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Pobres, doentes e esmolados da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Coimbra, Portugal (1861-1926)

The poor, the sick and the supplicant of alms of the Venerable Third Order of Saint Francis of Coimbra, Portugal (1861-1926)

Resumo:

As ordens franciscanas seculares garantiam assistência espiritual e material em exclusividade a seus membros, nomeadamente com a atribuição de esmolas aos irmãos caídos em pobreza e o auxílio aos enfermos e idosos. Este trabalho procura caracterizar os irmãos que requereram esmola à Ordem Terceira de Coimbra e, entre eles, aqueles que simultaneamente recorreram ao hospital da instituição, analisando comparativamente os períodos monárquico (1861-1910) e republicano (1911-1926) portugueses. As 697 petições de esmolas feitas à Ordem Terceira de Coimbra constituem fonte privilegiada para o estudo da pobreza entre seus irmãos, pois espelham, na primeira pessoa, os problemas, as vicissitudes e as causas do empobrecimento dos irmãos franciscanos seculares, não raras vezes associados a motivos de doença ou velhice, na maioria impeditivos da garantia de subsistência por meio do trabalho.

Palavras-chave:
esmolas; pobreza; hospital

Abstract:

The secular Franciscan orders guaranteed spiritual and material assistance exclusively to its members, in particular by giving alms to brothers who were poor and helping the sick and the elderly. This work aims to characterize the brothers who requested an alm to the Third Order of Coimbra and, among these, those who simultaneously resorted to the hospital of the institution, analysing comparatively the Portuguese monarchical (1861-1910) and republican (1911-1926) periods. The 697 requests for alms made to the Third Order of Coimbra are a privileged source for the study of poverty among its brothers, since they reflect in the first person the problems, vicissitudes and causes of the impoverishment of the secular Franciscan brothers, not infrequently associated with reasons of illness or old age, in the majority impediments of the guarantor of subsistence through work.

Keywords:
alms; poverty; hospital

Introdução

A Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco de Coimbra (a partir de agora designada por Ordem Terceira de Coimbra) foi regularmente fundada em 1659 na forma da bula Supra Montem do papa Nicolau IV, de 18 de agosto de 1289, tendo sido feita em 5 de janeiro daquele ano a primeira eleição da Mesa do Definitório.

Durante muitos anos, teve sede em sua capela de Nossa Senhora da Conceição da Ponte, mas a partir de 1841 tornou-se proprietária da igreja de Nossa Senhora do Carmo e, a partir de 1845, do extinto colégio dos Carmelitas Calçados, na rua da Sofia, Coimbra, onde instalou sua sede e estabeleceu um hospital privativo para curativo de seus membros pobres e doentes. Após dispendiosa reedificação do colégio (Silva, 2015SILVA, Ana Margarida Dias da. O hospital e asilo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra (1851-1926). Coimbra: Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra, 2015., p. 93-96), a Ordem Terceira de Coimbra instalou mais condignamente seu hospital, que abriu portas pela primeira vez no dia 14 de maio de 1852 e veio a inaugurar em 8 de junho de 1884, Dia da Santíssima Trindade, um asilo, que presentemente corresponde a seu Lar de Idosos.

Em Coimbra, na segunda metade do século XIX, quando da fundação do hospital e asilo da Ordem Terceira, existiam a Santa Casa da Misericórdia, de origem moderna e proteção régia, os Hospitais da Universidade de Coimbra, desde 1772 e resultado da agregação de pequenos hospitais (Hospital Real de Coimbra, Hospital da Convalescença e Hospital de São Lázaro), o Hospício dos Abandonados, o Asilo da Infância Desvalida e o Asilo de Mendicidade, esses três últimos instituições criadas pela reforma do liberalismo, para além das inúmeras confrarias espalhadas pela cidade.

Em Portugal, durante a época moderna e inícios da época contemporânea, verifica-se a ausência da tutela da Igreja na assistência, contrariamente ao que sucede com outras nações católicas.1 1 Sobre a assistência pública em Portugal, ver, por exemplo, Abreu (2002, p. 417-434, e 2014), Araújo (2011 e 2013), Lopes (2000 e 2010) e Sá (1997), entre outros. As principais instituições de beneficência, as misericórdias, eram maioritariamente de iniciativa local e comunitária, e os hospitais urbanos, surgidos na época moderna, eram de iniciativa régia, nobre, burguesa ou corporativa, embora não se possa excluir a influência, menos estudada, do poder episcopal. Por todo o país, proliferavam também irmandades, confrarias, ordens terceiras e as instituições tipicamente liberais que foram surgindo ao longo do século XIX: asilos, creches, dispensários, lactários, albergues noturnos, não esquecendo a atuação das entidades públicas, como o governo central, os governos civis e as câmaras municipais.

Antes da criação do Sistema Nacional de Saúde em 1979, em Portugal, os cuidados médicos eram garantidos com tratamento domiciliário e nos hospitais, integrados, maioritariamente, nas misericórdias ou em confrarias e ordens terceiras, nesses casos exclusivos para seus membros. Excetuavam-se os Hospitais Centrais de Lisboa, sob gestão governamental a partir de 1834, os Hospitais da Universidade de Coimbra, o das Caldas da Rainha e o de São João, no Porto, já do século XX, e ainda, nessa centúria, as clínicas privadas, que gradualmente foram sendo abertas quando os cuidados de saúde em internamento se tornaram uma área de negócios.

Os hospitais constituíam-se, assim, nos “pilares da assistência pública que se praticava em Portugal” (Abreu, 2002ABREU, Laurinda. A especificidade do sistema de assistência pública português: linhas estruturantes. Arquipélago: História, 2. série, v. VI, p. 417-434, 2002., p. 432) e até o século XX eram vistos como “instituições de caridade, pois só os pobres pediam o internamento” (Lopes, 2010LOPES, Maria Antónia. Protecção social em Portugal na Idade Moderna. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2010. Estudos: Humanidades., p. 69), uma vez que todo aquele que tinha possibilidades tratava-se em casa. Nos hospitais das ordens terceiras estudadas, eram os irmãos pobres que recorriam ao auxílio hospitalar, e aqui se reconhece a dificuldade em definir o conceito do que era ser pobre, visto que os irmãos terceiros seculares estavam obrigados ao pagamento dos anuais.

De instituições que rejeitavam não só os doentes incuráveis, mas também os contagiosos (razões, entre outras, que explicam as baixas taxas de mortalidade), os hospitais vão se modificando com o progressivo aumento e especialização dos cuidados médicos, a que não ficaram alheios os progressos da medicina de finais do século XIX (Pereira e Pita, 1993PEREIRA, Ana Leonor; PITA, João Rui. Ciências. In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal: o liberalismo. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. v. V, p. 661-667.).

O hospital era, então, “la pieza clave del sistema assistencial heredade de la modernidad” (Carasa Soto, 1991CARASA SOTO, Pedro. Historia de la beneficencia en Castilla y Leon: poder y pobreza en la sociedad castellana. Valladolid: Secretariado de Publicaciones/Universidad de Valladolid, 1991., p. 29), quando aos cuidados do corpo se aliavam a assistência espiritual e a distribuição de esmolas.

No arquivo da Ordem Terceira de Coimbra, encontram-se centenas de petições de esmolas feitas pelos irmãos seculares (Silva, 2013SILVA, Ana Margarida Dias da. Inventário do Arquivo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco da Cidade de Coimbra (1659-2008). Instrumentos de Descrição Documental 2. Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2013. Disponível em: <http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/10334/4/IDDs2InventarioOrdemTerceira.pdf>.
http://repositorio.ucp.pt/bitstream/1040...
, p. 43), processos que se constituem em uma fonte privilegiada, “com imensas potencialidades para o aprofundamento da história dos pobres” (Lopes, 2010LOPES, Maria Antónia. Protecção social em Portugal na Idade Moderna. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2010. Estudos: Humanidades., p. 185), e permitem “adotar também o ponto de vista do pobre” (Fontaine, 2016FONTAINE, Laurence. Pobreza, crédito e redes sociais na Europa pré-industrial. Tempo [online], Niterói: UFF, v. 22, n. 40, p. 425-438, maio/ago.2016. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/tem/v22n40/1413-7704-tem-22-40-00425.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/tem/v22n40/1413...
, p. 426), desde logo porque espelham, na primeira pessoa, os problemas, as vicissitudes e as causas do empobrecimento, não raras vezes associadas a motivos de doença ou velhice.

Apesar de conterem algumas fórmulas estereotipadas, finalizando-se quase sempre com a declaração das suplicantes de rogarem a Deus pela vida, saúde e aumento de Vossas Caridades, essas petições possuem particular interesse, na medida em que lançam luz sobre as condições de vida de alguns irmãos pobres. (Martins, 2009MARTINS, William de Sousa. Membros do Corpo Místico: ordens terceiras no Rio de Janeiro (c. 1700-1822). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009., p. 231).

Complementa-se a informação das petições de esmola com os pedidos de admissão no hospital e asilo da Ordem (1857-1926), com os registros de entradas e saídas do hospital e asilo da Ordem (1852-1926) e com as Papeletas dos irmãos doentes (1852-1926). É com o cruzamento dessas fontes que se caracterizam os irmãos seculares pobres, doentes e esmolados que recorreram ao auxílio material, hospitalar e asilar da Ordem Terceira de Coimbra.

