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A (des)fortuna de Thomas Paine: um problema histórico e historiográfico

The (mis)fortune of Thomas Paine: a historical and historiographic problem

Resumo:

Este texto tem como propósito elucidar a existência de um problema histórico e historiográfico que envolve a figura de Thomas Paine e em decorrência do qual sua importância e lugar na história não têm recebido o devido reconhecimento. Para demonstrar os porquês da existência do “problema Paine”, faz-se mister apresentar uma breve exposição da vida e obra do autor, um levantamento e avaliação das questões que envolvem suas biografias, as publicações de suas obras completas, e os debates sobre seu legado e sua fortuna historiográfica. Nossa abordagem enfatiza três textos de Paine que, embora consideremos fundamentais no estudo das revoluções democráticas do final dos Setecentos, têm sido pouco ou mal explorados pela historiografia.

Palavras-chave:
Thomas Paine; Liberalismo; Democracia

Abstract:

The present text aims to demonstrate the existence of a historical and historiographical problem concerning the persona of Thomas Paine. Moving from this problem, Paine’s place in history has not received well-deserved recognition. In order to demonstrate the reasons for the existence of the Paine problem, it is necessary to present a brief exposition of the author’s life and work, a survey and evaluation of the questions that concern his biographies, the problems concerning the publications of his complete works, and the debates about his legacy and his historiographical fortune. The present article emphasizes three texts by Paine which have been little or hardly explored by historiography, although we consider them fundamental in the study of the democratic revolutions of the late 18th century.

Keywords:
Thomas Paine; Liberalism; Democracy

“Existe concordância universal sobre a importância dos escritos de Paine” (Foner, 1976, p. XXVIII).

“Não há motivos muito convincentes que justifiquem um exame mais acurado de suas publicações” (Souza, 1989SOUZA, M. T. S. R. Introdução. In: PAINE, Thomas. Os direitos do homem. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 7., p. 7).

“É difícil encaixar Paine em alguma categoria” (Pocock, 1993POCOCK, J. G. A. The Varieties of British Political Thought, 1500-1800. Cambridge: Cambridge University Press, 1993., p. 279).

Introdução: o não reconhecimento1 1 Todas as citações de Thomas Paine foram retiradas da edição de Philip Foner (1945). Como se verá, trata-se do mais bem-acabado (embora ainda incompleto) trabalho de reunião das obras completas do autor.

Thomas Paine foi ator, intérprete e testemunha de três situações revolucionárias, dos dois lados do Atlântico e quase simultâneas: a Independência das Treze Colônias, de 1776, a agitação revolucionária vivida pela Inglaterra nos primeiros anos da década de 1790 e a Revolução Francesa de 1789. Segundo Le Moal (apud Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 13), ele “teve o singular privilégio de ter sido o homem mais popular e detestado em seu tempo”. Segundo Conway,

Nenhum homem conhecia tão intimamente o movimento revolucionário. Franklin havia deixado com ele suas notas e papéis concernentes à Revolução Americana. Paine foi o único girondino a sobreviver à Revolução Francesa capaz de contar sua história secreta. Seu conhecimento pessoal incluía quase todos os grandes e famosos homens do seu tempo, na Inglaterra, América do Norte e França (Conway, 1996CONWAY, Moncure Daniel. The Life of Thomas Paine. Londres: Routledge/Thoemmes Press, 1996. V. I., p. XII).

Segundo um dos inimigos políticos de Paine, o ex-presidente dos Estados Unidos, John Adams: “não conheço nenhum outro homem no mundo que tenha exercido maior influência nos últimos trinta anos do que Tom Paine” (Hawke, 1974HAWKE, David Freeman. Paine. Nova York: Harper & Row, 1974., p. 7).

Nenhum protagonista foi, nesses três países e a um só tempo, tão consagrado e execrado quanto ele. Nos Estados Unidos, Paine foi aclamado, graças a Senso Comum (1776) e A Crise (1776-1783), como um dos responsáveis pelo sucesso da Independência, e foi convidado a fazer parte do primeiro governo do país. Porém, quando do seu enterro, em 1809, nas aforas de Nova Iorque, somente havia seis pessoas presentes, o suficiente apenas para carregar seu caixão. Na Inglaterra, por ter mobilizado milhares de ingleses com seu Os Direitos do Homem (1791-1792), assustou o establishment, foi processado pelo governo, e condenado à morte. Na França, depois de ajudar na criação do primeiro manifesto republicano, de ser eleito por quatro departamentos à Convenção Nacional em setembro de 1792, e de participar da Comissão de deputados encarregada de elaborar a constituição republicana, foi encarcerado em 1793 e mantido preso por quase um ano, mesmo após a derrubada dos jacobinos. Quando morreu, nenhum homem público, de nenhum daqueles três países, quis fazer qualquer declaração sobre o seu passamento.

Thomas Paine incorreu na hostilidade de três homens de posições políticas díspares, mas todo-poderosos: William Pitt, Maximilien de Robespierre e George Washington - os dois primeiros o condenaram à morte, enquanto o terceiro absteve-se de tomar medidas para salvar-lhe a vida. Pitt e Washington repudiaram-no, respectivamente, porque ele era democrata e deísta; Robespierre odiava-o porque ele se opôs à execução do rei e ao Terror. De acordo com a sobrinha de Pitt, Lady Stanhope, o primeiro-ministro “costumava dizer que Paine até tinha razão, mas então completava: “o que posso fazer? Do jeito como as coisas estão, se eu incentivasse as opiniões de Tom Paine teríamos uma revolução sangrenta” (Russel, 2011RUSSEL, Bertrand. Por que não sou cristão? 1. ed. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011., p. 96).

