Acessibilidade / Reportar erro

Sacrifício, circunvalação e ordálio na Hispânia céltica: uma aproximação em longue durée à ritualidade do espaço e o tempo

Sacrifice, Circunvalation and Ordeal in Celtic Iberia: a longue durée approach to the rituality of Space and Time

Resumo

O presente artigo analisa, a partir de uma perspectiva histórica, arqueológica e etno-histórica, a existência, na Hispânia e Europa Célticas, de cerimônias de delimitação e proteção do espaço caracterizadas por práticas rituais específicas (como sacrifícios, depósitos rituais, processões circum-ambulatórias ou combates ordálicos), tanto na sua esfera doméstica e grupal, quanto naquelas em que se envolvem animais. São ritos que estariam igualmente sujeitos a padrões cíclicos específicos. As evidências deste tipo de ritos e crenças nas Idades Média e Moderna, assim como no registro etnográfico atual na Península Ibérica e no restante do território europeu, caracterizam-se claramente como fenômenos de longa duração, permitindo-nos propor novas interpretações comparativas para os contextos arqueológicos de finais da Proto-história.

Palavras-chave:
Sacrifício; Fundação; Território; liminaridade; Combate de touros; Circumambulatio

Abstract

The present article analyses, with a ethnoarchaeological and ethnohistorical point of view, the existence in Celtic Iberia and Europe of rituals of delimitation and protection of the space, from the domestic to the communal sphere, characterized by concrete ritual practices like sacrifices, ritual hoards, circunvalatory ceremonies or ordeal combats, the main participants of which were animals. Rituals that would also be subject to specific cyclic patterns. Evidences of this kind of rites and beliefs in Medieval and Modern Age as well as in current ethnographic survey in Europe and the Iberian Peninsula characterized these as longue durée phenomena that allow to consider new comparative interpretations in archaeological contexts of the Late Protohistory.

Keywords:
Sacrifice; Foundation; Territory; Liminarity; Oxen fight; Circumambulation.

Introdução

Tempo e espaço são duas coordenadas básicas a partir das quais as sociedades humanas se desenvolvem. A relação entre espaço e tempo resulta em características e mecanismos sociais e simbólicos que, ao operarem em cada época e local, podem ser em parte identificados por meio de seus restos materiais. No entanto, o registro arqueológico do qual dispomos para o caso da Segunda Idade do Ferro europeia, muitas vezes desconexo e incompleto, nem sempre reflete com nitidez a complexidade dos aspectos institucionais e simbólicos (rituais, míticos) inerentes à condição temporal-espacial do ser humano. Se utilizássemos apenas o registro arqueológico para apontar um quadro definido da cosmologia e das práticas dessas comunidades, a análise tornar-se-ia difícil.

Ao mesmo tempo, existe uma imensa quantidade de informação comparativa proporcionada pelas fontes etnográficas e etno-históricas que, apesar da sua evidente projeção diacrônica no passado e seu interesse em analisar fenômenos desse tipo (Almagro-Gorbea, 2009ALMAGRO-GORBEA, Martín. La etnología como fuente de estudios de la Hispania Celta. BSSA Arqueología. n.75, p. 91-142. 2009., p. 96-97; Moya-Maleno, 2008MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Etnografía y Etnohistoria aplicadas a la Hispania Céltica. In: OrJIA (ed.). Actas de las I Jornadas de Jóvenes en Investigación Arqueológica. Vol. I. Madrid. Eds. Cersa, 2008, p. 215-222.; Almagro-Gorbea, 2013ALMAGRO-GORBEA, Martín. Literatura hispana prerromana. Creaciones literarias fenicias, tartésicas, iberas, celtas y vascas. Madrid: Real Academia de la Historia. 2013., p. 15-18), tem sido frequentemente negligenciada como via de acesso ao mundo da proto-história europeia e hispânica. Paradoxo que consideramos apenas explicável pelo sucesso, nas últimas décadas, no campo da arqueologia de aproximações antropológicas ou simbólicas generalizantes (Almagro-Gorbea, 2009ALMAGRO-GORBEA, Martín. La etnología como fuente de estudios de la Hispania Celta. BSSA Arqueología. n.75, p. 91-142. 2009.), que - salvo exceções - amostram um indissimulável descompasso ao analisar de forma concreta os aspetos “imateriais” (simbólicos, ideológicos, institucionais) das culturas proto-históricas que se situam além das muito restritas correntes temáticas funcionais, tecnológicas ou ergológicas.

Longe de querer manter esse impasse heurístico, cortando assim qualquer possibilidade de compreensão ampla e holística do passado pré-romano, consideramos positivo - ainda lançando hipóteses - mergulhar em linhas de pesquisa paralelas que, através da interdisciplinaridade, permitem reunir esse “outro tipo” de fontes em conjunto com o próprio registro material. Partimos do que foi esboçado pelo historiador F. Braudel (2002BRAUDEL, Fernand. Las ambiciones de la Historia. Barcelona: Crítica, 2002.), que considera a história não unicamente inserida em quadros temporais fixos e restritos, mas como um processo profundamente dinâmico atravessado por fenômenos de longa duração que, pela sua própria condição estruturante, perduram para além de outros ciclos mais curtos, como modas ou imposições aculturadoras diversas (culturais e religiosas), fazendo-se ainda presentes, de forma mais ou menos palpável, entre as comunidades rurais pré-industriais (Gruzinski, 1994GRUZINSKI, Serge. La guerra de las imágenes. De Cristóbal Colón a ‘Blade Runner’ (1492-2019). México D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1994.; Woolf, 1998WOOLF, Greg. Becoming Roman. The Origins of Provincial Civilization in Gaul. Cambridge: Cambridge University Press , 1998.; Prag e Quinn, 2013PRAG, Jonathan R.W.; QUINN, Josephine Crawley (ed.). The Hellenistic West: Rethinking the Ancient Mediterranean. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.; Revell, 2015REVELL, Louise: Ways of Being Roman: Discourses of Identity in the Roman West. Barnsley: Oxbow Books, 2015.).

O objetivo maior do nosso estudo será, pois, amostrar como, a partir de uma estratégia interdisciplinar e comparativa, é possível a construção de modelos arqueoetnológicos de longa duração que podem levar à compreensão, em toda a sua dimensão social e simbólica, dos fenômenos da espacialidade e temporalidade. Utilizaremos uma estratégia de pesquisa que vem oferecendo estimulantes resultados e prospectivas no caso da Hispâna e Europa Céltica (Tenreiro, 2007bTENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. La lanza en la tierra: Rituales jurídicos de toma de posesión de la antigüedad a la edad media. In: SAINERO, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas. Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, 2007b, p. 365-387.; Torres-Martínez, 2007; García Quintela e Santos, 2008; Moya-Maleno, 2008MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Etnografía y Etnohistoria aplicadas a la Hispania Céltica. In: OrJIA (ed.). Actas de las I Jornadas de Jóvenes en Investigación Arqueológica. Vol. I. Madrid. Eds. Cersa, 2008, p. 215-222. e 2012MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Paleoetnología de la Hispania Céltica: Etnoarqueología, Etnohistoria y Folklore como fuentes de la Protohistoria. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid, 2012.; Almagro-Gorbea, 2009ALMAGRO-GORBEA, Martín. La etnología como fuente de estudios de la Hispania Celta. BSSA Arqueología. n.75, p. 91-142. 2009. e 2013ALMAGRO-GORBEA, Martín. Literatura hispana prerromana. Creaciones literarias fenicias, tartésicas, iberas, celtas y vascas. Madrid: Real Academia de la Historia. 2013.). Para exemplificar, focaremos em um tema já desenvolvido em trabalhos anteriores (Tenreiro, 2007aTENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Sobre ciertos sacrificios fundacionales y de delimitación y sus paralelos históricos y etnográficos. Anuario Brigantino. n.30, p. 179-192. 2007a. e 2007bTENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. La lanza en la tierra: Rituales jurídicos de toma de posesión de la antigüedad a la edad media. In: SAINERO, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas. Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, 2007b, p. 365-387.; Moya-Maleno, 2012MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Paleoetnología de la Hispania Céltica: Etnoarqueología, Etnohistoria y Folklore como fuentes de la Protohistoria. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid, 2012. e 2017MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Majanos y difuntos: túmulos en la Hispania Céltica desde una perspectiva de Larga Duración. In: ALMAGRO-GORBEA, Martín & GARI LACRUZ, Ángel (eds.). Sacra Saxa: Creencias y ritos en peñas sagradas. Huesca: Instituto de Estudios Altoaragoneses, 2017, p. 34-65.; Moya-Maleno e Tenreiro, 2016PÉREZ GUTIÉRREZ, Manuel. 2009. “Astronomía y Geometría en la Vettonia”Complutumn. 20/2, p. 141-164): como, através de um corpus amplo de dados, é possível rastrear a existência de rituais de delimitação - criação do território entre as comunidades célticas da Península Ibérica e da Europa, a partir de cerimônias que, pelas práticas rituais especificas como os ordálios, sacrifícios e procissões, ou de determinados fatos da paisagem e no calendário, desenvolve-se uma construção transcendente do território e do tempo por parte das gentes da Idade do Ferro.

De ferreiros, cabeças e documentos

O ponto de partida é um documento excepcional que foi tratado por Tenreiro (2007a)TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Sobre ciertos sacrificios fundacionales y de delimitación y sus paralelos históricos y etnográficos. Anuario Brigantino. n.30, p. 179-192. 2007a. e Moya-Maleno e Tenreiro (2016)PÉREZ GUTIÉRREZ, Manuel. 2009. “Astronomía y Geometría en la Vettonia”Complutumn. 20/2, p. 141-164: uma ata notarial do ano 1566, na qual é narrada a fundação da ferraria da Quinta do Recondo (Quiroga, Lugo, Espanha). O documento foi descoberto por V. Migues (1995MIGUÉS RODRÍGUEZ, Victor Manuel. Em verbo do surprendente ritual fundacional de umha ferraria quiroguesa no século XVI. Um apontamento histórico-etnográfico. Brigantium. n.9, p. 117-136. 1995.) durante a pesquisa para a sua tese doutoral. O texto descreve-nos de forma muito detalhada os pormenores do que foi a demarcação e fundação da ferraria. Descreve como um touro marón - marão: não castrado, reprodutor (Tenreiro, 2007aTENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Sobre ciertos sacrificios fundacionales y de delimitación y sus paralelos históricos y etnográficos. Anuario Brigantino. n.30, p. 179-192. 2007a., p. 180) - é retirado atado pela porta da ferraria e levado à frente de uma longa comitiva formada por nobres, ferreiros e pelo escrivão, juntamente com vizinhos do local como testemunhas. Todos percorrem a geografia da futura propriedade seguindo o animal e detendo-se em pontos distintos, a fim de colocar as pedras que servirão de marcos da propriedade (Migues, 1995MIGUÉS RODRÍGUEZ, Victor Manuel. Em verbo do surprendente ritual fundacional de umha ferraria quiroguesa no século XVI. Um apontamento histórico-etnográfico. Brigantium. n.9, p. 117-136. 1995., p. 119s). Uma vez terminado o percurso ao redor do espaço, o animal é reintroduzido no edifício e a sua cabeça é cortada sacrificialmente com o próprio martelo da ferraria. Em seguida, um dos trabalhadores da ferraria recolhe a cabeça do animal e corre pelo itinerário demarcado, molhando os marcos de pedra com o sangue que dela mana (Migues, 1995MIGUÉS RODRÍGUEZ, Victor Manuel. Em verbo do surprendente ritual fundacional de umha ferraria quiroguesa no século XVI. Um apontamento histórico-etnográfico. Brigantium. n.9, p. 117-136. 1995., p. 120). Na ferraria, sobre a bigorna ainda ensanguentada, procede-se à forja do primeiro ferro que se há de produzir (Migues, 1995MIGUÉS RODRÍGUEZ, Victor Manuel. Em verbo do surprendente ritual fundacional de umha ferraria quiroguesa no século XVI. Um apontamento histórico-etnográfico. Brigantium. n.9, p. 117-136. 1995., p. 120), em um rito que converge (Tenreiro, no prelo) com alguns outros rituais de inauguração da atividade metalúrgica (Eliade, 1974ELIADE, Mircea. Herreros y alquimistas. Madrid: Alianza, 1974., p. 57-59 e 61-67). Através deste rito, revela-se a surpreendente complexidade do procedimento de um ritual (Fig. 1), que pese o retardado da sua data (s. XVI), permite-nos encontrar aspectos propriamente jurídicos da delimitação e vindicação da posse, junto a outros elementos, como a condição de “marão” do animal, o seu sacrifício e o uso posterior do sangue e da cabeça, o que podemos identificar como de caráter mágico e/ou propiciatório.

Figura 1
Sistematização das distintas partes do ritual fundacional da ferraria da Quinta do Recondo (Quiroga, Lugo).

A associação de um sacrifício a um ato de demarcação mostra um cenário de evidente, e inesperado, arcaísmo plenamente vigente em meados do século XVI, ante o qual o próprio editor do documento declarara já as limitações do trabalho historiográfico convencional (Migues, 1995MIGUÉS RODRÍGUEZ, Victor Manuel. Em verbo do surprendente ritual fundacional de umha ferraria quiroguesa no século XVI. Um apontamento histórico-etnográfico. Brigantium. n.9, p. 117-136. 1995., p. 128) pelo que consideramos que uma aproximação a partir de uma perspectiva multidisciplinar focada na longa duração é a mais produtiva ao procurarmos a explicação de fenômenos deste tipo. Por outro lado, enfrentar o(s) contexto(s) longínquo(s) deste ritual permite ampliar a perspectiva para além do mero estudo de caso particular, levando-o a um horizonte comparativo mais amplo que fornece um sentido mais profundo do papel que o animal, o seu percurso circunambulatório pré- e post-mortem pelo território, assim como o próprio ato sacrificial, tinham em relação a um ato jurídico como era o da demarcação/fundação.

Um caso excepcional? Alguns paralelos medievais

Ainda que excepcional, o ritual de Quiroga não é único nem isolado, pois encontram-se paralelismos dispersos na documentação peninsular durante a Idade Média. O primeiro procede de uma Crônica, anterior em um século: a do condestável Miguel Lucas de Iranzo, que, ao descrever a demarcação das cidades de Andujar e Jaén, conta-nos como, a meio caminho do itinerário demarcatório feito pelo condestável para erguer um dos marcos, os vizinhos de ambas as localidades mataram a golpes de lança um carneiro a fim de cortarem-lhe a cabeça e enterrá-la em uma moreia de pedras e terra (Gayangos, 1855GAYANGOS, Pascual. Relación de los fechos del mui magnifico é más virtuoso señor el señor don Miguel Lucas mui digno Condestable de Castilla. Real Academia de la Historia, Memorial Histórico Español. Colección de documentos, opúsculos y antigüedades Vol. VIII. Madrid, 1855 p. 438; Delpech, 1990DELPECH, François. Symbolisme territoriale et système sacrificiel dans un ancien rituel de “terminatio” andalou. Notes pour une antropologie des confins. In: CORDOBA, Pierre; ETIENVRE, Jean-Pierre (eds.). La Fiesta, la Ceremonia, el rito. Actas del Coloquio Internacional celebrado en Granada (24/25-10-1987). Granada: Universidad de Granada e Casa de Velázquez, 1990, p. 147-164., p. 155s). O segundo paralelismo que encontramos procede de um documento datado do ano de 1243. Trata-se de uma sentença judicial sobre um pleito pelos limites dos concelhos de Cevico (atual Cevico de La Torre) e Dueñas (Cerrato, Palência), promulgada pelo rei Fernando III, se bem que o que nela se descreve tenha ocorrido durante o reinado Fernando II de Leão (1157-1188). No texto, conta-se como, ao fazer o deslinde, um dos marcos foi assinalado de forma especial com o enterro de um asno e um francelho1 1 “… poniendo moiones por medio del mont a arriba, y quando fueron en cabo del monte soterraron un asno y un moion y pusieron hy un cerniclo sobrel asno; y esta partición que yo falle por pesquisa y por verdat.” (“cerniclo”) (Menéndez Pidal, 1919MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. Documentos Lingüísticos de España. I. Reino de Castilla. Madrid: Centro de Estudios Históricos, 1919., p. 297s).

Esta referência ao enterro dos restos animais para concluir a demarcação dos montes dos dois concelhos castelhanos mostra-nos, quase que por acaso, os vestígios da memória oral de um desses rituais, fato que a brevidade formular muito estereotipada da maior parte da documentação poucas vezes permite observar, além de mostrar a sua longa continuidade, apesar da infrequência documental2 2 O estranho deste tipo de evidência talvez seja o que justifique o quase nulo interesse que este texto tem suscitado entre os medievalistas, assim como alguns surpreendentes comentários condescendentes sobre o próprio ato ritual; assim, Reina Pastor, em uma aprofundada monografia sobre o feudalismo em Castela e Leão, declara taxativamente: “¿No es como para asombrarse que el asno muerto (luego enterrado) constituyera un hito de un límite muy dudoso entre dos concejos?” (Pastor, 1980, p. 209), mostrando uma forte incompreensão do valor mnemotécnico que os gestos simbólicos exerciam em uma sociedade eminentemente oral como era, em grande parte, a da época, vid. Infra p. 686. . Nos três casos deste breve elenco observam-se, respeitando a sua variedade, elementos em comum, como a relação que se estabelece entre os restos do animal - cabeça, sangue ou corpo - e os pontos liminares que definem a fronteira. Assim, nos dois últimos, os despojos associam-se ao próprio trabalho de erguimento dos marcos, enquanto que no de Quiroga a morte do animal é deslocada a um momento posterior à ereção de marcos; à diferença dos anteriores, a morte ocorre não no limite do território, mas no local da ferraria, autêntico centro produtivo do prédio que serviu, em certa forma, de rito inaugural.

Sacrifício, construção e fundação

A inauguração de um edifício e a “construção” de uma fronteira permitem relacionar este ritual com o campo semântico dos chamados “rituais de construção” ou “de fundação” (Tenreiro, 2007aTENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Sobre ciertos sacrificios fundacionales y de delimitación y sus paralelos históricos y etnográficos. Anuario Brigantino. n.30, p. 179-192. 2007a., p. 182) sobre os quais se tem uma abundante casuística etnográfica. Sebillot lembra como, ainda no século XIX, era frequente, em alguns locais da Bretanha e França, regar as fundações das casas e igrejas “com o sangue de um animal, principalmente o de um boi”, pois acreditava-se que assim o edifício não vir-se-ia abaixo (Sebillot, 1985SÉBILLOT, Paul. Les Monuments. Le Folklore de France. vol. IV. Paris: Imago, 1985., p. 124). Costumes similares existiam em boa parte da Europa até há alguns anos. Na Alemanha enterravam-se, sob os muros das construções, crânios e pezunhos de cavalos junto com outros objetos, como moinhos de mão, restos de cerâmica, vegetais ou outros alimentos - pão, leite, vinho, óleo etc.3 3 Os moinhos de mão e oferendas alimentares parecem aludir simbolicamente à “prosperidade” material que se espera conseguir para a vivenda (Sartori, 1898, p. 24s ), o que também aparece materializado na deposição de outras formas de riqueza, como moedas (Serra, 1923, p. 142ss; Sartori, 1898, p. 26) ou joias, o que poderia explicar alguns depósitos arqueológicos - como os de Laundos ou Elvinha - de pouca importância para considerá-los a priori como “tesaurizações” e que poderiam entender-se melhor sob uma óptica ritual (Delibes, 2002, p. 221; Perez Outeiriño, 1982, p. 64). (Sartori, 1898SARTORI, Paul. Über das Bauopfer. ZEthn. n.30, p. 1-54. 1898., p. 42; Westropp, 1911WESTROPP, Thomas Johnson. A Folklore Survey of County Clare. Folklore. n.XXII/1, p. 49-60. 1911., p. 54). Na Galiza, Astúrias e Catalunha era frequente que, antes de se habitar uma morada, se matasse uma galinha ou galo e se molhassem os batentes da porta com seu sangue; também poder-se-ia verter o sangue do animal sobre a primeira pedra ou, em outros casos, recolhê-lo num pano que era enterrado sob os seus alicerces (Serra, 1923SERRA I PAGES, Rossend. Petites notes sobre les ritus de cosntrucció. Bulletin de la´associació catala d´antroplogia, etnografia e prehistoria. n. 1, p. 141-146. 1923., p. 145; Frankowski, 1916FRANKOWSKI, Eugeniusz. La lucha entre el hombre y los espíritus malos por la posesión de la tierra y su usufructo. Boletín de la Real Sociedad Española de Historia Natural. n.XVI, p. 408-425. 1916., p. 420; Violant, 1947VIOLANT I SIMORRA, Ramón. Ritus i cerimonies de construcció. In: VV.AA.: Miscellània Puig i Cadafalch. Barcelona: Institut d´Estudis Catalans, 1947, p. 173-183., p. 9s; Bouza, 1982BOUZA BREY, Fernando. Ritos agrarios propiciatorios del espíritu de la tierra en Galicia. In: Id. Etnografía y folklore de Galicia. Vol. 1. Vigo: Edic. Xerais, 1982, p. 93-116., p. 112; Cabal, 1992CABAL, Constantino. Las tradiciones populares asturianas II: La familia, la vivienda y oficios primitivos. Oviedo: Grupo Editorial Asturiano, 1992., p. 17; Lison, 1979LISON TOLOSANA, Carmelo. Antropología cultural de Galicia. Madrid: Akal, 1979., p. 178). Na Irlanda e nas Ilhas Britânicas costumava-se colocar o crânio de um cavalo, boi ou vaca dentro dos muros ou sob o chão como proteção contra o mal e para atrair a boa sorte (O’Suílleabháin, 1945O´SUÍLLEABHÁIN, Sean. Foundation Sacrifices. JRSAI. n.75/1, p. 45-53. 1945.; Brown, 1966BROWN, M.S. Buried Horse-Skulls in a Welsh House. Folklore. n.77/1, p. 65-66. 1966., p. 65s; Hayhurst, 1989HAYHURST, Yvonne. A Recent Find of a Horse Skull in a House at Ballaugh, Isle of Man. Folklore. n.100/1, p. 105-109. 1989., p. 106s), depositando, às vezes, dentro da cabeça algumas moedas4 4 Vid. supra n. 3. Uma curiosa lenda sobre o Castro das Penas (Lavrada, Guitiz, Lugo, Galiza) relaciona uma pele de boi cheia de ouro que foi enterrada como proteção mágica desse povoado proto-histórico (Tenreiro, no prelo). (O’Suílleabháin, 1945, p. 46).