Em relação ao recorte temporal, justifica-se a divisão da análise comparativa entre o tempo da monarquia constitucional (1822-1910) e a vigência da Primeira República (1911-1926), conforme explicitado no resumo, à partida porque o hospital da Ordem Terceira de Coimbra foi fundado em 1851, em pleno período monárquico, em que as constituições portuguesas - a primeira de 1822, a Carta Constitucional de 1826, que vai estar em vigor até o fim da monarquia (salvo no interregno de 1836 a 1842), e a Constituição portuguesa de 1838 (1838-1842) - refletem a atuação dos governos liberais, que se centrou na uniformização, na planificação, no policiamento e na canalização de rendimentos para as instituições assistenciais (Silva, 2015SILVA, Ana Margarida Dias da. O hospital e asilo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra (1851-1926). Coimbra: Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra, 2015., p. 25-26). O segundo período surge com a implantação da república, a 5 de outubro de 1910. E “A República não foi a simples continuação da monarquia constitucional” (Ramos, 1994RAMOS, Rui. A segunda fundação. In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal: o liberalismo. Lisboa: Editorial Estampa , 1994. v. V, p. 335-666., p. 401). O Estado republicano propunha um novo sistema eleitoral, a limitação das prerrogativas do chefe de Estado, a sujeição do Poder Executivo a um parlamento eleito e a máxima participação popular. Em relação à assistência, preparou-se um novo conjunto normativo, desde logo, na Constituição de 1911, cujo capítulo “Dos direitos e garantias individuais” proclama: “É reconhecido o direito à assistência pública” (art. 3o, § 29)” (Silva, 2015SILVA, Ana Margarida Dias da. O hospital e asilo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra (1851-1926). Coimbra: Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra, 2015., p. 27-28), não se podendo esquecer os efeitos da Lei de Separação do Estado e das Igrejas, de 20 de abril de 1911, que se inseriu na política laicizadora da Primeira República.

Para cumprir o objetivo proposto, ausculta-se nos estatutos da Ordem Terceira e nos regulamentos de seu hospital e asilo o que é a projetada ação da Fraternidade sobre o auxílio aos irmãos pobres e doentes, e analisam-se as despesas que a Ordem Terceira de Coimbra tinha com o auxílio das esmolas para perceber qual o peso da atividade assistencial aos pobres nas contas da instituição. Procuram-se imagens de pobreza a partir do que os peticionários escrevem nos processos e apresenta-se o formulário das petições de esmolas. Depois, faz-se a caracterização dos irmãos esmolados: quem eram, de onde vieram, onde moravam, qual sua ocupação profissional, qual seu estado civil, idade e composição familiar. Comparam-se os registros do hospital para saber quantos e quais desses irmãos esmolados recorreram ao hospital e/ou foram internados no asilo. Por fim, importa perceber os motivos invocados pelos irmãos franciscanos seculares que os impeliram a esmolar e o que pedem em seus requerimentos, bem como que tipo de assistência a Ordem Terceira de Coimbra prestou a seus membros pobres e doentes.

O auxílio aos irmãos pobres e doentes: disposições estatutárias e regulamentares

Não sendo fácil encontrar um conceito de pobreza suficientemente abrangente para caracterizar todas as situações que possam cair dentro dele, aceita-se a premissa de que o pobre é “consequência” de situações de privação e incapacidade de prover as necessidades básicas de alimentação, vestuário e alojamento, a que se associa, não raras vezes, a doença. “De fato, a pobreza sempre foi pensada como um estado enquanto ela é um risco, o que as definições da época dizem aliás muito bem” (Fontaine, 2016FONTAINE, Laurence. Pobreza, crédito e redes sociais na Europa pré-industrial. Tempo [online], Niterói: UFF, v. 22, n. 40, p. 425-438, maio/ago.2016. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/tem/v22n40/1413-7704-tem-22-40-00425.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/tem/v22n40/1413...
, p. 428).

Nas palavras de Isabel dos Guimarães Sá (2001SÁ, Isabel dos Guimarães. Pobreza. In: AZEVEDO, Carlos Moreira (Dir.). Dicionário de história religiosa de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001. v. 3, p. 456-461., p. 456): “o que caracteriza as sociedades pré-industriais é o facto de pelo menos 75 a 80% da população estar sujeita a resvalar para situações de pobreza, devido a oscilações do mercado do trabalho ou reveses de fortuna”.

No sentido de complementar o que se entende por pobreza no período em estudo, recorre-se às definições que irmãs e irmãos seculares fazem em seus pedidos. Os suplicantes de esmolas dizem que estão “na maior miséria” e “impossibilitados de trabalhar”, que não têm “outros recursos senão os do produto do seu trabalho”, que não podem “trabalhar para ganhar o sustento para sua alimentação”. Francisco Augusto dos Santos resume sua situação: “É pobre, vive apenas do seu trabalho diário” (1o/10/1890). E, de fato, os exemplos corroboram as teses historiográficas que defendem que se é pobre porque se vive apenas do sustento de seu trabalho (Lopes, 2010LOPES, Maria Antónia. Protecção social em Portugal na Idade Moderna. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2010. Estudos: Humanidades., p. 20; Braga, 2014BRAGA, Isabel Maria Ribeiro Mendes Drumond. A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santo Estêvão de Alfama e a assistência à pobreza (1806-1820). Revista Tempo, Niterói: UFF, v. 20, p. 1-19, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v20/1413-7704-tem-2014203623.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/tem/v20/1413-77...
, p. 7; Fontaine, 2016FONTAINE, Laurence. Pobreza, crédito e redes sociais na Europa pré-industrial. Tempo [online], Niterói: UFF, v. 22, n. 40, p. 425-438, maio/ago.2016. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/tem/v22n40/1413-7704-tem-22-40-00425.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/tem/v22n40/1413...
, p. 425). Ao mesmo tempo, os irmãos e irmãs terceiros esmolados explicam que não têm “meios para seu tratamento” por serem pobres, que caíram em situação de pobreza pela doença que os impossibilita de exercer o ofício e obriga a despesas avultadas com a cura. Significa, portanto, que a doença inabilita o angariar dos meios de subsistência pelo trabalho, levando os indivíduos a cair em situações de pobreza. “A doença, ainda que temporariamente, coloca os trabalhadores em situação de pauperizáveis” (Silva, 2016SILVA, Ana Margarida Dias da. “Curados, melhorados ou falecidos” no Hospital da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco de Coimbra (1851-1926). Revista Portuguesa de História, t. XLVII, p. 315-336, 2016. Disponível em: <https://impactum.uc.pt/pt-pt/node/114386 DOI: https://doi.org/10.14195/0870-4147_47_16>.
https://impactum.uc.pt/pt-pt/node/114386...
, p. 326-327). Mais, “o pobre é aquele que padece, que está na infelicidade” (Fontaine, 2016, p. 425), que é “desgraçado e triste” (Braga, 2014, p. 7), e cujos relatos deixam perpassar sentimentos de infelicidade e impotência (Lopes, 2000, p. 277).

Os textos regulamentares e estatutários da Ordem Terceira de Coimbra enfatizam muito mais a assistência dada aos irmãos doentes do que aos irmãos pobres.

Desde logo, a bula Supra montem, do papa Nicolau IV, pela qual se regem as ordens franciscanas seculares, não regulamenta a atuação dos terceiros seculares perante os irmãos caídos em pobreza, embora no Capítulo 14 trate “Dos irmãos doentes e defuntos”:

Sucedendo pois adoecer algum dos Irmãos, os Ministros (se o doente lho fizer saber) sejam obrigados a visitar por si, ou por outro, ou outros, o enfermo, exortando-o com cuidado à receção da Penitencia (conforme julgarem que melhor, e mais eficazmente convém), e dando-lhe o necessário dos bens comuns.2 2 AVOTFC (Arquivo da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco de Coimbra) Estatutos, 1828, liv. A12, fl.s n. n.

Também as disposições estatutárias oitocentistas da Ordem Terceira de Coimbra dedicam maior atenção ao grupo dos enfermos. O Capítulo 22 dos Estatutos de 1828 tratam “Do modo como se devem socorrer os irmãos pobres e doentes”.

1o Considerando que é de suma necessidade, importância exercitarmos ações de caridade com os nossos Irmãos, principalmente doentes, e tendo muito em vista o que se acha disposto sobre esta matéria no Cap. 14 da Bula Supra Montem, determinamos que tanto que constar da moléstia de qualquer nosso Irmão seja logo visitado pelo Irmão Ministro ou por algum dos Irmãos visitadores e socorrido (no caso de ter necessidade) com a esmola que se acha estabelecida no livro dos Acórdãos; e quando esta não seja proporcionada à sua precisão, a Mesa o prova como julgar conveniente, e permitirem os rendimentos da Ordem.3 3 Ibid.

E, em relação aos franciscanos seculares caídos em pobreza, no mesmo capítulo se escreve:

2o Pelo que pertence aos Irmãos pobres, que não estiverem atualmente doentes, queremos que sejam secundariamente socorridos quanto for possível, atendendo sempre às contínuas e graves despesas que somos obrigados a fazer, assim nos sufrágios dos Irmãos como com outras obras pias de comum utilidade.4 4 Ibid.

A ação assistencial da Ordem Terceira franciscana, pelo que os estatutos determinam, privilegiava o benefício espiritual dos sufrágios por alma dos irmãos defuntos e o auxílio aos irmãos na doença, deixando para último plano o socorro aos irmãos pobres.

O Capítulo 13 do Regulamento do hospital e asilo de 1890 trata “Da aceitação no hospital e asilo, e socorros”.5 5 AVOTFC. Estatutos, 1890, liv. A15, fls. 64-66. Em seu artigo 116, determina que sejam socorridos: “Os irmãos pobres e doentes que se tratarem em suas casas, os que não possam trabalhar, os que precisem de ir a banhos, e requererem ao Definitório algum auxílio de caridade.”

