria restrito à memória da família Junqueira, dos proprietários e dos escravos da freguesia de Carrancas, pertencente à antiga comarca do Rio das Mortes. Mas não foi o que o ocorreu: o grau de violência com que foram mortos os membros da família senhorial pertencente à elite política e a exemplaridade das condenações dos escravos insurretos tiveram grande repercussão no cenário político do império e implicou a origem da lei de 10 de junho de 1835. A memória da revolta de Carrancas relacionada com a “lei nefanda” atravessou o século XIX e perdurou até o momento em que se discutia sua revogação. É um pouco dessa história que tratarei a seguir.

A memória da Revolta de Carrancas e a origem da lei de 10 de junho de 1835

No dia 16 de dezembro de 1830, foi promulgado o primeiro Código Criminal brasileiro, que, em seu Capítulo IV e nos artigos 113, 114 e 115, definia o crime de insurreição e as penalidades aplicadas aos escravos e livres envolvidos nesse crime. A pena de morte por enforcamento deveria ser aplicada aos envolvidos no grau máximo, a escravos e livres condenados como “cabeças”, definida nos artigos 113 e 114, respectivamente (Código Criminal do império do Brasil, 1876BLUTEAU Raphael. Vocabulario portuguez & latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1728., p. 163).

Em análise produzida acerca do crime de insurreição e de sua incorporação no Código Criminal de 1830, Mônica Dantas faz um levantamento instigante dos usos do termo em dicionários e documentos históricos dos séculos XVII, XVIII e XIX da Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos e Brasil. Constatou que a palavra ainda não havia sido dicionarizada no início do século XIX e que, na década de 1820, aparecia com um sentido completamente distinto daquele definido no Código de 1830 (Dantas, 2011bDANTAS, Mônica Duarte. Dos statutes ao código brasileiro de 1830: o levante de escravos como crime de insurreição. Revista do IHGB, v. 452, p. 273-309, 2011b.). A autora vai mais além na busca dos fundamentos da primeira legislação penal brasileira, particularmente no que se refere ao crime de insurreição, e apresenta uma contribuição historiográfica de grande relevância. Comprovou que as comissões mista e especial da Assembleia Geral Legislativa, embora tivessem uma preferência pelo projeto apresentado originalmente por Vasconcelos, em 1827, acabaram incorporando explicitamente alguns elementos do código penal da Luisiana, elaborado por Edward Levingston, no ano 1822, particularmente em relação à definição do crime de insurreição e à participação de livres na incitação ao ajuntamento de escravos (Dantas, 2011aFLORY, Thomas. Race and social control in the independent Brazil. Journal of Latin American Studies, v. 9, n. 2, p. 199-224, nov. 1977.).

A intensificação do tráfico e a ampliação da escravidão no Brasil, associadas às manifestações de rebeldia escrava, certamente contribuíram para a manutenção da pena de morte no primeiro código penal brasileiro e na tipificação do crime de insurreição, tendo por base a experiência do estado da Luisiana. Como se não bastasse, foi ainda preciso criar uma lei específica que punisse com mais celeridade e exemplaridade a criminalidade escrava, cinco anos depois. Mas a história da lei de 10 de junho de 1835 começou dois anos antes.

Em 10 de junho de 1833, o ministro da Justiça, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, apresentou quatro propostas do Poder Executivo para discussão na Assembleia Geral Legislativa. As três primeiras tratavam da organização da guarda nacional, do corpo de permanentes e dos meios de reprimir os abusos da liberdade de imprensa. A quarta versava especificamente sobre o julgamento de crimes praticados por escravos.

Para os argumentos que se quer enfatizar, veja-se o preâmbulo da Proposta no 4, de 10 de junho de 1833, que consta dos anais do parlamento brasileiro.

As circunstâncias do Império do Brasil, em relação aos Escravos Africanos, merecem do Corpo Legislativo a mais séria atenção. Alguns atentados recentemente cometidos, e de que o Governo vos dará informação, convencem desta verdade. Se a legislação até agora existente era fraca, e ineficaz para coibir tão grande mal, a que vivendo os fazendeiros mui distantes uns dos outros, não poderão contar com a existência, se a punição de tais atentados não for rápida, e exemplar, nos mesmos lugares em que eles tiverem sido cometidos. (Anais do parlamento Brasileiro, 1982ANAIS do parlamento brasileiro. Câmara dos Deputados. Sessão de 10 de junho de 1833. Brasília: Câmara dos Deputados/Centro de Documentação e Informação/Coordenação de Publicações, 1982. v. 1, p. 243-244., v. 1, p. 243-244, grifo meu,)

O que primeiramente chama a atenção é a frase inicial do preâmbulo. Por que os escravos africanos mereceriam do “Corpo Legislativo a mais séria atenção”? E quais seriam os “atentados recentemente cometidos” que o ministro da Justiça e a Regência informariam ao Legislativo? Embora não haja menção explícita à Revolta de Carrancas, mas pela proximidade de datas e da urgência da apresentação do projeto e do impacto dela causado entre a elite senhorial de Minas Gerais, nas vilas limítrofes das províncias de São Paulo e do Rio de Janeiro e sobretudo na Corte, os “atentados recentemente cometidos” tratavam-se de fato das mortes feitas pelos escravos ao filho, irmão, sobrinhos e demais parentes do deputado Gabriel Francisco Junqueira, no curato de São Tomé das Letras, freguesia de Carrancas. O texto ainda destacou a necessidade de celeridade e exemplaridade na punição da criminalidade escrava, pelo fato de que muitos fazendeiros viviam “distantes uns dos outros”.

O que está contido nas entrelinhas do preâmbulo do Projeto de Lei nº 4, de 10 de junho de 1833, necessita ser analisado com mais acuidade. O fato de muitos fazendeiros viverem distantes uns dos outros era uma realidade presente em muitas províncias do império. Nas primeiras décadas do século XIX, houve uma expansão significativa da escravidão no Brasil, principalmente nas províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, e grande parte da escravaria estava alocada em unidades escravistas do meio rural. Áreas ligadas ao abastecimento interno e cafeeiras em início de expansão tornaram-se cada vez mais dependentes de escravos africanos e crioulos. Não parece ter sido por acaso que a distância entre as propriedades escravistas rurais mereceu menção na introdução do projeto. A Revolta de Carrancas ocorreu em uma área rural, nas fazendas da família Junqueira, distante em média de uma légua uma das outras, todas com grande escravaria (Andrade, 2014ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). Belo Horizonte: Fino Traço, 2014.). Na fazenda em que ocorreu a maioria das mortes, José Francisco não pôde contar nem com o socorro de seu escravo de confiança, Joaquim Mina, que exercia a função de feitor dos demais cativos. São todos indícios que apontam que o projeto de lei de 10 de junho de 1833 se referia claramente à revolta de Carrancas, ocorrida 28 dias antes.