Paine foi visto, nos Estados Unidos, como radical, e, pelos jacobinos franceses, como moderado, ou melhor, para usar as palavras de Robespierre, um “moderantista” (um homem que, por covardia ou oportunismo, não é radical quando necessário). A partir das décadas de 1820 e 1830, quando a palavra liberal, primeiro, e as teorias socialistas, depois, começaram a entrar em uso, Paine também passou a ser visto como um liberal. Desde então, Paine é (re)tratado como um republicano democrata, como um liberal, ou, mais raramente ,como um liberal democrata. Talvez seja precisamente essa equação republicano-democrata, para colocar a questão nos termos da sua época, ou liberal-democrata, para colocá-la nos termos da nossa, que, como sustenta Pocock (1985, p. 279), torna difícil “encaixar Paine em alguma categoria”. Como se verá, não há consenso sobre o teor e a radicalidade de seu liberalismo.

Do ponto de vista religioso, a partir do momento em que Paine publicou The Age of Reason (A Idade da Razão), em 1794-1795, ele, um deísta convicto, passou a ser visto como ateu, o que bastou para que se tornasse uma figura estigmatizada.

Do ponto de vista social, suas origens anfíbias levantam dúvidas e desafiam classificações. Por um lado, para Foner (1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. X), Paine era “um artesão [working man], que se esforçou para melhorar a condição das classes trabalhadoras”. Por outro lado, para Kramnick (1977KRAMNICK, Isaac. Religion and Radicalism: English Political Theory in the Age of Revolution. Political Theory, v. 4, nov. 1977., p. 512 e 528), ele era um “burguês radical”, cuja obra foi “a expressão perfeita da teoria do estado liberal-burguês” - não um working man, mas, ao contrário, um gentleman, como o descreveu John Adams em carta à esposa (Conway, 1996CONWAY, Moncure Daniel. The Life of Thomas Paine. Londres: Routledge/Thoemmes Press, 1996. V. I., p. 69). Como se verá, Paine, por suas origens sociais e por suas variadas atividades profissionais, pode ser considerado tanto um artesão ou um trabalhador manual quanto um burguês.

Seja como for, de Paine pode-se dizer que, se não se tornou uma figura histórica esquecida, tornou-se, sem dúvida, uma figura mal reconhecida e injustiçada. Em outros termos, o problema com Paine é menos de esquecimento do que de devido reconhecimento e tratamento. É sobre esse problema, bem como sobre algumas de suas causas, que se debruçará este texto.

Obra e artífice: uma breve biografia

Thomas Paine foi artífice e obra da Era das Revoluções, consciente ele próprio de não saber se fora feito para seu tempo, ou seu tempo fora feito para ele. Em carta a George Washington, escreveu que “tomar parte das duas revoluções é viver com algum propósito”(Foner, E. 1976FLORENZANO, Modesto. Tom Paine and Revolutionary America. Nova York: Oxford University Press, 1976., p. 270). O historiador Koselleck, para quem a dialética entre crítica e crise constitui um aspecto fulcral da Ilustração, posiciona Paine, ao lado do abade Raynal, na culminância do Iluminismo; de acordo com ele, Paine levou a crítica ao campo político, social e religioso, assumindo uma radicalidade ímpar e conferindo à palavra crise um “duplo-sentido: o da guerra civil e o da instalação de um tribunal moral” (Koselleck, 1999KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise. 1. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999., p. 156-159).

Um dos fatos mais surpreendentes em Paine é que, na maior parte de seus 72 anos de vida, ele foi, sob todos os aspectos, um inglês comum. Paine nasceu em 29 de janeiro de 1737, em Thetford, povoado de 2 mil habitantes no condado de Norfolk, Inglaterra. Seu pai, Joseph Pain, dirigia uma fábrica de espartilhos. Pertencente à seita dos quacres, o pai de Paine era um artesão não conformista, crítico da escravidão, da pena de morte, da hierarquia clerical e do serviço militar - práticas do quacrismo caras ao nosso autor.

Avesso ao ensino de grego e latim - provavelmente por influência quacre -, aos treze anos, Paine abandonou a grammar school para se iniciar na arte de confeccionar espartilhos. Como seus críticos não deixarão de lembrar, essa educação básica foi o único ensino formal que Paine obteve em sua vida.2 2 O próprio Burke chamou Paine de homem “sem nem mesmo uma moderada porção de qualquer tipo de educação” (Levin, 2017, p. 17). Ao longo de sua juventude, aventurou-se duas vezes pelo mar (a bordo do navio Terrible, sob o comando do lendário capitão Death, e a bordo do King of Prussia), mas acabou voltando aos espartilhos, dessa vez em Londres. Em seu tempo livre, tomava contato com obras de física e matemática, e se impressionava com a visão newtoniana do universo.

Após a prematura morte de sua esposa, a criada Mary Lambert, Paine buscou fazer carreira no Fisco. Cabia-lhe percorrer tabernas, cervejarias e armazéns para avaliar o montante da taxa. Como ele anotava o resultado das inspeções sem de fato inspecionar, confiando na palavra dos comerciantes, acabou demitido e, novamente, trabalhou como espartilheiro em Norfolfk. Aos 28 anos, estava viúvo, sem dinheiro e sem perspectiva.

Durante alguns meses, trabalhou como professor de inglês no colégio Goodman’s Field, em Londres. Seu salário era metade do que ganhava no Fisco. Conseguiu, então, uma reintegração como cobrador de impostos - trabalhou em Lewes, condado de Sussex, onde se alojou na casa de um comerciante de tabaco quacre, Samuel Ollive; com a morte dele, Paine casou-se com sua filha, Elizabeth; tinha então 34 anos.

Eis que, numa querela salarial, desponta o pensador e ativista Paine. Os agentes do Fisco decidiram dirigir-se diretamente ao Parlamento para obter um aumento salarial. Paine, no verão de 1772, escreveu o “Dossiê dos Agentes do Fisco”, seu primeiro texto político:

Os ricos, em meio ao conforto e abundância, pensarão talvez que tracei um retrato contrário à natureza; mas, se pudessem descer nas regiões frias da necessidade, ao círculo polar da pobreza, perceberiam que as opiniões mudam com o clima. Existem hábitos de pensamento próprios a cada condição, e é precisamente a descobri-los que se deve dedicar o estudo do gênero humano (Foner, P., 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 9).