Além da assistência hospitalar prestada aos irmãos doentes, as ordens terceiras de São Francisco e do Carmo no Rio de Janeiro ampararam também os respetivos membros caídos em pobreza. No que toca à caridade dirigida a estes últimos, apesar das eventuais situações de emergência, quando estava em jogo a sobrevivência, pode-se postular com alguma segurança que se destinava amiúde a indivíduos que se encontravam apenas em situação de relativa pobreza. (Martins, 2009MARTINS, William de Sousa. Membros do Corpo Místico: ordens terceiras no Rio de Janeiro (c. 1700-1822). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009., p. 221).

Isso porque as ordens terceiras impunham “critérios de seleção, o que as faziam instrumentos de reconhecimento social” (Lopes, 2010LOPES, Maria Antónia. Protecção social em Portugal na Idade Moderna. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2010. Estudos: Humanidades., p. 110), e a exigência de uma profissão que fosse digna e dignificasse a Ordem, precavendo-se, logo à partida, quanto à possibilidade de os irmãos caírem em pobreza. Assim, para se ser admitido como irmão terceiro, era imprescindível não ser indigente nem correr risco evidente de o ser, embora, naturalmente, as vicissitudes da vida pudessem empurrar alguns para isso.

Inquiria-se:

4. Se tem ofício, renda, ou património de que viva, e se possa sustentar honestamente sem andar mendigando, ou se está tão falido de bens, e com tantos empenhos, que se recebe chegue brevemente a mendigar, e se tem domicílio certo, ou se é vagabundo6 6 AVOTFC. Inquirições de genere e pedidos de admissão de irmãos.

Na verdade,

[…] a filiação prévia a uma das ordens terceiras representava uma garantia nos momentos de adversidade, pois as mesas administrativas procuravam observar se, antes de caírem repentinamente em estado de pobreza, tinham pago suas anuidades ou servido nos cargos da Ordem. (Martins, 2009MARTINS, William de Sousa. Membros do Corpo Místico: ordens terceiras no Rio de Janeiro (c. 1700-1822). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009., p. 243).

A atribuição de esmolas aos irmãos pobres que as requeriam “para remissão das suas necessidades” constituíam uma prática tradicional na ordem franciscana, e, pelo fato de as esmolas serem tênues, tais requisições deviam ser encaminhadas diretamente ao ministro “para Evitar a dilação do benefício delas” (Martins, 2009MARTINS, William de Sousa. Membros do Corpo Místico: ordens terceiras no Rio de Janeiro (c. 1700-1822). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009., p. 231).

Apesar de a distribuição de esmolas aos irmãos pobres e doentes estar regulamentada nos vários estatutos da Ordem Terceira de Coimbra, consideramos que constituem uma despesa extra aos cofres da instituição, visto que só recorrem a esse auxílio material os irmãos que, por circunstâncias pontuais mais ou menos prolongadas no tempo, se veem obrigados a essa forma de assistência. As esmolas distribuídas para “socorros a irmãos em casa convalescentes e para uso de banhos”, as “esmolas a irmãos enfermos”, as “esmolas de funerais” e as “esmolas da Sexta-feira da Paixão” constituíram, em média, apenas 1,81% do total das despesas do hospital e asilo entre 1878-1879 e 1926-1927.7 7 O mesmo se verificara entre 1740 e 1789 na Ordem Terceira de Braga, onde as esmolas perfizeram apenas 1,89% dos gastos totais (Moraes, 2009, p. 318). Em sentido contrário, o Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Sor gastou 66% com esmolas entre 1765-1766 e 1790-1791, 39% com “condução e tratamento” entre 1841 e 1843, e 33% com “condução e esmolas” entre 1843-1844 e 1849-1850, verificando-se, dessa forma, “que a principal actividade do hospital consiste na concessão de esmolas aos pobres ou doentes e na sua condução para outros hospitais”, o que se explica pelo fato de esse hospital funcionar como albergue que dava apoio a viandantes e doentes (Silva, 2005, p. 24-27).

Nos Estatutos da Ordem Terceira conimbricense, no Capítulo 7, § 3o, “Do irmão ministro”, ficamos sabendo que este tinha a autoridade de dar esmolas sem ser necessário consultar a Mesa do Definitório, exceto quando o valor a atribuir excedesse os 240 réis.8 8 AVOTFC. Estatutos, 1828, fl. 18v. Situação semelhante verifica-se na Confraria de São Vicente de Braga (Araújo, 2011, p. 109). No artigo 117 do Capítulo 13 do Regulamento do hospital e asilo de 1890, ressalva-se que o ministro podia deferir esmolas no valor de 500 e 1.000 réis quando entrasse algum requerimento de petição de esmola pouco tempo depois de ter havido Definitório.9 9 Por exemplo, na Ordem de São Francisco do Rio de Janeiro: “Após informar-se a respeito da indigência do respectivo membro, o irmão ministro podia distribuir esmolas de até 960 réis, reservando-se as despesas mais dilatadas para o arbítrio da mesa” (Martins, 2009, p. 231).

Ao contrário da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, por exemplo, que concedia esmolas mensais (Lopes, 2000LOPES, Maria Antónia. Pobreza, assistência e controlo social em Coimbra (1750-1850). Viseu: Palimage, 2000. v. 2., p. 101), e as mais avultadas, três vezes por ano na altura do Natal, Páscoa e Visitação (Lopes, 2000, p. 92), não parece ter havido, pelo menos até 1905, uma data fixa de distribuição de esmolas aos irmãos pobres e doentes. Foi por legado do benfeitor José Vaz Correia Coimbra que a Ordem Terceira passou, a partir daquela data, a distribuir as “Esmolas da Sexta-feira da Paixão” às viúvas dos irmãos terceiros falecidos.10 10 AVOTSFC. Actas e eleições, 1905, fl. 4.

Todavia, e embora não sendo prática generalizada na Ordem Terceira conimbricense, pontualmente apareceram também pedidos de irmãos para que lhes fosse atribuída uma esmola mensal, embora isso corresponda a um valor residual (12 em 697 petições), essencialmente em casos de impossibilidade de garantir a subsistência por falta de saúde.11 11 Na Ordem Terceira de São Francisco do Rio de Janeiro, durante o século XIX, as esmolas mensais eram entregues sobretudo aos “homens que eram cabeças das suas famílias” e a “irmãs viúvas e órfãs filhas de irmãos terceiros. Em ambos os casos, o pretexto da manutenção da honra justificava a assistência doméstica” (Martins, 2009, p. 232). Também poderia suceder que essa esmola mensal fosse apenas atribuída durante o período de doença, como no caso da irmã Maria Joaquina, que, em 1861, foi mandada socorrer pelo mordomo com 1.200 réis mensais “até que esteja doente e entrevada como prova pelos atestados que apresenta”,12 12 AVOTSFC. Actas e Eleições, 1861, fl. 45. ou, outro exemplo, o do doente Manuel Joaquim de Almeida, a quem foi decidido dar a quantia de 120 réis por dia “enquanto o nosso médico não mandar o contrário”.13 13 Ibid., fl. 45v.

De fato: “Pedir esmola ou requerer a entrada no hospital era um recurso de pobres que eles utilizavam sempre que a conjuntura os empurrava para isso” (Lopes, 2000LOPES, Maria Antónia. Pobreza, assistência e controlo social em Coimbra (1750-1850). Viseu: Palimage, 2000. v. 2., p. 163), como lamenta Manuel Fernandes Correia, que, em 1918, “não podendo ganhar os meios para o seu sustento já pelos seus 76 anos já pela doença que sofre motivada de um grave desastre do que fraturou as costelas” e que “todo este conjunto o coloca em situação degradante”, a que acresce a “situação atual da carestia da vida”, provocada pela Grande Guerra (1914-1918), se vê obrigado a esmolar.

Importa ressaltar que a atribuição de esmolas, e sobretudo seu valor, estava condicionada, por um lado, pela maior ou menor participação dos irmãos nas atividades da Ordem. Por outro: “A existência de patamares tão elásticos de assistência se explica pelos próprios critérios que norteavam a concessão das esmolas, os quais, entre outras condições, mandavam observar a ‘qualidade’ dos irmãos que solicitavam aquelas ajudas” (Martins, 2009MARTINS, William de Sousa. Membros do Corpo Místico: ordens terceiras no Rio de Janeiro (c. 1700-1822). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009., p. 225).