Em relação aos artigos da proposta, apesar de o ministro da Justiça afirmar que a legislação até então existente “era fraca”, a pena de morte já estava prevista a escravos no Código Criminal de 1830, com a tipificação tanto do crime de insurreição quanto do crime de homicídio. Parece que a lei de exceção se justificava em função de um julgamento mais célere dos escravos envolvidos na morte de seus senhores, familiares e administradores. E, considerando esse aspecto, ao lermos o artigo 1o do projeto, parece que sua redação se reportava explicitamente à memória recente da Revolta de Carrancas: “serão punidos com a pena de morte os escravos, ou escravas, que matarem, por qualquer maneira que seja, ferirem ou fizerem outra grave ofensa física a senhor, administrador, feitor ou a suas mulheres e filhos”.19 19 Anais do parlamento Brasileiro (1982, v. 1, p. 243-244). Esse aspecto também foi acentuado por Parron (2011, p. 95, e 2015, p. 314). Os criminosos ou insurretos seriam julgados por uma junta de seis juízes de paz, no município onde ocorreram os delitos, presidida pelo juiz de direito, que conduziria todo o processo até sua conclusão, sempre participando “ao governo, na Província do Rio de Janeiro, e aos presidentes nas demais províncias”. O rigor da lei e a exemplaridade foram mais uma vez reforçados na medida em que o artigo 7o propunha que, em caso de sentença condenatória, a execução dos réus deveria ser realizada “no mesmo lugar do delito, sem recurso algum”, com base no artigo 38 do Código Criminal, com assistência de força da guarda nacional e a presença de escravos da vizinhança.

Pode-se imaginar o clima de consternação que deve ter ocorrido entre os deputados gerais ao saberem da tragédia que se abateu sobre os familiares do colega de parlamento, o deputado Gabriel Francisco Junqueira, embora a revolta não seja mencionada explicitamente nos anais da Assembleia Geral, nem nos discursos dos parlamentares, com exceção do discurso proferido pelo deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos no parlamento em resposta à acusação do deputado Montezuma de que os proprietários de Minas Gerais vinham sendo perseguidos no contexto da Sedição de 1833 e estavam “assustados”. Vasconcelos fez referência ao massacre, mas desqualificou o acontecimento, sem mencionar que se tratava de um levante de escravos e muito menos que as pessoas assassinadas pertenciam à família do deputado Gabriel Junqueira, colega de parlamento e aliado do mesmo agrupamento político (Andrade, 2014ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). Belo Horizonte: Fino Traço, 2014., p. 354).

Não cabe, nas dimensões deste artigo, situar a tramitação e discussão e alterações que sofreu a Proposta nº 4 na Assembleia Geral Legislativa e no Senado, até porque esse trabalho já foi realizado pioneiramente por João Luiz Ribeiro em um estudo detalhado sobre a lei de 10 de junho de 1835 e a aplicação da pena a escravos no império do Brasil, ricamente documentado. O autor chama a atenção para o impacto do debate gerado entre os deputados e senadores, não só em relação à urgência ou não de uma lei de exceção, mas também aos aspectos em que a proposta alterava o que já estava estabelecido no Código Criminal de 1830 e no Código do Processo Criminal de 1832, que ainda se encontrava em fase de implantação. Um dos grandes debates em torno da proposta do governo foi em torno da manutenção ou não das juntas de juízes de paz no julgamento dos réus escravos. A Assembleia decidiu pela manutenção, e o Senado, pela rejeição. A última acabou sendo a proposta vencedora. Em 29 de maio de 1834, foi aprovado pelo Senado o projeto que teria a mesma redação da lei de 10 de junho de 1835. As mudanças substanciais no projeto é que os juízes de paz teriam jurisdição para iniciarem o processo até a pronúncia e prender os criminosos. Cumprida essa etapa, o processo seria encaminhado ao juiz de direito da comarca para convocar o tribunal do júri e providenciar o julgamento (Ribeiro, 2005RIBEIRO, João Luiz de Araújo. No meio das galinhas as baratas não têm razão: a lei de 10 de junho de 1835 - os escravos e a pena de morte no império do Brasil, 1822-1889. Rio de Janeiro: Renovar, 2005., p. 52-67). Dos sete artigos da proposta original, restaram cinco, e não havia mais menção à forma exemplar com que deveriam ser feitas as execuções. Outro aspecto interessante é que o artigo 1o ganhou uma redação mais detalhada já na tramitação na Assembleia, no ano 1833, e foi mantida na lei de 10 de junho de 1835. Seriam punidos com a pena capital “os escravos, ou escravas, que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente, ou fizerem qualquer outra grave ofensa a seu senhor, sua mulher, a descendentes ou ascendentes, que em sua companhia morarem, ao administrador, feitor e às mulheres que com eles viverem”. Conforme dito anteriormente, não há como não tecer ilações de que a maioria dos deputados e senadores não tivesse conhecimento da tragédia que se abateu sobre os familiares do deputado Gabriel Francisco Junqueira. Mesmo com as pequenas alterações no projeto de 1833, a redação final do artigo 1o da lei de 1835 reacendia a memória da revolta de Carrancas, quando os escravos mataram seus senhores, suas mulheres, descendentes e todos os que em sua companhia viviam.

Se o debate historiográfico sobre a origem da Lei nº 4, de 10 de junho de 1835, é algo bem recente entre os historiadores, a revolta de Carrancas e a correlação com a referida lei já haviam sido pautadas nos discursos e memórias de políticos do século XIX pelo menos em dois registros: um foi proferido em discurso pelo senador Joaquim Delfino Ribeiro da Luz no dia 8 de março de 1879, e outro, mencionado nas memórias do juiz do Supremo Tribunal Federal, Francisco de Paula Ferreira de Rezende, escritas em 1887.

Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, natural da cidade de Cristina, sul de Minas Gerais, era magistrado e exerceu vários cargos públicos. Foi senador do império pela província de Minas Gerais durante o período de 1870 a 1889. Anteriormente, havia sido deputado-geral por três legislaturas e presidente duas vezes, nos anos 1857 e 1860, ambos pela mesma província.20 20 Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/1841>. Acesso em: 30 nov. 2016. Em 1879, ao proferir um discurso no Senado, depois dos “últimos acontecimentos de Itu”, fez um breve histórico sobre a pena de morte aplicada a escravos. Mencionou que esta já estava prevista nos artigos 113 e 192 do Código Criminal de 1830, mas que, em virtude do aparecimento de “atos notáveis de insubordinação da parte da escravatura”, depois de 1831, foi necessária a promulgação de uma lei excepcional (a Lei nº 4, de 10 de junho de 1835). O senador citou como exemplos para essa medida extraordinária as revoltas da Bahia e deu destaque claro para a ocorrida em São Tomé das Letras, nas propriedades da família do barão de Alfenas, o ex-deputado Junqueira, seu parente. O senador deveria conhecer bem a história da Revolta de Carrancas, possivelmente por meio da memória familiar, pois era aparentado do barão de Alfenas. Seu primo, José Ribeiro da Luz, fora casado com a filha de Gabriel Francisco Junqueira, Mariana Vitória de Andrade Junqueira. Gabriel Junqueira recebeu o título de barão em 1868 (Andrade, 2014, p. 253-254, 280).

Na Bahia houve assassinatos e mesmo tentativas de insurreição. Na província de Minas Gerais houve a grande insurreição de São Thomé das Letras, onde foram vítimas duas famílias aparentadas com o ilustre Barão de Alfenas, hoje falecido. Entenderam os poderes do Estado que era preciso uma medida extraordinária para conter o espírito de insubordinação que lavrava pela escravatura e, pois, publicou-se a lei de 10 de junho de 1835. Foi essa lei que, como bem se vê de suas disposições muito excepcionais, teve por fim remediar o mal, que então se manifestava com caráter assustador.21 21 Anais do Senado do império do Brasil (1879, p. 128). Esse mesmo trecho do discurso do senador foi analisado por Pirola (2016, p. 50-51). (grifo meu )

Embora o senador tivesse apenas nove anos de idade quando ocorreu a revolta de Carrancas, pois nascera em 1824, e muito provavelmente veio tomar conhecimento dela pela memória familiar que atravessou o século XIX, não deixam de ser intrigantes suas considerações sobre o teor da lei de 10 de junho de 1835. Em seu discurso, quando se reportou ao artigo 1o da referida lei e ao ritual sumário e célere do julgamento dos escravos insurretos, parece que o senador estava se referindo ao texto do projeto que começou a ser discutido antes, no dia 10 de junho de 1833. Talvez pelo parentesco familiar e por ter ocupado vários cargos públicos a partir da década de 1850, inclusive o de deputado-geral do império em 1853, tomou conhecimento, bem mais tarde, do processo de tramitação e discussão do projeto de 1833 e de sua transformação em lei, dois anos depois, no dia 10 de junho de 1835. Vejamos:

A lei dispôs, no art. 1o, que seria punido com a pena de morte todo o escravo que matasse ao senhor, a pessoas de suas famílias, a administradores, a feitores, e mesmo que praticasse ofensas físicas graves, ou ferimentos; e, nos artigos subsequentes, estabeleceu um processo, quase tumultuário, determinando que, dado um crime destes, imediatamente se reunisse o júri extraordinariamente, para o julgamento, e que, se a sentença fosse condenatória, se executasse sem recurso algum. (Anais do Senado do império do Brasil, 1879ANAIS do Senado do império do Brasil. Sessão de 8 de março 1879, p. 128. Disponível em: <Disponível em: http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Anais_Imperio/1879/1879%20Livro%203.pdf >. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www.senado.leg.br/publicacoes/ana...
, p. 128)

Prosseguindo seu discurso, o senador reiterava que, embora a lei se afastasse dos “princípios da jurisprudência criminal” por aplicar a pena máxima também aos que só tentassem matar ou fizessem ofensas físicas graves a seus senhores, familiares e feitores, a lei de 10 junho de 1835 teria conseguido conter “a insubordinação da escravatura”. E concluía que:

Fizeram-se diversas execuções, em diferentes termos do Império, e pode-se dizer que a lei de 1835 salvou a sociedade brasileira; obstou a que, em mais de um município e em mais de uma província, se reproduzissem as cenas do Haiti e de S. Domingos. Note-se que, quando se promulgou a lei de 1835, era muito numerosa a escravatura entre nós; havia mesmo, em muitos municípios do Império e em algumas províncias, grande desproporção entre os escravos e os homens livres: entretanto, a lei de 1835 conseguiu conter a insubordinação. (Anais do Senado do império do Brasil, 1879ANAIS do Senado do império do Brasil. Sessão de 8 de março 1879, p. 128. Disponível em: <Disponível em: http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Anais_Imperio/1879/1879%20Livro%203.pdf >. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www.senado.leg.br/publicacoes/ana...
, p. 128; grifo meu)

Seu discurso tinha um forte histórico familiar, tanto no passado quanto no presente. E, ao se referir ao fato de terem sido feitas diversas execuções depois de 1835 e que a lei de 10 de junho “salvou a sociedade brasileira”, talvez estivesse de fato se recordando do que seus parentes mais próximos disseram e do que veio saber depois acerca da tragédia que se abateu sobre os Junqueiras, bem como da punição exemplar aplicada aos escravos insurgentes, os 16 enforcamentos realizados no início de dezembro de 1833 e em abril de 1834.