Também muravam-se outros animais domésticos, como gatos, costume muito popular no mundo anglófono e norte-europeu (Howart, 1951HOWART, Margaret M, Dried Cats Man n. 51 pp. 149-151, 1951, p. 149-151). Em outras ocasiões, colocava-se uma rata junto ao corpo do felino, em atitude de capturá-la (Howart, 1951HOWART, Margaret M, Dried Cats Man n. 51 pp. 149-151, 1951, p. 251), como proteção contra as pragas. Na Suécia havia o costume de pendurar um gato morto com a boca para baixo atrás da porta da casa, na crença de que o animal se revolveria para arranhar a face das bruxas, caso tentassem entrar5 5 Comunicação pessoal dos antropólogos Gustav Henningsen e Marisa Rey-Henningsen. . A ideia da função de guardião do animal depositado se faz igualmente presente em outras tradições europeias. Na Dinamarca dizia-se que toda igreja a ser contruída deveria estar guardada por um cavalo que fosse enterrado vivo em seu interior (Sartori, 1898SARTORI, Paul. Über das Bauopfer. ZEthn. n.30, p. 1-54. 1898., p. 20). Algo similar encontra-se no norte da Inglaterra e na Escócia a respeito do chamado “Grin da Igreja”: um cão negro espectral enterrado como guardião, quando se construía um novo cemitério6 6 Tanto o cavalo danês quanto o cão preto britânico atuavam, ademais, como “avisos de morte” para os habitantes da paróquia (Sartori,1898, p. 20; Briggs, 1998, p. 150); associação com a morte favorecida, sem dúvida, pelo frequente papel de cavalos e cães sobrenaturais como avisos de morte no folclore europeu. (Briggs, 1998BRIGGS, Katharine. Diccionario de las Hadas. Palma de Malhorca: Olañeta Editor, 1998., p. 150s).

Frequentemente, entendia-se que o animal sacrificado atuava como vítima substitutiva7 7 Existe uma ampla variedade de rituais de “substituição”, como algum resto corporal (pelo, unhas etc.), ou ainda a sombra da primeira pessoa que passasse (Brewster, 1971, p. 72s), chegando os construtores, em alguns casos, a representar uma agressão fictícia, pegando à força quem por ali passasse no momento de colocar a pedra, ou ao jovem aprendiz, golpeando-o levemente com a maça ou ameaçando-o erguendo a pedra sobre sua cabeça (Sebillot, 1985, p. 133; Gregor, 1891, p. 172). Sobre o tema do sacrifício substitutivo, ver Smith e Doniger, 1989. , pois pensava-se que quem cruzasse pela primeira vez - animal ou humano - a porta de uma casa, morreria (Hoffmann-Krayer e Bächtold-Stäubli, 1930HOFFMANN-KRAYER, Eduard e BÄCHTOLD-STÄUBLI, Hanns. Handwörterbuch des deutschen Aberglaubens. Walter de Gruyter, Berlin e Leipzig 1930-42, 10Vols., p. 1562). Nas Astúrias dizia-se, ao entrar em uma nova morada: “antes que pasen los vivos, es de necesidad que pase un muerto...8 8 Cabal relaciona com igual sentido os ditos “La casa compuesta, la muerte a la puerta” e “A jaula nueva, pájaro muerto” (Cabal, 1992, p. 17); e Frankowski apresenta, entre os campesinos poloneses, um dito similar: “Quem edifica uma casa, faz-se uma tumba” (Frankowski, 1916, p. 421). (Cabal, 1992CABAL, Constantino. Las tradiciones populares asturianas II: La familia, la vivienda y oficios primitivos. Oviedo: Grupo Editorial Asturiano, 1992., p. 17-20). Na Bretanha, contava-se que a morte personificada - o Ankou - sentava na soleira das moradas novas, à espera do primeiro que a cruzasse (Le Braz, 1923LE BRAZ, Anatole. La Légende de la Mort chez les Bretons Armoricains. Vol. 1. Paris: Honoré Champion, 1923., p. 157s). Crenças similares justificavam, na Península Ibérica, o sacrifício de um animal ao inaugurar a vivenda (Cabal, 1992CABAL, Constantino. Las tradiciones populares asturianas II: La familia, la vivienda y oficios primitivos. Oviedo: Grupo Editorial Asturiano, 1992., p. 17; Violant, 1947VIOLANT I SIMORRA, Ramón. Ritus i cerimonies de construcció. In: VV.AA.: Miscellània Puig i Cadafalch. Barcelona: Institut d´Estudis Catalans, 1947, p. 173-183., p. 180). Em Madrid existia, ainda no século XIX, a crença segundo a qual se uma família se mudasse para uma morada recém-construída, em pouco tempo morreriam alguns dos seus membros; para evitá-lo, levava-se um cordeiro para o seu interior e o deixavam lá durante uma noite; no dia seguinte, o cordeiro era sacrificado e todos os membros da família tinham de comê-lo para estarem a salvo (Olabarria, 1884OLABARRÍA Y HUARTE, Eugenio. El Folk-Lore de Madrid. El Folk-Lore Español. Vol. II. Madrid: Librería Fernando Fé, 1884., p. 79). Na Escócia, dizia-se que a construção de uma nova morada levava seu proprietário à morte em breve (Gregor, 1891GREGOR, Walter. Les Rites de la Construction en Ecosse. Révue des Tradilions Populaires. n.VI/3, p. 172-173. 1891., p. 173). Também relacionado a isso, encontram-se costumes como o de enterrar sob a casa recém-construída a cabeça da primeira vaca que morrera na propriedade, como sucedia no condado irlandês de Leitrim (O’Suílleabháin, 1945O´SUÍLLEABHÁIN, Sean. Foundation Sacrifices. JRSAI. n.75/1, p. 45-53. 1945., p. 47s).

Figura 2
Depósitos de fundação e amuletos. Acima: amuleto com garra de texugo (Sanguesa, Navarra), Museu do Traje, Madrid (González Pérez, 2015GONZÁLEZ-GARCÍA, Cesar.; GARCÍA-QUINTELA, Marco Virgilio e Belmonte, Juán Antonio. “Landscape construction and time reckoningin Iron Age Celtic Iberia” Documenta Praehistorica n. XLIII, 2016, p. 479-497.); casa em Pitões das Júnias (Montalegre, Portugal) com chifre de carneiro incrustado entre as pedras próximas à porta, vista geral e detalhe (foto: M. Tenreiro). Abaixo: gato em posição de caçar uma rata em um depósito doméstico, exposto no Salinsbury Museum (Howard, 1951); crânio de cavalo depositado em uma casa de Ballaugh, Ilha de Man (Hayhurst, 1989HAYHURST, Yvonne. A Recent Find of a Horse Skull in a House at Ballaugh, Isle of Man. Folklore. n.100/1, p. 105-109. 1989.).

Em algumas ocasiões estes sacrifícios eram feitos não nos momentos inaugurais da casa, mas em episódios de crise - desgraça, enfermidade - na família (O’Suílleabháin, 1945O´SUÍLLEABHÁIN, Sean. Foundation Sacrifices. JRSAI. n.75/1, p. 45-53. 1945., p. 48). Em Bangor (Mayo, Irlanda), se uma vaca morresse de enfermidade, sua cabeça era cortada e enterrada sob o chão da casa, enquanto o resto do corpo era depositado em um lugar montuoso, desértico, ou atirado em um rio ou no mar (O’Suílleabháin, 1945O´SUÍLLEABHÁIN, Sean. Foundation Sacrifices. JRSAI. n.75/1, p. 45-53. 1945., p. 48). Pode ser que por detrás destes costumes curativos e profiláticos subjazesse a ideia de que a desgraça denotava um “esgotamento” da proteção dada pelo sacrifício inicial, fazendo-se necessária a sua “restauração”9 9 O mesmo mecanismo de “renovação” purificante da casa, neste caso anual, faz-se presente no costume de matar um animal (uma ovelha, vaca ou mais frequentemente uma ave) e aspergir seu sangue pelas quatro esquinas a fim de protegê-la do mal durante o ano (Wilde, 1887, p. 270; Shaw Mason, 1888, p. 57; Sebillot, 1905, p. 206); era um ritual que se levava a cabo na Irlanda durante a Festa de São Martinho. Similar costume, durante a mesma festa, existia na Alemanha, onde o sacrificado era um galo (Sebillot, 1905, p. 207). Seguramente não é um acaso a relativa proximidade da data desta festa de renovação cíclica da proteção da habitação - 11 de novembro - à da antiga festa de Samhain - 1º de novembro - que marcava o fim/princípio do ano céltico. A respeito deste costume, pode-se consultar os abundantes materiais etnográficos digitalizados da The Schools’Collection da National Folklore Collection of Ireland: www.duchas.ie/en/src?q=+St.+Martin%27s+Eve. por meio de um ritual similar àquele da fundação. Costumes como estes são semelhantes à descrição de um procedimento curativo peculiar descrito pelo médico romano Sexto Plácido (s. IV d.C.), em sua Medicina De Quadrupedibus (Cockayne, 1864COCKAYNE, Thomas Oswald. Leechdoms, Wortcunning and Starcraft of Early England. Vol. 1. London: Longman, 1864., p. 329-31):

“E embora um homem tenha qualquer enfermidade crônica e incurável, de este jeito curara. Tome-se o fígado (do animal), divide-o e enterra-o arredor dos limites da terra e em torno dos fundamentos do muro de tua casa, assim mesmo enterra o coração nas portas, então tu e os teus podereis voltar ao lar sãos e salvos, já que toda peste terá sido afastada, e após disto deverá haver também poucos problemas com o fogo.” (Sextus Plac. I.3)

Essa derivação do ritual apotropaico até o terapêutico conincide com outros fenômenos, como a relação entre determinados restos animais utilizados como amuletos protetores e em rituais curativos. Em grande parte da Europa era costume colocar os restos de algum animal como amuleto protetor sob o telhado da casa (Alonso, 1996ALONSO ROMERO, Fernando. El significado mágico del colmillo de jabalí entre los celtas y los germanos: testimonios literarios, arqueológicos y etnográficos. In: REGALES SERNA, Antonio (ed.). Germanistik und Deutschunterricht. Materialien des V Symposiums des Spanischen Deutlschlehrerverbandes. Valladolid: Universidad de Valladolid. 1989, p. 515-530., p. 19ss; Sartori, 1898SARTORI, Paul. Über das Bauopfer. ZEthn. n.30, p. 1-54. 1898., p. 40). Nos currais das casas galegas costumava-se pendurar um corno, normalmente de carneiro, como proteção contra os raios, e um dos autores do presente artigo recorda como nos anos 1980, ao levantar para reparos o chão/teto que separava o andar superior da sua morada do curral, encontrou, oculto e encaixado entre uma das traves e as madeiras do teto, um grande corno de boi. Um fragmento de chifre de cabra também podia ser utilizado como amuleto portátil sobre a fronte da vaca ou boi (Henningsen, 2015HENNINGSEN, Gustav et al. Galicia Máxica. Reportaxe dun mundo desaparecido. Gustav Henningsen. Fotografías etnográficas 1965-1968. Santiago de Compostela: Museo do Pobo Galego, 2015., p. 200s; 206s). Na zona dos Ancares (Lugo), usava-se uma pele de texugo para proteger ao animal do mau-olhado (González Pérez, 2015GONZÁLEZ GÓMEZ DE AGÜERO, Eduardo; BEJEGA GARCÍA, Victor; MUÑOZ VILLAREJO, Fernando. El poblamiento castreño en la montaña leonesa: el caso de La Peña del Castro (La Ercina, León). Férvedes. n.8, p. 191-200. 2015., p. 209ss); deste texugo utilizavam-se também as garras como amuleto (González Pérez, 2015GONZÁLEZ GÓMEZ DE AGÜERO, Eduardo; BEJEGA GARCÍA, Victor; MUÑOZ VILLAREJO, Fernando. El poblamiento castreño en la montaña leonesa: el caso de La Peña del Castro (La Ercina, León). Férvedes. n.8, p. 191-200. 2015., p. 211; Quintía, 2010QUINTÍA PEREIRA, Rafael. Cornos, cairos, pezuños e outros amuletos de orixe animal”Galicia Encantadas, Revista Electrónica. n.6, p. 1-22. 2010: http://www.galiciaencantada.com/archivos/docs/1662_QUINT%C3%8DA_Cornos_cairos..._outros_%20amuletos_orixe_%20animal.pdf (acesso27-05 -2017).
http://www.galiciaencantada.com/archivos...
, p. 6). Em Carnota (Corunha, Galiza), o dente de javali era colocado como proteção contra as “meigas” (bruxas), nas arcas onde se guardava a roupa (Alonso, 1989ALONSO ROMERO, Fernando. Creencias y tradiciones de los pescadores gallegos, británicos y bretones. Santiago: Xunta de Galicia, 1996., p. 524). O chifre ou cornadura de cervo, carneiro, cabra ou boi, a presa do javali, o dente de lobo, entre outros, podiam ser igualmente utilizados, na tradição popular galega, tanto como amuletos quanto como remédios curativos contra doenças concretas (Quintía, 2010QUINTÍA PEREIRA, Rafael. Cornos, cairos, pezuños e outros amuletos de orixe animal”Galicia Encantadas, Revista Electrónica. n.6, p. 1-22. 2010: http://www.galiciaencantada.com/archivos/docs/1662_QUINT%C3%8DA_Cornos_cairos..._outros_%20amuletos_orixe_%20animal.pdf (acesso27-05 -2017).
http://www.galiciaencantada.com/archivos...
, p. 1-9). É interessante que o efeito de muitos dos elementos animais utilizados com esta tripla funcionalidade de amuleto-remédio-depósito ritual corresponda frequentemente às partes do corpo relacionadas com a capacidade de defesa ou ataque do animal, como as garras, chifres, dentes ou mandíbulas10 10 Algo que veremos mais adiante, ao tratar os correlatos arqueológicos; não deixa de ter, em alguns casos, como o das galhadas de cervídeos, conexões muito distantes no tempo. Vid. infra p. 661. , qualidade a partir da qual se produz uma extensão, num plano simbólico, como instrumento apotropaico a fim de combater ou afastar o mal.

A evidência arqueológica: sacrifício e depósitos

A etnografia nos mostra a grande perduração dos rituais de construção/fundação presentes nos registros arqueológicos em uma continuidade cronológica que vai do Neolítico à Idade Moderna, passando pela Antiguidade e pela Idade Média (Merrifield, 1987MERRIFIELD, Ralph. The Archaeology of ritual and magic. Londres: Batsford, 1987, p. 116-360). Pelo que toca à Idade do Ferro no Ocidente peninsular, podem-se citar diversas evidências de depósitos rituais relativos à fauna associados a construções. No castro de La Peña del Castro (La Ercina, Leão) descobriu-se em uma morada o enterramento de um ovino de poucos meses com marcas de sacrifício (González Goméz et al., 2015GONZÁLEZ PÉREZ, Clodio. O “Campano” dos Ancares: Adorno ou amuleto?. In: Homenagem a Fernando Acuña Castroviejo. Portugalia, Nova serie. n. XXXVI, p. 207-215. 2015., p. 196). Na esquina de uma casa do castro de La Corona de Corporales (Leão) encontrou-se uma fossa contendo uma cabra adulta (Sanchez-Palencia e Fernández Posse, 1985SÁNCHEZ PALENCIA, Francisco Javier; FERNÁNDEZ-POSSE, María Dolores. La Corona y el Castro de Corporales I. Truchas (León). Campañas de 1978 a 1981. Madrid: CSIC, 1985., p. 24; 327). No povoado vetão do Cerro de La Mesa (Alcolea de Tajo, Toledo) encontrou-se uma fossa retangular sob o chão de uma cabana contendo vários ossos de ovinos jovens, junto com um vaso em posição invertida (Cabrera, 2010CABRERA DIÉZ, Ana. 2010. El ritual del sacrificio de animales en la cultura ibérica. Una perspectiva arqueológica. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid., p. 305-309; Cabrera e Moreno, 2014CABRERA DÍEZ, Ana; MORENO-GARCÍA, Marta. Prácticas de sacrificio en el Cerro de La Mesa (Alcolea de Tajo, Toledo). El depósito ritual de la Casa 1. Zephyrus. n.73, p. 133-147. 2014., p. 135-138)11 11 A seleção parcial dos restos dos animais (ossos cervicais e pernas dianteiras), juntamente com a ausência da ação do fogo sobre eles, indicariam um contexto sacrificial em que eram consumidas as partes com mais carne, e que as outras eram reservadas para a deposição ritual (Cabrera, 2010, p. 311; Cabrera e Moreno, 2014, p. 139). . Caprídeos jovens também apareceram sob o pavimento de cabanas no povoado do Alto de la Cruz de Cortes de Navarra (Maluquer et al., 1990MALUQUER DE MOTES, Juan; GRACIA, Francisco; MUNILLA, Gloria. Alto de la Cruz (Cortes, Navarra). Campañas 1986-1988. Trabajos de Arqueología de Navarra. n.9, p. 11-245. 1990., p. 30), no castro de El Pesadero (Samora) (Misiego et al, 2013MISIEGO, Jesús Carlos; MARTÍN CARBAJO, Martín A.; MARCOS, Gregorio José; SANZ GARCÍA, Francisco Javier. Las excavaciones arqueológicas en el yacimiento de “La Corona/El Pesadero” en Manganeses de la Polvorosa. La Edad del Hierro y la Época Romana en el norte de la provincia de Zamora. Memorias Arqueología en Castilla y León n.19. Valhadolid, Junta de Castilla y León, 2013., p. 227), e no assentamento vacceo de Melgar de Abajo (Valladolid) (Cuadrado e San Miguel. 1993CUADRADO BASAS, M. África; SAN MIGUEL MATÉ, Luis Carlos. El urbanismo y la estratigrafía del poblado vacceo de Melgar de Abajo. In: ROMERO CARNICERO, Fernando et al. (eds.). Arqueología vaccea. Estudios sobre el mundo prerromano en la cuenca media del Duero. Valhadolid: Junta de Castilla y León, 1993, p. 303-334., p. 316). Na chamada Casa C de Mesa de Miranda (Chamartin de La Sierra, Ávila) foi encontrado um depósito sob o solo formado por uma asa de caldeirão, um seixo e uma mandíbula de porco (López García, 2012LÓPEZ GARCÍA, Juan Pablo. Arqueología de la Arquitectura en el mundo vetón. La casa C de la Mesa de Mirand a. Madrid: La Ergástula, 2012., p. 109s). Em Astúrias, no jazigo de El Castrú, em Vigaña (Belmonte de Miranda), escavaram-se diversos depósitos de restos animais associados a duas vivendas - C1 e C2 (González, 2016GONZÁLEZ ÁLVAREZ, David. Poblamiento y antropización de la montaña occidental cantábrica durante la Prehistoria reciente: una aproximación desde la Arqueología del Paisaje. Madrid: Tese doutoral inédita. Universidade Complutense, 2016., p. 314-318). Na cabana C2 encontraram-se diversos depósitos sucessivos sob a fossa de cimentação: o primeiro era formado por uma escápula de porco e dois fragmentos de perna de bovídeo; em um nível superior foi encontrado outro depósito contendo ossos misturados de caprídeos e vacum coroados intencionalmente com dois cornos de carneiro, entre os quais colocou-se um bloco de pedra substituíndo a cabeça do animal (González, 2016GONZÁLEZ-GARCÍA, Cesar.; GARCÍA-QUINTELA, Marco Virgilio e Belmonte, Juán Antonio. “Landscape construction and time reckoningin Iron Age Celtic Iberia” Documenta Praehistorica n. XLIII, 2016, p. 479-497., p. 317s); o conjunto foi selado por uma grande quantidade de restos da fauna, além de um cutelo curvo, interpretado como o instrumento sacrificial utilizado no ritual (González, 2016GONZÁLEZ-GARCÍA, Cesar.; GARCÍA-QUINTELA, Marco Virgilio e Belmonte, Juán Antonio. “Landscape construction and time reckoningin Iron Age Celtic Iberia” Documenta Praehistorica n. XLIII, 2016, p. 479-497., p. 319).