Nos pedidos feitos à Ordem Terceira de Coimbra, verifica-se que nem todos têm o mesmo tipo de deferimento; aqui e ali, notam-se diferenças de tratamento entre irmãos, sobretudo no valor da esmola pecuniária atribuída em situações semelhantes. A explicação para o fato está no maior ou menor empenhamento nas tarefas que os irmãos deviam cumprir, como refere o carpinteiro Cândido Augusto Santana, casado, morador na rua Fernandes Tomás, freguesia de Sé Velha: “como a nossa ordem tem nos seus estatutos e regulamento socorrer os irmãos pobres e que tenham comprido os seus deveres” (1893). Nas petições, é possível encontrar menção às obrigações que os irmãos seculares devem cumprir para que lhes seja concedida a ajuda material. Por exemplo, a José Antunes Meco é dada uma esmola de 1.500 réis para ir a banhos nas Caldas da Rainha, contudo a esmola pecuniária é dada com a advertência de “ser mais exato no cumprimento das obrigações que tem como irmão” (1886). Em outros processos, também se apanham pequenas justificações que confirmam essa preocupação com o cumprimento dos preceitos da Ordem, sobretudo associados aos deveres religiosos e ao acompanhamento dos funerais dos irmãos falecidos. Alexandre Rodrigues da Conceição, morador na freguesia de São Bartolomeu, escreve em seu processo: “e como a Venerável Ordem socorre os irmãos pobres e principalmente aqueles que cumprem com os seus deveres religiosos e se melhor os não tenho cumprido é por não ter sido avisado já há muito tempo, principalmente para os atos fúnebres não sei a razão?” (1890); já Manuel Fernandes Correia, casado, morador na freguesia de São Bartolomeu ao Largo do Romal, pede ao Definitório “que o socorra com uma esmola visto ter comprido aos acompanhamentos de enterros e as festividades e o suplicante alega mais que não sabe escrever por isso não tem escrito o seu nome no livro dos enterramentos” (1891); e José Antunes Meco, que pede esmola para ir a banhos às Caldas da Amieira, “declara se tem cometido alguma falta nos enterros ou festas é por não poder andar de pé ou motivo de doença” (1894). Bem elucidativo é o caso de Calisto André Soares Pinto, que foi definidor na Ordem durante nove anos e secretário outros três anos, pede medicamentos para tratar de sua doença, mas seu pedido foi indeferido por dever os anuais de mais de 30 anos (7/9/1897)!

As petições de esmolas

As petições de esmolas eram dirigidas ao ministro e aos restantes membros da Mesa do Conselho da Ordem, em que os requerentes explicavam os motivos do pedido e aquilo que pretendiam receber.

O processo era semelhante em outras ordens terceiras, como a do Carmo do Rio de Janeiro, onde os irmãos caídos em pobreza apresentavam uma petição à Mesa para “ingressar no rol dos membros assistidos” (Martins, 2009MARTINS, William de Sousa. Membros do Corpo Místico: ordens terceiras no Rio de Janeiro (c. 1700-1822). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009., p. 222) e nas Misericórdias, onde:

Para se aceder à esmola era necessário pedi-la através de uma petição dirigida à Mesa. O pobre identificava-se, referia a sua residência, demonstrava a sua incapacidade para trabalhar e rogava a esmola de que necessitava. Depois de serem analisadas e averiguadas as informações, esta podia ou não ser despachada favoravelmente. Todas as petições eram analisadas em Mesa, e só após serem colhidas informações sobre os peticionários, podiam ou não ser atendidas. (Araújo, 2013ARAÚJO, Maria Marta Lobo de. Assistir os pobres e alcançar a salvação. In: CAPELA, José Viriato; ARAÚJO, Maria Marta Lobo de. A Santa Casa da Misericórdia de Braga 1513-2013. Braga: Santa Casa da Misericórdia de Braga, 2013. p. 447-533., p. 462).

A veracidade das declarações era confirmada pelo prior da freguesia e, no caso dos irmãos doentes, pelo atestado do médico.

No arquivo da Ordem Terceira de Coimbra, foram identificados, recolhidos e analisados, quantitativa e qualitativamente, 69714 14 Conserva-se ainda um conjunto de 404 petições de esmolas entre 1721 e 1828, que vai ser tratado em outro lugar, havendo um hiato na documentação até 1860, inclusive, e existe um único processo para além do limite temporal aqui estudado, com data de 1933. processos de petições de esmolas situados cronologicamente entre 1861 e 1926,15 15 Em Portugal: “A primeira metade do século XIX assistiu a um empobrecimento da população” e, comparativamente, “nessa altura a Santa Casa [de Braga] despachou favoravelmente mais 494 petições de pobres” (Araújo, 2013, p. 476). em uma média de 10,56 petições de esmolas por ano. No período da monarquia constitucional, entre 1861 e 1910, a Ordem conimbricense recebeu 431 pedidos de esmolas, em uma média de 8,66 petições anuais. No período da Primeira República, série compreendida entre os anos 1911 e 1926, contabilizam-se 266 processos, em uma média de 16,63 por ano. O século XX correspondeu a um aumento do número de entradas e profissões na Ordem Terceira coimbrã, o que pode justificar, em parte, esses números. Outra justificação encontra-se igualmente no legado do benfeitor José Vaz Correia, que visava à distribuição das “Esmolas da Sexta-feira da Paixão” às viúvas dos irmãos terceiros falecidos a partir de 1905.

Os 66 anos em apreço não estão uniformemente representados, existindo lacunas em alguns. A década com maior número de petições é a de 1890-1899, com 172 processos, seguida da década de 1900-1909, com 105. Com menor expressão, registram-se as décadas de 1870-1979, com 10, e de 1860-1969, apenas com quatro processos. Não existem petições de esmolas para os anos 1862-1863, 1867-1874, 1876 e 1878Mapas Mapas das receitas e despesas do hospital, 3 livros (1878-1879 a 1926-1927), 1922-1923, e 1925-1926.

É importante perceber o que significam esses 697 pedidos de esmolas no número global dos irmãos franciscanos seculares conimbricenses. Não dispomos de dados sobre o número total de irmãos terceiros seculares para todos os anos, mas sabemos, por exemplo, que, em dezembro de 1895, a Venerável Ordem Terceira de Coimbra tinha “341 irmãos do sexo masculino e 85 do sexo feminino” (Barrico, 1895BARRICO, Joaquim Simões. Notícia histórica da venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco da Cidade de Coimbra. Coimbra: Typographia de J. J. Reis Leitão, 1895., p. 135). Nesse ano, apenas 12 (2,8%) desses 426 irmãos requereram uma esmola à Ordem. Também sabemos que, em 1926, o número de irmãos era superior a 600;16 16 AVOTSFC. Actas e eleições,1926, fl. 36. nesse ano, a Mesa não recebeu nenhum pedido de esmola. Nessas duas ocasiões, como se verifica, o número de suplicantes de esmola é reduzido. Não será de estranhar, visto que, para se ser admitido como irmão terceiro, era imprescindível não ser indigente nem correr risco evidente de o ser, embora, naturalmente, as vicissitudes da vida pudessem empurrar alguns para isso.17 17 As mesmas conclusões verificaram-se relativamente aos irmãos hospitalizados (Silva, 2013, p. 107).

O reduzido número de petições entre os irmãos franciscanos seculares de Coimbra parece indicar que poucos foram aqueles que se viram em situações de pobreza, contrariamente ao que acontecia com algumas misericórdias portuguesas, em que: “A expressão ‘infinitas petições’ era utilizada com alguma frequência pelos escrivães da Santa Casa para reforçarem o volume de requerimentos recebidos nos momentos de distribuição massiva de esmolas” (Araújo, 2013ARAÚJO, Maria Marta Lobo de. Assistir os pobres e alcançar a salvação. In: CAPELA, José Viriato; ARAÚJO, Maria Marta Lobo de. A Santa Casa da Misericórdia de Braga 1513-2013. Braga: Santa Casa da Misericórdia de Braga, 2013. p. 447-533., p. 460). Tanto para as ordens terceiras seculares quanto para as misericórdias, a “responsabilidade de ajudar os pobres é uma das traves mestras da doutrina cristã” (Magalhães, 2013MAGALHÃES, António. Práticas de caridade na Misericórdia de Viana da Foz do Lima (séculos XVI-XVIII). Viana do Castelo: Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo, 2013., p. 248); a diferença reside no fato de as primeiras dirigirem seu auxílio pontual e exclusivamente a seus membros.

Apenas 8,46% (59 em 697) irmãos viram seus pedidos indeferidos. Desses, três não eram irmãos da ordem franciscana secular, mas 84,75% dos processos não atendidos relacionam-se com as esmolas dadas por ocasião da Sexta-Feira da Paixão. O legado previa a atribuição de esmolas a apenas seis irmãs viúvas; logo, o número de pedidos excedia sempre o número de esmolas a distribuir. Nas restantes petições, não se registram os motivos da recusa da atribuição da esmola, lê-se apenas: “indeferido por esta vez”, “desta vez não pode ser”, “indeferido por ter entrado fora do prazo” e “indeferido na forma do regulamento, conforme sessão do Definitório de 13 de Maio de 1897”.

Se considerarmos os irmãos que requereram esmola mais de uma vez, verificaremos que as 697 petições correspondem a 206 irmãos seculares18 18 A “reincidência” também é visível na Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santo Estêvão de Alfama: “No entanto, não estivemos perante 225 pessoas diferentes. Nesse universo, as referidas ajudas foram atribuídas a 51 pessoas, importando notar que 31 receberam mais do que uma esmola ao longo dos anos. Nesse caso, pontificaram mais uma vez as mulheres viúvas, nomeadamente oito que receberam de 10 a 20 esmolas entre 1806 e 1820” (Braga, 2014, p. 14). e, dentro desses, há 92 (45%) que pedem esmola mais de uma vez: 25 irmãos pedem esmolas por duas vezes, 17, por três vezes, 11, por quatro vezes, cinco, por cinco vezes, sete, por seis vezes, quatro, por sete vezes, cinco, por oito vezes, quatro, por nove vezes, e 10 fazem-no entre 10 e 19 vezes. Há mesmo quatro irmãos que recorrem a esse auxílio material mais do que 20 vezes! A “falta de vista” impede o sapateiro Alexandre Rodrigues da Conceição de exercer seu ofício e, alegando pobreza e doença, pede por 28 vezes esmolas entre 29 de março de 1883 e 31 de maio de 1899; Maria da Conceição Benedita, solteira, cega e muito pobre, solicita por 30 vezes esmolas entre 8 de setembro de 1893 e 3 de abril de 1900; Francisco Rodrigues das Neves, sapateiro, aconselhado pelo facultativo a “fazer uso de banhos”, requer por 31 vezes esmolas para pagar as despesas com os banhos de mar entre 11 de agosto de 1882 e 13 de julho de 1908; e Maria José Duarte Ribeiro Grijó dirige-se à Ordem por 41 vezes para requerer esmolas entre 30 de outubro de 1894 e 31 de agosto de 1903. Essa viúva do primeiro cartorário da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra viu-se “impossibilitada de trabalhar em consequência de uma queda”, daí recorrer ao auxílio material da Ordem Terceira de Coimbra.