Durante a referida campanha, Paine passou o inverno de 1772-1773 em Londres, onde se tornou amigo de Benjamin Franklin. Os resultados do pleito não foram animadores: Paine voltou para Lewes sem sucesso, o que se somou à falência dos negócios que possuía com a esposa e a sogra. Seus bens foram leiloados. Como esperado, seus superiores aproveitaram o ensejo para demiti-lo. Sem filhos, Paine e Elizabeth separam-se. Aos 37 anos, Paine via-se sem emprego, arruinado e difamado.

Sem vínculos e esperanças no Velho Mundo, o convívio e a amizade de Paine com os cientistas de Londres abriram suas perspectivas no Novo Mundo: Franklin convenceu-o a se mudar para a Pensilvânia, dando-lhe uma carta de recomendação. O objetivo era fundar um liceu inspirado nos existentes em Londres.

A fortuna corre ao encontro de nosso autor: dos 120 passageiros do navio London Packet, apenas sete sobreviveram. Paine chega à Filadélfia aos 37 anos, como um desconhecido. Sua chegada na América inglesa “coincidiu com a eclosão do jornalismo popular e com o desencadeamento da Independência das Treze Colônias, primeiro grande movimento político e social da história a se basear, tanto teórica quanto praticamente, no consentimento, no apoio e no poder do homem comum” (Smitten, 1978SMITTEN, J. R. Studies in Burke and His Time, V.. 19, n. 2, 1978., p. 27). Nessa mesma linha de raciocínio, segundo E. Foner (1976, p. 109), Paine alinha-se a outros radicais que, de recursos modestos, são estranhos à elite de comerciantes, e não tinham exercido influência antes de 1776: Benjamin Rush, Timothy Matlack, Christopher Marshall, James Cannon, David Rittenhouse, Owen Biddle, Thomas Young e Charles Wilson Pearle.

Na Pensilvânia, Paine passa a trabalhar como escritor e editor do Pennsylvania Magazine, e, depois, do Pennsylvania Journal - seus poemas e textos contra o despotismo inglês, contra a escravidão, e em defesa da condição das mulheres e dos indígenas renderam-lhe uma fama cada vez maior. “Sou um lavrador de pensamentos”, dizia, “e tudo o que colho ofereço em doação” (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 41).

Paine participou da formação da primeira sociedade antiescravista criada em 1775 na Filadélfia. O texto “African Slavery in America”, o qual ele assinou como “Justice and Humanity”, analisa o estranho e lamentável fato de existirem pessoas ao mesmo tempo cristãs e escravistas: “nossos comerciantes de SERES HUMANOS (uma mercadoria não natural) devem conhecer a maldade do tráfico de escravos, seja se escutarem a razão, seja se escutarem os ditames de seus corações” (Foner, P., 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 15).

Em “An Occasional Letter on the Female Sex”, Paine destaca que a mulher é sujeita a um “tipo de despotismo”, o despotismo doméstico. No texto, a condição das mulheres, em várias partes do mundo, é denunciada como sendo equivalente à escravidão:

No que concerne a elas, os homens de todos os climas e de todas as eras têm sido maridos insensíveis ou opressores; e elas às vezes experimentaram a fria e deliberada opressão do orgulho masculino, e às vezes a violenta e terrível tirania dos ciúmes. Quando elas não são amadas, elas nada significam; e quando são, são atormentadas. Elas têm quase os mesmos motivos para temer a indiferença e o amor (Foner, P. 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 36 ).

A arenga em torno dos impostos ingleses e a Independência criaram a ocasião para Paine se consagrar como revolucionário. Seu primeiro panfleto de grande repercussão em defesa da Independência, Senso Comum (1776), vendeu 150 mil exemplares num país composto por 400 mil letrados (o Almanaque do Pobre Richard, de Franklin, vendeu 10 mil exemplares por ano entre 1750 e 1760) (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 54-55). Foner, a propósito, ressalta que O Senso Comum é um paradoxo em si mesmo: “o documento instintivamente identificado com a Revolução Americana foi escrito por um homem que teve apenas uma breve experiência no país (Foner, 1976, p. XXVIII).” Como acontecerá com todos os futuros escritos de Paine, ele se recusou a receber remuneração pelos seus textos.

Seu talento de escritor panfletário-jornalista, aliado ao seu conhecimento da situação da população inglesa, tornou-o um autor singular. Rompendo com o pacifismo quacre, a guerra era imperiosa para Paine. No texto, o conceito de República foi reabilitado e conciliado com o conceito de democracia representativa, a despeito das autoridades de Montesquieu e Rousseau, que desconfiavam da viabilidade de uma república em grandes territórios, no primeiro caso, e da representação, no segundo. Paine, tributário da tradição republicana e deísta inglesa, de Toland e Tindal - cabeças da geração radical da qual fez parte, juntamente com nomes como os de Price e de Priestley - é intransigente no que diz respeito ao tema da monarquia: “Que heresia o título de sagrada majestade aplicada a um verme que no meio do seu esplendor se desfaz em pó!” (Foner, P., 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 10). A Revolução Gloriosa de 1688-1689, para ele, longe de ser uma herança de liberdade a ser preservada, criou um legado de escravidão para os mais pobres: “embora tenhamos sido suficientemente sábios para fechar e trancar a porta contra a monarquia absoluta, fomos ao mesmo tempo idiotas o bastante para deixar a Coroa com a posse da chave” (Foner, P., 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 8).

O Senso Comum, além disso, é conhecido por seu estilo envolvente, claro e despojado.3 3 O estilo de Senso Comum foi inspiração para o músico Bob Dylan, como ele confessa no filme No Direction Home, de M. Scorsese. Paine torna-se expoente de uma tradição norte-americana que enfatiza o pensamento individual contra a tradição (hoje culminando, por vezes, no antiintelectualismo): “Eu”, ironiza Paine, “quase nunca cito, e a razão disto é que sempre penso!” (Vincent, 1989, p. 57.) O texto, segundo George Washington, “operou uma extraordinária mudança na mente de muitos homens” (Keane, 1995KEANE, John. Tom Paine: A Political Life. Londres: Bloomsbury, 1995., p. 111). Para Thomas Jefferson, o republicanismo de Paine “tornou superado tudo o que se escreveu antes sobre as estruturas de governo” e “criou uma nova linguagem política” (Keane, 1995KEANE, John. Tom Paine: A Political Life. Londres: Bloomsbury, 1995., p. XX).