Não só moradias: muros, portas, campos

Não apenas as moradias, como também todo o conjunto do assentamento podia servir de cenário para cerimônias que pressupunham o sacrifício e a deposição de animais, tanto no contexto peninsular quanto no europeu (Merrifield, 1987MERRIFIELD, Ralph. The Archaeology of ritual and magic. Londres: Batsford, 1987, p. 48ss; Alfaye, 2007ALFAYÉ VILLA, Silvia. Rituales relacionados con las murallas en el ámbito celtibérico. Palaeohispanica. n.7, p. 9-41. 2007.; Ralston, 2006RALSTON, Ian. Celtic fortifications. Stroud: Tempus, 2006.; Karl, 2008KARL, Raimund. Hausfrieden. Die Siedlung als magisch-religiöse geschützter Raum. KF n. 3, 99-137.2008; Von Nicolai, 2009VON NICOLAI, Caroline. Pour une «contextualisation» des dépôts du deuxième âge du Fer en Europe tempérée. RAP. n.19, p. 75-90. 2009.). Assim, no povoado do Soto de Medinilla (Valladolid) apareceram três depósitos: os dois primeiros eram formados por duas fossas com restos parciais de um cabrito e de uma ovelha, que foram interpretados como um ritual vinculado à própria fundação do assentamento (Morales e Liseau, 1995MORALES MUÑIZ, Arturo e LIESAU VON LETTOW-VORBECK, Corina. Análisis comparado de las faunas arqueológicas en el valle Medio del Duero (prov. Valladolid) durante la Edad del Hierro. In: DELIBES DE CASTRO, Germán et al. (eds.). Arqueología y Medio Ambiente. El Primer Milenio a. C. en el Duero Medio. Valhadolid: Junta de Castilla y León , 1995, p. 455-514., p. 458); o terceiro, localizado em uma “área marginal” do povoado e de datação mais tardia (Soto III), era formado por quatro crânios de vaca e pelos seus ossos largos e várias galhadas de cervo12 12 Seria possível que esta localização marginal se relacione simbolicamente com os próprios limites do assentamento? A ausência de maiores detalhes nos impede de defender essa hipótese. Os próprios escavadores interpretaram o depósito como um “acúmulo de matéria-prima para uma oficina artesanal” (Morales e Liseau, 1995, p. 459), se bem que o cuidado da deposição das cabeças em semicírculo leva-nos a considerar o seu possível sentido ritual (Cabrera Diéz e Moreno García, 2014, p. 142). (Morales e Liseau, 1995MORALES MUÑIZ, Arturo e LIESAU VON LETTOW-VORBECK, Corina. Análisis comparado de las faunas arqueológicas en el valle Medio del Duero (prov. Valladolid) durante la Edad del Hierro. In: DELIBES DE CASTRO, Germán et al. (eds.). Arqueología y Medio Ambiente. El Primer Milenio a. C. en el Duero Medio. Valhadolid: Junta de Castilla y León , 1995, p. 455-514., p. 141s). Temos a notícia do encontro de uma galhada completa de cervo dentro da muralha do castro Bacos (Soria) deixada ao descoberto quando destruída no ano 1773 (Alfaye, 2007ALFAYÉ VILLA, Silvia. Rituales relacionados con las murallas en el ámbito celtibérico. Palaeohispanica. n.7, p. 9-41. 2007., p. 32). Igualmente no castro da Hoya (Laguardia, Alava) várias galhadas completas de cervo foram dispostas nas fiadas da base da muralha de modo que as suas pontas assomassem ao exterior (Llanos, 1981LLANOS ORTIZ, Armando. Habitat protohistórico en Álava. El poblado prerromano de La Hoya. Revista de Arqueología. n.10, p. 6-12. 1981., p. 8-12; Alfaye, 2007ALFAYÉ VILLA, Silvia. Rituales relacionados con las murallas en el ámbito celtibérico. Palaeohispanica. n.7, p. 9-41. 2007., p. 32), e um depósito similar de pontas de chifre de cervo foi localizado sob a muralha do povoado de Peñahitero (Navarra) (Alfaye, 2007ALFAYÉ VILLA, Silvia. Rituales relacionados con las murallas en el ámbito celtibérico. Palaeohispanica. n.7, p. 9-41. 2007., p. 31s). No castro celtibérico do Cabezo de Azaila (Teruel) encontrou-se, dentro dos níveis da fundação da muralha, uma cestinha com restos de uma vasilha, cinzas e ossos queimados de diversos animais, majoritariamente ovicaprídeos, que os escavadores interpretaram como restos de um ritual comunitário vinculado à construção (Franco e Hernández, 2003FRANCO CALVO, Jesús G.; HERNÁNDEZ PARDOS, Antonio. El Cabezo de Alcalá de Azaila: avance de resultados de los trabajos arqueológicos realizados en el año 2003. Kalathos. n.22-23, p. 369-377. 2003-04., p. 373-376). No setor Norte do povoado de Atxa (Vitoria, Alava) encontrou-se, próximo ao seu perímetro, um depósito formado por quatro escápulas de boi e restos de cremação (Filloy, 1995FILLOY, Idoia. Los enterramientos infantiles. Los depósitos rituales, in: GIL, Eliseo., (ed.), Atxa. Poblado indígena y campamento militar romano,Vitoria-Gasteiz: Diputación Foral de Alava, 1995, pp. 171-193., p. 192s; Alfaye, 2007ALFAYÉ VILLA, Silvia. Rituales relacionados con las murallas en el ámbito celtibérico. Palaeohispanica. n.7, p. 9-41. 2007., p. 29). No desaparecido castro de Espinharedo (As Pontes, Corunha), durante a escavação da sua muralha, foram exumados restos de ossos de cavalos (GATT, 1999GRUPO DE ARQUEOLOXÍA DA TERRA DE TRASANCOS. A Cultura material: continuismo. In: VV.AA: Os Celtas da Europa Atlántica. Actas do ICongreso sobre a Cultura Celta, Ferrol, agosto 1997. Ferrol: Concelho de Ferro, 1999, p. 161-170 (=GATT)., p. 166).

Figura 3
Alguns depósitos animais em contexto doméstico. Acima: cão sob a soleira de uma casa galaico-romana, castro de Neixon (Boiro, Corunha) (foto: neixon.blogspot.com); fossa com ossos de ovicaprídeos e vaso do castro Cerro de La Mesa (Alcolea de Tajo, Toledo) (Cabrera, 2010CABRERA DIÉZ, Ana. 2010. El ritual del sacrificio de animales en la cultura ibérica. Una perspectiva arqueológica. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid.). Abaixo: depósito faunístico sob os alicerces da cabana C-2, castro de Vigaña (Belmonte de Miranda, Astúrias) (González, 2016GONZÁLEZ-GARCÍA, Cesar.; GARCÍA-QUINTELA, Marco Virgilio e Belmonte, Juán Antonio. “Landscape construction and time reckoningin Iron Age Celtic Iberia” Documenta Praehistorica n. XLIII, 2016, p. 479-497.).

Nas Ilhas Britânicas conhecem-se depósitos animais vinculados à defesa de povoados da Idade do Ferro. Em Maiden Castle (Dorset) encontrou-se o esqueleto de um cão no caminho de uma das entradas (Buchsenschutz e Ralston, 2007BUCHSENSCHUTZ, Olivier; RALSTON, Ian. Dépôts et fortifications à l’âge du Fer. In: BARRAL, Philippe et al. (eds.). L’âge du Fer dans l’arc jurassien et ses marges. Dépôts, lieux sacrés et territorialité à l’âge du Fer. Actes du XXIXe colloque international de l’AFEAF. vol. 2. Besançon: Presses Universitaires de Franche-Conté, 2007, p. 757-776., p. 176). Em Crickly Hill (Gloucestershire) encontraram-se vários restos de animais sob os postes que formavam a estrutura da porta, repartidos de modo intencional entre os lados esquerdo - mandíbulas de javali - e direito - duas cabeças de cabra (Ralston 2006RALSTON, Ian. Celtic fortifications. Stroud: Tempus, 2006., p. 139). Sob a muralha do castro escocês de Eildon Hill North encontrou-se uma fossa com ossos de diversos animais, entre eles dentes de cavalo adulto (Büchsenschütz e Ralston, 2007BUCHSENSCHUTZ, Olivier; RALSTON, Ian. Dépôts et fortifications à l’âge du Fer. In: BARRAL, Philippe et al. (eds.). L’âge du Fer dans l’arc jurassien et ses marges. Dépôts, lieux sacrés et territorialité à l’âge du Fer. Actes du XXIXe colloque international de l’AFEAF. vol. 2. Besançon: Presses Universitaires de Franche-Conté, 2007, p. 757-776., p. 176). No oppidum de Mont Vully (Suíça) aparecera, num poste da entrada, o maxilar de um boi (Von Nicolai, 2009VON NICOLAI, Caroline. Pour une «contextualisation» des dépôts du deuxième âge du Fer en Europe tempérée. RAP. n.19, p. 75-90. 2009., p. 79); na porta oeste do castro Blewburton Hill (Berkshire) foram encontrados dois depósitos formados por uma parelha de cavalos (Ralston, 2006RALSTON, Ian. Celtic fortifications. Stroud: Tempus, 2006., p. 138), assim como cabeças de cavalos possivelmente apareciam expostas nas portas do oppidum de Dünsberg, segundo a interpretação de Von Nicolai (2009VON NICOLAI, Caroline. Pour une «contextualisation» des dépôts du deuxième âge du Fer en Europe tempérée. RAP. n.19, p. 75-90. 2009., p. 85).

Recentemente, R. Karl (2008KARL, Raimund. Hausfrieden. Die Siedlung als magisch-religiöse geschützter Raum. KF n. 3, 99-137.2008, p. 121-123) aventou a interessante possibilidade de que certos restos faunísticos em fossos de povoados da Idade do Ferro, identificados como lixeiras, pudessem ser produto de sacrifícios vinculados a rituais cíclicos de reconsagração do espaço urbano. Nesse contexto, poder-se-ia interpretar também a presença de outros elementos secundários do ritual, como os restos de caldeirões de bronze desfeitos e depositados em fossas à entrada de alguns castros peninsulares, como o de Sanchorreja (Ávila) (Gerloff, 2010GERLOFF, Sabine. Atlantic Cauldrons and Buckets of the Late Bronze and Early Iron Ages in Western Europe Prähistorische Bronzefunde Ab. II, Vol.18. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2010., p. 209-219; 232), ou a acumulação demorada de cinzas e restos de fogo no antefosso e em dois dos fossos do castro de Sorbán (Calahorra, La Rioja), que seu escavador interpretou como resultado de uma atividade ritual que implicaria o acender do fogo com certa periodicidade (González Blanco, 1983GONZÁLEZ BLANCO, Antonino. El yacimiento de Sorbán y la Primera Edad del Hierro en Calahorra y La Rioja. Amigos de la Historia de Calahorra. Logronho, 1983., p. 27; 1985GONZÁLEZ BLANCO, Antonino. Las defensas de Sorbán. In: XVII Congreso de Arqueología Nacional. Zaragoza, 1985, p. 335-345.; 337; 341). Evidências como estas mostram uma relação material indireta com o rito sacrificial, sem que os restos físicos dos animais sejam propriamente depositados ou estejam ao menos de maneira “visível”: não escapou a ninguém que um ato como o da Quinta da Recondo, no qual o contato com o animal limitou-se a algo tão efêmero temporalmente como a efusão do sangue sobre as pedras dos limites do território, dificilmente poderia deixar, a médio ou longo prazo, alguma pista material.

Neste sentido, ao considerar a leitura de evidências materiais, os dados etnográficos com a sua riqueza contextual permitem uma interessante aproximação “ao vivo” do ritual. Deve-se atentar, no entanto, as limitações das fontes etnográficas pelos processos de troca histórica e cultural, “perda de sentido” e “reinterpretação”, na qual a substituição da religiosidade pagã pelo cristianismo não pode deixar de ser obrigatoriamente considerada (Merrifield, 1984MERRIFIELD, Ralph. The Archaeology of ritual and magic. Londres: Batsford, 1987, p. 106ss; Tenreiro, 2007aTENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Sobre ciertos sacrificios fundacionales y de delimitación y sus paralelos históricos y etnográficos. Anuario Brigantino. n.30, p. 179-192. 2007a., p. 182; Tenreiro, no prelo). Deve-se, por relação igualmente necessária, comparar a etnografia atual com dados etno-históricos extraídos de horizontes sincrônicos à proto-história - como pôde ser feito com as fontes clássicas - ou, ainda que mais tardios, como os medievais -, que foram suscetíveis de amostrar estados intermediários dos fenômenos, úteis para a sua reconstrução.

Assim, a comparação da arqueologia da área céltica com os rituais arcaicos do mundo itálico, pode resultar muito produtiva, pois ajuda-nos a compreender as práticas rituais da Idade do Ferro europeia que lhes são contemporâneas (Von Nicolai, 2009GARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio; SANTOS ESTÉVEZ, Manuel. Petroglifos podomorfos de Galicia e investiduras reales célticas. Estudio comparativo. AEspA. n.73, p. 5-26. 2000a., p. 86). Por exemplo: na Roma antiga a área interna das cidades - pomoerium - e as suas portas, especialmente, eram considerados sagradas13 13 Segundo o jurista Gaio: “sancta quoque res, velut muri et portae, quodammodo divini iuris sunt” (Gaio, Inst. 2.4). São vários e conhecidos os testemunhos de procissões e cerimônias de delimitação do pomerium (Dion. Hal., A.R. I 88, 2; Var., L.L. V 143; Macr., Sat. V. 19, 13). (Simonelli, 2001SIMONELLI, Antonella. Considerazioni sull´origine, la natura e l´evoluzione del Pomerium. Aevum. n.LXXV, p. 119-162. 2001., p. 139ss); por isso, tinham que ser periodicamente purificados e “reconsagrados” através do amburvium: sacrifício conjunto de touro, porco e ovelha (suovetaurilia) precedido de uma circunvalação do perímetro urbano. O mesmo ritual era utilizado para a purificação do povo - lustratio - e dos campos antes de se começarem os trabalhos agrícolas - arbarvalia - 14 14 Os termos amburvium e ambarvalia relacionam-se com o verbo ambio, “dar voltas” (Scullard, 1981, p. 82). Dumézil (1966, p. 241) comparou a circunvalação purificatória romana com o caso hindu no qual, segundo o Atharvaveda (VI.28.2), uma vaca devia ser conduzida por três vezes ao redor de uma casa a fim de purificá-la. Sobre o sentido mágico e religioso das circunvalações, videMoya-Maleno (2010, p. 153ss). , constituindo um ato de proteção e propiciação (Scullard, 1981SCULLARD, Howard H. Festivals and ceremonies of the Roman Republic. Londres: Thames; Hubson, 1981., p. 82s). Igualmente nos marcos das propriedades realizavam-se oferendas anuais durante a festa das Terminalia (Ovid, Fast., II, 645-656). Em nenhum destes casos existe constância nas fontes de que estes rituais estavam associados à deposição dos despojos animais após o sacrifício.

O fato de na religião romana se utilizar o díptico procissão-sacrifício como ritual multifuncional a fim de garantir a proteção de espaços tão diversos como a urbe ou o ager, assim como a do próprio grupo humano que neles habitava, recorda-nos a conexão entre o âmbito doméstico, os habitantes e o território circundante, o que observamos tanto no descrito por Sexto Plácido quanto no caso muito mais tardio dos quirogues, o que nos leva a considerar plausível que o simbolismo fundacional vinculado às moradas ou recintos dos povoados durante a proto-história pudesse também estar pressente, ceteris paribus, em âmbitos mais extensos, como campos de cultivo ou limites territoriais. A presença destas atividades rituais nestes contextos é mais difícil de estabelecer que no âmbito doméstico ou urbano, já que a sua própria localização, desconectada de qualquer forma de habitat, frequentemente favorece a sua categorização como “descontextualizado” a priori, embora seja possível apontar alguns exemplos em que a identificação possa ser feita com segurança. Foi pela comparação com prática equivalente durante o período bretão-romano que Merrifield interpretou a deposição de um vaso da Idade do Ferro, na esquina de um campo celta em Overton Down (Merrifield, 1987MERRIFIELD, Ralph. The Archaeology of ritual and magic. Londres: Batsford, 1987, p. 38s). A esse respeito, destaca-se a recente descoberta, em Helsington (Yorkshire), de uma série de fossas contendo ossos de animais e um crânio humano ao longo da margem de um paleo-terreno de cultivo da Idade do Ferro (O’Connor, 2011O’CONNOR, Sonia et al. Exceptional preservation of a prehistoric human brain from Heslington, Yorkshire, UK. JAS. n.38, p.1641-1654. 2011., p. 1643) que aponta claramente para um ritual, similar aos tratados acima, associado a um prédio agrícola.

Percorrerás a terra: circunvalação, território e direito

A inter-relação entre a circunvalação inicial e o sacrifício purificatório celebrado a seguir, no caso itálico, fornece um interessante paralelo que nos permite observar a complexidade das ações por detrás dos restos fixados estaticamente no seu contexto material, assim como permite considerar a hipótese de que a circunvalação, em determinadas ocasiões, fez parte dos elementos prévios das cerimônias de “(re)consagração”/ (re)fundação do espaço. É uma ideia que se encontra em um abundante corpus de dados históricos e etnográficos, situando a circunvalação como uma das formas de estabelecer uma “proteção” sobre um espaço (Hascöet, 2010HASCÖET, Joel. Les troménies bretonnes. Un mode d’anthropisation de l’espace à l’examen des processions giratoires françaises et belges. Vol. II: Études et analyses Tese doutoral inédita. Université de Bretagne Ocidentale, Brest, 2010., p. 507-524; Moya-Maleno, 2010MOYA-MALENO, Pedro Reyes. La sacralidad y los ritos circumambulatorios en la Hispania Céltica a través de las tradiciones populares. In: BURILLO, Francisco (eds.). VI Simposio sobre Celtiberos: Ritos y Mitos. Daroca: Fundación Segeda, 2010, p.553-562., p. 555-557), conotação que tampouco está ausente do ato de conduzir um boi “fecundo” pelo novo prédio, antes do sacrifício, como no caso quirogues. No entanto, o fato de que seja necessário um segundo percurso, concordante ao anterior, pelos limites do território, com o resto sangrante do boi, parece apontar a um sentido diverso, que deve centrar-se nos aspectos mais “propriamente” jurídicos do ritual concordante (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 329). Isso é confirmado por uma ampla casuística, no direito consuetudinário europeu, com diversos eventos paralelos que apresentam a condução de um animal pelo território como um dos atos típicos de tomada de posse ou apropriação (Lecouteux, 1999LECOUTEUX, Claude. Demonios y genios comarcales en la Edad Media. Palma de Mallorca: Olañeta Editor, 1999, p. 99s; 103-110; Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 329s).

Na Islândia e Escandinávia medievais, por exemplo, para se tomar posse de uma terra, era necessário rodeá-la montado sobre um potro ou cavalo, no caso do homem, ou conduzindo uma bezerra de dois anos, se mulher (Boyer, 1973BOYER, Régis. Le livre de la colonisation de l´Islandie (Landnámabók). Introduction, traduction, notes et commentaire. Paris: Mouton, 1973., p. 120s; Lecoteaux, 1999LECOUTEUX, Claude. Demonios y genios comarcales en la Edad Media. Palma de Mallorca: Olañeta Editor, 1999, p. 99s). Um ritual de grande antiguidade, pois a Capitular de Villis identifica a circunvalação de uma terra como forma de tomada de posse (MGH, Leg. II.I.85), e Gregório de Tours nos informava que, ao chegar ao trono, os reis francos deviam primeiramente circundar ou seu reino (Greg. Tur. Hist. Franc. IV.14). Du Cange recolhe, no seu Glossario, várias referências medievais ao ato de percorrer a cavalo os limites de uma terra como “forma solene” de investidura ou tomada de posse (Du Cange, Glos. I. 117). Assim, em um documento de 1248 de um mosteiro flamengo, definem-se umas terras de pastagem cedidas a ele como “cavalgadas”: “...segundo as pastagens (wastinae) em Flandres soem e devem ser cavalgadas” (Du Cange, Glos. I.117). Igualmente, um documento de 1096 afirma, como uso entre os “hispanos” e “galos”, que na traditio de uma propriedade o comprador poderia receber tanto dela quanto “possa a pé e a cavalo” percorrer o território vinculado à colocação dos marcos que fixavam suas fronteiras15 15 “... circuibant, suisque vestigiis ponebant terminos ac limites”. (Du CangeDU CANGE, Charles du Fresne et al. Glossarium Mediae et Infimae Latinitatis. 10Vols. Niort: Lucien Favre, 1938{Glos}., Glos. VI.265).

Neste contexto, deve-se situar também as grandes cerimônias públicas de redelimitação, como o fez o condestável Miguel Lucas de Iranzo na disputa entre Andujar e Jaén, ou percurso que o rei de Navarra, Fortun Garçés, fez a cavalo, seguido por seus condes, a fim de fixar novamente os termini do mosteiro de Labasal, controversos desde a sua destruição pelos sarracenos (Moret, 1665MORET MENDI, José. Investigaciones históricas de las Antigvedades del Reyno de Navarra. Pamplona: Gaspar Martínez Impressor, 1665., p. 381). No âmbito céltico insular, os Madinogi galeses se referem em duas ocasiões que os reis deviam circular o seu reino periodicamente; assim se conta que Puywll celebrou um banquete após dar a sua volta ao país - cylch - (Loth, 1913LOTH, Joseph. Les Madinogion du libre Rouge de Herges avec les variantes du Livre Blanc de Rhydderch. 2vols. Paris: Fontemoing Éditeurs, 1913., p. 113; Fernández Nieto, 2005FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. Religión, derecho y ordalía en el mundo celtibérico: la federación de San Pedro Manrique y el ritual de las Móndidas. In: BELTRÁN, Francisco et al. (eds.). Acta Palaeohispanica, IX. Actas del IX Coloquio sobre Lenguas y Culturas Palaeohispánicas. Palaeohispánica 5. Saragoça: Institución Fenando el Católico, 2005, p. 585-618., p. 601) ou que o rei Math não podia “circunvalar” o seu reino por causa de um peculiar tabu que lhe impedia afastar os pés do regaço de uma virgem (Loth, 1913LOTH, Joseph. Les Madinogion du libre Rouge de Herges avec les variantes du Livre Blanc de Rhydderch. 2vols. Paris: Fontemoing Éditeurs, 1913., p. 175s). Graças a um poema um tanto posterior no qual se descreve o cylch de Owen Cyfeiliog (1130-1197), soberano do reino de Powis, sabemos que este percurso pelo país relacionava-se com os marcos que o delimitavam: “What though our prince, with prosperous rounds, / Tens measured Cambria’s lovely bounds” (Stephen, 1894STEPHEN, Thomas. The literature of the Kymry. London: Longman , 1849., p. 45; Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 329).