Escritas pelos próprios ou por “profissionais na matéria” (Lopes, 2010LOPES, Maria Antónia. Protecção social em Portugal na Idade Moderna. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2010. Estudos: Humanidades., p. 185), os suplicantes de esmolas procuravam despertar compaixão, apelar à caridade e impelir à comoção junto dos decisores. Paulino José Pereira de Araújo explica que “vem perante Vas Ex.mas como Digníssimos representantes d’Aquele que foi o verdadeiro símbolo da Caridade - o Venerável Padre S. Francisco […] pedir que em louvor da Sagrada Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo se dignem socorrê-lo com uma esmola, pois jamais praticarão ato de Caridade tão justo e aceitável perante Deus” (1882); Alexandre Rodrigues da Conceição pede para “mandar-lhe dar uma esmola em louvor do Nosso Padre São Francisco e pelo amor de Deus e de Maria Santíssima Senhora Nossa a quem ele suplicante fica rogando pela preciosa saúde e vida de Vas Exas” (1883); Francisco Pereira Delgado afirma que “desde já ficou rogando a Deus pela alma dos Benfeitores da Caza e pela de seus dignos Administradores” (1885); Francisco Mendes vem “implorar-lhe uma esmola pelo divino amor de Deus” (1886); Maria de Jesus, de 67 anos, espera que possam “contemplar a suplicante com uma esmola a qual não sessará de pedir a Deus pelo aumento de tão útil estabelecimento e pela saúde de seus dignos administradores” (1893); Alexandre Rodrigues da Conceição pede à Ordem para se lhe “dar uma esmola pelo Divino amor de Deus e em louvor de nosso Padre patriarca São Francisco” (1893); José Baptista de 65 anos, não podendo ganhar os meios suficientes de sua subsistência e de sua família e “não lhe restando outros meios se não implorar a caridade de V. Ex.” (1899), suplica uma esmola.

Nos apelos de índole religiosa, impera a invocação a São Francisco, visto que recorrem a uma ordem franciscana secular; neles, os suplicantes de esmolas mostram-se humildes e afirmam sua gratidão e futuro pedido a Deus por uma recompensa para os esmoleres.

Caracterização das irmãs e dos irmãos franciscanos seculares esmolados

Os processos de petições de esmolas permitem caracterizar o universo das irmãs e dos irmãos seculares que solicitaram ajuda à Ordem Terceira de Coimbra.

Para o total do período em estudo, foram localizados 697 processos de pedidos de esmolas, dos quais 395 (57%) foram feitos por mulheres, e 302 (43%), por homens.

Durante a monarquia constitucional, a Ordem Terceira de Coimbra recebeu 431 pedidos de esmolas, dos quais 259 foram feitos por homens (60%), e 172, por mulheres (40%). Essa maioria do sexo masculino é contrária à verificada em outras instituições de caridade (misericórdias e confrarias), em que as mulheres representavam a larga maioria.19 19 No caso da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santo Estêvão de Alfama, entre 1806 e 1820, predominaram sempre as petições de esmolas femininas, embora também se encontrem as de alguns homens: 180 contra 45, num total de 225 petições” (Braga, 2014, p. 14). Na Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, no período de 1750 a 1850, entre os suplicantes de esmolas as mulheres eram sempre mais de 80% (Lopes, 2010, p. 187, e 2000, p. 293).

Na Primeira República, contabilizam-se 43 processos de homens (16%) e 223 de mulheres (84%). O acréscimo significativo de pedidos feitos por irmãs são consequência, por um lado, da atribuição de esmolas a viúvas de irmãos por altura da Sexta-feira Santa a partir de 1905, e, por outro, da feminização da Ordem Terceira de Coimbra em geral.20 20 Ver Silva (2015, p. 110). O mesmo se verificou nas ordens terceiras seculares do Porto (Amorim et al., 2005a e 2005b) e de Braga (Moraes, 2009, p. 126). Em Coimbra, entre 1858 e 1926, as mulheres representavam 59,7% dos irmãos terceiros seculares.

Das 172 mulheres que apresentaram uma petição de esmola à Ordem Terceira de Coimbra entre 1879 e 1910, 24 indicam sua idade: 11 na faixa etária dos 60 anos, 11 na dos 70 anos, a mais nova com 56 anos e a mais velha com “mais de 80”, estando a média de idade nos 69 anos. Os irmãos esmolados de 1861 a 1910 apresentam uma média de idade também de 69 anos, tendo sido possível apurar as idades de 12 homens em 259, o que é manifestamente residual.

Na Primeira República, 102 mulheres e 20 homens dizem sua idade (122 em um total de 266 peticionários). A mulher mais nova tinha 29 anos, a única na faixa dos 20 anos; três mulheres estão na faixa dos 30 anos, e oito, na dos 40, sete na faixa dos 50, 34 na dos 60, e 49 na faixa dos 70 anos, em uma média de idade de 65 anos. Relativamente aos homens: nove estão na faixa dos 40 anos, um só na faixa dos 50, três na faixa dos 60, e cinco na faixa dos 70; o mais novo tinha 38 anos, e o mais velho, 80, em uma média de 57 anos.

Verifica-se uma descida na média de idade, que na primeira série se situava nos 69 anos para mulheres e homens e que entre 1911 e 1926 baixa para os 65 anos nas mulheres e para os 57 anos nos homens suplicantes de esmolas.

Na primeira série em análise, 131 mulheres dão conta de seu estado conjugal: domina o grupo das viúvas, com 77% (101 em números absolutos), e as restantes são mulheres solteiras, ou seja, mulheres sozinhas. Nos homens, 60% não fornecem informação sobre sua situação conjugal; dos 103 que o fazem, 84% são casados (87 casos), havendo um único solteiro e 15 viúvos.

Entre 1911 e 1926, 200 mulheres esmoladas são viúvas (90%), 11 são solteiras e três são casadas (11 não fornecem qualquer informação); 24 homens são casados, quatro são viúvos e um é solteiro (e 14 não têm qualquer indicação sobre o assunto).

Significa, portanto, que 96% das mulheres que pedem esmola são mulheres sozinhas, enquanto 56% dos homens são casados. Situação semelhante ao que se verifica nos internamentos hospitalares no hospital da Ordem Terceira, em que são predominantes as mulheres solteiras e viúvas e os homens casados (Silva, 2015SILVA, Ana Margarida Dias da. O hospital e asilo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra (1851-1926). Coimbra: Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra, 2015., p. 115-116).

São escassos os dados sobre a situação familiar das mulheres e dos homens esmolados. Nas petições, colhem-se as seguintes informações: Maria de Jesus, de 67 anos, que sofre de “padecimentos reumáticos que a inibem de qualquer serviço”, diz não ter “pessoa de família que possa minorar a sua triste sorte” (1893); Maria da Conceição Benedita, quase cega, encontra-se “sem poder ganhar” e sem ter “familiar que a possa socorrer” (1893); Maria José Grijó alega que tem uma filha doente e que precisa ir a banhos (1895); Maria José Mesquita, viúva do primeiro cartorário da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, ficou com três filhos menores e, por isso, pede uma das seis esmolas de 1.000 réis, que hão de ser entregues na Sexta-Feira da Paixão (1908); e Maria José Mesquita Roque ficou em situações muito precárias com a morte do marido e com quatro filhos menores, um dos quais entrevado (1910).

João Fernandes, “achando-se gravemente enfermo e não tendo meios para tratar-se nem pessoas de família que possam prover à sua subsistência e medicamentos”, vê-se obrigado a esmolar (1879); António da Cunha está “impossibilitado de trabalhar para poder sustentar sua família” por motivo de doença (1883); Alexandre Rodrigues da Conceição foi admitido no asilo, mas tinha filhos menores e pede casa e sustento diário, e em troca tratava do calçado dos irmãos inválidos (1884); António dos Santos tem cinco filhos menores (1886); Francisco da Cunha e Melo, casado, tem uma filha cega (1887); Francisco Alves, alfaiate, está há dois meses impossibilitado de trabalhar e tem quatro filhos pequenos, “sem lhes poder ganhar o pão” (1889); José Custódio, casado, sapateiro, doente com um panarício, diz ter mulher e cinco filhos (1890); e Francisco Alves de Carvalho, casado, também alfaiate, informa que tem cinco filhos menores e que a mulher está “atacada de alienação mental” (1891).

Constata-se a existência de famílias com três, quatro e cinco filhos; no entanto, o número reduzido de processos não é suficiente para determinar a composição geral do agregado familiar dos irmãos terceiros franciscanos conimbricenses.

A cidade de Coimbra viveu sempre marcada pela dualidade do “‘bairro alto’, dominado pelo quotidiano da vida estudantil e universitária; e o ‘bairro baixo’, onde pulsava a vida comercial e artesanal e se alojava grande parte da população laboriosa” (Roque, 1990ROQUE, João Lourenço. Coimbra de meados do séc. XIX a inícios do séc. XX: imagens de sociabilidade urbana. Revista de História das Ideias, Coimbra: Faculdade de Letras, v. 12, separata, p. 301-337, 1990., p. 303), situação que se verificava ainda em finais do século XIX e inícios do século XX.