Paine, então, escreveu outros textos sobre a Revolução Norte-Americana (com destaque para todas as edições de A Crise, de 1776-1783, e Carta ao abade Raynal, de 1782); participou de alguns combates; e assumiu alguns cargos políticos, como o de secretário da Comissão de Relações Exteriores.

Em muitos aspectos, Paine foi mais radical do que os Founding Fathers da Independência dos Estados Unidos, opondo-se à escravidão e, posteriormente, à ideia da Bíblia como Palavra de Deus e única autoridade infalível. A isso soma-se o fato de que ele era um neófito no país, sem posses e propriedades, estranho à elite. Por isso, Paine não ocupou o mesmo lugar de Jefferson e Washington entre os founding fathers e, quando voltou aos Estados Unidos, em 1802, a imprensa federalista chamou-o de “réptil asqueroso” e de “besta semi-humana” (Florenzano, 1996FLORENZANO, Modesto. Thomas Paine revisitado. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), 1996. Disponível em: Disponível em: http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/florenzanothomaspaine.pdf . Acesso em:23 de março de 2018.
http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos...
. p. 2).

Paine tinha também o veio de cientista: às vésperas da Revolução Francesa, mudou-se para Paris, no intuito de promover sua ideia de uma ponte metálica sobre o rio Sena. O contexto francês, porém, era outro, e novamente a fortuna de Paine se alinhou à da Era das Revoluções - ele disse ter visto “os primeiros frutos maduros dos princípios americanos transplantados para a Europa” (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 147) e se engajou no processo revolucionário francês.

Jürgen Habermas, em Teoria e Praxis, lembra como muitos - notadamente, Hegel e Robespierre - desvinculavam as Revoluções na América do Norte e na Francesa. Nos Estados Unidos, os próprios federalistas aderiram a Burke (Habermas, 2014HABERMAS, Jürgen. Teoria e praxis. 1. ed. São Paulo: Unesp, 2014., p. 181) e não compreenderam sua revolução em termos de direito natural ou soberania popular - na verdade, muitos entendiam o poder e suas “promessas, pactos e compromissos mútuos” como o oposto do estado de natureza (Arendt, 1988ARENDT, Hannah. Da revolução. Brasília: Editora UnB, 1988., p. 146). Paine, assim, teria sido um dos primeiros a vincular as duas revoluções (Habermas, 2014HALEVY, Elie. The Growth of Philosophic Radicalism. Londres: Faber & Gwyer, 1928., p. 162) e a interpretar o levante das Treze Colônias na perspectiva jusnaturalista.

Como quer que seja, quando caiu a Bastilha, Paine ficou encarregado de entregar sua chave ao presidente dos Estados Unidos, George Washington. Depois, diante da malograda tentativa de fuga da família real francesa, em 1791, defendeu a República antes que os jacobinos o fizessem - “a ideia de uma república não ocorrera diretamente a ninguém e aquele primeiro sinal semeou o pavor entre os deputados da direita e os da esquerda moderada” (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 175-176).

Paine fez uma breve e derradeira visita à Inglaterra, quando foi, a um só tempo, consagrado como herói pelos grupos radicais e perseguido como inimigo público pelo governo britânico. Ele estava ao lado dos radicais iluministas ingleses Price e Priestley, que também identificavam o ócio com a corrupção e a nobreza com a ausência de mérito, como sintetizado no trocadilho de Paine: “what nobility really means is noability” (Kramnick, 1982KRAMNICK, Isaac. Republican Revisionism Revisited. The American Historical Review, v.. 87, n. 3, Oxford, Oxford University Press, p. 629-664, jun. 1982. Disponível em: <Disponível em: http://www.jstor.org/stable/1864159 >. Acesso em:30 de setembro de 2017.
http://www.jstor.org/stable/1864159...
, p.641).

Ainda na Inglaterra, Paine recebeu o título de cidadão francês, razão pela qual foi eleito representante por quatro departamentos nas eleições para a Convenção Nacional - Oise, Aisne, Puy-de-Dôme e Pas-de-Calais, optando por esse último. Em novembro de 1792, de volta à França e deputado na Convenção, foi, logo atrás de Sieyès, o integrante mais votado da Comissão encarregada de elaborar a nova Constituição.

Atuando como deputado na Convenção Nacional, e, sobretudo, ao se opor à condenação à pena de morte de Luís XVI, Paine passou a ser mal visto pelos jacobinos: “como a França foi a primeira de todas as nações da Europa a destruir a realeza, que seja também a primeira a destruir a pena de morte” (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 216). A necessidade de punir com a morte o antigo rei representaria uma fraqueza dos revolucionários, uma vez que estariam, com esse ato, reconhecendo alguma espécie de poder pessoal na figura de Luís XVI, além de criarem um precedente que, no futuro, abriria caminho para novas execuções. A aproximação de Paine com os girondinos (era conhecida a sua amizade com Condorcet e Brissot) e sua malsucedida oposição à execução do rei lhe custaram a inimizade da Montanha, ou seja, da esquerda, na Convenção. Quando os girondinos foram derrubados e eliminados da República, Paine, desacreditado, passou a ir raramente à Convenção: “o fato de ter votado e falado longamente, mais longamente do que qualquer outro deputado, contra a execução do rei já me tornava um homem suspeito” (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 224).

Concomitantemente, Paine perdeu o apoio do governo dos Estados Unidos graças ao ódio que o embaixador desse país na França, Gouverneur Morris, nutria por ele. Finalmente, Paine foi preso pelos jacobinos em dezembro de 1793, em virtude da lei que proibia os estrangeiros de representarem os franceses.