Na Polônia e Morávia, até o século XVI, os limites das cidades eram renovados periodicamente por meio de uma procissão denominada equitatio, na qual os vizinhos nobres e homens do povo acompanhavam um magistrado municipal ao redor das fronteiras, parando frequentemente para jurar sobre os marcos do território (Czarnowski, 1925CZARNOWSKI, Stefan. Le morcellement de l´étendue et sa limitation dans la religión et la magie. In: Actes du Congrès International d´Histoire des Religions. Vol 1. Paris: Honorè Champion, 1925, p. 339-359., p. 347). Na Península Ibérica existiam procissões equestres públicas que exprimiam de igual modo esse aspecto de renovação , como as chamadas “La Caballada” de Atienza (Guadalajara) e “La Descubierta” (San Pedro Manrique, Sória), casos estudados extensamente por Fernández Nieto (1999FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. La federación celtibérica de Santerón. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco(eds.). Pueblos, lenguas y escrituras en la Hispania prerromana. Actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánicas. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1999, p. 183-201., p. 187-90; 2005FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. Religión, derecho y ordalía en el mundo celtibérico: la federación de San Pedro Manrique y el ritual de las Móndidas. In: BELTRÁN, Francisco et al. (eds.). Acta Palaeohispanica, IX. Actas del IX Coloquio sobre Lenguas y Culturas Palaeohispánicas. Palaeohispánica 5. Saragoça: Institución Fenando el Católico, 2005, p. 585-618., p. 592), ou as denominadas, por vários povos mesetenhos, como “Encamisá” (Domínguez, 1984DOMÍNGUEZ MORENO, J.M. (1984. “La ‘encamisá’, significado y origen de una fiesta cacereña”, en Revista de Folklore n. 43. Caja de Ahorros Popular. Valladolid, p. 17-22.; Moya-Maleno, 2012MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Paleoetnología de la Hispania Céltica: Etnoarqueología, Etnohistoria y Folklore como fuentes de la Protohistoria. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid, 2012., p. 489-491). Estas procissões frequentemente eram realizadas pelos homens jovens do povo, em trânsito para a idade adulta (Domínguez, 1984DOMÍNGUEZ MORENO, J.M. (1984. “La ‘encamisá’, significado y origen de una fiesta cacereña”, en Revista de Folklore n. 43. Caja de Ahorros Popular. Valladolid, p. 17-22., p. 17-20), constituindo-se em autêntico rito de passagem e contribuindo, ao mesmo tempo, para a “renovação” tanto do espaço como dos próprios efetivos humanos da comunidade. Às procissões uniam-se outros elementos que destacavam seu caráter cíclico, associado às festividades dos santos patronos dos povos correspondentes, cujas datas coincidiam com aquelas próximas à mudança das estações do ano, como a transição entre outono-inverno/primavera-verão ou com os solstícios16 16 As três festividades estudadas por Fernández Nieto (1999, p. 119, 2005, p. 588) situam-se no ciclo de maio-São João; as estudadas por Domínguez caem tanto neste ciclo como no invernal, compreendido entre outono e fim de ano/janeiro (Domingúez, 1984, p. 19). A este respeito, há, em alguns casos, um antagonismo entre o caráter diurno/noturno das procissões equestres, embora tenham em comum a realização de rito ígneo durante a noite (Fernández Nieto, 1999, p. 191s; Domínguez, 1984, p. 17 e 19). (Domingúez, 1984DOMÍNGUEZ MORENO, J.M. (1984. “La ‘encamisá’, significado y origen de una fiesta cacereña”, en Revista de Folklore n. 43. Caja de Ahorros Popular. Valladolid, p. 17-22.; Fernández Nieto, 1999FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. La federación celtibérica de Santerón. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco(eds.). Pueblos, lenguas y escrituras en la Hispania prerromana. Actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánicas. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1999, p. 183-201., p. 196s); da mesma maneira, no caso das Encamisás, encontramos a colocação de fogueiras nas ruas pelas quais a comitiva equestre percorria (Domínguez, 1984DOMÍNGUEZ MORENO, J.M. (1984. “La ‘encamisá’, significado y origen de una fiesta cacereña”, en Revista de Folklore n. 43. Caja de Ahorros Popular. Valladolid, p. 17-22., p. 19), o que se deve relacionar com rituais ígneos similares bem conhecidos no resto da Europa e situados igualmente em momentos de mudança cíclica anual (Frazer, 1919FRAZER, James Georges. Balder the Beautiful. The Fire Festival of Europe and the Doctrine of the External Soul. The Golden Bought VII: LondreS: Macmillan, 1919, Vol. 1., p. 106-327).

A esse respeito chamamos a atenção sobre alguns achados arqueológicos conexos, como os já citados restos de fogo das defesas e fossos do castro de Sorbán, que talvez tenham sido inseridos em algum tipo de festival ou cerimônia ígnea. Sugerimos recentemente (Tenreiro, no prelo) que uma circunvalação equestre está evidenciada, ao menos simbolicamente, nas célebres insculturas de equídeos a galope que são observadas nos silhares das muralhas do castro vetão de Yecla de Yeltes (Martin, 1983MARTÍN VALLS, Ricardo. Las insculturas del castro salmantino de Yecla de Yeltes y sus relaciones con los petroglifos gallegos. Zephyrus. n.XXXVI, p. 217-23. 1983., p. 218ss). A colocação intencional das figuras na posição correta para sugerir o movimento dos animais, assim como a evidente recorrência e concentração de motivos equestres em diversas cenas (monta, caça) nas penas, sobre as quais se assenta a própria muralha (Martin, 1983, p. 226 e 231), depõe a favor da relação entre os motivos equestres e a sinalização simbólica do perímetro do assentamento (Tenreiro, no prelo).

Em redor e através da terra: alguns outros paralelos

A documentação da época medieval apresenta os direitos europeu e peninsular, mostrando paralelos da condução de um animal, frequentemente um cavalo (em outras ocasiões também um bovídeo, como no do caso quirogues), e que recordam o recurso ao enterro de um equídeo no litígio entre Dueñas e Cevico - nesse caso um asno. Mas a circunvalação não esgota a casuística na qual se submete a presença de animais nos ritos de propriedade e apropriação do território. Cumpre, assim, assinalar aqueles ritos nos quais, de uma circunvalação das fronteiras, produz-se sua ruptura simbólica, atravessando-as ou modificando-as, pela introdução de um animal em uma clara variante antitética da sua função, mais equivalente, formalmente, no seu trâmite ao ato fundacional. Estes casos situam-se na base dos conflitos pela posse da propriedade.

Na Irlanda existia um procedimento peculiar a respeito, com a finalidade de reclamar legalmente uma terra sobre a qual houvesse um litígio por ocupação indevida. Essa forma legal de reclamação consistia em que o denunciante fizesse uma “entrada legal” - tellach - na propriedade; o interessado tinha de cruzar, com dois cavalos, os seus limites, acompanhado de várias testemunhas e fiadores, e o “passo” da fronteira devia se dar preferencialmente sobre túmulo(s) usado(s) como termo - fert/tae (Kelly, 1998KELLY, Fergus. A Guide to Early Irish Law. Dublin: Dublin Institute for Advanced Studies, 1998., p. 186; Charles-Edwards, 1976CHARLES-EDWARDS, Thomas Mowbray. Boundaries in Irish Law. In: SAWYER, P.H: Medieval Settlement. Continuity and Change. London: Edward Arnold, 1976, p. 82-87., p. 82s). Se o litigante fosse uma mulher, as testemunhas também deviam ser mulheres, e ao invés de cavalos levariam consigo igual número de ovelhas (Kelly, 1998KELLY, Fergus. A Guide to Early Irish Law. Dublin: Dublin Institute for Advanced Studies, 1998., p. 186-8; 82-3; ALI, IV.3-23). No caso de o ocupante não aceitar a arbitragem, o litigante repetiria sua ação mais duas vezes. À terceira entrada o reclamante tinha o direito de passar uma noite na terra com os seus animais e acender o lume como símbolo de posse sobre o prédio17 17 O acender do fogo aparece, em algumas tradições irlandesas, associado à tomada de posse de um lugar ou à tomada do poder, como sucede no caso de Conall Corr, que chegará a rei de Munster após acender por acaso um lume sob certo teixo situado num outeiro, no lugar em que logo haveria de estar a morada dos reis de Munster, como predissera uma profecia (Hull, 1941, p. 949). Igualmente, a tradição jurídica escandinava reconhece o ato de introduzir o fogo num prédio - “ir com o lume e tomar a terra” - ou rodeá-lo com ele - “dar a volta a terra com o lume” - entre os ritos de tomada de posse e apropriação da terra, gesto que tinha igualmente um matiz religioso denotado pelo termo eldvignig - “consagrar pelo lume” (Lecouteux, 1999, p. 97s). (Kelly, 1998KELLY, Fergus. A Guide to Early Irish Law. Dublin: Dublin Institute for Advanced Studies, 1998., p. 187). Recentemente, assinalamos (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016, p. 330) a estreita similaridade entre o tellach irlandês e um ritual muito afastado geograficamente, porém também localizado no contexto indo-europeu: o asvamedaha hindu. Na grande epopeia Mahabharata aparece a descrição dos trâmites prévios para o sacrifício de um cavalo. Um ano antes do sacrifício, o cavalo era liberado para que pastasse livremente pelas fronteiras do reino; quando o animal as traspassava, o rei do território estrangeiro onde penetrara devia ou reconhecer a sua submissão ao dono do cavalo, deixando-o livre, ou declarar-lhe guerra, capturando/matando o equídeo (Mahanhbar. IX, 72). A favor da similitude com o ritual irlandês, há uma referência sobre os citas, oferecida por Heródoto, na qual afirma-se que o percurso de um cavalo era utilizado como uma forma solene de conceder terras: “... todas as terras que, ao arredor, possa percorrer pessoalmente a cavalo em um só dia” (Het. IV.7.2), pelo que se intui um substrato cerimonial relativo aos ritos de delimitação-tomada de posse do território também no âmbito indo-iraniano.

Algumas tradições hagiográficas irlandesas sugerem que os bovídeos - e não apenas os cavalos - também eram utilizados em rituais de delimitação que implicavam um conflito. Assim, uma lenda conta o pleito entre São Ciaran e São Brenan sobre a extensão do território de dois monastérios por eles fundados, disputa que é solucionada ao se deixar à divina providência a decisão, mediante o procedimento de soltar uma vaca para que pastasse livremente, sob a condição de que “onde ela pare será a fronteira entre nós” (Plummer, 1922PLUMMER, Charles. Bethada náem nÉrenn / Lifes of the Irish Saints. Oxford: Clarendon Press, 1922., p. 114). Os bovídeos aparecem igualmente em algumas tradições peninsulares, nas quais podemos encontrar ecos de rituais jurídicos muito similares. Assim, uma lenda conta como os de Porrua (Llanes, Astúrias), para marcar a fronteira das suas pastagens com a do concelho vizinho Cabrales, decidiram soltar um boi e uma mula, determinando que onde se cruzassem fixar-se-ia o limite. A lenda acrescenta que no ponto do cruzamento dos dois animais permaneceu a marca da pegada da pata da mula em uma pedra; por isso, o local foi chamado “Mon Mular”. Para marcar a permanência do deslinde, gravou-se naquela pedra uma cruz (Alvárez Peña, 2003ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Mitos y Leyendas asturianas. Oviedo: Picu Urriellu, 2003., p. 39). A esse respeito resulta a associação curiosa de cruzes e ferraduras gravadas como petróglifos de termo, muito frequente na documentação medieval e moderna (Ferro, 1952FERRO COUSELO, Jesús. Los petroglifos de término y las insculturas rupestres de Galicia. Ourense: Ed. do autor, 1952., p. 107-110), magnificamente representada num mapa de 1657, guardado nos fundos do Arquivo do Reino da Galiza e contido num pleito pelos limites da jurisdição de Cudeiro (Ourense), onde se representa claramente uma pedra gravada com cruz e ferradura18 18 É possível que a iconografia da ferradura em petróglifos de termo expresse sinteticamente a ideia de um percurso a cavalo, como os apresentados em tantas cerimônias jurídicas de terminatio. Resulta interessante a proposta recente de interpretar os petróglifos podomorfos como marcas de termo relacionadas à cerimônia jurídica da conjuratio sobre os limites (Bermejo e Romani, 2014, p. 560ss). Para uma interpretação diversa, e que considera uma prolongação cronológica até a proto-história destes motivos rupestres, ver Garcia Quintela e Santos, 2000a; 2000b; 2008; Garcia Quintela, 2006, p. 73-139. (VV. AA, 1998VV.AA. Imaxes da Xustiza en Galicia. Santiago de Compostela: Arquivo do Reino de Galicia e Xunta de Galicia, 1998., p. 135).19 19 Outro exemplo interessante é o das chamadas Pegadinhas da Nossa Senhora (Vilar de Perdizes, Trás-os-Montes, Portugal), laje granítica cheia de cruzes e ferraduras várias. Agradecemos ao padre A. Lourenço Fontes por nos ter dado a conhecê-las e nos levado amavelmente a ver estas insculturas.

Figura 4
Esq. Plano de parte da paróquia de São Edro de Cudeiro desde a aldeia de Cudeiro até Oira, 1663 (A.R.G, Col. Cart. R.A 56). Dir. Insculturas de cruzes e ferraduras das Pegadinhas da Nossa Senhora (Vilar de Perdizes, Montalegre) (Foto. M. Tenreiro).

Outro exemplo interessante com semelhanças com os rituais acima estudados é o da lenda de fundação do mosteiro de Ilha de Tambo (Poio, Pontevedra, Espanha), segundo a qual o arcanjo São Gabriel aparece ao fundador e lhe ordena construir o cenóbio na ilha no lugar onde encontrar-se com um touro amarrado. A lenda, até aqui não muito distinta de outras lendas que explicam de igual modo o estabelecimento de lugares de culto, contém uma segunda ordem dada pelo anjo, que a aproxima das tradições circunvalares fundacionais que temos tratado; o anjo ordena que os alicerces da igreja sejam postos sobre o caminho percorrido pelo touro: “Mandando abrir os alicerces da igreja em um sítio em que acha-se um Touro atado e que o âmbito de aquela fosse quanto o Touro há pisado” (Pazos, 1996PAZOS, Lino. Recordando a Thalavo. Pontevedra: Diputacion de Pontevedra, 1996., p. 18). A estas associações jurídico-rituais não escapa um costume de direito consuetudinário presente no País Basco, segundo o qual, para fazer-se com a propriedade deum terreno de pastagem (sele), o interessado deveria deixar, durante a noite de São João, um boi semental pastando atado à pedra que marcava seu centro20 20 Esta pedra recebia o nome de hausterretza, “lugar da cinza”, tendo um importante papel simbólico, pois debaixo dela depositavam-se carvões e cinzas do lar ou, em outras ocasiões, uma telha da casa, ato que expressava o vínculo entre a unidade doméstica e o terreno de pastagem que lhe pertencia (Echegaray, 1927, p. 46; Zaldua, 1996, p. 85). Assinalamos a esse respeito que uma tradição asturiana prescrevia que, sob a pedra que servia de marco a uma propriedade, fossem enterradas três telhas, uma para cada pedra secundária que era colocada em cada um dos lados a modo de “testemunhas” ao redor do marco (Alvárez Peña, 2016, p. 78). ; se o animal seguisse para lá na manhã seguinte, o gesto era entendido como uma tomada de posse efetiva (Lasa, 1964LASA, José J. Las luchas en torno a los seles y caseríos de Albitxuri. In: Homenaje a Don José M. Barandiarán. Vol. 1. Bilbao: Diputación Foral de Vizcaya, 1964, p. 157-188., p. 163).

Três variações agonísticas: ordálio, presságio, mito

Deter-nos-emos em outro conjunto de tradições etnográficas da península ibérica que possuem uma evidente relação entre os bovídeos e os rituais jurídicos relativos à determinação das fronteiras e exprimem ainda algo mais sobre esse aspecto conflitual. Uma lenda asturiana recolhida entre finais do século XIX e o início do XX (López Fernández, 1900LÓPEZ FERNÁNDEZ, Valeriano. Yernes y Tameza. In: BELLMUNT, Octavio; CANELLA, Fermín (eds.). Asturias. Su historia y monumentos, bellezas y recuerdos costumbres y tradiciones. O. Bellmunt, Xixon, 1900, p. 337-339., p. 339; Pedregal, 1981PEDREGAL, Manuel “Asturias” In: COSTA, Joaquin Derecho consuetudinario y economía popular de España. Vol. 2. . Saragoça: Guara, Saragoça. 1981p. 113-132, p. 122) explica o escudo do concelho de Tameza no qual figuram dois touros - um vermelho e outro branco - enfrentando-se, como recordação de um combate que tiveram a fim de dirimir o pleito pela pastagem com o vizinho de Proaza. Uma série de versões orais, recolhidas no próprio concelho de Tameza há poucos anos (Alvárez Peña, 2007ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Elementos de la Antigüedad Celta en la tradición oral asturiana. In: Sainero, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas. Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, p. 243-258. e 2016ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país. n.36, p. 76-81. 2016.), ampliam os detalhes desta tradição, acrescentando que, atrás do marco que se pôs para identificar o lugar onde o touro vencedor arrastrou o outro, achava-se uma pedra com uma cruz gravada a modo de petróglifo de termo (Alvarez Peña, 2016ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país. n.36, p. 76-81. 2016., p. 77). Lendas similares existem em outros lugares da Astúrias, algumas das quais adentram no mítico ao se enfrentarem, além dos seres humanos, entidades sobrenaturais - santos - representadas pelos animais. No concelho de Amieva existia um lugar conhecido como La Batuda, cujo nome se explicava por nele terem-se “batido” - em combate - os touros da Virgem do Saúbu e da Virgem do Pontón. Quando parecia que o touro do Saúbu perderia, a Virgem teria lhe gritado: “Me cago en dios, clávate mi toro!”. O boi se deteve, cravou a pata no chão e começou a recuperar o terreno até vencer, deixando as marcas de suas patas no lugar onde se deteram, assim como umas covinhas que, diz-se, foram deixadas como marcas pelos pés da Virgem (García Árias, 1981GARCÍA ARIAS, Xosé Lluis. Rellumos de Folklor. Oviedo: Seminariu de Llingua Asturiana, 1981., p. 9). A mesma história era contada noutro lugar do mesmo concelho - El Puertu Toneyu -, mas substituindo a virgem do Pontón pela de Covadonga (García Árias, 1981GARCÍA ARIAS, Xosé Lluis. Rellumos de Folklor. Oviedo: Seminariu de Llingua Asturiana, 1981., p. 9; Alvárez Peña, 2007ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Elementos de la Antigüedad Celta en la tradición oral asturiana. In: Sainero, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas. Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, p. 243-258., p. 248).

Estas tradições míticas referentes a combates de touros/bois parecem ser muito antigas e ter grande extensão na Península Ibérica, pois no século XV Alonso de Palência, na sua Crônica de Henrique IV, incluiu um relato deste tipo entre os prodígios que antecederam a guerra entre Castela e Portugal (Palencia, Cron. II). Descreve o cronista como os touros dos povos fronteiriços de Mourão (Évora, Portugal) e Villanueva del Fresno - daquela “de Barcarrota” (Badajoz, Espanha) -, sitos na Estremadura espanhola/portuguesa, atravessaram o rio Guadiana que fazia de limite natural entre os dois reinos e começaram a lutar entre si (Moya-Maleno, 2012MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Paleoetnología de la Hispania Céltica: Etnoarqueología, Etnohistoria y Folklore como fuentes de la Protohistoria. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid, 2012., p. 310; Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 330). A presença de certos elementos de temática demarcatória - o rio como fronteira, os habitantes das localidades vizinhas junto ao combate de touros - fazem-nos suspeitar da possibilidade de que, por detrás do relato de Palência, exista uma lenda local ou um substrato mítico ancestral reciclado como um prodígio providencial, servindo de propaganda política da monarquia castelhana no momento de dar conta do conflito hispano-luso. Aprofundando mais este contexto bélico, são surpreendentes as evidentes similitudes existentes entre estas tradições peninsulares e um dos temas centrais da épica irlandesa, o mítico combate de touros que, como ordálio, decide, no Táin Bó Cuailnge, o final da guerra entre o Ullster e o resto de Irlanda (Táin, 4867-4913). A mais evidente destas curiosas semelhanças talvez seja a equivalência das cores antagônicas - vermelho e branco - dos touros combatente do Táin e do tamezano; mas também devemos citar a função etiológico-topográfica que adquirem estes combates para as paisagens onde acontecem, com um desenvolvimento maior no Táin (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 333; Tenreiro, no preloFRANCO CALVO, Jesús G.; HERNÁNDEZ PARDOS, Antonio. El Cabezo de Alcalá de Azaila: avance de resultados de los trabajos arqueológicos realizados en el año 2003. Kalathos. n.22-23, p. 369-377. 2003-04.), ao explicar elementos toponímicos que aludem à luta, assim como a determinados elementos materiais interpretados como resultado da ação humana - cruzes, marcos - ou atribuídos à própria intervenção sobrenatural, como as marcas deixadas pelo animal nas rochas ou na terra (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 333).

Figura 5
Sistematização das relações estruturais entre os elementos de quatro relatos sobre combates de touros (Astúrias, Irlanda e a Estremadura Espanhola/Portuguesa).