As irmãs e os irmãos esmolados eram todos residentes em Coimbra.

No período da monarquia constitucional: 34 dizem só Coimbra, e 62 não dão informação sobre o local de residência. Os restantes 78% distribuem-se pelas freguesias urbanas de Santa Cruz (111), São Bartolomeu (100), Sé (63), Sé Nova (sete), São Cristóvão (cinco), São João de Almedina e Santo Antônio dos Olivais (um em cada), o burgo de Santa Clara (38) e a freguesia rural de São Martinho do Bispo (quatro).

Na Primeira República: 27 dizem só Coimbra, dois não dão indicação e um reside na Cegonheira. As freguesias de São Bartolomeu (86) e Santa Cruz (74) continuam em destaque, seguidas de Sé Velha (44), Sé Nova (15), Almedina e Salvador (três cada), São Pedro, o burgo de Santa Clara e a freguesia rural de São Martinho do Bispo (dois cada), São Cristóvão, Santa Justa e Santo Antônio dos Olivais (um em cada).

As informações apuradas reafirmam as conclusões de Maria Antónia Lopes, que, para o período de 1750 a 1850, determinou que: “Com muito maior incidência na parte baixa da cidade, a freguesia de Santa Cruz e, sempre em crescendo, a de Santa Justa21 21 Freguesia extinta em 1854, cuja área passou a pertencer à de Santa Cruz. concentravam uma maior proporção de pobres”, e que a pobreza “Distribuía-se no espaço urbano de forma descontínua” (Lopes, 2003LOPES, Maria Antónia. Imagens de pobreza envergonhada em Coimbra nos séculos XVII e XVIII: análise de dois róis da Misericórdia. In: SANTOS, Maria José Azevedo (Coord.). Homenagem da Misericórdia de Coimbra a Armando Carneiro da Silva (1912-1992). Coimbra: Palimage/Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, 2003. p. 91-123., p. 94).

Não é possível apurar com precisão as ocupações profissionais: para a série da monarquia constitucional: 98% das mulheres não fazem menção de sua ocupação profissional ou estatuto socioeconômico; apenas quatro o fazem: costureira, criada, dona, “vive do seu trabalho” (uma de cada). No grupo do sexo feminino, foi possível saber a ocupação dos cônjuges (6%): alfaiate, duas com marceneiros e cartorários da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra (dois casos cada), ourives, perfeito da Ordem, pintor de louça e sapateiro (um de cada), e uma mulher que era filha de “doutor”.

Nos peticionários do sexo masculino, 77% sem informação; dos restantes: andador (17), alfaiate (sete), sapateiro (sete), “vive do seu ofício” (seis), definidor, pedreiro, pintor de louça, serralheiro e trabalhador (três de cada), carpinteiro, barbeiro, criado de servir, fabricante de bolacha, fogueteiro, negociante de palitos e oleiro (um de cada).

Na série da Primeira República, os números voltam a ser escassos: apenas 9% das mulheres dizem ser domésticas (11), costureiras (5) e criadas de servir (3); e entre os homens há: alfaiate (seis), funileiro (cinco), carpinteiro (três), agenciário, barbeiro, canteiro, cocheiro, empregado no comércio, ex-empregado da Ordem, marceneiro, mestre de obras e sapateiro (um de cada).

No período em estudo, entre 1857 e 1925, 343 irmãos requereram entrada no hospital da Ordem Terceira de Coimbra. A clientela hospitalar compunha-se de irmãos doentes pobres, verificando-se uma progressiva feminização dos assistidos, embora os homens nunca tenham deixado de constituir a maioria. O perfil dominante era de homens casados e de mulheres solitárias (solteiras ou viúvas), ambos na faixa dos 50-60 anos que se constituíam nos grupos mais fragilizados. A maioria era natural do distrito e cidade de Coimbra, principalmente da freguesia de Santa Cruz, que englobava boa parte da Baixa e local de implantação da Fraternidade coimbrã. Os artífices predominavam entre os irmãos hospitalizados, profissionais que se incluíam na categoria dos pauperizáveis, visto que só viviam de seu trabalho (Silva, 2016SILVA, Ana Margarida Dias da. “Curados, melhorados ou falecidos” no Hospital da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco de Coimbra (1851-1926). Revista Portuguesa de História, t. XLVII, p. 315-336, 2016. Disponível em: <https://impactum.uc.pt/pt-pt/node/114386 DOI: https://doi.org/10.14195/0870-4147_47_16>.
https://impactum.uc.pt/pt-pt/node/114386...
, p. 336).

Ao cruzar a informação das petições de esmolas com as fontes relativas ao hospital e asilo (pedidos de admissão no hospital e asilo, papeletas dos irmãos doentes e registros de entradas e saídas no hospital e asilo), verifica-se que há 41 irmãos seculares doentes que solicitaram simultaneamente esmola ao Conselho da Ordem, ou, dito de outra forma, 41 irmãos esmolados recorreram também ao auxílio hospitalar (28) e asilar (13) da Ordem Terceira de Coimbra.

“Os hospitais eram o destino de todos os que à condição de pobre juntavam a de doente” (Abreu, 2002ABREU, Laurinda. O poder e os pobres: as dinâmicas políticas e sociais da pobreza e da assistência em Portugal (séculos XVI-XVIII). 1. ed. Lisboa: Gradiva, 2014. 1v., p. 430), mas o reduzido número de hospitalizações entre os irmãos franciscanos seculares faz pressupor que poucos foram aqueles que se viram em situações de pobreza e doença em simultâneo (Silva, 2015SILVA, Ana Margarida Dias da. O hospital e asilo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra (1851-1926). Coimbra: Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra, 2015., p. 108).

O que pedem e o que recebem os suplicantes de esmola

Em toda a série, os principais motivos que levaram homens e mulheres a esmolar são: a doença (28,84%), a doença e a pobreza conjugadas (25,11%) e a pobreza (24,53%). Nas mulheres, o motivo principal do recurso à esmola é a pobreza (38,07%), seguida da doença e pobreza (19,54%) e da doença (10,41%); diferentemente, nos homens a doença surge como a principal causa, com 39,27%, seguida da doença e pobreza com 32,34% e da pobreza com 6,93%.

Para além desses motivos, sem dúvida com maior representação, visto que combinados constituem 78,48% do total, a falta de vista ou cegueira e a idade avançada surgem frequentemente nas petições de esmolas, sozinhas ou combinadas com a doença e a pobreza.

As duas séries em análise apresentam comportamentos diferentes. No período da monarquia constitucional, a doença (32,9%) aparece em destaque no total dos pedidos, seguida da doença e pobreza (28,3%) e da pobreza (13%). Durante a Primeira República, é a pobreza que surge com maior número de casos (43,6%), seguida da doença e pobreza (19,9%) e da doença (com apenas 7,14% dos casos).

A pobreza motivava mulheres e homens a pedir esmola, alegando, sobretudo, a viuvez, a velhice, a doença ou o fato de não poderem trabalhar por qualquer outro motivo. Se tivermos em conta a tipologia de pobres referida por Jean-Pierre Gutton, isto é, doentes, velhos e viúvos, podemos verificar que, no universo em estudo, estamos perante um grupo de pessoas viúvas, idosas, doentes e, consequentemente, sem capacidades físicas para trabalhar, sendo verdade que, na maior parte dos casos, foram alegados mais do que um motivo para a pobreza ou simplesmente a indicação de que eram pobres sem acrescento dos motivos para se encontrarem em tal situação. (Braga, 2014BRAGA, Isabel Maria Ribeiro Mendes Drumond. A Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santo Estêvão de Alfama e a assistência à pobreza (1806-1820). Revista Tempo, Niterói: UFF, v. 20, p. 1-19, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v20/1413-7704-tem-2014203623.pdf>.
http://www.scielo.br/pdf/tem/v20/1413-77...
, p. 16).

A quase maioria pede simplesmente uma “esmola” e recebe-a em dinheiro, mas alguns dos requerentes são mais explícitos no pedido: suplicam ajuda para o funeral de um familiar, para socorros médicos e farmacêuticos, para “ir a banhos” (nas termas ou águas de mar), ou ajuda para se alimentar. Situações pontuais aparecem nos exemplos de José de Sousa, viúvo, que pediu o aumento de sua esmola mensal e viu seu processo deferido, passando de 1.200 réis para 1.800 réis mensais. Explica que “sofre de um Epithelioma que tem destruído o olho esquerdo” (começando já a invadir-lhe o olho direito) e que não foi recolhido no hospital por ter uma filha também doente que trata dele (28/5/1885). E o de Alexandre Rodrigues da Conceição, que pediu para lhe “serem perdoados definitivamente” os anuais em dívida (2/7/1891).

Complementarmente aos registros nas petições de esmolas, foi possível colher informação sobre os irmãos que se veem obrigados a esmolar nas atas, em que se encontram registrados os nomes e as razões daqueles a quem a Ordem concedeu, ou não, uma esmola. Também aqui se podem ler as várias resoluções emanadas pelo Conselho no que diz respeito ao auxílio aos irmãos pobres e doentes. Nas atas, aparecem também as indicações das esmolas atribuídas pelo hospital e asilo e que eram destinadas a socorrer os irmãos doentes em casa ou convalescentes, à saída para uso de banhos, ao pagamento de funerais e, ainda, das esmolas da Sexta-feira da Paixão. Alguns processos de petições de esmolas fazem também referência ao dinheiro retirado dos cofres do hospital.