Teria sido por mero acaso que Paine escapou do cadafalso: o sinal que indicava que ele seria executado foi afixado de maneira imprópria na porta de sua cela. Paine só foi libertado em 4 de novembro de 1794, quase quatro meses depois da derrubada dos jacobinos e três meses depois de Morris ser substituído no posto por James Monroe. Paine foi então reintegrado à Convenção Nacional, contra a qual efetuou duras críticas, notadamente ao voto censitário e ao imobilismo dos deputados em resolver a questão da pobreza; ter sido preso pelos jacobinos, enfim, não o fez aderir ao liberalismo irredutível dos deputados termidorianos. Tendo suas propostas ignoradas, Paine encerrou seu mandato e nunca mais candidatou-se a nenhum cargo político.

Contudo, o papel de Paine na Revolução Francesa não se reduziu somente à sua participação como ator; ele também atuou como intérprete e pensador. Durante o processo revolucionário, ele radicaliza suas posições sobre voto, religião e justiça social. Kates (1989KATES, Gary. From liberalism to radicalism: Tom Paine’s Rights of Man. Journal of the History of Ideas, Filadélfia, Penn Press, out.-dez. 1989., p. 570), não sem certo exagero, sustenta que “o radicalismo de Tom Paine nasceu de sua participação nos primeiros dias da Revolução na França”.

Os direitos do homem (1791-1792), a grande resposta às Reflexões sobre a Revolução em França (1790) do conservador Edmund Burke, foi a principal defesa da Revolução efetuada por um estrangeiro. Rights of Man “vendeu talvez 250 mil cópias em dois anos, entre uma população de dez milhões” (Foner, E., 1984FONER, Eric. Thomas Paine: Rights of Man. Londres: Penguin Books, 1984., p. 18). Por isso, nas palavras dos historiadores E. P. Thompson (socialista), R. R. PalmerPALMER, R. R. The World of the French Revolution. Nova York: Harper Torchbooks, 1972. (liberal) e A. J. P. Taylor (conservador), essa obra foi, respectivamente, “o texto fundador do movimento da classe operária inglesa” (1987TAYLOR, A. J. P. Essays in English History. Londres: Penguin Books, 1976., p. 98), “o panfleto político mais amplamente conhecido, citado e bem-sucedido de todo o levante revolucionário internacional” (1972, p. 200) e “a melhor formulação da opinião democrática em qualquer língua” (1976, p. 22).

Tal obra, aliás, foi a principal inspiração para as manifestações dos chamados jacobinos britânicos, na última década do século XVIII. O destaque foi a London Correspondence Society, fundada pelo sapateiro escocês Thomas Hardy. Os radicais britânicos estavam unidos na defesa do sufrágio universal, da representação igual e da renovação anual do Parlamento. The Charter, a propósito, foi publicada em conjunto com uma cópia do livro de Paine (Philp, 1989PHILP, Mark. Paine. 1. ed. Oxford: Oxford University Press, 1989., p. 129-148). Em novembro de 1791, em uma reunião da London Revolution Society, na London Tavern foi entoado o hino nacional, substituindo God Save the King por God Save the Rights of Man (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 160).

A repercussão de Os Direitos do Homem na Inglaterra foi tamanha que o governo inglês, liderado por William Pitt, recorreu à repressão para impedir as pessoas de comprá-lo (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 187-201). Segundo Thompson (1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 393), “depois de Guy Fawkes, o homem que teve a sua efígie mais queimada na história britânica foi sem dúvida Tom Paine”.

Terminada sua participação na Revolução Francesa, em 1802, aos 65 anos, doente e fora da política, Paine voltou aos Estados Unidos. Seus contundentes ataques à Bíblia, naquele país, atraíram inimigos e custaram-lhe amizades - até mesmo Thomas Jefferson esforçava-se por desvincular sua imagem da de Paine. Em Bordentown, os muros “se cobriram de imagens representando o Diabo escoltando o escritor maldito” (Thompson, 1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 292). Não obstante os Estados Unidos serem o lugar, nas palavras de Burke, da “dissidência da dissidência” (apud Himmelfarb, 2011HIMMELFARB, Gertrude. Os caminhos para a Modernidade: os iluminismos britânico, francês e americano. São Paulo: É Realizações, 2011., p. 111), essa pluralidade raramente se estendia além das Escrituras, como lembrava Tocqueville (1977TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Belo Horizonte: Itatiaia/Edusp, 1977., p. 197) em A Democracia na América: “na América, a maioria traça um círculo formidável em volta do pensamento. Dentro dos seus limites, o escritor é livre; mas infeliz daquele que ousar ultrapassá-los”. Quando convalescia de doença, muitos visitaram Paine a fim de convertê-lo ao Cristianismo - não houve sucesso algum nesse intento. Em novembro de 1806, John Wesley Jarvis, sobrinho de John Wesley, fundador do metodismo, deixou para a posteridade um retrato derradeiro de Paine, cuja vivacidade impressiona. Quando morreu, em 8 de junho de 1809, aos 72 anos, seis pessoas compareceram ao seu enterro: a senhora Bonneville e o filho Benjamin, dois quacres, Willet Hicks e William Wuittance, e dois homens negros de nome desconhecido, os quais foram saudar um dos grandes militantes da Abolição.

Três escritos fundamentais e subestimados

O papel de Paine como intérprete da Revolução Francesa, contudo, não se reduz ao Os direitos do homem. Poucos historiadores lembram como, no decorrer do processo revolucionário, Paine escreveu outras obras que podem lançar mais luz acerca da Era das Revoluções Atlânticas. Destaquemos, aqui, três textos do autor.

O panfleto The Age of Reason foi escrito em duas etapas, a primeira, em 1793, logo antes de Paine ser preso, e a segunda, em 1795, logo depois de libertado. The Age of Reason teve muitas tiragens na Europa e, claro, muitas críticas. Nos Estados Unidos, houve oito edições somente em 1794.4 4 Um levantamento recente, feito por Edward H. Davidson e William J. Scheick (1994, p. 108-116), contabilizou 193 respostas ao texto entre 1794 e 1798. O número alto de respostas é sintomático da importância do panfleto.