No entanto, a função delimitadora que observamos nos ritos hispânicos não se mostra de forma evidente no mito irlandês, pois a reunião dos homens da ilha para o combate dos touros parece ter como finalidade a resolução final do conflito bélico. O combate se apresenta como um autêntico duelo judicial, tendo o seu próprio árbitro (Bicriu21 21 A eleição de Bicriu, “por ser o mais justo dos homens de Irlanda”, não está isenta de certa ironia, ao se caracterizar esta personagem, na épica irlandesa, como um autêntico semeador de discórdias. ). É um conflito humano que tem uma prolongação mítica na qual a própria guerra dos homens mostra-se paradoxalmente secundária, pois não seria mais do que o acidental episódio final de um combate ininterrompido entre dois seres do além que adotaram diversas formas - pássaro, peixe, cervo, guerreiro, dragão, verme, até, finalmente, a dos dois touros22 22 Conflito sobrenatural que recorda outros antagonismos entre seres do além da mitologia céltica (Stalmans, 1995, p. 52-64). São interessantes, a esse respeito, os paralelismos com algumas lendas populares que descrevem combates mágicos sob sucessivas formas animais (De Millio, 2008, p. 172-182). (Alberro, 2005ALBERRO, Manuel. Táin Bó Cuailnge (a Razzia de Gando de Cuailnge). Noia: Toxosoutos, 2005., p. 111-114). Contudo deve-se considerar que existem alguns outros elementos significativos, como o lugar onde finalmente cai morto o touro vencedor seja uma das fronteiras do Ullster, ou que a luta noturna dos animais adquira a forma de uma autêntica “circunvalação” do conjunto da Ilha, se bem que aqui, como sucedia no caso de Alonso de Palência, o meio fronteiriço não é o leitmotiv da ação mítica, mas o cenário de fundo onde ela ocorre. Existe outro detalhe, ao nosso entender a chave para compreender a esquiva relação com o espaço fronteiriço, como é a ênfase do Taín em especificar os lugares do território pelos quais se repartem os fragmentos do corpo, sangue e vísceras do animal morto - corno, fígado, lombo etc. (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 332). Considerando os exemplos do complexo circunvalação-fundação, assim como a presença de depósitos de despojos animais em toda a proto-história Ocidental, não podemos deixar de aventar a ideia de que, por detrás do despedaçamento e morte mútuos dos touros de Connaught e o Ullster, possa subsistir algum eco mítico da ritualidade fundacional da Idade do Ferro, em certa forma sublimada, até atingir o status de autêntico mito “criador” da paisagem, a qual adquire seu nome e sua essência através da sucessão de cruentas cenas do drama mítico.23 23 A este temo, por outra perspectiva, a leitura feita por Bruce Lincoln que, a partir do comparatismo indo-europeu, interpretava o episódio do Táin como um mito cosmogônico no qual estaria implicado o sacrifício primordial de um bovídeo (Lincoln, 1991).

Ainda a respeito destes relatos lendários sobre os combates entre touros como fato etnográfico ainda presente em diversos lugares do noroeste peninsular, temos a existência de combates reais entre bovídeos, tema que já abordado em outros trabalhos (Moya-Maleno, 2012MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Paleoetnología de la Hispania Céltica: Etnoarqueología, Etnohistoria y Folklore como fuentes de la Protohistoria. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid, 2012., p. 310-312; Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 330-333, Tenreiro, no preloTENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Mito, Ritualidade e Território: para uma zooetnologia jurídica na Céltica Peninsular (e além). In: Atas das IV Jornadas de Letras Galego-Portuguesas, celebradas em Pitões das Júnias (Montealegre) do 30-31 de Maio de. DTS, Academia Galega da Lingua Portuguesa e Università di Bologna 2015, no prelo.). Essas lutas guardavam um sentido jurídico, ou evoluíram para competições festivas ou quase desportivas entre as comunidades rurais que as praticavam. Dois exemplos do primeiro se localizam na Astúrias. Num deles, os concelhos de Riosa e Quirós tinham conflitos pelo deslinde e uso das pastagens altas de verão, as brañas - brandas - do Monte Aramo, os quais eram decididos às vezes enfrentando - engarrando - dois touros sementais; o vencedor adquiria o direito de pastagem ao menos por um tempo (Alvarez Peña, 2016ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país. n.36, p. 76-81. 2016., p. 80). No caso do concelho de Cabrales, a luta de touros sementais não solucionava os conflitos intercomunitários, mas apenas entre as duas casas nobres mais importantes do local, que soíam resolver os conflitos sobre a propriedade de algum prédio, ficando a casa do boi vencedor “dona do campo” (Alvarez Peña, 2016ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país. n.36, p. 76-81. 2016., p. 81).

Os dados relativos à variante festiva dos combates de bois/touros/vacas são muito mais abundantes e extensos geograficamente no norte de Espanha. No concelho de Caso, na própria Astúrias, celebrou-se até praticamente meados do século XX a chamada Fiesta de los Toros - Festa dos Touros -, que reunia os 21 povos do concelho, realizada a 8 de outubro, coincidindo com a feira de gado e com o período de baixada dos gados desde as pastagens altas de verão. Nela enfrentavam-se os melhores reprodutores de cada aldeia para se ver qual o melhor (Alvárez Peña, 2016ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país. n.36, p. 76-81. 2016., p. 80). Combates similares de touros - engarras - faziam-se também no concelho de Ponga (Astúrias), entre março e maio, no chamado “tempo das pastagens” - tiempo les paciones -, coincidindo com a subida estacional do gado desde o vale às brañas (Alvárez Peña, 2016ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país. n.36, p. 76-81. 2016., p. 81). Combates tinham lugar na província vizinha de Leão, em Montrondo (Omaña), onde eram realizadas entre maio e junho, e no povo de Matalavilla, que ocorria a 24 de junho, coincidindo com o dia de São João (Alvarez Peña, 2016ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país. n.36, p. 76-81. 2016., p. 81). Em todos estes casos, os combates de touros relacionavam-se a um sistema de pastagem baseado na alternância entre as zonas altas no verão e no fundo do vale durante o inverno. Costume semelhantes existia também na região de Tudanca, em Cantábria (Espanha), recebendo igualmente o nome de engarra (García Lomas, 1949GARCÍA LOMAS, Gervasio Adriano. El lenguaje popular de las montañas de Santander. Santander: Centro de Estudios Montañeses, 1949., lam. XVII-1), assim como na samorana Terra de Alva (Rodríguez e Rodríguez, 1983RODRÍGUEZ PASCUAL, Francisco; RODRÍGUEZ PELÁEZ, Nicolás. Un domingo cualquiera en Tierra de Alba (Zamora). Revista de Folklore. n.34, p. 129-134. 1983., p. 133).

Figura 6
Iconografía dos combates de touros na Idade Média Peninsular. Acima, ermida de St. Baudelio de Berlanga, Casillas de Berlanga (Soria). Abaixo, Tumba de Johan de Estivadas igreja de St Maria de Noia (Corunha).

Sem dúvida, as mais conhecidas e documentadas destas lutas de bovídeos eram as “chegas de bois” da raia galaico-portuguesa, que compreendiam o sul da província de Ourense (Galiza, Espanha) e o Trás-os-Montes (Portugal) (Veiga de Oliveira, 1984VEIGA DE OLIVEIRA, Ernesto. Festividades cíclicas em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984., p. 252ss; Fontes, 1992FONTES, Antonio Lourenço. Etnografia Transmontana. Vol. 1. Lisboa: Edit. Domingos Barreira, 1992., p. 81-87; Moutinho, 2005MOUTINHO, José Viale. As chegas de bois. Uma antologia. Lisboa: Âncora Editora, 2005.). O caso das chegas amostra uma série de características relevantes que condizem com a lógica dos casos que vimos acima, porém com algumas características particulares. Os combates se realizavam sempre em locais significativos, normalmente zonas de veigas e pastagens fronteiriças - baldios - e em períodos especiais. Já que não existia um dia determinado no calendário, escolhia-se um dia santo ou um domingo, invariavelmente durante a época estival. Os animais contendentes identificavam-se com a aldeia/freguesia - boi do povo - que eram os reprodutores de propriedade comunal e cuja manutenção corria a cargo de todos os vizinhos. O boi do povo constituía em símbolo de orgulho comunal24 24 As aldeias mais ricas e com melhores pastagens podiam permitir-se ter dois bois do povo: um mais velho, o campeão, e outro mais jovem que era treinado para substitui-lo quando não pudesse vencer nas chegas (Moutinho, 2005, p. 47), como sucedia com Pitões das Júnias que ainda hoje em dia ostenta no escudo da sua Junta de Freguesia duas cabeças de boi alusivas ao fato de ter tradicionalmente dois bois do povo e não apenas um, como as outras freguesias da região. , chegando a identidade a tal ponto de se celebrar missas rogativas25 25 Em Boticas levavas-se o boi a dar nove voltas ao redor da igreja antes de rezarem pelo seu sucesso (Moutinho, 2005, p. 26). pela sua vitória, ou monumentalizar o curral do animal dotando-o de riscos arquitetônicos que imitavam a tipologia de uma igreja. O desafio entre as aldeias era acordado formalmente pela comunidade no seu conjunto (junta de freguesia), sucedendo-se um complexo jogo de provocações e desafios públicos até que se fixava uma data e um lugar para a “chega”, onde se reuniam as duas comunidades a fim de assistir à luta e animar o seu boi. Após a “chega”, o boi vencedor era enfeitado com flores e outros adornos e conduzido em procissão até a sua aldeia de origem, na qual era conduzido pelas ruas em triunfo26 26 A derrota supunha uma vergonha para a aldeia (Veiga de Oliveira, 1984, p. 252); optava-se frequentemente por vender para o matadouro o boi vencido porque “não pode” e “não presta” (Moutinho, 2005, p. 24). (Veiga de Olveira, 1984VEIGA DE OLIVEIRA, Ernesto. Festividades cíclicas em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984., p. 254; Fontes, 1992FONTES, Antonio Lourenço. Etnografia Transmontana. Vol. 1. Lisboa: Edit. Domingos Barreira, 1992., p. 84-87; Rodriguez e Fontes, 2004RODRÍGUEZ CRUZ, José; FONTES, Antonio Lourenço. Mitos, crenzas e costumes da Raia Seca. A máxica fronteira Galego-Portuguesa. Vigo: Ir Indo, 2004., p. 128s; Moutinho, 2005MOUTINHO, José Viale. As chegas de bois. Uma antologia. Lisboa: Âncora Editora, 2005., p. 16s e 24). Este percurso quase processional do boi vencedor recorda algumas outras tradições galaico-portuguesas, como a de levar um boi atado - e por vezes também adornado - pelas ruas da aldeia ou vila durante a festa do Corpus Christi, o chamado boi do corpus, como ainda se faz na vila de Alhariz (Ourense, Espanha) (Puga, 1996PUGA BRAU, Xosé. Os xudeus de Allariz, o boi do Corpus e as danzas gremiais. Ourense: Deputación de Ourense, 1996., p. 129ss) ou nas Ilhas Açores (Portugal), o que dá ideia da forte implicação simbólica - e não só econômica - que o gado, e especialmente os bois, tinha nas sociedades rurais do noroeste peninsular. O boi do povo, como símbolo de identidade da comunidade, assumia um importante papel ao reconduzir os conflitos e tensões sociais geradas pouco a pouco entre grupos vizinhos (frequentemente problemas derivados dos limites ou propriedade de terrenos de pastagem comunal), se bem que no caso das “chegas” a evidência do uso do combate de bovídeos para fixar limites27 27 A fácies demarcatória pode estar indicada por alguma tradição oral, como encontramos em uma lenda a qual tivemos acesso recentemente - sem que pudéssemos nos aprofundar mais - que trata do uso de uma “chega” entre os concelhos de Muinhos (Ourense, Espanha) e Montalegre (Portugal) para solucionar ordalicamente um conflito pelos termos das suas pastagens. parece ter perdido o seu protagonismo como fim e motivo em respeito à dinâmica do conflito intercomunitário em si (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 331).

Figura 7
Combates de bois na Hispânia Céltica: A) Combates reais de bois: 1. Merindade de Valdeporres; 2. Valle de Valdebezana; 3. Cabezón de la Sal; 4. Olea (Valdeolea); 5. Cabrales; 6. Pido-Espinama (Liébana); 7. Ponga; 8. Caso; 9. Riosa-Quirós; 10. Matalavilla (Palacios del Sil); 11. Montrondo (Murias de Paredes); 12. Fontecha (Respenda de la Peña); 13. Carbajales de Alba; 14. Macedo de Cavaleiros; 15. Curral das Vacas (Chaves); 16. Boticas; 17. Montealegre; 18-20. Muinhos; 21. Vila do Gerês (Terra de Bouro); 22. Cabeceiras de Basto; 23. Caldas das Taipas (Guimarâes); 24. Amarante; 25. Castro Daire; 26. Herreros de Suso. B) Combates lendários: A. Villanueva del Frensno-Mourão; B. Prumaza-Tameza; C. Saúbu-Covadonga (Amieva-Cangas de Onís). Testemunhos iconográficos: I. Ermita de San Baudelio (Casillas de Berlanga, Caltojar); II. Igreja de Sta. María a Nova (Noia, Corunha). Elaboração própria com base em Moya-Maleno e Tenreiro, 2016.

A documentação sobre a geografia peninsular mostra uma clara concentração dessa prática no terço noroeste, coincidindo em parte com o antigo território dos galaicos, astures, cântabros e vetões, deixando um tanto isolado o caso da Estremadura hispano-portuguesa citado por Alonso de Palência. Pelo que é apontado por alguns dados iconográficos, parece que o costume teve, no passado, uma extensão maior da que observamos hoje no registro etnográfico. Este é o caso da luta de touros que figura nos painéis pictóricos de tema profano (séc. XII) da ermida de São Baudelio de Berlanga28 28 Agradecemos a Alberto Álvarez Peña ter-nos comunicado amavelmente o dado. (Casillas de Berlanga, Sória) (Guardia, 2011GUARDIA, Milagros. San Baudelio de Berlanga, una encrucijada. Barcelona: Universitat Autónoma de Barcelona, 2011., p. 367), ou do frontal do sarcófago tardo-gótico de Johan das Estivadas (séc. XVI), sito na Igreja de St. Maria a Nova (Noia, Corunha) (Villaverde, 2008VILLAVERDE SOLAR, María Dolores. La representación de la muerte en Galicia durante el siglo XVI” CEG. n.55/121, p. 235-262. 2008., p. 252), no qual se vê uma cena de dois touros enfrentando-se no que parece ser um bosque (Fig. 6). A esse respeito, não há de se esquecer uma referência, infelizmente muito breve, dada por Caro Baroja (1984CARO BAROJA, Julio. El Estío Festivo. Fiestas populares del verano. Madrid: Taurus, 1984., p. 251s), sobre o uso de um combate de touros na província de Salamanca durante a década dos 1930, graças ao qual se resolveu o conflito entre dois povos vizinhos - não especificados -, luta que significativamente ocorreu justo na fronteira entre ambos concelhos.

Figura 8
Combates de equídeos e bovídeos na Europa: 1. “Chega de bois” em Fojo, Castro Daire, Portugal (foto: J.G. Lorena); 2. “Bataille des Reines”, Val de Aosta (Itália); 3. “Engarra” de bois tudancos, Cantábria, Espanha (García Lomas, 1949GARCÍA LOMAS, Gervasio Adriano. El lenguaje popular de las montañas de Santander. Santander: Centro de Estudios Montañeses, 1949.: Pict. XVII-1); 4. “Heestat”, luta de cavalos, Islândia (foto: arkeologi.blogspot.com).

Destacamos, por último, que combates singulares de bovídeos eram igualmente conhecidos em outras regiões da Europa (Fig. 8), como o Combat des Reines, combates de vacas próprios do cantão do Valais suíço e das regiões vizinhas da Alta Saboia (França) e Vale de Aosta (Itália), onde era conhecido como Bataille des Reines (Saumade, 1998SAUMADE, Frédéric. Las tauromaquias europeas. La forma y la Historia, un enfoque antropológico. Sevilha: Fundación de Estudios Taurinos e Universidad de Sevilla, 1998., p. 82; Champrétavy et al., 2011CHAMPRÉTAVY, Ettore; CLOS, Bernard; DUNOYER, Christiane. La bataille di vatse a Vertozan de l’abbé Cerlogne. Catalogue de l’exposition. Aoste: Centre d´Etudes Francoprovençales, 2011.); ou os skeid/hestaat da Escandinávia e Islândia, combates de cavalos nos quais, em algumas ocasiões, também participavam vacas (bu-skeid) (Solheim, 1956SOLHEIM, Svale. Horse-Fight and Horse Race in Norse Tradition. Studia Norvegica. Ethnologica; Folkloristica. n.III, 8-9 p.1-173. 1956., p. 30s, 51-63). Nestes casos, existia igualmente uma relação entre as datas dos combates e os períodos significativos do ciclo agrícola-pecuário e religioso29 29 A longa perduração do ciclo agrícola-ganadeiro das sociedades tradicionais e a sua incidência no calendário religioso e nos movimentos da população (humana e animal) entre diversos setores da paisagem, tem sido considerada recentemente como um modelo de forte valor heurístico para interpretar as atividades das comunidades proto-históricas (Torres Martínez, 2007, p. 318s; 325-327; 329). , especialmente os de alteração entre as pastagens estivais e invernais. Nestes costumes subsistiam as tensões e rivalidades latentes entre comunidades vizinhas, nas quais o encontro festivo para a luta dos animais servia de catarse, como dá conta expressivamente o abade Cerlogne no seu poema La Bataille di Vatse a Vertozan - “A Batalha de Vacas em Vertozan” -, no qual descreve um combate que teve lugar em junho ano 1858 entre as vacas campeãs - Reines - dos povos de Breuil, Fra e Jovençan (Champrétavy et al., 2011CHAMPRÉTAVY, Ettore; CLOS, Bernard; DUNOYER, Christiane. La bataille di vatse a Vertozan de l’abbé Cerlogne. Catalogue de l’exposition. Aoste: Centre d´Etudes Francoprovençales, 2011., p. 19).

Pedras, nomes e memórias: uma leitura etnoarqueológica

Recentemente, propusemos que o complexo de ritos de fundação-delimitação-posse, que temos estudado como base destas tradições hispânicas, poderia estar relacionado com algumas evidências materiais e linguísticas remontáveis à proto-história (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 331s). Este poderia ser o caso do caráter de marcador territorial que apresentam alguns dos denominados “majanos de animas” e amilhadoiros (Moya-Maleno, 2017MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Majanos y difuntos: túmulos en la Hispania Céltica desde una perspectiva de Larga Duración. In: ALMAGRO-GORBEA, Martín & GARI LACRUZ, Ángel (eds.). Sacra Saxa: Creencias y ritos en peñas sagradas. Huesca: Instituto de Estudios Altoaragoneses, 2017, p. 34-65.) e, muito especialmente, os conhecidos verracos - varrões: esculturas de touros e porcos machos que são encontradas pelos territórios vetão e galaico do sul (López Monteagudo, 1989LÓPEZ MONTEAGUDO, Guadalupe. Esculturas zoomorfas celtas de la Península Ibérica. Madrid: CSIC, 1989.; Alvaréz-Sanchis, 1999ÁLVAREZ-SANCHÍS, Jesús Rafael. Los vettones. Madrid: Real Academia de la Historia , 1999.) e cuja distribuição coincide de forma parcial com a extensão atual das chegas (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 331). Para isso, baseamo-nos nas três hipóteses propostas para oferecer sentido à localização destas esculturas zoomorfas: 1) elementos protetores de assentamentos (Álvarez-Sanchís, 1999ÁLVAREZ-SANCHÍS, Jesús Rafael. Los vettones. Madrid: Real Academia de la Historia , 1999., p. 279); 2) marcos delimitadores de zonas de pastagem, por vezes vinculados como propriedade a grupos de parentesco gentilícios30 30 Como demonstra a epígrafe com o genitivo autóctone Ateroecon (dos Ateroeci) do varrão de Paredes da Beira (Beira Alta) que foi interpretada como “testemunho da sacralização do território ocupado pela gens” (López Monteagudo, 1989, p. 144). (Álvarez-Sanchís 1999ÁLVAREZ-SANCHÍS, Jesús Rafael. Los vettones. Madrid: Real Academia de la Historia , 1999. p. 284); e 3) locais de agregação coletiva - assembleia - ou santuários (López Monteagudo, 1989LÓPEZ MONTEAGUDO, Guadalupe. Esculturas zoomorfas celtas de la Península Ibérica. Madrid: CSIC, 1989., p. 143-146). Neste sentido, a monumentalização mediante a escultura destaca o significado específico de determinados pontos da paisagem, especialmente importantes para essas comunidades (Álvarez-Sanchís, 1999ÁLVAREZ-SANCHÍS, Jesús Rafael. Los vettones. Madrid: Real Academia de la Historia , 1999., p. 289), já que estavam centradas no próprio assentamento - recintos defensivos e muralhas - ou em espaços periféricos e potencialmente fronteiriços - zonas de pastagem, santuários e pontos axiais do território que possibilitariam a conexão com o Além; as duas primeiras hipóteses atendem à mesma finalidade sacralizadora que teria o depósito de restos animais assinalado anteriormente31 31 A esse respeito, é significativo que se tenha interpretado a faixa insculturada que decora alguns varrões comparando-a com o dorsuale que enfeitava as vítimas sacrificiais em Roma (López Monteagudo, 1989, p. 144 e 149). (Tenreiro, 2007aTENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Sobre ciertos sacrificios fundacionales y de delimitación y sus paralelos históricos y etnográficos. Anuario Brigantino. n.30, p. 179-192. 2007a., p. 186, 191; Moya-Maleno, 2012MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Paleoetnología de la Hispania Céltica: Etnoarqueología, Etnohistoria y Folklore como fuentes de la Protohistoria. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid, 2012., p. 237 e 378-383; Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 334).