Em fevereiro de 1879, a tragédia novamente se abateu sobre os parentes do senador, só que, dessa vez, foi na vila de Itu. O escravo Nazário matou o médico João Dias Ferraz da Luz, duas filhas, uma mulher idosa e uma escrava, em sua residência, no centro da vila, provocando grande comoção popular. Em uma segunda tentativa, os populares retiraram o escravo Nazário da cadeia e o mataram a “pedrada, arrastando o cadáver pelas ruas, levando-o depois à porta da mesma cadeia”. O breve retrospecto histórico da lei de 10 de junho de 1835 tinha o objetivo claro de demonstrar que a “insubordinação da escravatura” ainda continuava a “contristar e afligir”, e os “últimos acontecimentos de Itu” eram a prova cabal do que vinha ocorrendo no império, na perspectiva do senador, evidentemente. Considerava que a insubordinação escrava era consequência “das comutações da pena capital”, e que o linchamento do escravo Nazário representava “a falta de confiança na justiça pública”.22 22 Anais do Senado do império do Brasil (1879, p. 127). O fato foi noticiado com detalhes na imprensa do sul de Minas, no periódico O Baependiano, e foi explorado pelas correntes abolicionistas do sul de Minas (Castilho, 2011, p. 89-91).

Evidentemente que o discurso do senador tem de ser analisado levando-se em consideração o contexto histórico em que foi proferido e tentando-se perceber quais disputas políticas estavam em evidência naquele instante, especialmente sobre as medidas que contribuiriam para a abolição da escravidão e das comutações das penas capitais aplicadas aos escravos rebeldes pelo imperador d. Pedro II. Segundo o levantamento documental feito por João Luiz Ribeiro, “nos últimos treze anos da monarquia a pena de morte não foi executada” (Ribeiro, 2005RIBEIRO, João Luiz de Araújo. No meio das galinhas as baratas não têm razão: a lei de 10 de junho de 1835 - os escravos e a pena de morte no império do Brasil, 1822-1889. Rio de Janeiro: Renovar, 2005., p. 313) Portanto, a assertiva de Joaquim Delfino Ribeiro da Luz fazia sentido. Mas, para a finalidade dos argumentos que se quer enfatizar, o que importa destacar no momento é que o senador associou a origem da lei de 10 de junho também à Revolta de Carrancas e acabou se referindo mais ao teor do projeto de 1833 do que ao da lei de 1835 propriamente dita.

O segundo registro foi feito pelo memorialista Francisco de Paula Ferreira de Rezende no ano 1887, quando redigiu suas “recordações”, publicadas um século mais tarde. Natural de Campanha, sul de Minas Gerais, formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, seguiu carreira política e judiciária durante o império e se tornou ministro do Supremo Tribunal Federal em 1892, um ano antes de vir a falecer. Como pertencia a uma família da elite, ainda muito jovem pôde presenciar vários eventos marcantes da história política das Regências, na vila de Campanha da Princesa, onde residia. Ao se reportar à Sedição Militar de 1833 e à participação dos guardas nacionais do sul de Minas Gerais, acabou fazendo referência direta à revolta de Carrancas, ao discorrer sobre a “insurreição de escravos que se deu na fazenda de um dos [seus] parentes Junqueiras” e aos serviços prestados por seu avô, na qualidade de comandante superior da guarda nacional, para combater os insurgentes e restabelecer a ordem na região. “Os escravos cometeram contra a família do senhor as maiores atrocidades; a insurreição se estendia; e as circunstâncias se tornavam extremamente graves” (Rezende, 1987REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de (1832-1893). Minhas recordações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987., p. 65). Sem conseguir precisar bem a data dos acontecimentos de Carrancas, o memorialista campanhense também presumiu que a lei de 10 de junho de 1835 poderia ter sido consequência da Revolta de Carrancas: “É, pois, de supor que fosse antes de 1836 e se foi, como suponho, em 1834 ou no princípio talvez de 1835, é muito provável, que essa insurreição fosse a causa ocasional dessa tão célebre lei de 10 de junho, de cuja revogação se trata agora”23 23 A pena de morte só foi efetivamente abolida do Código Penal brasileiro no dia 20 de setembro de 1890, pelo Decreto nº 774 (Ribeiro, 2005, p. 313). (Rezende, 1987REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de (1832-1893). Minhas recordações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987., p. 66).

A origem da “lei nefanda” e a historiografia

Os estudos historiográficos mais antigos que apresentam alguma discussão sobre as razões da lei excepcional de 10 de junho de 1835 atribuem sua aprovação ao impacto causado pela revolta dos Malês.24 24 Para um resumo dessas interpretações, ver Pirola (2016, p. 46-48). Estudos recentes têm revisto a questão com mais profundidade e vêm apresentado argumentos cada vez mais sólidos de que a origem da lei se reporta ao projeto apresentado ao parlamento no dia 10 de junho de 1833 pelo então ministro da Justiça, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho. E que o referido projeto de lei está diretamente ligado ao impacto causado pela Revolta de Carrancas entre as elites senhoriais e o governo da Regência. Mas entendo que o debate ainda carece de maior aprofundamento e que também há algumas divergências necessitando ser situadas.