Paine escreveu o texto com um duplo objetivo: combater o extremismo que levaria ao ateísmo e à descristianização, e o clericalismo que pregava a intolerância. Em The Age Of Reason, a religião não passa de uma burocracia entre Deus e o homem, escondendo, por trás do corpo opaco do Redentor, a verdadeira luz divina, identificada com o deísmo. Vai contra os princípios democráticos deístas qualquer ideia exclusivista de Deus, que marginalize, por exemplo, os analfabetos, os povos que não tiveram contato com as Revelações, os outros animais (“cada coisa persecutória e vingativa entre os homens e cada atitude cruel aos animais, é uma violação do dever moral”) (Foner, P., 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 490), os possíveis outros planetas (“crer que Deus criou uma pluralidade de mundos ao menos tão numerosos quanto às estrelas, torna o sistema cristão tão pequeno e ridículo que sua teologia desfaz-se na mente como penas no ar”) (Foner, P. 1945, p. 499) ou os escravos. Portanto, a pulsão democrática fundamental, a igualdade, atingia o campo religioso.

Esse texto, mais do que qualquer outro, contribuiu para o ostracismo que Paine conheceu entre seus pares nos Estados Unidos, dando à obra, injustamente, o título de “Bíblia do ateísmo” (Woodward, 1946WOODWARD, William E. Tom Paine: America’s Godfather. Londres: Secker & Warburg, 1946., p. 254). G. Claeys, por isso, diz que The Age of Reason - texto, aliás, sem tradução em língua portuguesa - é o mais “incompreendido e malfadado trabalho de Paine” (Claeys, 1989, p. 177).

Na época, Paine refutou as acusações que sofreu por parte do governo inglês: “se o Ministério Público não puder provar que a Bíblia é o Verbo de Deus, a acusação de blasfêmia é sem realidade e sem fundamento” (Claeys, 1989CLAEYS, Gregory. Thomas Paine: Social and Political Thought. Boston: Unwin Hyman, 1989., p. 270). Em contrapartida, não foram poucos também os que se tornaram seus discípulos graças a essa obra. Em 1825, por exemplo, os escritos religiosos de Paine eram ensinados nas escolas da New Harmony, a comunidade modelo de Robert Owen (Ayer, 1988AYER, A. J. Thomas Paine. Londres: Secker & Warburg, 1988., p. 188-189).

Se outros já haviam criticado o deísmo em termos inclusive mais radicais que Paine, a especificidade de The Age of Reason está em sua linguagem. Como afirma Thompson (1987THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. São Paulo: Paz e Terra, 1987. V. 1., p. 106), a grande façanha de The Age of Reason é ser a primeira crítica que “ridicularizava a Bíblia com argumentos compreensíveis para o mineiro ou para a camponesa”. Para Bertrand Russel (2011RUSSEL, Bertrand. Por que não sou cristão? 1. ed. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011., p. 91), “a importância de Paine para a História consiste no fato de que ele transformou a pregação da democracia em algo democrático”(Russel, 2011, p. 91).

Já o panfleto Dissertação sobre os primeiros princípios do governo foi publicado em julho de 1795, com o objetivo de interferir na discussão sobre a nova Constituição na França, então em curso na Convenção Nacional. Paine se contrapunha tanto ao radicalismo de esquerda, representado pelo Terror e pelo jacobinismo, quanto ao liberalismo conservador dos deputados girondinos, representado pelos termidorianos defensores do voto censitário:

Visto por qualquer ângulo é perigoso e pouco político, às vezes ridículo, e sempre injusto fazer da propriedade o critério para o direito de voto [...]. Portanto, o propósito de excluir do voto qualquer classe de homens é tão criminoso quanto a proposta de suprimir a propriedade. É possível excluir os homens do direito de votar, mas é impossível excluí-los do direito de se revoltar contra essa exclusão (Foner, P., 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 580).

Para Paine, a democracia era a melhor maneira de proteger os direitos naturais: “a proteção da pessoa humana é mais sagrada do que a proteção da propriedade” (Foner, P. 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 581). A originalidade da Dissertação sobre os primeiros princípios do governo consiste em alargar o conceito de liberalismo, conciliando-o com a democracia numa época justamente em que o liberalismo era, a um só tempo, profundamente anticonservador e antidemocrático.5 5 Daí, diga-se de passagem, a originalidade também de Burke, liberal e conservador. Essa radicalidade torna-se mais evidente por se tratar do contexto de pós-jacobinismo, quando a maioria dos liberais termidorianos acreditava que a franquia universal era uma ameaça aos direitos naturais e culminaria na ditadura da maioria.

Poucos panfletos de Paine merecem mais atenção do que esse. Entretanto, ele não recebeu um estudo mais atento de nenhum historiador. Aldridge (apud Smitten, 1978SMITTEN, J. R. Studies in Burke and His Time, V.. 19, n. 2, 1978., p. 225) limita-se a dizer que Paine escreveu o texto em atenção “à nova constituição”. Vincent (1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 258) limitou-se a dizer que “Paine se pronuncia em favor do bicamerismo e condena a câmara única”. G. Claeys (1989CLAEYS, Gregory. Thomas Paine: Social and Political Thought. Boston: Unwin Hyman, 1989.) e M. Philp (1989PHILP, Mark. Paine. 1. ed. Oxford: Oxford University Press, 1989.), os dois historiadores que mais se dedicaram ao estudo do pensamento de Paine do que à sua vida, conferiram uma única referência ao panfleto. Dois outros especialistas, Keane (1995KEANE, John. Tom Paine: A Political Life. Londres: Bloomsbury, 1995., p. 493-494) e Nelson (2006NELSON, Craig. Thomas Paine: Enlightenment, Revolution and the Birth of Modern Nations. Nova York: Viking Penguin, 2006., p. 289) limitaram-se a dizer que Paine, quando deputado na Convenção Nacional, defendeu o voto universal e foi largamente ignorado. Nenhum deles salientou a originalidade do texto.