Locais como Guisando (El Tiemblo, Ávila), com uma acúmulo considerável de estátuas de bovídeos, são bons candidatos para uma funcionalidade como lugares de culto, o que se vê confirmado por estudos recentes que mostram a orientação arqueoastronômica das estátuas dos touros de Guisando com o ocaso nos equinócios de primavera e outono (Belmonte e Hoskin, 2002BELMONTE, Juan Antonio; HOSKIN, Michael. Reflejos del Cosmos. Atlas de arqueoastronomía en el Mediterraneo Occidental. Madrid: Equipo Sírius, 2002., p. 121s; Pérez Gutiérrez, 2009PÉREZ GUTIÉRREZ, Manuel. 2009. “Astronomía y Geometría en la Vettonia”Complutumn. 20/2, p. 141-164, p. 159-160; Gonzalez-García et alii, 2016GONZÁLEZ-GARCÍA, Cesar.; GARCÍA-QUINTELA, Marco Virgilio e Belmonte, Juán Antonio. “Landscape construction and time reckoningin Iron Age Celtic Iberia” Documenta Praehistorica n. XLIII, 2016, p. 479-497., p. 481; Pérez Gutiérrez, 2015PÉREZ GUTIÉRREZ, Manuel. Celtic Sites of Central Iberia. In: RUGGLES, Clide L.N.(ed.). Handbook of Archaeoastronomy and Ethnoastronomy. New York: Springer, 2015p 1175-1185, p. 1181). É possível que nestes locais liminares, monumentalizados pela presença de touros de pedra, se tivessem celebrado com certa periodicidade rituais similares aos tratados acima - sacrifício, circunvalação, competição ritual. A localização destes centros coincide igualmente com o papel neutro e ambivalente da fronteira no mundo céltico, que a faz suscetível de se converter em local onde se localizam santuários - nemeton - que permitem o contato e encontro de diferentes comunidades32 32 A partir de um ponto de vista da reconstrução da territorialidade da Idade do Ferro, um interessante trabalho prospectivo ainda por fazer consistiria em analisar a situação de locais sacros como Guisando, a partir da arqueologia da paisagem (Santos et al., 2006, p. 199ss), não só a respeito de fenômenos astronômicos - como os equinócios -, mas também, enquanto possíveis espaços de agregação comunitária ou inter-comunitária, em relação às vias naturais e os presumíveis deslocamentos de homens e animais pelo território ao longo do ciclo anual agro-gandeiro (Torres-Martínez, 2007, p. 331; Moya-Maleno, 2012, p. 236-240). (Ó’Riain,1972Ó RIAIN, Pádraig, Boundary association in early Irish society Studia Celtica n.7, 1972pp.12-29, p. 13-16; Santos et al., 2006SANTOS ESTÉVEZ, Manuel; CRIADO BOADO, Felipe; PARCERO OUBIÑA, César. O descubrimento arqueolóxico de santuários e espazos sagrados. In: GARCÍA QUINTELA, Marco V.: Soberanía e santuarios na Galicia castrexa. Noia: Toxosoutos, 2006, p. 199-217., p. 213-215). Não deixa de ser significativo que, nos casos que temos mais documentados de assembleias político-jurídico-religiosas célticas e germanas, as irlandesas - Oenach - e escandinavas - Thing -, a presença de competições agonísticas, como carreiras ou combates entre pessoas e/ou animais, tivessem um importante e recorrente papel33 33 Recentemente, assinalou-se a identificação de algumas representações figuradas da Idade do Ferro com celebrações agonísticas, entre as quais incluir-se-iam competições equestres e de outros tipos (Rebay-Salisbury, 2012, p. 195-198). Para uma perspectiva mais ampla sobre o significado das práticas agonísticas na proto-história Europeia e a sua relação com o folclore europeu, ver Moya-Maleno, 2012, p. 294ss. (Nally, 1922NALLY, Thomas H. The Aonac Tailteann and the Tailteann games: their origin, history,and ancient associations. Dublin: Talbot Press, 1922,, 36-7, 47ss; Solheim, 1956SOLHEIM, Svale. Horse-Fight and Horse Race in Norse Tradition. Studia Norvegica. Ethnologica; Folkloristica. n.III, 8-9 p.1-173. 1956., p. 63-68; Moya-Maleno, 2007, 2012MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Paleoetnología de la Hispania Céltica: Etnoarqueología, Etnohistoria y Folklore como fuentes de la Protohistoria. Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid, 2012., p. 294ss). Igualmente, assinalamos que as procissões equestres, estudadas por Fernández Nieto, eram acompanhadas de competições a cavalo entre os jovens da comunidade ou das comunidades vizinhas (Fernández Nieto, 1999FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. La federación celtibérica de Santerón. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco(eds.). Pueblos, lenguas y escrituras en la Hispania prerromana. Actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánicas. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1999, p. 183-201., p. 187; 2005FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. Religión, derecho y ordalía en el mundo celtibérico: la federación de San Pedro Manrique y el ritual de las Móndidas. In: BELTRÁN, Francisco et al. (eds.). Acta Palaeohispanica, IX. Actas del IX Coloquio sobre Lenguas y Culturas Palaeohispánicas. Palaeohispánica 5. Saragoça: Institución Fenando el Católico, 2005, p. 585-618., p. 591). No próprio caso irlandês, se bem o mais corrente sejam igualmente as carreiras equestres, não se descarta a presença de outro tipo de competições que poderiam incluir touros, já que, além do descrito no Táin, contamos com uma referência dada pelo Lebor Gabala Erenn a um touro dos sete combates (Lebor Gab. VIII. LXIX; Macalister, 1956MACALISTER, R.A. Stewart (ed.). Lebor Gabala Erenn. The Book of the Taking of Ireland. Vol. 5. Dublin: Irish Texts Society, 1956., p. 111), que talvez evocasse a figura do reprodutor campeão em enfrentamentos similares às chegas e engarras peninsulares e de outras localidades europeias.

Figura 9
Modelo do território mítico na Hispânia Céltica: (1. Além; 2.centros cósmicos - locais onfálicos; 3. eixos cósmicos e Axis Mundi.

Possivelmente não saberemos nunca com total segurança se a mesma lógica mítico-ritual que motivou estas possibilidades foi a que motivou a existência de topônimos com claras associações zoológicas, como o contido na inscrição de Pastoria (Chaves, Portugal), na qual aparece um castro de nome Tarbu - “touro” 34 34 Camalus Borni f[ilius] hic situs est annor[um] XXX ex Ɔ Tarbu frater faciendu[m] curavit. (CIL II, 2485), assim como outros nomes de assentamentos com conotações táuricas (Villar e Untermann, 1999VILLAR, Francisco; UNTERMANN, Jürgen. “Las «téseras» de Gadir y Tarvodurum. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco (eds.). Pueblos, Lenguas y Escrituras en la Hispania Prerromana. Actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánica. Salamanca: Universidad de Salamanca , 1999, p. 719-31., p. 721-722; 728; Holder, II.1736; 1740), talvez recordações de algum mito/rito de fundação do local. Ou ainda a abundante coleção de nomes de lugar da Gália que provém do termo Equoranda, que situam-se em lugares fronteiriços entre antigas cidades gaulesas (Lebel, 1937LEBEL, Paul. Où en est le problème d´equoranda equaranda. Romania. n.63/250, p. 145-203. 1937. p. 145-149), nome que Le Roux relaciona com o termo equo - “cavalo” -, querendo ver um arcaísmo linguístico, motivado, segundo sugere, por um contexto religioso (Le Roux, 1956LE ROUX, François. Que signifie *EQUORANDA. Ogam. n.VIII/1, p. 13-49. 1956., p. 19-21), de modo que que estaríamos ante uma “fronteira equina”35 35 Sobre o termo -randa: a segunda parte do composto teria o significado de “limite” (Lebel, 1937, p. 150), vid. supra p. 665-666. , o que nos leva a considerar os casos de procissões equinas, tipo equitatio, comunitárias pelas fronteiras, sobre as quais tratamos acima.

O nome de lugar, o relato mítico ou a imagem - objeto monumental, escultura, petróglifo - servem a um processo de sinalização simbólica da paisagem, “fazendo memória” de distintos pontos nodais do território que ficam dessa forma unidos aos fatos ocorridos in illo tempore ao longo das gerações. Constituem, a um tempo, uma apropriação simbólica do meio através de uma memória que religa profundamente a comunidade ao seu habitat (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 333; Tenreiro, no prelo) e em autênticas extensões materiais (Tenreiro, no prelo) das funções mnemotécnicas da ação ritual, conforme a atual ciência cognitiva (Barth, 1989BARTH, Fredrik. Cosmologies in the Making: A Generative Approach to cultural variation in Inner New Guinea. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.; Boyer, 1990BOYER, Pascal. Tradition as Truth and Communication: A Cognitive Description of Traditional Discourse. Cambridge: Cambridge University Press , 1990.; Whitehouse, 2000WHITEHOUSE, Harvey. Arguments and Icons: Divergent Modes of Religiosity. Oxford: Oxford University Press, 2000.; McCauley e Lawson, 2002McCAULEY, Robert N.; LAWSON, E. Thomas. Bringing Ritual to Mind. Psychological Foundations of Cultural Forms. Cambridge: Cambridge University Press , 2002., p. 38-88). São sinalizações simbólicas igualmente reforçadas quanto o âmbito da ritualidade jurídica, transcendendo o mero ato de direito privado para se converter em autêntica cerimônia pública, vinculase à identidade comunitária reiterada ciclicamente ano a ano ou geração a geração.

Conclusões

Como pudemos ver, a história e o folclore europeus apresentam várias notícias sobre tradições relacionadas com a criação, delimitação e proteção do espaço (seja doméstico ou comunitário). Em determinadas ocasiões, como no caso das cerimônias públicas, estas tradições estão relacionadas a coordenadas temporais e territoriais muito concretas e de claro fundo mítico e jurídico. Ritos e crenças dificilmente integráveis à tradição cristã, mas que vão além de meras “superstições” e “brincadeiras” populares; ainda vistas com condescendência por algumas elites aculturadoras e alheias, mostram-nos um fundo muito arcaico e longínquo que chega até, pelo menos, à proto-história.

A nosso modo de ver, é possível que a conexão entre estas práticas, lendas e jogos tradicionais com seus correlatos de claro sentido jurídico, situa-se originariamente em atos de renovação cíclica - fictícia ou real - das fronteiras entre comunidades da Hispânica e Europa Céltica. Estas tradições sobre festas/competições populares, ainda perdidas as suas dimensões jurídicas e míticas, seguiram proporcionando um espaço e tempo limínares, aptos para a solução de tenções e conflitos individuais ou comunitários, o que explicaria a sua perduração e readaptação ao longo do tempo até chegar à atualidade (Moya-Maleno e Tenreiro, 2016MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History. Ats do 1º International Congress. Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337., p. 331). O complexo de rituais que temos tratado aqui - sacrifíco-circunvalação-ordálio - oferece a base de um modelo arqueo-etnológico que permite reconstruir as complexas cosmologias e dimensões imateriais das paisagens dessas comunidades proto-históricas, inseridas no eixo de uma tradição cultural comum, céltica e indo-europeia, à qual a Península Ibérica não foi alheia.