Em 1864, Manuel Simões, pobre, doente e de idade avançada, foi beneficiado com uma esmola de 1.200 réis provida “com os rendimentos do hospital”. No mesmo ano, em fevereiro, José Soares Pacheco, ex-definidor, e Francisco Soares dirigiram-se ao Definitório da Ordem pedindo uma esmola,

[…] alegando o estado grave de sua doença prolongada, que lhe resultara algumas privações; deliberou-se que atendendo aos seus bons serviços e que dispêndio nenhum fizeram ao nosso Hospital, fossem visitados pelo nosso Irmão Visitador dos doentes dando-se-lhes a esmola ao primeiro 4.800 réis e ao segundo 2.400 réis pelos réditos do Hospital.22 22 AVOTSFC. Actas e eleições, 1864, fls. 67 v. 68.

Também José de Sousa, casado, é “socorrido em mil duzentos réis pelos réditos do Hospital” um ano mais tarde, visto encontrar-se em estado de pobreza. António Joaquim Ribeiro Ferrugo, que pobre e miserável por não poder trabalhar, “sofrendo imensas dores”, recebe uma esmola de 2.000 réis dos fundos do hospital (1866). Em 1877, António da Costa foi a banhos das Caldas da Rainha com uma esmola de 2.500 réis, “dinheiro provido pelos fundos do hospital”.

As esmolas destinadas às irmãs e aos irmãos doentes prendiam-se com as razões impeditivas da admissão de irmãos ao hospital (doenças crônicas, moléstias incuráveis ou contagiosas) (cf. Silva, 2015SILVA, Ana Margarida Dias da. O hospital e asilo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra (1851-1926). Coimbra: Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra, 2015., p. 60-64), como quando o ministro aprovou a atribuição de uma esmola à irmã Maria da Conceição para seu tratamento, “visto não se achar em estado de entrar no Hospital”,23 23 AVOTSFC. Actas e eleições, 1859, fl. 20. ou a esmola de 1.500 réis dada à irmã Ana de Jesus Carvalho, que sofria de uma doença crônica e, por isso, não podia ser internada.

Para minorar os efeitos da doença, muitos eram aconselhados ao uso de “banhos” de caldas ou de mar, e as esmolas atribuídas “em atenção à pobreza dos suplicantes”, comprovada pelos respetivos párocos, destinavam-se às despesas de deslocação e manutenção nas localidades de destino, principalmente nas Caldas da Rainha, mas também no Luso.24 24 A norte de Portugal, por exemplo: “No século XIX cresceram muito as petições para deslocação a termas da região: Gerês, Vizela, Caldas das Taipas e Caldelas, mas também para apanhar banhos de mar. A utilização das águas para tratamento era muito antiga, contudo, só no século XIX se desenvolveu o estudo sobre as suas propriedades medicinais em alguns países europeus” (Araújo, 2013, p. 472-473). Os banhos de mar, pela proximidade geográfica, seriam tomados na Figueira da Foz, como os casos de José de Oliveira Nunes (5/9/1899) e de José Custódio (9/12/1900), que vão até essa praia “tomar banhos quentes de mar”, e também um irmão, que fez “uso de banhos de mar” na Figueira da Foz, tendo ficado hospedado no hospital da Ordem Terceira daquela localidade,25 25 Fundada em 1785, a Ordem Terceira da Penitência do Seráfico Padre São Francisco esteve inativa e foi restaurada em 1819, sendo os novos estatutos aprovados em Definitório de 30 de abril de 1823; prestou tratamento médico aos irmãos pobres por meio de um posto médico, também denominado hospital (Cascão, 1998, p. 486-488). de que se deu nota em ata:

[…] leu-se o oficio do Secretário da Venerável Ordem Terceira da Figueira, dando conta de como havia sido tratado e socorrido no seu Hospital o N. Irmão Joaquim António do Rosário, durante o tempo, que ali esteve a banhos, e mandou-se agradecer à mesma Ordem este generoso e caritativo procedimento.26 26 AVOTSFC. Actas e eleições, 1857, fl. 10.

Contrariamente, José Teotónio César da Maia, por indicação do facultativo, deve deslocar-se para Faro para fazer uso dos banhos de mar e se restabelecer, mas não tem meios para isso e pede esmola (5/4/1891).

São 64 (em 431 pedidos) as irmãs e irmãos que, entre 1861 e 1910, pedem auxílio para: “continuar o tratamento das águas minerais” (dois), “tomar banhos sulfúricos da Arrifana” (um), “fazer uso de banhos termais das Caldas da Rainha” (10), “ir a banhos de mar” (42)27 27 No caso da Santa Casa da Misericórdia de Braga, as esmolas para banhos de mar eram dadas em menor número que as concedidas para os tratamentos termais, e, tal como as outras, eram “concedidas a título individual até à penúltima década do século XIX” (Castro, 2008, p. 586). por indicação do facultativo, ou que requerem auxílio, pois estão a banhos e precisam “de ajuda para o transporte para a sua terra” ou “não têm dinheiro para a viagem”. Durante a Primeira República, apenas Augusta Lacerda pede ajuda para ir a banhos de águas sulfurosas (1915).

Os meses de agosto (26), setembro (15) e julho (12) eram aqueles mais frequentes nas concessões de esmolas em situação de “ir a banhos”. Nas termas de São Pedro do Sul, havia duas quadras próprias para banhos: em junho e julho, primeiramente, e, em uma segunda fase, em setembro e outubro (Silva, 2012SILVA, Ana Margarida Dias da. Sair da clausura: único remédio para a salvação. Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, n. XXV, p. 195-213, 2012. Disponível em:<http://iduc.uc.pt/index.php/boletimauc/article/view/486/369>.
http://iduc.uc.pt/index.php/boletimauc/a...
, p. 209), e as “Taipas, Vizela, Caldelas e Gerês são as estâncias termais […] frequentadas sobretudo entre os meses de Junho e de Outubro por elevado número de aquistas” (Castro, 2008CASTRO, Maria de Fátima. A Misericórdia de Braga: a assistência no Hospital de S. Marcos. Braga: Santa Casa da Misericórdia de Braga , 2008. v. IV., p. 581).

Também é possível perceber que a ajuda não vinha só da Ordem, mas também de outras instituições ou mesmo de particulares. Em 1897, Margarida da Conceição Amaral, solteira, refere que está “lotando com grandes sacrifícios pois que vive do socorro humanitário”. A irmã viúva Ana de Jesus, que caiu e fraturou o braço direito e o sobrolho esquerdo, tendo passado seis meses de cama, afirma que pagou ao médico sem poder recorrer à Santa Casa da Misericórdia nos primeiros dias (1896). Também Raquel da Conceição Carvalho (1888) e Ana de Jesus Carvalho (1880) fazem referência à ajuda da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra: a primeira informa que lhe foram receitados banhos de mar pelo facultativo da Misericórdia, e a segunda diz que está sendo tratada por um dos facultativos da Santa Casa.28 28 Sobre as esmolas dadas pela Misericórdia de Coimbra, ver-se Lopes (2000, p. 92-118).

Para além das ajudas de instituições vocacionadas para a assistência, como a Misericórdia, por exemplo, o irmão Gonçalo de Melo e Silva, casado, invocando motivos de doença, pobreza e cegueira na petição que faz, refere que “sem poder granjear os meios para a sua subsistência e não tendo rendimentos alguns se não o triste subsídio de 100 réis que a associação dos artistas29 29 A Associação dos Artistas, fundada por Olímpio Nicolau Rui Fernandes (administrador da Imprensa da Universidade) em 8 de dezembro de 1862: “Visava diversas finalidades que iam da protecção dos sócios e suas famílias, à promoção do progresso social, moral e intelectual das ‘classes laboriosas’, à promoção das ‘artes’ e indústrias, à difusão do ensino e da cultura. Ou seja, ultrapassava nitidamente os objetivos de uma mera associação de socorros mútuos” (Roque, 1990, p. 327). lhe dá como impossibilitado do qual ainda tem de pagar as suas cotas semanais e como isto não lhe chega para a sua subsistência” (1904), pede ajuda também à Ordem Terceira de São Francisco.

Nem sempre eram pedidas esmolas pecuniárias: António Gonçalves é admitido a jantar com os asilados enquanto estiver impossibilitado de trabalhar (1887); os socorros clínicos e farmacêuticos foram requeridos por uma irmã viúva em 1897; e Eduardo Macedo da Conceição recebe “caixão e cova” pelo funeral do pai (1899).

Conclusões

A Ordem Terceira de Coimbra promoveu a assistência espiritual e material em exclusividade a seus membros, nomeadamente com a atribuição de esmolas aos irmãos caídos em pobreza e o auxílio aos enfermos e idosos, favorecendo sobretudo aqueles que cumpriam com as obrigações da instituição, nomeadamente o acompanhamento dos irmãos à sepultura e a participação nas festividades da Ordem e nos sufrágios gerais.

O perfil dominante dos pobres e doentes suplicantes de esmolas era de homens casados e mulheres solitárias (solteiras ou viúvas), ambos na faixa dos 50-60 anos, que se constituíam nos grupos mais fragilizados. A maioria era natural do distrito e cidade de Coimbra, principalmente da freguesia de Santa Cruz, que englobava boa parte da Baixa e local de implantação da Ordem Terceira coimbrã. Os artífices predominavam entre os irmãos hospitalizados, profissionais que se incluíam na categoria dos pauperizáveis, visto que só viviam de seu trabalho.

Os irmãos pobres doentes viram-se obrigados a requerer esmola para se tratar em casa, ir a banhos, adquirir medicamentos para além do recurso ao internamento hospitalar. No entanto, o reduzido número de petições de esmolas e de hospitalizações entre os irmãos franciscanos seculares de Coimbra parece indicar que poucos foram aqueles que se viram em situações de pobreza e doença.