Por sua vez, o panfleto Justiça Agrária (em versão francesa, “Thomas Paine à la Législature et au Directoire. Ou la Justice Agraire opposée à la Loi Agraire, et aux privilèges agraires”) foi escrito no inverno de 1795-1796, enquanto o autor residia na casa do ministro James Monroe, logo após sair da prisão.

O objetivo do panfleto era expor ao regime do Diretório uma proposta de diminuição das desigualdades sociais que não se confundisse nem com as leis agrárias e o radicalismo à esquerda de Graco Babeuf, nem com o liberalismo irredutível dos termidorianos, que inevitavelmente levaria a novas convulsões sociais. Paine defende que, por meio de um imposto aplicado pelo Estado no momento da transmissão da herança, o dinheiro subtraído dos ricos formaria um fundo a ser universalmente distribuído para a diminuição da pobreza. O imposto justifica-se porque, embora a propriedade seja legítima, existe sempre uma dívida dos proprietários com a sociedade, seja pelo uso dos recursos naturais (esses sempre comuns), seja pelo fato de que a riqueza raramente é adquirida por um indivíduo sem a colaboração (ou a exploração) de outros.

A principal contribuição de Justiça Agrária é ser “uma fonte de inspiração, criação e reflexão para o tema da hoje chamada ‘Renda Básica’, amplamente discutida por economistas e cientistas sociais na atualidade” (Claeys, 1989CLAEYS, Gregory. Thomas Paine: Social and Political Thought. Boston: Unwin Hyman, 1989., p. 205). Cole disse que o texto pode “ser considerado o precursor de todos os programas posteriores para utilizar os impostos como instrumento para a redistribuição de renda em benefício da justiça social” (Cole, 1957COLE, G. D. H. Historia del pensamiento socialista. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1957. V. I., p. 39-40).

Salvo engano, apenas quatro historiadores dedicaram a Justiça Agrária uma análise mais detalhada: G. Claeys, em Thomas Paine Social and Political Thought; M. Philp, em Paine; B. Vincent, em Thomas Paine and the Birth of the Welfare State; e R. Lamb, em seu trabalho Liberty, Equality, and the Boundaries of Ownership: Thomas Paine’s Theory of Property Rights. Em todos os casos citados, trata-se de artigos curtos ou pequenos capítulos de livros, e nunca de um levantamento e análise minuciosos.

Uma mitologia horrenda

Apesar do êxito e vendagens sem precedentes alcançados pelos seus panfletos, Paine passou a ser lembrado mais por seus defeitos do que pelos seus feitos: “uma mitologia horrenda cercou o personagem, apresentado pela intelligentsia como um bêbado, marido brutal, subversivo temível associado ao reino do Terror, autor sacrílego morto em meio ao horror do arrependimento” (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 15).

A autobiografia que Paine teria escrito, juntamente com toda a sua correspondência, foram destruídas num incêndio. Por isso, as suas obras completas não são, de fato, completas (Conway, 1996CONWAY, Moncure Daniel. The Life of Thomas Paine. Londres: Routledge/Thoemmes Press, 1996. V. I., p. X-XII). Resta, exclusivamente, a visão imposta e deixada pelos contemporâneos de Paine. Para sua desgraça, ela foi construída não pelos seus partidários, mas pelos seus adversários.

Com efeito, as duas biografias iniciais de Paine foram escritas por seus inimigos para difamá-lo. A primeira, publicada em Londres, em 1791, The Life of Thomas Paine, Author of “The Rights of Man”, with a Defence of His Writings, de Francis Oldys, que assina com o título de Art Master of the University of Pennsylvania. O título, o autor e as credenciais eram falsas: não era uma defesa, mas um ataque aos escritos e à vida de Paine; o nome verdadeiro do autor era George Chalmers; e ele nunca recebera da Universidade da Pensilvânia o título de “Master of Arts”. O autor era um realista escocês, refugiado dos Estados Unidos, que recebeu a considerável quantia de 500 libras do governo Pitt para realizar o trabalho. A terceira edição recebeu, na folha de rosto, uma gravura de Paine pregando para um grupo de macacos! (Conway, 1900CONWAY, Moncure Daniel. Thomas Paine (1737-1809) et la révolution dans les deux mondes. Paris: Plon-Nourrit, 1900., p. XV).

Contudo, tendo em vista a escassez de outras fontes, quase tudo o que veio a se conhecer dos primeiros trinta e sete anos da vida de nosso autor deve-se a esse livro. A história narrada por Chalmers, embora tivesse como escopo difamar o nome de Paine, era o resultado de uma pesquisa exaustiva. Chalmers era mais do que um mero escritor de aluguel, pois “gozava de reputação em Londres como um homem de letras, ao formar uma grande biblioteca pessoal, escrever um estudo sobre Shakespeare e uma biografia de Daniel Defoe e editar as obras reunidas desse último” (Conway, 1900CONWAY, Moncure Daniel. Thomas Paine (1737-1809) et la révolution dans les deux mondes. Paris: Plon-Nourrit, 1900., p. 320). Foi Chalmers quem revelou que Paine foi espartilheiro, funcionário público, lojista falido e duas vezes casado, bem como foi o primeiro a rotular Paine de bêbado. Sua biografia teve o grande mérito de remover “Paine da classificação [social] de gentleman, posição que ele ocupara por omissão por alguns anos” (Fruchtman, 1994FRUCHTMAN, Jack. Thomas Paine: Apostle of Freedom. Nova York: Four Walls Eight Windows, 1994., p. 36).