Referência bibliográfica

  • ALBERRO, Manuel. Táin Bó Cuailnge (a Razzia de Gando de Cuailnge) Noia: Toxosoutos, 2005.
  • ALFAYÉ VILLA, Silvia. Rituales relacionados con las murallas en el ámbito celtibérico. Palaeohispanica n.7, p. 9-41. 2007.
  • ALONSO ROMERO, Fernando. El significado mágico del colmillo de jabalí entre los celtas y los germanos: testimonios literarios, arqueológicos y etnográficos. In: REGALES SERNA, Antonio (ed.). Germanistik und Deutschunterricht. Materialien des V Symposiums des Spanischen Deutlschlehrerverbandes Valladolid: Universidad de Valladolid. 1989, p. 515-530.
  • ALONSO ROMERO, Fernando. Creencias y tradiciones de los pescadores gallegos, británicos y bretones Santiago: Xunta de Galicia, 1996.
  • ALMAGRO-GORBEA, Martín. La etnología como fuente de estudios de la Hispania Celta. BSSA Arqueología n.75, p. 91-142. 2009.
  • ALMAGRO-GORBEA, Martín. Literatura hispana prerromana. Creaciones literarias fenicias, tartésicas, iberas, celtas y vascas Madrid: Real Academia de la Historia. 2013.
  • ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Mitos y Leyendas asturianas Oviedo: Picu Urriellu, 2003.
  • ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Elementos de la Antigüedad Celta en la tradición oral asturiana. In: Sainero, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, p. 243-258.
  • ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país n.36, p. 76-81. 2016.
  • ÁLVAREZ-SANCHÍS, Jesús Rafael. Los vettones Madrid: Real Academia de la Historia , 1999.
  • BARTH, Fredrik. Cosmologies in the Making: A Generative Approach to cultural variation in Inner New Guinea Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
  • BELMONTE, Juan Antonio; HOSKIN, Michael. Reflejos del Cosmos. Atlas de arqueoastronomía en el Mediterraneo Occidental Madrid: Equipo Sírius, 2002.
  • BERMEJO BARRERA, Xose Carlos; ROMANÍ MARTÍNEZ, Miguel. Et per ubi posuerintis vestros pedes iurare La conjuracío y el posible uso de los signos podomorfos en Galicia Medieval y Moderna. Madrider Mitteilungen n.55, p. 560-595. 2014.
  • BORETIUS, Alfred. Monumenta Germaniae Historica, Leges II: Capitularia Regnum Francorum I Hannover: Hahnsche Buchhandlung, 1809. (=MGH).
  • BOYER, Pascal. Tradition as Truth and Communication: A Cognitive Description of Traditional Discourse Cambridge: Cambridge University Press , 1990.
  • BOYER, Régis. Le livre de la colonisation de l´Islandie (Landnámabók). Introduction, traduction, notes et commentaire Paris: Mouton, 1973.
  • BOUZA BREY, Fernando. Ritos agrarios propiciatorios del espíritu de la tierra en Galicia. In: Id Etnografía y folklore de Galicia Vol. 1. Vigo: Edic. Xerais, 1982, p. 93-116.
  • LE BRAZ, Anatole. La Légende de la Mort chez les Bretons Armoricains Vol. 1. Paris: Honoré Champion, 1923.
  • BREWSTER, P.G. The Foundation Sacrifice Motif in Legend, Folksong, Game and Dance. ZEthn 96, p. 71-89. 1971.
  • BRIGGS, Katharine. A Dictionary of British Folk-Tales in English language. Parte B: Folk Legens Londres: Routhledge, 1991.
  • BRIGGS, Katharine. Diccionario de las Hadas Palma de Malhorca: Olañeta Editor, 1998.
  • BRAUDEL, Fernand. Las ambiciones de la Historia Barcelona: Crítica, 2002.
  • BROWN, M.S. Buried Horse-Skulls in a Welsh House. Folklore n.77/1, p. 65-66. 1966.
  • BUCHSENSCHUTZ, Olivier; RALSTON, Ian. Dépôts et fortifications à l’âge du Fer. In: BARRAL, Philippe et al (eds.). L’âge du Fer dans l’arc jurassien et ses marges. Dépôts, lieux sacrés et territorialité à l’âge du Fer. Actes du XXIXe colloque international de l’AFEAF vol. 2. Besançon: Presses Universitaires de Franche-Conté, 2007, p. 757-776.
  • CABAL, Constantino. Las tradiciones populares asturianas II: La familia, la vivienda y oficios primitivos Oviedo: Grupo Editorial Asturiano, 1992.
  • CABRERA DIÉZ, Ana. 2010. El ritual del sacrificio de animales en la cultura ibérica. Una perspectiva arqueológica Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid.
  • CABRERA DÍEZ, Ana; MORENO-GARCÍA, Marta. Prácticas de sacrificio en el Cerro de La Mesa (Alcolea de Tajo, Toledo). El depósito ritual de la Casa 1. Zephyrus n.73, p. 133-147. 2014.
  • CARO BAROJA, Julio. El Estío Festivo. Fiestas populares del verano Madrid: Taurus, 1984.
  • CHAMPRÉTAVY, Ettore; CLOS, Bernard; DUNOYER, Christiane. La bataille di vatse a Vertozan de l’abbé Cerlogne. Catalogue de l’exposition Aoste: Centre d´Etudes Francoprovençales, 2011.
  • CHARLES-EDWARDS, Thomas Mowbray. Boundaries in Irish Law. In: SAWYER, P.H: Medieval Settlement. Continuity and Change London: Edward Arnold, 1976, p. 82-87.
  • COCKAYNE, Thomas Oswald. Leechdoms, Wortcunning and Starcraft of Early England Vol. 1. London: Longman, 1864.
  • CUADRADO BASAS, M. África; SAN MIGUEL MATÉ, Luis Carlos. El urbanismo y la estratigrafía del poblado vacceo de Melgar de Abajo. In: ROMERO CARNICERO, Fernando et al (eds.). Arqueología vaccea. Estudios sobre el mundo prerromano en la cuenca media del Duero Valhadolid: Junta de Castilla y León, 1993, p. 303-334.
  • CZARNOWSKI, Stefan. Le morcellement de l´étendue et sa limitation dans la religión et la magie. In: Actes du Congrès International d´Histoire des Religions Vol 1. Paris: Honorè Champion, 1925, p. 339-359.
  • DE MILIO CARRÍN, Cristobo. La creación del mundo y otros mitos asturianos Xixón: Ed. do autor, 2008.
  • DELIBES DE CASTRO, Germán. El tesorillo de las Motas (San Martín de Torres, León), nuevo documentos para el estudio de la orfebrería prerromana en territorio astur meridional. In: BLAS CORTINA, Miguel Ángel; VILLA VALDÉS, Ángel(eds.). Los poblados fortificados del Noroeste de la Península Ibérica: Formación y desarrollo de la cultura Castreña. Coloquios de Arqueologia en la cuenca del Navia Navia: Ayuntamiento de Navia, 2002, p. 211-224.
  • DELPECH, François. Symbolisme territoriale et système sacrificiel dans un ancien rituel de “terminatio” andalou. Notes pour une antropologie des confins. In: CORDOBA, Pierre; ETIENVRE, Jean-Pierre (eds.). La Fiesta, la Ceremonia, el rito. Actas del Coloquio Internacional celebrado en Granada (24/25-10-1987) Granada: Universidad de Granada e Casa de Velázquez, 1990, p. 147-164.
  • DOMÍNGUEZ MORENO, J.M. (1984. “La ‘encamisá’, significado y origen de una fiesta cacereña”, en Revista de Folklore n. 43. Caja de Ahorros Popular. Valladolid, p. 17-22.
  • DUMÉZIL, George. La religion romaine archaïque: avec un appendice sur La religion des étrusques Paris: Payot, 1966.
  • DU CANGE, Charles du Fresne et al Glossarium Mediae et Infimae Latinitatis 10Vols. Niort: Lucien Favre, 1938{Glos}.
  • ECHEGARAY, Bonfacio De. Prologo. In: REDONET Y LÓPEZ-DORIGA, Luis. Policia rural en España Vol. 2. Madrid: Sobrinos de la Sucesora de M. Minuesa de los Ríos, 1927, p. 11-96.
  • ELIADE, Mircea. Herreros y alquimistas Madrid: Alianza, 1974.
  • FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. La federación celtibérica de Santerón. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco(eds.). Pueblos, lenguas y escrituras en la Hispania prerromana. Actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánicas Salamanca: Universidad de Salamanca, 1999, p. 183-201.
  • FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. Religión, derecho y ordalía en el mundo celtibérico: la federación de San Pedro Manrique y el ritual de las Móndidas. In: BELTRÁN, Francisco et al (eds.). Acta Palaeohispanica, IX. Actas del IX Coloquio sobre Lenguas y Culturas Palaeohispánicas Palaeohispánica 5. Saragoça: Institución Fenando el Católico, 2005, p. 585-618.
  • FERRO COUSELO, Jesús. Los petroglifos de término y las insculturas rupestres de Galicia Ourense: Ed. do autor, 1952.
  • FILLOY, Idoia. Los enterramientos infantiles. Los depósitos rituales, in: GIL, Eliseo., (ed.), Atxa. Poblado indígena y campamento militar romano,Vitoria-Gasteiz: Diputación Foral de Alava, 1995, pp. 171-193.
  • FONTES, Antonio Lourenço. Etnografia Transmontana Vol. 1. Lisboa: Edit. Domingos Barreira, 1992.
  • FRANCO CALVO, Jesús G.; HERNÁNDEZ PARDOS, Antonio. El Cabezo de Alcalá de Azaila: avance de resultados de los trabajos arqueológicos realizados en el año 2003. Kalathos n.22-23, p. 369-377. 2003-04.
  • FRANKOWSKI, Eugeniusz. La lucha entre el hombre y los espíritus malos por la posesión de la tierra y su usufructo. Boletín de la Real Sociedad Española de Historia Natural n.XVI, p. 408-425. 1916.
  • FRAZER, James Georges. Balder the Beautiful. The Fire Festival of Europe and the Doctrine of the External Soul. The Golden Bought VII: LondreS: Macmillan, 1919, Vol. 1.
  • GARCÍA ARIAS, Xosé Lluis. Rellumos de Folklor Oviedo: Seminariu de Llingua Asturiana, 1981.
  • GARCÍA LOMAS, Gervasio Adriano. El lenguaje popular de las montañas de Santander. Santander: Centro de Estudios Montañeses, 1949.
  • GARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio. Soberanía e santuarios na Galicia castrexa Noia: Toxosoutos, 2006.
  • GARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio; SANTOS ESTÉVEZ, Manuel. Petroglifos podomorfos de Galicia e investiduras reales célticas. Estudio comparativo. AEspA n.73, p. 5-26. 2000a.
  • GARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio; SANTOS ESTÉVEZ, Manuel. Petroglifos podomorfos del Noroeste Peninsular: nuevas comparaciones e interpretacione. Revista de Ciências Históricas n.15, p. 7-40. 2000b.
  • GARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio; SANTOS ESTÉVEZ, Manuel. Santuarios de la Galicia Céltica. Arqueología del Paisaje y Religiones Comparadas en la Edad del Hierro Madrid: Adaba editores, 2008.
  • GAYANGOS, Pascual. Relación de los fechos del mui magnifico é más virtuoso señor el señor don Miguel Lucas mui digno Condestable de Castilla Real Academia de la Historia, Memorial Histórico Español. Colección de documentos, opúsculos y antigüedades Vol. VIII. Madrid, 1855
  • GERLOFF, Sabine. Atlantic Cauldrons and Buckets of the Late Bronze and Early Iron Ages in Western Europe Prähistorische Bronzefunde Ab. II, Vol.18. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2010.
  • GONZÁLEZ ÁLVAREZ, David. Poblamiento y antropización de la montaña occidental cantábrica durante la Prehistoria reciente: una aproximación desde la Arqueología del Paisaje Madrid: Tese doutoral inédita. Universidade Complutense, 2016.
  • GONZÁLEZ BLANCO, Antonino. El yacimiento de Sorbán y la Primera Edad del Hierro en Calahorra y La Rioja Amigos de la Historia de Calahorra. Logronho, 1983.
  • GONZÁLEZ BLANCO, Antonino. Las defensas de Sorbán. In: XVII Congreso de Arqueología Nacional Zaragoza, 1985, p. 335-345.
  • GONZÁLEZ-GARCÍA, Cesar.; GARCÍA-QUINTELA, Marco Virgilio e Belmonte, Juán Antonio. “Landscape construction and time reckoningin Iron Age Celtic Iberia” Documenta Praehistorica n. XLIII, 2016, p. 479-497.
  • GONZÁLEZ GÓMEZ DE AGÜERO, Eduardo; BEJEGA GARCÍA, Victor; MUÑOZ VILLAREJO, Fernando. El poblamiento castreño en la montaña leonesa: el caso de La Peña del Castro (La Ercina, León). Férvedes n.8, p. 191-200. 2015.
  • GONZÁLEZ PÉREZ, Clodio. O “Campano” dos Ancares: Adorno ou amuleto?. In: Homenagem a Fernando Acuña Castroviejo. Portugalia, Nova serie n. XXXVI, p. 207-215. 2015.
  • GREGOR, Walter. Les Rites de la Construction en Ecosse. Révue des Tradilions Populaires n.VI/3, p. 172-173. 1891.
  • GRUPO DE ARQUEOLOXÍA DA TERRA DE TRASANCOS. A Cultura material: continuismo. In: VV.AA: Os Celtas da Europa Atlántica Actas do ICongreso sobre a Cultura Celta, Ferrol, agosto 1997 Ferrol: Concelho de Ferro, 1999, p. 161-170 (=GATT).
  • GRUZINSKI, Serge. La guerra de las imágenes. De Cristóbal Colón a ‘Blade Runner’ (1492-2019) México D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1994.
  • GUARDIA, Milagros. San Baudelio de Berlanga, una encrucijada Barcelona: Universitat Autónoma de Barcelona, 2011.
  • HASCÖET, Joel. Les troménies bretonnes. Un mode d’anthropisation de l’espace à l’examen des processions giratoires françaises et belges. Vol. II: Études et analyses Tese doutoral inédita. Université de Bretagne Ocidentale, Brest, 2010.
  • HAYHURST, Yvonne. A Recent Find of a Horse Skull in a House at Ballaugh, Isle of Man. Folklore n.100/1, p. 105-109. 1989.
  • HENNINGSEN, Gustav et al Galicia Máxica. Reportaxe dun mundo desaparecido. Gustav Henningsen. Fotografías etnográficas 1965-1968 Santiago de Compostela: Museo do Pobo Galego, 2015.
  • HOFFMANN-KRAYER, Eduard e BÄCHTOLD-STÄUBLI, Hanns. Handwörterbuch des deutschen Aberglaubens Walter de Gruyter, Berlin e Leipzig 1930-42, 10Vols.
  • HOLDER, Alfred. Alt-Celtischer Sprachschatz Leipzig: Teudner Verlag. 1904, Vol. 2 (=Holder II.)
  • HOWART, Margaret M, Dried Cats Man n. 51 pp. 149-151, 1951
  • HÜBNER, Emile. Corpus Inscriptionum Latinarum. Vol II: Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin: Georg Reim, 1869(=CIL).
  • HULL, Vernam. The Exile of Conall Corc. PMLA n.56/4, p. 937-50. 1941.
  • KARL, Raimund. Hausfrieden. Die Siedlung als magisch-religiöse geschützter Raum. KF n. 3, 99-137.2008
  • KELLY, Fergus. A Guide to Early Irish Law Dublin: Dublin Institute for Advanced Studies, 1998.
  • LASA, José J. Las luchas en torno a los seles y caseríos de Albitxuri. In: Homenaje a Don José M. Barandiarán Vol. 1. Bilbao: Diputación Foral de Vizcaya, 1964, p. 157-188.
  • LE ROUX, François. Que signifie *EQUORANDA. Ogam n.VIII/1, p. 13-49. 1956.
  • LEAL Y SORIA, María Carmen. El Saqueo del Ganado de Cúalnge. Texto, introducción y traducción Cuadernos de Estrata, Vol. 3. Hondarribia: Estrata. 2008.
  • LEBEL, Paul. Où en est le problème d´equoranda equaranda. Romania n.63/250, p. 145-203. 1937.
  • LECOUTEUX, Claude. Demonios y genios comarcales en la Edad Media Palma de Mallorca: Olañeta Editor, 1999
  • LINCOLN, Bruce. Sacerdotes, guerreros y ganado. Un estudio sobre la ecología de las religiones Madrid: Akal, 1991.
  • LISON TOLOSANA, Carmelo. Antropología cultural de Galicia Madrid: Akal, 1979.
  • LLANOS ORTIZ, Armando. Habitat protohistórico en Álava. El poblado prerromano de La Hoya. Revista de Arqueología n.10, p. 6-12. 1981.
  • LÓPEZ FERNÁNDEZ, Valeriano. Yernes y Tameza. In: BELLMUNT, Octavio; CANELLA, Fermín (eds.). Asturias. Su historia y monumentos, bellezas y recuerdos costumbres y tradiciones O. Bellmunt, Xixon, 1900, p. 337-339.
  • LÓPEZ GARCÍA, Juan Pablo. Arqueología de la Arquitectura en el mundo vetón. La casa C de la Mesa de Mirand a. Madrid: La Ergástula, 2012.
  • LÓPEZ MONTEAGUDO, Guadalupe. Esculturas zoomorfas celtas de la Península Ibérica Madrid: CSIC, 1989.
  • LOTH, Joseph. Les Madinogion du libre Rouge de Herges avec les variantes du Livre Blanc de Rhydderch 2vols. Paris: Fontemoing Éditeurs, 1913.
  • MACALISTER, R.A. Stewart (ed.). Lebor Gabala Erenn. The Book of the Taking of Ireland Vol. 5. Dublin: Irish Texts Society, 1956.
  • MALUQUER DE MOTES, Juan; GRACIA, Francisco; MUNILLA, Gloria. Alto de la Cruz (Cortes, Navarra). Campañas 1986-1988. Trabajos de Arqueología de Navarra n.9, p. 11-245. 1990.
  • MARTÍN VALLS, Ricardo. Las insculturas del castro salmantino de Yecla de Yeltes y sus relaciones con los petroglifos gallegos. Zephyrus n.XXXVI, p. 217-23. 1983.
  • McCAULEY, Robert N.; LAWSON, E. Thomas. Bringing Ritual to Mind. Psychological Foundations of Cultural Forms Cambridge: Cambridge University Press , 2002.
  • MENÉNDEZ PIDAL, Ramón. Documentos Lingüísticos de España. I. Reino de Castilla Madrid: Centro de Estudios Históricos, 1919.
  • MERRIFIELD, Ralph. The Archaeology of ritual and magic Londres: Batsford, 1987
  • MIGUÉS RODRÍGUEZ, Victor Manuel. Em verbo do surprendente ritual fundacional de umha ferraria quiroguesa no século XVI. Um apontamento histórico-etnográfico. Brigantium n.9, p. 117-136. 1995.
  • MISIEGO, Jesús Carlos; MARTÍN CARBAJO, Martín A.; MARCOS, Gregorio José; SANZ GARCÍA, Francisco Javier. Las excavaciones arqueológicas en el yacimiento de “La Corona/El Pesadero” en Manganeses de la Polvorosa. La Edad del Hierro y la Época Romana en el norte de la provincia de Zamora Memorias Arqueología en Castilla y León n.19. Valhadolid, Junta de Castilla y León, 2013.
  • MORALES MUÑIZ, Arturo e LIESAU VON LETTOW-VORBECK, Corina. Análisis comparado de las faunas arqueológicas en el valle Medio del Duero (prov. Valladolid) durante la Edad del Hierro. In: DELIBES DE CASTRO, Germán et al (eds.). Arqueología y Medio Ambiente. El Primer Milenio a. C. en el Duero Medio Valhadolid: Junta de Castilla y León , 1995, p. 455-514.
  • MORET MENDI, José. Investigaciones históricas de las Antigvedades del Reyno de Navarra Pamplona: Gaspar Martínez Impressor, 1665.
  • MOUTINHO, José Viale. As chegas de bois. Uma antologia Lisboa: Âncora Editora, 2005.
  • MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Etnografía y Etnohistoria aplicadas a la Hispania Céltica. In: OrJIA (ed.). Actas de las I Jornadas de Jóvenes en Investigación Arqueológica Vol. I. Madrid. Eds. Cersa, 2008, p. 215-222.
  • MOYA-MALENO, Pedro Reyes. La sacralidad y los ritos circumambulatorios en la Hispania Céltica a través de las tradiciones populares. In: BURILLO, Francisco (eds.). VI Simposio sobre Celtiberos: Ritos y Mitos Daroca: Fundación Segeda, 2010, p.553-562.
  • MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Paleoetnología de la Hispania Céltica: Etnoarqueología, Etnohistoria y Folklore como fuentes de la Protohistoria Tese doutoral inédita. Universidad Complutense, Madrid, 2012.
  • MOYA-MALENO, Pedro Reyes. Majanos y difuntos: túmulos en la Hispania Céltica desde una perspectiva de Larga Duración. In: ALMAGRO-GORBEA, Martín & GARI LACRUZ, Ángel (eds.). Sacra Saxa: Creencias y ritos en peñas sagradas Huesca: Instituto de Estudios Altoaragoneses, 2017, p. 34-65.
  • MOYA-MALENO, Pedro Reyes; TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. For a Juridical Ethnoarchaeology of the Bull (and Horse. Sacrifice, Circunvalation; Ordeal in Celtic Iberia. In: COIMBRA, Fernando (ed.). The Horse and the Bull in Prehistory and History Ats do 1º International Congress Genova: Cordero Editore, 2016, p. 327-337.
  • NALLY, Thomas H. The Aonac Tailteann and the Tailteann games: their origin, history,and ancient associations Dublin: Talbot Press, 1922,
  • O’CONNOR, Sonia et al Exceptional preservation of a prehistoric human brain from Heslington, Yorkshire, UK. JAS n.38, p.1641-1654. 2011.
  • OLABARRÍA Y HUARTE, Eugenio. El Folk-Lore de Madrid. El Folk-Lore Español Vol. II. Madrid: Librería Fernando Fé, 1884.
  • O´RAHILLY, Cecile. Táin Bó Cúalnge from the book of Leinster Dublin: Dublin Institute for Advanced Studies, 1967.
  • Ó RIAIN, Pádraig, Boundary association in early Irish society Studia Celtica n.7, 1972pp.12-29
  • O´SUÍLLEABHÁIN, Sean. Foundation Sacrifices. JRSAI n.75/1, p. 45-53. 1945.
  • PALENCIA, Alfonso de. Crónica de Enrique IV Madrid: Eds. Atlas, 1975.
  • PASTOR, Reina. Resistencias y luchas campesinas en la época del crecimiento y consolidació de la formación feudal. Castilla y León, siglos X-XIII Madrid: Siglo XXI, 1980.
  • PAZOS, Lino. Recordando a Thalavo Pontevedra: Diputacion de Pontevedra, 1996.
  • PEDREGAL, Manuel “Asturias” In: COSTA, Joaquin Derecho consuetudinario y economía popular de España Vol. 2. . Saragoça: Guara, Saragoça. 1981p. 113-132
  • PÉREZ GUTIÉRREZ, Manuel. 2009. “Astronomía y Geometría en la Vettonia”Complutumn. 20/2, p. 141-164
  • PÉREZ GUTIÉRREZ, Manuel. Celtic Sites of Central Iberia. In: RUGGLES, Clide L.N.(ed.). Handbook of Archaeoastronomy and Ethnoastronomy New York: Springer, 2015p 1175-1185
  • PÉREZ OUTEIRIÑO, Bieito. Ourivesaria castrexa. Arracadas Ourense: Museo Arqueoloxico Provincial, 1982.
  • PLUMMER, Charles. Bethada náem nÉrenn / Lifes of the Irish Saints Oxford: Clarendon Press, 1922.
  • POSTE, Edward. Gai Institutiones or Institutes of Roman Law by Gaius Oxford: Clarendon Press, 1902
  • PRAG, Jonathan R.W.; QUINN, Josephine Crawley (ed.). The Hellenistic West: Rethinking the Ancient Mediterranean Cambridge: Cambridge University Press , 2013.
  • PUGA BRAU, Xosé. Os xudeus de Allariz, o boi do Corpus e as danzas gremiais Ourense: Deputación de Ourense, 1996.
  • QUINTÍA PEREIRA, Rafael. Cornos, cairos, pezuños e outros amuletos de orixe animal”Galicia Encantadas, Revista Electrónica n.6, p. 1-22. 2010: http://www.galiciaencantada.com/archivos/docs/1662_QUINT%C3%8DA_Cornos_cairos..._outros_%20amuletos_orixe_%20animal.pdf (acesso27-05 -2017).
    » http://www.galiciaencantada.com/archivos/docs/1662_QUINT%C3%8DA_Cornos_cairos..._outros_%20amuletos_orixe_%20animal.pdf
  • RALSTON, Ian. Celtic fortifications Stroud: Tempus, 2006.
  • REBAY-SALISBURY, Katharina. It’s all fun and games until somebody gets hurt: images of sport in early Iron Age art of Central Europe. World Archaeology n.44/ 2, p. 189-201. 2012.
  • REVELL, Louise: Ways of Being Roman: Discourses of Identity in the Roman West Barnsley: Oxbow Books, 2015.
  • RICHET, Alexander George. Ancient Law of Ireland. Vol IV: Brehon Law Tracts Dublín e Londres: Longman, 1879(=ALI)
  • RODRÍGUEZ CRUZ, José; FONTES, Antonio Lourenço. Mitos, crenzas e costumes da Raia Seca. A máxica fronteira Galego-Portuguesa Vigo: Ir Indo, 2004.
  • RODRÍGUEZ PASCUAL, Francisco; RODRÍGUEZ PELÁEZ, Nicolás. Un domingo cualquiera en Tierra de Alba (Zamora). Revista de Folklore n.34, p. 129-134. 1983.
  • SÁNCHEZ PALENCIA, Francisco Javier; FERNÁNDEZ-POSSE, María Dolores. La Corona y el Castro de Corporales I. Truchas (León). Campañas de 1978 a 1981 Madrid: CSIC, 1985.
  • SANTOS ESTÉVEZ, Manuel; CRIADO BOADO, Felipe; PARCERO OUBIÑA, César. O descubrimento arqueolóxico de santuários e espazos sagrados. In: GARCÍA QUINTELA, Marco V.: Soberanía e santuarios na Galicia castrexa Noia: Toxosoutos, 2006, p. 199-217.
  • SARTORI, Paul. Über das Bauopfer. ZEthn n.30, p. 1-54. 1898.
  • SAUMADE, Frédéric. Las tauromaquias europeas. La forma y la Historia, un enfoque antropológico Sevilha: Fundación de Estudios Taurinos e Universidad de Sevilla, 1998.
  • SCULLARD, Howard H. Festivals and ceremonies of the Roman Republic Londres: Thames; Hubson, 1981.
  • SÉBILLOT, Paul. Le Paganisme Contemporain chez les Peuples Celto-Latins Paris: Octave Doin Éditeur, 1905.
  • SÉBILLOT, Paul. Les Monuments. Le Folklore de France vol. IV. Paris: Imago, 1985.
  • SERRA I PAGES, Rossend. Petites notes sobre les ritus de cosntrucció. Bulletin de la´associació catala d´antroplogia, etnografia e prehistoria n. 1, p. 141-146. 1923.
  • SIMONELLI, Antonella. Considerazioni sull´origine, la natura e l´evoluzione del Pomerium. Aevum n.LXXV, p. 119-162. 2001.
  • SMITH, Brian K.; DONIGER, Wendy. Sacrifice and Substitution: Ritual Mystification and MythicalDemystification. Numen n.36/2, p. 189-224. 1989.
  • SOLHEIM, Svale. Horse-Fight and Horse Race in Norse Tradition. Studia Norvegica. Ethnologica; Folkloristica n.III, 8-9 p.1-173. 1956.
  • STALMANS, Nathalie. Les Affrontements des Calendes d´ete dans les Legendes Celtiques Bruxelas: Societe Belge d´Etudes Céltiques, 1995.
  • STEPHEN, Thomas. The literature of the Kymry London: Longman , 1849.
  • SHAW MASON, William. Irish Folk-Lore. Folk-Lore Journal n.6/ 1, p. 51-64. 1888.
  • THEINER, Georg. Transactive Memory Systems: A Mechanistic Analysis of Emergent Group Memory. Rev.Phil.Psych n.4, p. 65-89. 2013.
  • TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Sobre ciertos sacrificios fundacionales y de delimitación y sus paralelos históricos y etnográficos. Anuario Brigantino n.30, p. 179-192. 2007a.
  • TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. La lanza en la tierra: Rituales jurídicos de toma de posesión de la antigüedad a la edad media. In: SAINERO, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, 2007b, p. 365-387.