João Luiz Ribeiro foi pioneiro no estabelecimento dessa hipótese, além de ter produzido um estudo que apresenta o levantamento documental mais completo das condenações e das execuções à pena capital aplicadas a escravos durante toda a duração do império brasileiro. As evidências apresentadas pelo autor confirmam o que políticos e memorialistas do século XIX já diziam a respeito da Lei nº 4, de 10 de junho de 1835, ou seja, que a Revolta de Carrancas está na raiz de sua origem (Ribeiro, 2005RIBEIRO, João Luiz de Araújo. No meio das galinhas as baratas não têm razão: a lei de 10 de junho de 1835 - os escravos e a pena de morte no império do Brasil, 1822-1889. Rio de Janeiro: Renovar, 2005., p. 43-67). E aqui não se trata de “uma obsessão das origens”, figura cara da “tribo dos historiadores”, como bem alertou Marc Bloch (2001BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001., p. 56). Na realidade, trata-se de compreender o alcance e o impacto provocados por um evento que atemorizou não só a elite senhorial, mas principalmente a elite política do sudeste do império brasileiro. E é justamente nesse aspecto que o estudo de João Luiz Ribeiro apresenta uma fragilidade do ponto de vista interpretativo, principalmente quando atribui à “histeria da população de São João del-Rei” a condenação exemplar dos insurretos de Carrancas (Ribeiro, 2005RIBEIRO, João Luiz de Araújo. No meio das galinhas as baratas não têm razão: a lei de 10 de junho de 1835 - os escravos e a pena de morte no império do Brasil, 1822-1889. Rio de Janeiro: Renovar, 2005., p. 64). Primeiramente, é importante observar que certamente o massacre dos membros da família Junqueira deve, de fato, ter causado comoção e terror nas vilas e distritos mais próximos, como já tive a oportunidade de demonstrar. O júri pode até ter se consternado diante de tamanha tragédia e condenado, como de fato condenou, os insurgentes que confessaram sua participação nas mortes. Mas, como o próprio autor reitera, em relação a Carrancas houve um tratamento rigoroso por parte da Regência, se comparada com revolta dos Malês, de 1835. Esta teve um número similar de condenados à pena máxima, mas que tiveram as penas comutadas em açoites ou galés perpétuas, em segundo julgamento, e somente quatro foram fuzilados pela ausência de algoz para cumprir o ritual do enforcamento (Reis, 2003REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em 1835. Ed. rev. e amp São Paulo: Companhia das Letras, 2003., p. 452-456). Em relação a Carrancas, somente cinco escravos impetraram a petição de graça (Antônio Resende, Joaquim Mina, João Cabundá, André Crioulo e José Mina), e somente um deles, Antônio Resende, teve a pena comutada, mas com uma triste sina, teve de servir de carrasco de seus companheiros e, muito provavelmente, exerceu essa atividade até o fim de seus dias. Como acertadamente destacou João Luiz Ribeiro, o decreto de 1829 impedia que os escravos que matassem seus senhores impetrassem a petição da graça, e que no caso de Carrancas “foi seguido quase à risca” (Ribeiro, 2005RIBEIRO, João Luiz de Araújo. No meio das galinhas as baratas não têm razão: a lei de 10 de junho de 1835 - os escravos e a pena de morte no império do Brasil, 1822-1889. Rio de Janeiro: Renovar, 2005., p. 49). Os escravos da fazenda Campo Alegre, Antônio Resende, João Cabundá, André Crioulo e José Mina, só puderam peticionar a graça porque não tiveram parte na morte do “senhor moço”, o filho do deputado Gabriel Francisco Junqueira. O mesmo caso se aplicou ao escravo Joaquim Mina.

Para além das questões legais, no caso de Carrancas poderíamos especular que o curador dos réus e mesmo o juiz municipal, mediante tamanha rebeldia dos escravos e da crueldade na chacina de seus senhores e familiares, de fato não tivessem interesse em peticionar a graça ao imperador, que naquele momento era representado pela Regência. Ainda assim e com todos esses elementos, o que justificaria uma condenação exemplar e sem nenhum tipo de recurso à comutação das penas? E por que os únicos que recorreram à última instância também foram condenados à pena máxima? Ainda é preciso ressaltar o caso dramático de Antônio Resende. Conseguiu preservar sua vida e teve sua pena convertida em galés perpétua, mas com a condição de se tornar o carrasco dos outros insurretos condenados à pena máxima. Certamente, a explicação não está na “histeria da população de São João del-Rei”, até porque os discursos do medo eram utilizados com frequência e com objetivos diversos, seja nas instâncias legislativa, seja na imprensa periódica, ainda mais na década de 1830, como já tive a oportunidade de discutir brevemente.

A explicação mais razoável para entendermos a condenação exemplar dos escravos de Carrancas é o fato de terem assassinado vários membros de uma família senhorial ligada à elite política liberal moderada do império, que dava as cartas do jogo político naquele contexto. O massacre que se abateu sobre os Junqueiras trouxe pânico às elites regionais, ao parlamento e à Regência. E não foi sem razão que, 28 dias depois, o ministro da Justiça enviou o Projeto nº 4 para apreciação do parlamento, hipótese com a qual tenho total concordância (Andrade, 2012ANDRADE, Marcos Ferreira de; SILVA, Janaína Carvalho. Moderados, exaltados e caramurus no prelo carioca: os embates e as representações de Evaristo Ferreira da Veiga (1831-1835). Almanack, n. 4, p. 130-148, 2012.).

Tâmis Parron, em seus dois estudos, apresenta contribuições para o debate, justamente por analisar a ação escrava e especular sobre os prováveis impactos causados pelas principais revoltas escravas da primeira metade da década de 1830 na política da escravidão no Brasil. Ao se referir à revolta de Carrancas, o autor corrobora as abordagens que demonstram o impacto que teve no parlamento e na origem da lei de 10 de junho de 1835. E acaba por concluir que, “até meados da década de 1830, a ação de grupos populares e a revolta dos malês adquiriram uma dimensão política antiescravista - e isso na forma de notícias de jornal, de um concurso público, de projetos de lei e de um tratado internacional” (Parron, 2011PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão no império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2011., p. 103). É inegável o impacto da revolta dos Malês, não só para acelerar a aprovação da lei excepcional que punia com mais celeridade a rebeldia escrava, mas também nos discursos e matérias publicadas na imprensa contra a escravidão e o tráfico de escravos, conforme sustenta o autor. Mas acreditamos que o impacto da revolta de Carrancas ainda precisa ser mais bem analisado e para além da origem da “lei nefanda” e a quase ausência de sua referência no parlamento, exceto o discurso já mencionado de Bernardo Pereira de Vasconcelos. E é justamente em relação a esse aspecto que o estudo mais recente do autor apresenta uma contribuição de grande relevância factual, ao destacar o impacto da revolta de Carrancas na macropolítica. Segundo informações do representante dos Estados Unidos na Corte, registrada em uma correspondência datada de 7 de junho de 1833, o Senado se reuniu em sessão secreta por dois dias por temer “que os escravos estavam prestes a se revoltar na Província de Minas Gerais instigados por alguns dos implicados em Ouro Preto”.25 25 Ofício de Ethan A. Brown a Edward Livingston, U. S. National Archive, 7 jun. 1833. (apud Parron, 2015, p. 314). Além do contexto de dissensão política que a província de Minas Gerais atravessava, é preciso atentar para o fato de que as preocupações do Senado, externadas nas palavras de Ethan Brown, faziam todo sentido e atestaram o temor instaurado pela revolta de Carrancas. A região onde o levante ocorreu estava localizada na comarca do Rio das Mortes, com grandes unidades escravistas altamente dependentes do trabalho escravo e um percentual muito elevado de africanos (Andrade, 2014ANDRADE, Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro: Minas Gerais - Campanha da Princesa (1799-1850). Belo Horizonte: Fino Traço, 2014.). Ainda é preciso salientar que a província de Minas Gerais detinha a maior população escrava do império e era a maior importadora de cativos do porto do Rio de Janeiro, pelo menos até o ano 1833 (Fragoso, 1998FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de grossa aventura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.). E não foi por mero acaso que as áreas limítrofes ao sul de Minas Gerais, com a cafeicultura em expansão, foram logo avisadas dos acontecimentos dramáticos de Carrancas. Havia um temor de que a revolta se estendesse e a situação pudesse ficar fora de controle (Andrade, 2014ANDRADE, Marcos Ferreira de; SILVA, Janaína Carvalho. Moderados, exaltados e caramurus no prelo carioca: os embates e as representações de Evaristo Ferreira da Veiga (1831-1835). Almanack, n. 4, p. 130-148, 2012.).