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Fontes manuscritas

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  • Estatutos Estatutos da Venerável Ordem Terceira da Penitência do Seráfico Patriarca S. Francisco da Cidade de Coimbra (1828)
  • Estatutos Estatutos e Regulamento interno da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra seu hospital e asilo 1851, 1890)
  • Mapas Mapas das receitas e despesas do hospital, 3 livros (1878-1879 a 1926-1927)
  • Papeletas Papeletas dos irmãos doentes (1857-1926)
  • Petições Pedidos de admissão no hospital e asilo da Ordem Terceira(1857-1926)
  • Petições Petições de esmolas (1861-1924)
  • Registros Registros das entradas e saídas dos irmãos doentes e asilados, 2 livros (1852-1926)
  • 1
    Sobre a assistência pública em Portugal, ver, por exemplo, Abreu (2002, p. 417-434, e 2014), Araújo (2011 e 2013), Lopes (2000 e 2010) e Sá (1997)SÁ Isabel dos Guimarães. Quando o rico se faz pobre: misericórdias, caridade e poder no império português 1500-1800 Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997. 320 p. Disponível em:<http://hdl.handle.net/1822/4311>.
    http://hdl.handle.net/1822/4311...
    , entre outros.
  • 2
    AVOTFC (Arquivo da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco de CoimbraArquivo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco de Coimbra: Actas e eleições(1861-1926)) Estatutos, 1828Estatutos Estatutos da Venerável Ordem Terceira da Penitência do Seráfico Patriarca S. Francisco da Cidade de Coimbra (1828), liv. A12, fl.s n. n.
  • 3
    Ibid.
  • 4
    Ibid.
  • 5
    AVOTFC. Estatutos, 1890Estatutos Estatutos e Regulamento interno da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco de Coimbra seu hospital e asilo 1851, 1890), liv. A15, fls. 64-66.
  • 6
    AVOTFC. Inquirições de genere e pedidos de admissão de irmãos.
  • 7
    O mesmo se verificara entre 1740 e 1789 na Ordem Terceira de Braga, onde as esmolas perfizeram apenas 1,89% dos gastos totais (Moraes, 2009MORAES, Juliana de Mello. Viver em penitência: os irmãos terceiros franciscanos e as suas associações, Braga e S. Paulo (1672-1822). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga, 2009., p. 318). Em sentido contrário, o Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Sor gastou 66% com esmolas entre 1765-1766 e 1790-1791, 39% com “condução e tratamento” entre 1841 e 1843, e 33% com “condução e esmolas” entre 1843-1844 e 1849-1850, verificando-se, dessa forma, “que a principal actividade do hospital consiste na concessão de esmolas aos pobres ou doentes e na sua condução para outros hospitais”, o que se explica pelo fato de esse hospital funcionar como albergue que dava apoio a viandantes e doentes (Silva, 2005SILVA, Ana Isabel Coelho Pires da. O Hospital da Confraria de S. Francisco/Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Sor: das origens a 1850. Ponte de Sor: Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Sor, 2005., p. 24-27).
  • 8
    AVOTFC. Estatutos, 1828, fl. 18v. Situação semelhante verifica-se na Confraria de São Vicente de Braga (Araújo, 2011ARAÚJO, Maria Marta Lobo de. Assuntos de pobres: as esmolas dos confrades de São Vicente de Braga (1783-1839). In: Marginalidade, pobreza e respostas sociais na Península Ibérica (séculos XVI-XX). Braga: Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” (Citcem), 2011. p. 109-126., p. 109).
  • 9
    Por exemplo, na Ordem de São Francisco do Rio de Janeiro: “Após informar-se a respeito da indigência do respectivo membro, o irmão ministro podia distribuir esmolas de até 960 réis, reservando-se as despesas mais dilatadas para o arbítrio da mesa” (Martins, 2009, p. 231).
  • 10
    AVOTSFC. Actas e eleições, 1905, fl. 4.
  • 11
    Na Ordem Terceira de São Francisco do Rio de Janeiro, durante o século XIX, as esmolas mensais eram entregues sobretudo aos “homens que eram cabeças das suas famílias” e a “irmãs viúvas e órfãs filhas de irmãos terceiros. Em ambos os casos, o pretexto da manutenção da honra justificava a assistência doméstica” (Martins, 2009, p. 232).
  • 12
    AVOTSFC. Actas e Eleições, 1861Petições Petições de esmolas (1861-1924), fl. 45.
  • 13
    Ibid., fl. 45v.
  • 14
    Conserva-se ainda um conjunto de 404 petições de esmolas entre 1721 e 1828, que vai ser tratado em outro lugar, havendo um hiato na documentação até 1860, inclusive, e existe um único processo para além do limite temporal aqui estudado, com data de 1933.
  • 15
    Em Portugal: “A primeira metade do século XIX assistiu a um empobrecimento da população” e, comparativamente, “nessa altura a Santa Casa [de Braga] despachou favoravelmente mais 494 petições de pobres” (Araújo, 2013, p. 476).
  • 16
    AVOTSFC. Actas e eleições,1926Registros Registros das entradas e saídas dos irmãos doentes e asilados, 2 livros (1852-1926), fl. 36.
  • 17
    As mesmas conclusões verificaram-se relativamente aos irmãos hospitalizados (Silva, 2013, p. 107).
  • 18
    A “reincidência” também é visível na Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santo Estêvão de Alfama: “No entanto, não estivemos perante 225 pessoas diferentes. Nesse universo, as referidas ajudas foram atribuídas a 51 pessoas, importando notar que 31 receberam mais do que uma esmola ao longo dos anos. Nesse caso, pontificaram mais uma vez as mulheres viúvas, nomeadamente oito que receberam de 10 a 20 esmolas entre 1806 e 1820” (Braga, 2014, p. 14).
  • 19
    No caso da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santo Estêvão de Alfama, entre 1806 e 1820, predominaram sempre as petições de esmolas femininas, embora também se encontrem as de alguns homens: 180 contra 45, num total de 225 petições” (Braga, 2014, p. 14). Na Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, no período de 1750 a 1850, entre os suplicantes de esmolas as mulheres eram sempre mais de 80% (Lopes, 2010, p. 187, e 2000, p. 293).
  • 20
    Ver Silva (2015, p. 110). O mesmo se verificou nas ordens terceiras seculares do Porto (Amorim et al., 2005aAMORIM, Inês; JESUS, Elisabete; REGO, Célia. Mulher e religião na época moderna: a Ordem Terceira de S. Francisco, um modelo de sociabilidade religiosa. Portuguese Studies Review, v. 13, n. 1-2, p. 369-399, 2005a. e 2005bAMORIM, Inês; JESUS, Elisabete; REGO, Célia. Uma confraria urbana à sombra de um espaço conventual - os Irmãos da Ordem Terceira de S. Francisco do Porto - espiritualidade e sociabilidade (1633-1720; 1699-1730). Em torno dos espaços religiosos: monásticos e eclesiásticos. Porto: IHM-UP, 2005b. p. 111-133.) e de Braga (Moraes, 2009, p. 126).
  • 21
    Freguesia extinta em 1854, cuja área passou a pertencer à de Santa Cruz.
  • 22
    AVOTSFC. Actas e eleições, 1864, fls. 67 v. 68.
  • 23
    AVOTSFC. Actas e eleições, 1859, fl. 20.
  • 24
    A norte de Portugal, por exemplo: “No século XIX cresceram muito as petições para deslocação a termas da região: Gerês, Vizela, Caldas das Taipas e Caldelas, mas também para apanhar banhos de mar. A utilização das águas para tratamento era muito antiga, contudo, só no século XIX se desenvolveu o estudo sobre as suas propriedades medicinais em alguns países europeus” (Araújo, 2013, p. 472-473).
  • 25
    Fundada em 1785, a Ordem Terceira da Penitência do Seráfico Padre São Francisco esteve inativa e foi restaurada em 1819, sendo os novos estatutos aprovados em Definitório de 30 de abril de 1823; prestou tratamento médico aos irmãos pobres por meio de um posto médico, também denominado hospital (Cascão, 1998CASCÃO, Rui. Figueira da Foz e Buarcos entre 1861-1910: permanência e mudança em duas comunidades do litoral. Figueira da Foz: Centro de Estudos do Mar e das Navegações/Câmara Municipal da Figueira da Foz/Livraria Minerva, 1998. p. 486-488., p. 486-488).
  • 26
    AVOTSFC. Actas e eleições, 1857Papeletas Papeletas dos irmãos doentes (1857-1926), fl. 10.
  • 27
    No caso da Santa Casa da Misericórdia de Braga, as esmolas para banhos de mar eram dadas em menor número que as concedidas para os tratamentos termais, e, tal como as outras, eram “concedidas a título individual até à penúltima década do século XIX” (Castro, 2008, p. 586).
  • 28
    Sobre as esmolas dadas pela Misericórdia de Coimbra, ver-se Lopes (2000, p. 92-118).
  • 29
    A Associação dos Artistas, fundada por Olímpio Nicolau Rui Fernandes (administrador da Imprensa da Universidade) em 8 de dezembro de 1862: “Visava diversas finalidades que iam da protecção dos sócios e suas famílias, à promoção do progresso social, moral e intelectual das ‘classes laboriosas’, à promoção das ‘artes’ e indústrias, à difusão do ensino e da cultura. Ou seja, ultrapassava nitidamente os objetivos de uma mera associação de socorros mútuos” (Roque, 1990, p. 327).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2017
  • Aceito
    16 Out 2017
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