  • TENREIRO BERMÚDEZ, Marcial. Mito, Ritualidade e Território: para uma zooetnologia jurídica na Céltica Peninsular (e além). In: Atas das IV Jornadas de Letras Galego-Portuguesas, celebradas em Pitões das Júnias (Montealegre) do 30-31 de Maio de DTS, Academia Galega da Lingua Portuguesa e Università di Bologna 2015, no prelo.
  • TORRES-MARTÍNEZ, Jesús Francisco. De los días y los trabajos: El calendario anual en las sociedades célticas de la Península Ibérica. In: SAINERO, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, p. 305-347.
  • VEIGA DE OLIVEIRA, Ernesto. Festividades cíclicas em Portugal Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984.
  • VILLAR, Francisco; UNTERMANN, Jürgen. “Las «téseras» de Gadir y Tarvodurum. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco (eds.). Pueblos, Lenguas y Escrituras en la Hispania Prerromana. Actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánica Salamanca: Universidad de Salamanca , 1999, p. 719-31.
  • VILLAVERDE SOLAR, María Dolores. La representación de la muerte en Galicia durante el siglo XVI” CEG n.55/121, p. 235-262. 2008.
  • VIOLANT I SIMORRA, Ramón. Ritus i cerimonies de construcció. In: VV.AA.: Miscellània Puig i Cadafalch Barcelona: Institut d´Estudis Catalans, 1947, p. 173-183.
  • VON NICOLAI, Caroline. Pour une «contextualisation» des dépôts du deuxième âge du Fer en Europe tempérée. RAP n.19, p. 75-90. 2009.
  • VV.AA. Imaxes da Xustiza en Galicia Santiago de Compostela: Arquivo do Reino de Galicia e Xunta de Galicia, 1998.
  • VYASA, Krishna-Dwaipayana. The Mahabharata Vol. 9. Calcuta: Bharata Press, 1894.
  • WESTROPP, Thomas Johnson. A Folklore Survey of County Clare. Folklore n.XXII/1, p. 49-60. 1911.
  • WHITEHOUSE, Harvey. Arguments and Icons: Divergent Modes of Religiosity Oxford: Oxford University Press, 2000.
  • WILDE, Jane Francesca. Lady. Ancient Legends, Mystic Charms, and Superstitions of Ireland London: Ticknor and Co. Publishers, 1887, Vol. 1.
  • WOOLF, Greg. Becoming Roman. The Origins of Provincial Civilization in Gaul Cambridge: Cambridge University Press , 1998.
  • Zaldua ETXABE, Luis Mari. Saroeak Urnietan / Seles en Urnieta. Urnieta: Kulturnieta. 1996.
  • 1
    “… poniendo moiones por medio del mont a arriba, y quando fueron en cabo del monte soterraron un asno y un moion y pusieron hy un cerniclo sobrel asno; y esta partición que yo falle por pesquisa y por verdat.
  • 2
    O estranho deste tipo de evidência talvez seja o que justifique o quase nulo interesse que este texto tem suscitado entre os medievalistas, assim como alguns surpreendentes comentários condescendentes sobre o próprio ato ritual; assim, Reina Pastor, em uma aprofundada monografia sobre o feudalismo em Castela e Leão, declara taxativamente: “¿No es como para asombrarse que el asno muerto (luego enterrado) constituyera un hito de un límite muy dudoso entre dos concejos?” (Pastor, 1980PASTOR, Reina. Resistencias y luchas campesinas en la época del crecimiento y consolidació de la formación feudal. Castilla y León, siglos X-XIII. Madrid: Siglo XXI, 1980., p. 209), mostrando uma forte incompreensão do valor mnemotécnico que os gestos simbólicos exerciam em uma sociedade eminentemente oral como era, em grande parte, a da época, vid. Infra p. 686.
  • 3
    Os moinhos de mão e oferendas alimentares parecem aludir simbolicamente à “prosperidade” material que se espera conseguir para a vivenda (Sartori, 1898SARTORI, Paul. Über das Bauopfer. ZEthn. n.30, p. 1-54. 1898., p. 24s ), o que também aparece materializado na deposição de outras formas de riqueza, como moedas (Serra, 1923SERRA I PAGES, Rossend. Petites notes sobre les ritus de cosntrucció. Bulletin de la´associació catala d´antroplogia, etnografia e prehistoria. n. 1, p. 141-146. 1923., p. 142ss; Sartori, 1898SARTORI, Paul. Über das Bauopfer. ZEthn. n.30, p. 1-54. 1898., p. 26) ou joias, o que poderia explicar alguns depósitos arqueológicos - como os de Laundos ou Elvinha - de pouca importância para considerá-los a priori como “tesaurizações” e que poderiam entender-se melhor sob uma óptica ritual (Delibes, 2002DELIBES DE CASTRO, Germán. El tesorillo de las Motas (San Martín de Torres, León), nuevo documentos para el estudio de la orfebrería prerromana en territorio astur meridional. In: BLAS CORTINA, Miguel Ángel; VILLA VALDÉS, Ángel(eds.). Los poblados fortificados del Noroeste de la Península Ibérica: Formación y desarrollo de la cultura Castreña. Coloquios de Arqueologia en la cuenca del Navia. Navia: Ayuntamiento de Navia, 2002, p. 211-224., p. 221; Perez Outeiriño, 1982PÉREZ OUTEIRIÑO, Bieito. Ourivesaria castrexa. Arracadas. Ourense: Museo Arqueoloxico Provincial, 1982., p. 64).
  • 4
    Vid. supra n. 3. Uma curiosa lenda sobre o Castro das Penas (Lavrada, Guitiz, Lugo, Galiza) relaciona uma pele de boi cheia de ouro que foi enterrada como proteção mágica desse povoado proto-histórico (Tenreiro, no prelo).
  • 5
    Comunicação pessoal dos antropólogos Gustav Henningsen e Marisa Rey-Henningsen.
  • 6
    Tanto o cavalo danês quanto o cão preto britânico atuavam, ademais, como “avisos de morte” para os habitantes da paróquia (Sartori,1898SARTORI, Paul. Über das Bauopfer. ZEthn. n.30, p. 1-54. 1898., p. 20; Briggs, 1998BRIGGS, Katharine. A Dictionary of British Folk-Tales in English language. Parte B: Folk Legens. Londres: Routhledge, 1991., p. 150); associação com a morte favorecida, sem dúvida, pelo frequente papel de cavalos e cães sobrenaturais como avisos de morte no folclore europeu.
  • 7
    Existe uma ampla variedade de rituais de “substituição”, como algum resto corporal (pelo, unhas etc.), ou ainda a sombra da primeira pessoa que passasse (Brewster, 1971BREWSTER, P.G. The Foundation Sacrifice Motif in Legend, Folksong, Game and Dance. ZEthn 96, p. 71-89. 1971., p. 72s), chegando os construtores, em alguns casos, a representar uma agressão fictícia, pegando à força quem por ali passasse no momento de colocar a pedra, ou ao jovem aprendiz, golpeando-o levemente com a maça ou ameaçando-o erguendo a pedra sobre sua cabeça (Sebillot, 1985SÉBILLOT, Paul. Les Monuments. Le Folklore de France. vol. IV. Paris: Imago, 1985., p. 133; Gregor, 1891GREGOR, Walter. Les Rites de la Construction en Ecosse. Révue des Tradilions Populaires. n.VI/3, p. 172-173. 1891., p. 172). Sobre o tema do sacrifício substitutivo, ver Smith e Doniger, 1989SMITH, Brian K.; DONIGER, Wendy. Sacrifice and Substitution: Ritual Mystification and MythicalDemystification. Numen. n.36/2, p. 189-224. 1989..
  • 8
    Cabal relaciona com igual sentido os ditos “La casa compuesta, la muerte a la puerta” e “A jaula nueva, pájaro muerto” (Cabal, 1992CABAL, Constantino. Las tradiciones populares asturianas II: La familia, la vivienda y oficios primitivos. Oviedo: Grupo Editorial Asturiano, 1992., p. 17); e Frankowski apresenta, entre os campesinos poloneses, um dito similar: “Quem edifica uma casa, faz-se uma tumba” (Frankowski, 1916FRANKOWSKI, Eugeniusz. La lucha entre el hombre y los espíritus malos por la posesión de la tierra y su usufructo. Boletín de la Real Sociedad Española de Historia Natural. n.XVI, p. 408-425. 1916., p. 421).
  • 9
    O mesmo mecanismo de “renovação” purificante da casa, neste caso anual, faz-se presente no costume de matar um animal (uma ovelha, vaca ou mais frequentemente uma ave) e aspergir seu sangue pelas quatro esquinas a fim de protegê-la do mal durante o ano (Wilde, 1887WILDE, Jane Francesca. Lady. Ancient Legends, Mystic Charms, and Superstitions of Ireland. London: Ticknor and Co. Publishers, 1887, Vol. 1., p. 270; Shaw Mason, 1888SHAW MASON, William. Irish Folk-Lore. Folk-Lore Journal. n.6/ 1, p. 51-64. 1888., p. 57; Sebillot, 1905SÉBILLOT, Paul. Le Paganisme Contemporain chez les Peuples Celto-Latins. Paris: Octave Doin Éditeur, 1905., p. 206); era um ritual que se levava a cabo na Irlanda durante a Festa de São Martinho. Similar costume, durante a mesma festa, existia na Alemanha, onde o sacrificado era um galo (Sebillot, 1905SÉBILLOT, Paul. Le Paganisme Contemporain chez les Peuples Celto-Latins. Paris: Octave Doin Éditeur, 1905., p. 207). Seguramente não é um acaso a relativa proximidade da data desta festa de renovação cíclica da proteção da habitação - 11 de novembro - à da antiga festa de Samhain - 1º de novembro - que marcava o fim/princípio do ano céltico. A respeito deste costume, pode-se consultar os abundantes materiais etnográficos digitalizados da The Schools’Collection da National Folklore Collection of Ireland: www.duchas.ie/en/src?q=+St.+Martin%27s+Eve.
  • 10
    Algo que veremos mais adiante, ao tratar os correlatos arqueológicos; não deixa de ter, em alguns casos, como o das galhadas de cervídeos, conexões muito distantes no tempo. Vid. infra p. 661.
  • 11
    A seleção parcial dos restos dos animais (ossos cervicais e pernas dianteiras), juntamente com a ausência da ação do fogo sobre eles, indicariam um contexto sacrificial em que eram consumidas as partes com mais carne, e que as outras eram reservadas para a deposição ritual (Cabrera, 2010, p. 311; Cabrera e Moreno, 2014CABRERA DÍEZ, Ana; MORENO-GARCÍA, Marta. Prácticas de sacrificio en el Cerro de La Mesa (Alcolea de Tajo, Toledo). El depósito ritual de la Casa 1. Zephyrus. n.73, p. 133-147. 2014., p. 139).
  • 12
    Seria possível que esta localização marginal se relacione simbolicamente com os próprios limites do assentamento? A ausência de maiores detalhes nos impede de defender essa hipótese. Os próprios escavadores interpretaram o depósito como um “acúmulo de matéria-prima para uma oficina artesanal” (Morales e Liseau, 1995MORALES MUÑIZ, Arturo e LIESAU VON LETTOW-VORBECK, Corina. Análisis comparado de las faunas arqueológicas en el valle Medio del Duero (prov. Valladolid) durante la Edad del Hierro. In: DELIBES DE CASTRO, Germán et al. (eds.). Arqueología y Medio Ambiente. El Primer Milenio a. C. en el Duero Medio. Valhadolid: Junta de Castilla y León , 1995, p. 455-514., p. 459), se bem que o cuidado da deposição das cabeças em semicírculo leva-nos a considerar o seu possível sentido ritual (Cabrera Diéz e Moreno García, 2014CABRERA DÍEZ, Ana; MORENO-GARCÍA, Marta. Prácticas de sacrificio en el Cerro de La Mesa (Alcolea de Tajo, Toledo). El depósito ritual de la Casa 1. Zephyrus. n.73, p. 133-147. 2014., p. 142).
  • 13
    Segundo o jurista Gaio: “sancta quoque res, velut muri et portae, quodammodo divini iuris sunt” (Gaio, Inst. 2.4). São vários e conhecidos os testemunhos de procissões e cerimônias de delimitação do pomerium (Dion. Hal., A.R. I 88, 2; Var., L.L. V 143; Macr., Sat. V. 19, 13).
  • 14
    Os termos amburvium e ambarvalia relacionam-se com o verbo ambio, “dar voltas” (Scullard, 1981SCULLARD, Howard H. Festivals and ceremonies of the Roman Republic. Londres: Thames; Hubson, 1981., p. 82). Dumézil (1966DUMÉZIL, George. La religion romaine archaïque: avec un appendice sur La religion des étrusques. Paris: Payot, 1966., p. 241) comparou a circunvalação purificatória romana com o caso hindu no qual, segundo o Atharvaveda (VI.28.2), uma vaca devia ser conduzida por três vezes ao redor de uma casa a fim de purificá-la. Sobre o sentido mágico e religioso das circunvalações, videMoya-Maleno (2010MOYA-MALENO, Pedro Reyes. La sacralidad y los ritos circumambulatorios en la Hispania Céltica a través de las tradiciones populares. In: BURILLO, Francisco (eds.). VI Simposio sobre Celtiberos: Ritos y Mitos. Daroca: Fundación Segeda, 2010, p.553-562., p. 153ss).
  • 15
    “... circuibant, suisque vestigiis ponebant terminos ac limites”.
  • 16
    As três festividades estudadas por Fernández Nieto (1999FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. La federación celtibérica de Santerón. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco(eds.). Pueblos, lenguas y escrituras en la Hispania prerromana. Actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánicas. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1999, p. 183-201., p. 119, 2005FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. Religión, derecho y ordalía en el mundo celtibérico: la federación de San Pedro Manrique y el ritual de las Móndidas. In: BELTRÁN, Francisco et al. (eds.). Acta Palaeohispanica, IX. Actas del IX Coloquio sobre Lenguas y Culturas Palaeohispánicas. Palaeohispánica 5. Saragoça: Institución Fenando el Católico, 2005, p. 585-618., p. 588) situam-se no ciclo de maio-São João; as estudadas por Domínguez caem tanto neste ciclo como no invernal, compreendido entre outono e fim de ano/janeiro (Domingúez, 1984, p. 19). A este respeito, há, em alguns casos, um antagonismo entre o caráter diurno/noturno das procissões equestres, embora tenham em comum a realização de rito ígneo durante a noite (Fernández Nieto, 1999FERNÁNDEZ NIETO, Francisco Javier. La federación celtibérica de Santerón. In: VILLAR, Francisco; BELTRÁN, Francisco(eds.). Pueblos, lenguas y escrituras en la Hispania prerromana. Actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánicas. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1999, p. 183-201., p. 191s; Domínguez, 1984DOMÍNGUEZ MORENO, J.M. (1984. “La ‘encamisá’, significado y origen de una fiesta cacereña”, en Revista de Folklore n. 43. Caja de Ahorros Popular. Valladolid, p. 17-22., p. 17 e 19).
  • 17
    O acender do fogo aparece, em algumas tradições irlandesas, associado à tomada de posse de um lugar ou à tomada do poder, como sucede no caso de Conall Corr, que chegará a rei de Munster após acender por acaso um lume sob certo teixo situado num outeiro, no lugar em que logo haveria de estar a morada dos reis de Munster, como predissera uma profecia (Hull, 1941HULL, Vernam. The Exile of Conall Corc. PMLA. n.56/4, p. 937-50. 1941., p. 949). Igualmente, a tradição jurídica escandinava reconhece o ato de introduzir o fogo num prédio - “ir com o lume e tomar a terra” - ou rodeá-lo com ele - “dar a volta a terra com o lume” - entre os ritos de tomada de posse e apropriação da terra, gesto que tinha igualmente um matiz religioso denotado pelo termo eldvignig - “consagrar pelo lume” (Lecouteux, 1999LECOUTEUX, Claude. Demonios y genios comarcales en la Edad Media. Palma de Mallorca: Olañeta Editor, 1999, p. 97s).
  • 18
    É possível que a iconografia da ferradura em petróglifos de termo expresse sinteticamente a ideia de um percurso a cavalo, como os apresentados em tantas cerimônias jurídicas de terminatio. Resulta interessante a proposta recente de interpretar os petróglifos podomorfos como marcas de termo relacionadas à cerimônia jurídica da conjuratio sobre os limites (Bermejo e Romani, 2014BERMEJO BARRERA, Xose Carlos; ROMANÍ MARTÍNEZ, Miguel. Et per ubi posuerintis vestros pedes iurare. La conjuracío y el posible uso de los signos podomorfos en Galicia Medieval y Moderna. Madrider Mitteilungen. n.55, p. 560-595. 2014., p. 560ss). Para uma interpretação diversa, e que considera uma prolongação cronológica até a proto-história destes motivos rupestres, ver Garcia Quintela e Santos, 2000aGARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio; SANTOS ESTÉVEZ, Manuel. Petroglifos podomorfos de Galicia e investiduras reales célticas. Estudio comparativo. AEspA. n.73, p. 5-26. 2000a.; 2000bGARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio; SANTOS ESTÉVEZ, Manuel. Petroglifos podomorfos del Noroeste Peninsular: nuevas comparaciones e interpretacione. Revista de Ciências Históricas. n.15, p. 7-40. 2000b.; 2008GARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio; SANTOS ESTÉVEZ, Manuel. Santuarios de la Galicia Céltica. Arqueología del Paisaje y Religiones Comparadas en la Edad del Hierro. Madrid: Adaba editores, 2008.; Garcia Quintela, 2006GARCÍA QUINTELA, Marco Virgilio. Soberanía e santuarios na Galicia castrexa. Noia: Toxosoutos, 2006., p. 73-139.
  • 19
    Outro exemplo interessante é o das chamadas Pegadinhas da Nossa Senhora (Vilar de Perdizes, Trás-os-Montes, Portugal), laje granítica cheia de cruzes e ferraduras várias. Agradecemos ao padre A. Lourenço Fontes por nos ter dado a conhecê-las e nos levado amavelmente a ver estas insculturas.
  • 20
    Esta pedra recebia o nome de hausterretza, “lugar da cinza”, tendo um importante papel simbólico, pois debaixo dela depositavam-se carvões e cinzas do lar ou, em outras ocasiões, uma telha da casa, ato que expressava o vínculo entre a unidade doméstica e o terreno de pastagem que lhe pertencia (Echegaray, 1927ECHEGARAY, Bonfacio De. Prologo. In: REDONET Y LÓPEZ-DORIGA, Luis. Policia rural en España. Vol. 2. Madrid: Sobrinos de la Sucesora de M. Minuesa de los Ríos, 1927, p. 11-96., p. 46; Zaldua, 1996Zaldua ETXABE, Luis Mari. Saroeak Urnietan / Seles en Urnieta. Urnieta: Kulturnieta. 1996., p. 85). Assinalamos a esse respeito que uma tradição asturiana prescrevia que, sob a pedra que servia de marco a uma propriedade, fossem enterradas três telhas, uma para cada pedra secundária que era colocada em cada um dos lados a modo de “testemunhas” ao redor do marco (Alvárez Peña, 2016ÁLVAREZ PEÑA, Alberto. Les lluches de toro n´Asturies: mitoloxía y realidá. Asturies. Memoria encesa d´un país. n.36, p. 76-81. 2016., p. 78).
  • 21
    A eleição de Bicriu, “por ser o mais justo dos homens de Irlanda”, não está isenta de certa ironia, ao se caracterizar esta personagem, na épica irlandesa, como um autêntico semeador de discórdias.
  • 22
    Conflito sobrenatural que recorda outros antagonismos entre seres do além da mitologia céltica (Stalmans, 1995STALMANS, Nathalie. Les Affrontements des Calendes d´ete dans les Legendes Celtiques. Bruxelas: Societe Belge d´Etudes Céltiques, 1995., p. 52-64). São interessantes, a esse respeito, os paralelismos com algumas lendas populares que descrevem combates mágicos sob sucessivas formas animais (De Millio, 2008DE MILIO CARRÍN, Cristobo. La creación del mundo y otros mitos asturianos. Xixón: Ed. do autor, 2008., p. 172-182).
  • 23
    A este temo, por outra perspectiva, a leitura feita por Bruce Lincoln que, a partir do comparatismo indo-europeu, interpretava o episódio do Táin como um mito cosmogônico no qual estaria implicado o sacrifício primordial de um bovídeo (Lincoln, 1991LINCOLN, Bruce. Sacerdotes, guerreros y ganado. Un estudio sobre la ecología de las religiones. Madrid: Akal, 1991.).
  • 24
    As aldeias mais ricas e com melhores pastagens podiam permitir-se ter dois bois do povo: um mais velho, o campeão, e outro mais jovem que era treinado para substitui-lo quando não pudesse vencer nas chegas (Moutinho, 2005MOUTINHO, José Viale. As chegas de bois. Uma antologia. Lisboa: Âncora Editora, 2005., p. 47), como sucedia com Pitões das Júnias que ainda hoje em dia ostenta no escudo da sua Junta de Freguesia duas cabeças de boi alusivas ao fato de ter tradicionalmente dois bois do povo e não apenas um, como as outras freguesias da região.
  • 25
    Em Boticas levavas-se o boi a dar nove voltas ao redor da igreja antes de rezarem pelo seu sucesso (Moutinho, 2005MOUTINHO, José Viale. As chegas de bois. Uma antologia. Lisboa: Âncora Editora, 2005., p. 26).
  • 26
    A derrota supunha uma vergonha para a aldeia (Veiga de Oliveira, 1984VEIGA DE OLIVEIRA, Ernesto. Festividades cíclicas em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1984., p. 252); optava-se frequentemente por vender para o matadouro o boi vencido porque “não pode” e “não presta” (Moutinho, 2005, p. 24).
  • 27
    A fácies demarcatória pode estar indicada por alguma tradição oral, como encontramos em uma lenda a qual tivemos acesso recentemente - sem que pudéssemos nos aprofundar mais - que trata do uso de uma “chega” entre os concelhos de Muinhos (Ourense, Espanha) e Montalegre (Portugal) para solucionar ordalicamente um conflito pelos termos das suas pastagens.
  • 28
    Agradecemos a Alberto Álvarez Peña ter-nos comunicado amavelmente o dado.
  • 29
    A longa perduração do ciclo agrícola-ganadeiro das sociedades tradicionais e a sua incidência no calendário religioso e nos movimentos da população (humana e animal) entre diversos setores da paisagem, tem sido considerada recentemente como um modelo de forte valor heurístico para interpretar as atividades das comunidades proto-históricas (Torres Martínez, 2007TORRES-MARTÍNEZ, Jesús Francisco. De los días y los trabajos: El calendario anual en las sociedades célticas de la Península Ibérica. In: SAINERO, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas. Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, p. 305-347., p. 318s; 325-327; 329).
  • 30
    Como demonstra a epígrafe com o genitivo autóctone Ateroecon (dos Ateroeci) do varrão de Paredes da Beira (Beira Alta) que foi interpretada como “testemunho da sacralização do território ocupado pela gens” (López Monteagudo, 1989LÓPEZ MONTEAGUDO, Guadalupe. Esculturas zoomorfas celtas de la Península Ibérica. Madrid: CSIC, 1989., p. 144).
  • 31
    A esse respeito, é significativo que se tenha interpretado a faixa insculturada que decora alguns varrões comparando-a com o dorsuale que enfeitava as vítimas sacrificiais em Roma (López Monteagudo, 1989LÓPEZ MONTEAGUDO, Guadalupe. Esculturas zoomorfas celtas de la Península Ibérica. Madrid: CSIC, 1989., p. 144 e 149).
  • 32
    A partir de um ponto de vista da reconstrução da territorialidade da Idade do Ferro, um interessante trabalho prospectivo ainda por fazer consistiria em analisar a situação de locais sacros como Guisando, a partir da arqueologia da paisagem (Santos et al., 2006SANTOS ESTÉVEZ, Manuel; CRIADO BOADO, Felipe; PARCERO OUBIÑA, César. O descubrimento arqueolóxico de santuários e espazos sagrados. In: GARCÍA QUINTELA, Marco V.: Soberanía e santuarios na Galicia castrexa. Noia: Toxosoutos, 2006, p. 199-217., p. 199ss), não só a respeito de fenômenos astronômicos - como os equinócios -, mas também, enquanto possíveis espaços de agregação comunitária ou inter-comunitária, em relação às vias naturais e os presumíveis deslocamentos de homens e animais pelo território ao longo do ciclo anual agro-gandeiro (Torres-Martínez, 2007TORRES-MARTÍNEZ, Jesús Francisco. De los días y los trabajos: El calendario anual en las sociedades célticas de la Península Ibérica. In: SAINERO, Ramón (ed.). Pasado y presente de los estudios celtas. Ortigueira: Fundación Ortegalia e Instituto de Estudios Celtas, 2007, p. 305-347., p. 331; Moya-Maleno, 2012, p. 236-240).
  • 33
    Recentemente, assinalou-se a identificação de algumas representações figuradas da Idade do Ferro com celebrações agonísticas, entre as quais incluir-se-iam competições equestres e de outros tipos (Rebay-Salisbury, 2012REBAY-SALISBURY, Katharina. It’s all fun and games until somebody gets hurt: images of sport in early Iron Age art of Central Europe. World Archaeology. n.44/ 2, p. 189-201. 2012., p. 195-198). Para uma perspectiva mais ampla sobre o significado das práticas agonísticas na proto-história Europeia e a sua relação com o folclore europeu, ver Moya-Maleno, 2012, p. 294ss.
  • 34
    Camalus Borni f[ilius] hic situs est annor[um] XXX ex Ɔ Tarbu frater faciendu[m] curavit.
  • 35
    Sobre o termo -randa: a segunda parte do composto teria o significado de “limite” (Lebel, 1937LEBEL, Paul. Où en est le problème d´equoranda equaranda. Romania. n.63/250, p. 145-203. 1937., p. 150), vid. supra p. 665-666.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2017
  • Aceito
    08 Maio 2018
EdUFF - Editora da UFF Instituto de História/Universidade Federal Fluminense, Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, Bloco O, sala 503, 24210-201, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, tel:(21)2629-2920, (21)2629-2920 - Niterói - RJ - Brazil
E-mail: tempouff2013@gmail.com