Em relação ao tratamento dado pela imprensa, há referências esparsas à revolta. As poucas matérias veiculadas saíram nos periódicos moderados mineiros, como O Astro de Minas e O Universal, sempre para se dissociarem do levante e acusarem o envolvimento dos caramurus. Tratava-se de uma imprensa importante, localizada no epicentro dos conflitos (a sedição e a revolta), e, por isso mesmo, atribuiu aos caramurus o patrocínio da insurreição. Na província do Rio de Janeiro, somente dois periódicos trazem alguns indicativos referentes à revolta. O primeiro foi A Verdade, folha de tendência moderada. Reproduziu alguns extratos de um primeiro interrogatório dos escravos, quando estes incriminaram os caramurus, mas sem qualquer comentário adicional.26 26 Biblioteca Nacional. A Verdade. 1832-1834, n. 222 e 223, 17 e 19 set. 1833. A matéria havia sido publicada anteriormente em O Astro de Minas. O segundo, de tendência claramente caramuru, fez referência indireta e geral ao afirmar que “o coração se parte de dor […] quando sabemos que os escravos em Minas começam a sublevar-se e a fazer massacres horríveis”. Não houve menção às matérias divulgadas nos periódicos mineiros, mas o redator aproveitou a ocasião para alfinetar o governo da Regência “em suas pertinazes medidas de violência, sendo as conciliatórias as únicas que nos podem ainda salvar”.27 27 Pela data de publicação da matéria, posso inferir que o redator se referia à revolta de Carrancas (Biblioteca Nacional. O Verdadeiro Caramuru, n. 5, 31 maio 1833). Em estudo publicado recentemente, Alain El Youssef apresenta uma análise bastante instigante sobre o uso retórico do haitinianismo entre os principais agrupamentos políticos da Regência (moderados, exaltados e caramurus), tendo como principal veículo de divulgação a imprensa periódica. O autor constatou que, logo após a revolta de Carrancas, esse recurso deixou de ser utilizado e só retornaria ao prelo após a revolta dos Malês. Embora haja algumas menções esparsas e bastante tendenciosas, compartilho da hipótese apresentada pelo autor acerca do silenciamento da revolta de Carrancas na imprensa. Ao que tudo indica, os principais agrupamentos políticos (moderados e caramurus) não queriam politizar a questão e teriam prejuízos não só na disputa pela hegemonia política, mas também na possibilidade de surgimento de levantes semelhantes em outras áreas escravistas do império28 28 Também não há qualquer menção à revolta, nem de forma genérica, nos poucos números dos periódicos direcionados à população de cor e mestiça (livre ou liberta), seja de tendência exaltada, seja de tendência caramuru, designados por parte da historiografia como “imprensa mulata” (Vianna, 1945; Flory, 1977; Mattos, 2000; Lima, 2003; Basile, 2004). (Youssef, 2016YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no império do Brasil (Rio de Janeiro, 1822-1850). São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2016., p. 153-154).

Desde 2005, quando foi publicado o estudo de João Luiz Ribeiro, alguns trabalhos já mencionados têm reforçado a hipótese de que a revolta de Carrancas esteve diretamente relacionada com a origem da “lei nefanda”. Em trabalho publicado recentemente, Ricardo Pirola trouxe novos elementos ao debate, na medida em que também dedica o primeiro capítulo de seu trabalho à origem da Lei nº 4, de 10 de junho de 1835 (Pirola, 2016PIROLA, Ricardo Figueiredo. Escravos e rebeldes nos tribunais do império: uma história social da lei de 10 de junho de 1835. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional , 2016., p. 31-87). O autor enriquece a discussão ao se debruçar sobre a conjuntura política que antecede à referida lei, ao dar destaque para o período pós-abdicação de d. Pedro I, para a ascensão dos liberais moderados e aos debates sobre os códigos (criminal e oceal) recém-criados e em implantação, além de apresentar uma breve discussão historiográfica sobre as visões da lei de 10 de junho de 1835 e traçar um panorama da rebeldia escrava nas províncias de Bahia, Pernambuco e São Paulo.

Ao procurar ampliar o debate sobre a origem da lei de 10 de junho, Ricardo Pirola afirma ter descoberto “duas pistas”, que apontam para focos de rebeldia escrava em outras províncias e que teriam tido impacto na formulação do projeto de 10 de junho de 1833. Antes de analisar os indícios encontrados, o autor discute o preâmbulo do projeto de 10 de junho de 1833 e também questiona quais seriam os “atentados recentemente cometidos” que o ministro da Justiça daria a conhecer ao parlamento. Para tentar responder a essa questão, o autor se utiliza do discurso de Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, proferido 46 anos depois, que já analisei e que faz um retrospecto da origem da lei de 10 de junho de 1835, quando a maioria das condenações à pena de morte aplicada a escravos vinha sendo comutada pelo imperador d. Pedro II (Pirola, 2016PIROLA, Ricardo Figueiredo. Escravos e rebeldes nos tribunais do império: uma história social da lei de 10 de junho de 1835. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional , 2016., p. 50-51). Mas o autor se esqueceu de informar ao leitor a origem de todo o debate travado no Senado. Novamente, os aparentados do senador foram vítimas dos escravos e morreram de forma violenta.29 29 O autor fará referência aos crimes cometidos pelo escravo Nazário e sua repercussão no parlamento e na imprensa somente no início do Capítulo III, mas sem mencionar que o crime tinha ocorrido entre os aparentados do senador Ribeiro da Luz (Pirola, 2016, cap. III). Uma filha do senador, Alzira Ribeiro da Luz, foi casada com Fausto dias Ferraz, filho de Silvestre Diaz Ferraz. Este era primo em primeiro grau do médico assassinado e teve quatro filhos homens que se casaram com quatro mulheres da família Junqueira. Portanto, parte da família Dias Ferraz também era aparentada com os Junqueiras. Projeto Compartilhar. Disponível em: http://www.projetocompartilhar.org/Familia/MeirellesFreire.htm. Acesso em: 30 nov. 2016. Possivelmente, a tragédia que se abateu sobre o médico e parte de sua família, no ano 1879, em Itu, tenha rememorado a revolta de Carrancas entre os descendentes aparentados. E a questão mais emblemática em seu discurso, como já tive a oportunidade de problematizar, é que ele atribuiu às revoltas da Bahia, de forma genérica, e à “grande insurreição de São Tomé das Letras”, citada nominalmente, a origem da lei de 10 de junho de 1835. Conforme já apontei, é preciso problematizar a fonte e situar contextualmente o discurso do senador, até para que ele possa fazer sentido para o que ocorreu quase meio século antes. A memória da revolta de Carrancas apareceu em seu discurso, muito provavelmente por reminiscências familiares, pois ele era aparentado dos Junqueiras, mas também por ser um homem público, por ter assumido vários cargos de importância no império, como já apontamos (o último aspecto também foi salientado por Ricardo Pirola). Então, o que o autor apresenta como uma nova evidência de novos elementos para aprofundar no debate sobre a origem da lei de 10 de junho de 1835 só confirma a hipótese de que a revolta de Carrancas deu origem ao Projeto de Lei nº 4, encaminhado pelo ministro da Justiça ao parlamento no dia 10 de junho de 1833. Se a memória do senador estava fresca quase meio século depois, imagine a da Regência, depois do massacre ocorrido na família do deputado Gabriel Francisco Junqueira.

A justificativa apresentada pelo senador Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, de que, desde 1831, verificaram-se “atos notáveis de insubordinação da parte da escravatura”, serviu de base para Ricardo Pirola fazer uma análise da primeira metade da década de 1830 e mencionar a rebeldia escrava em outras partes do império, com destaque para a província de São Paulo e as tentativas de revolta que estuda. Podemos pensar nos atos de rebeldia e no plano de levante em Campinas (Pirola, 2011PIROLA, Ricardo Figueiredo. A lei de 10 de junho de 1835: justiça, escravidão e pena de morte. Tese (Doutorado em História), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.) como motivações secundárias e não com a importância que o autor procura enfatizar. E, em relação a Campinas, também é preciso atentar para o fato de que as autoridades suspeitavam de um plano de insurreição e, em virtude disso, instauraram uma devassa. No caso de Carrancas, tratou-se de uma revolta de fato, terrível e impactante, pois atingiu violentamente parte da família de um representante da elite política moderada mineira, que era hegemônica naquele contexto no sudeste do império.

A outra pista que o autor apresenta deriva da análise da correspondência do ministro da Justiça de 1833, que “aponta para a existência de um projeto de lei, datado de fevereiro daquele ano, discutido no âmbito do Conselho Geral da Província de São Paulo, cujo objetivo principal era o combate aos casos de assassinatos de senhores e feitores cometidos por escravos” (Pirola, 2016PIROLA, Ricardo Figueiredo. Escravos e rebeldes nos tribunais do império: uma história social da lei de 10 de junho de 1835. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional , 2016., p. 66). Trata-se de uma informação relevante a ser considerada, mas, infelizmente, o autor só faz referência à existência do documento, sem sequer citar a fonte.30 30 Na versão anterior do texto, em sua tese de doutorado, o autor menciona o documento e cita a fonte, mas sem tecer considerações mais aprofundadas sobre seu conteúdo ou mesmo citá-lo textualmente (Pirola, 2012, p. 72-74, nota 117). Sem dúvida alguma, não deixa de ser um indicativo de que as autoridades da província de São Paulo estavam preocupadas com o número de assassinatos cometidos por escravos contra seus senhores, familiares e administradores. Pelo menos até o estágio das pesquisas atuais, os estudos historiográficos recentes comprovam que a origem e a aprovação da lei excepcional estiveram diretamente ligadas a dois eventos históricos que marcaram profundamente a memória da escravidão no império do Brasil: as revoltas escravas de Carrancas, em Minas Gerais, e dos Malês, em Salvador, Bahia.

Considerações finais

No dia 13 de maio de 1888, com a extinção da escravidão, a pena de morte aplicada a escravos deixava de fazer sentido. Mas, segundo os estudiosos do tema, pelo menos uma década antes do fim do cativeiro a pena capital aplicada a escravos rebeldes era comutada pelo imperador d. Pedro II. A pena de morte só seria banida de nosso código no período republicano, por meio do Decreto nº 774, de 20 de setembro de 1890. Tive a oportunidade de demonstrar, pela análise da revolta de Carrancas, do que foi registrado sobre ela ao longo do século XIX e dos estudos historiográficos sobre a pena de morte aplicada a escravos, que outro 13 de maio, ocorrido 55 antes, foi determinante para dar origem à Lei nº 4, de 10 de junho de 1835.

Mas foi necessário outro levante, que colocou o império novamente em estado de alerta, para que o Projeto nº 4, de 10 de junho de 1833, se transformasse em lei, com algumas modificações substantivas, mas que preservaram seu conteúdo na essência, como os estudos sobre o tema têm demonstrado. Mas, mesmo assim, ainda foram necessários mais alguns meses para o que projeto se transformasse em lei. E também não deixa de ser muito curioso o fato de o número do projeto ter continuado o mesmo e a lei ter sido aprovada no dia 10 de junho. Intencionalidade ou não, o parlamento deixou cravado na história a origem da lei: a revolta de Carrancas.31 31 Marcos Ferreira de Andrade é professor do Departamento de História da Universidade Federal de São João del-Rei. A releitura da revolta de Carrancas tem sido resultado de pesquisas que contaram com o apoio, em momentos distintos, do CNPq, da Fapemig e também da Capes.

Fontes

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  • ANAIS do Senado do império do Brasil. Sessão de 8 de março 1879, p. 128. Disponível em: <Disponível em: http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Anais_Imperio/1879/1879%20Livro%203.pdf >. Acesso em: 30 nov. 2016.
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  • BIBLIOTECA NACIONAL. A Verdade. 1832-1834. PR_SPR_00481_702102, n. 222 e 223, 17 e 19 set. 1833.
  • BIBLIOTECA NACIONAL PR-SOR. O Verdadeiro Caramuru, n. 5, 31 maio 1833.
  • BLUTEAU Raphael. Vocabulario portuguez & latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1728.
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  • 2
    Livro de assentos de óbitos da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Carrancas (1817-1879). Imagens 84 e 85.
  • 3
    Escritório Técnico do Iphan. Seção São João del-Rei (Iphan-SJDR). Interrogatório do réu Julião Congo, fl. 127.
  • 4
    Ibidem. Correspondência enviada pelo juiz de paz de Baependi, Antônio Gomes Nogueira Francisco, ao relatar ao presidente da província, Manoel Ignácio de Melo e Souza, os acontecimentos de Campo Alegre e Bela Cruz. Anexa ao processo, fl. 14.
  • 5
    O deputado possuía grande escravaria. Em 1839, a fazenda Campo Alegre foi recenseada e contava com 103 escravos. Provavelmente, esse número não diferia muito em 1833 (Listas nominativas de São Tomé das Letras, 1839).
  • 6
    Escritório Técnico do Iphan. Seção São João del-Rei (Iphan-SJDR). Interrogatório de Manoel das Vacas, fl. 143.
  • 7
    Ibidem. Interrogatório do réu Antônio Retireiro, fl. 143.
  • 8
    Ibidem. Interrogatório de Pedro Congo, fl. 145.
  • 9
    Ibidem. Libelo acusatório, fl. 118.
  • 10
    Ibidem, fl. 119.
  • 11
    Ibidem. Depoimento da testemunha Antônio Moreira da Silva, fl. 27.
  • 12
    Ibidem. Interrogatório de Joaquim Mina, fl. 142.
  • 13
    Ibidem. Interrogatório de Julião Crioulo, fl. 150.
  • 14
    A figura do “braço armado” do escravo é antiga na história da escravidão. Sobre o tema, ver Costa e Silva (2002, p. 94) e Costa (2013, p. 18-32).
  • 15
    Escritório Técnico do Iphan. Seção São João del-Rei (Iphan-SJDR). Auto de perguntas feitas ao réu Francisco Silvério Teixeira, fl. 205.
  • 16
    Ibidem. Depoimento da testemunha Manoel Álvares, fl. 32.
  • 17
    Segundo o depoimento da testemunha Gabriel Osório das Dores, alfaiate, de idade de 37 anos, Antônio Retireiro “se apelidava caramuru” (Escritório Técnico do Iphan. Seção São João del-Rei, fl. 58).
  • 18
    Ibidem. Depoimento de Maria Joaquina do Espírito Santo, fl. 49.
  • 19
    Anais do parlamento Brasileiro (1982, v. 1, p. 243-244). Esse aspecto também foi acentuado por Parron (2011, p. 95, e 2015, p. 314).
  • 20
    Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/1841>. Acesso em: 30 nov. 2016.
  • 21
    Anais do Senado do império do Brasil (1879, p. 128). Esse mesmo trecho do discurso do senador foi analisado por Pirola (2016, p. 50-51).
  • 22
    Anais do Senado do império do Brasil (1879, p. 127). O fato foi noticiado com detalhes na imprensa do sul de Minas, no periódico O Baependiano, e foi explorado pelas correntes abolicionistas do sul de Minas (Castilho, 2011, p. 89-91).
  • 23
    A pena de morte só foi efetivamente abolida do Código Penal brasileiro no dia 20 de setembro de 1890, pelo Decreto nº 774 (Ribeiro, 2005, p. 313).
  • 24
    Para um resumo dessas interpretações, ver Pirola (2016, p. 46-48).
  • 25
    Ofício de Ethan A. Brown a Edward Livingston, U. S. National Archive, 7 jun. 1833. (apud Parron, 2015, p. 314).
  • 26
    Biblioteca Nacional. A Verdade. 1832-1834, n. 222 e 223, 17 e 19 set. 1833.
  • 27
    Pela data de publicação da matéria, posso inferir que o redator se referia à revolta de Carrancas (Biblioteca Nacional. O Verdadeiro Caramuru, n. 5, 31 maio 1833).
  • 28
    Também não há qualquer menção à revolta, nem de forma genérica, nos poucos números dos periódicos direcionados à população de cor e mestiça (livre ou liberta), seja de tendência exaltada, seja de tendência caramuru, designados por parte da historiografia como “imprensa mulata” (Vianna, 1945; Flory, 1977; Mattos, 2000; Lima, 2003; Basile, 2004).
  • 29
    O autor fará referência aos crimes cometidos pelo escravo Nazário e sua repercussão no parlamento e na imprensa somente no início do Capítulo III, mas sem mencionar que o crime tinha ocorrido entre os aparentados do senador Ribeiro da Luz (Pirola, 2016, cap. III). Uma filha do senador, Alzira Ribeiro da Luz, foi casada com Fausto dias Ferraz, filho de Silvestre Diaz Ferraz. Este era primo em primeiro grau do médico assassinado e teve quatro filhos homens que se casaram com quatro mulheres da família Junqueira. Portanto, parte da família Dias Ferraz também era aparentada com os Junqueiras. Projeto Compartilhar. Disponível em: http://www.projetocompartilhar.org/Familia/MeirellesFreire.htm. Acesso em: 30 nov. 2016. Possivelmente, a tragédia que se abateu sobre o médico e parte de sua família, no ano 1879, em Itu, tenha rememorado a revolta de Carrancas entre os descendentes aparentados.
  • 30
    Na versão anterior do texto, em sua tese de doutorado, o autor menciona o documento e cita a fonte, mas sem tecer considerações mais aprofundadas sobre seu conteúdo ou mesmo citá-lo textualmente (Pirola, 2012, p. 72-74, nota 117).
  • 31
    Marcos Ferreira de Andrade é professor do Departamento de História da Universidade Federal de São João del-Rei. A releitura da revolta de Carrancas tem sido resultado de pesquisas que contaram com o apoio, em momentos distintos, do CNPq, da Fapemig e também da Capes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2016
  • Aceito
    03 Fev 2017
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