A segunda biografia, de autoria de James Cheetham, de 1809, The Life of Thomas Paine, publicada em Nova Iorque, foi definida como a primeira biografia muckraking (literalmente, de muck, estêrco, e raking, ancinho, significando “sensacionalismo” ou “revelar escândalos”) da literatura estadunidense (Conway, 900. P. XVI-XVII); e é a ela que se deve “a imagem de um Paine antissocial, pouco culto, vulgar, alcoólatra e impregnado de ideias irresponsáveis” (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 14). Cheetham, inglês de origem, tinha sido amigo e admirador de Paine. Em Nova Iorque, ele editava o jornal The American Citizen, para o qual Paine escrevia. Em 1807, Paine denunciou-o ao descobrir que um de seus textos no jornal fora modificado. Seguiu-se uma violenta troca de acusações. Movido pelo rancor, Cheetham vingou-se, escrevendo uma biografia difamatória de seu contendor (Keane, 1995KEANE, John. Tom Paine: A Political Life. Londres: Bloomsbury, 1995., p. XV).

Em contrapartida, as primeiras biografias favoráveis a Paine só apareceram em 1818 e 1819, em Londres: respectivamente, Memoirs of the Life of Thomas Paine, de William Sherwin, e The Life of Thomas Paine, de Thomas Clio Rickman. Em 1841, foi publicada, em Nova Iorque, uma terceira biografia favorável, The Life of Thomas Paine, de Gilbert Vale. Contudo, nenhuma das biografias foi suficientemente sofisticada para reabilitar a imagem de Paine (Williamson, 1972WILLIAMSON, Audrey. Thomas Paine: His Life, Work, and Times. Londres: George Allen & Unwin, 1972., p. 281).

Para se ter uma ideia do que então se passava com a imagem de Paine, sobretudo nos Estados Unidos, depois de sua morte, podemos lembrar o depoimento de Joel Barlow, amigo de Paine: “Seus escritos são sua melhor vida, e estes não são lidos no presente. A maioria dos leitores nos Estados Unidos não será persuadida, enquanto durarem seus atuais sentimentos, a vê-lo sob outra luz que não a de um bêbado e deísta” (Foner, P., 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 263). Da mesma forma, em 1822, quando solicitado a autorizar a publicação de uma de suas cartas a Paine, Thomas Jefferson respondeu: “Não, meu caro Sr., não neste mundo. Em que vespeiro colocaria minha cabeça” (Conway, 1996CONWAY, Moncure Daniel. The Life of Thomas Paine. Londres: Routledge/Thoemmes Press, 1996. V. I., p. 310).

Assim, quando finalmente veio à luz, em 1892, em dois volumes, a primeira biografia de Paine bem fundamentada e excelente do estudioso norte-americano M. D. Conway, The Life of Thomas Paine with a History of His Literary, Political and Religious Career in America, France and England, a imagem negativa de Paine já estava mais do que cristalizada.

Por exemplo, meio século depois da publicação da obra de Conway, a Encyclopaedia Britannica, excelente termômetro para se aferir o tratamento iníquo imposto à memória de Paine, em sua edição de 1951, dedica-lhe um verbete muito curto (não chega a ocupar uma página e não é assinado, ao contrário do verbete muito extenso dedicado a Burke); o verbete sobre Godwin, por exemplo, está contemplado com um espaço duas vezes maior. Obviamente, não são as figuras de Burke e Godwin que estão mal avaliadas pela Encyclopaedia Britannica, e sim a de Paine.

Mas podemos encontrar vestígios dessa “mitologia horrenda”, ainda na segunda metade de nosso século, entre os próprios estudiosos de Paine. Como Aldridge, por exemplo, que, no último capítulo de sua biografia, de 1959ALDRIDGE, A. O. Man of Reason: The Life of Thomas Paine. Philadelphia/Nova York: J. P. Lippincott Company, 1959., escreve: “seus escritos retóricos frequentemente refletem mais mágoas pessoais do que princípios universais” Aldridge (apud Smitten, 1978SMITTEN, J. R. Studies in Burke and His Time, V.. 19, n. 2, 1978., p. 318-319). E como a biografia recente de Hawke, que descreve Paine como “indolente, sujo e distraído”(Hawke, 1974HAWKE, David Freeman. Paine. Nova York: Harper & Row, 1974., p. 160; 174).

Por isso, não surpreende que não especialistas, como Fast, no romance Citizen Tom Paine (1943FAST, Howard. Citizen Tom Paine. Nova York: Overseas Editions, Inc., 1943.), e Foster, na peça Tom Paine (1967), tenham enveredado para uma explicação psicológica, segundo a qual sob o racionalismo de Paine esconde-se uma variedade de complexos e “tormentos” psicológicos que explicam o teor aberrante de sua personalidade.

A desfortuna de Paine se estende também às edições de suas obras completas. Como se viu, foi lançada somente em 1892, a capital biografia de Conway, acompanhada dos escritos completos. Seguiu-se a contribuição de Foner que, em 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., publicou a melhor e a mais completa edição das obras completas de Paine. Há ainda a contribuição de Gimpel, que dedicou boa parte de sua vida a reunir todo tipo de material, manuscrito e impresso sobre Paine, formando a mais vasta coleção de documentos existente sobre o autor (reunida inicialmente na Yale University e atualmente na American Philosophical Society, na Filadélfia). Em 1996FOOT, Michael. Thomas Paine: Life and Works. Londres: Routledge/Thoemmes Press , 1996., Foot lançou, em seis volumes, uma edição das obras completas de Paine que, na verdade, é apenas um fac-símile das obras de Conway.

Graças ao trabalho pioneiro desses três admiradores de Paine, na segunda metade do século XX, numerosas edições foram publicadas. Contudo, ainda se aguarda uma nova edição crítica do conjunto da obra de Paine, a qual se espera que seja, tanto quanto possível, completa e definitiva. Levin (2017LEVIN, Yuval. O grande debate: Edmund Burke, Thomas Paine e o nascimento da esquerda e da direita. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2017., p. 248), no mais recente trabalho sobre Thomas Paine, lembra-nos que a obras completas do panfletário de Norfolk “ainda clamam por uma coleção acadêmica fidedigna”.

Desfortuna historiográfica

Em grande medida, como se viu, o imaginário negativo que cercou Paine vincula-se à publicação de The Age of Reason e aos boatos sobre sua vida pessoal. Entretanto, há um terceiro fator: é notável o desprezo que grande parcela da historiografia marxista lhe devotou, em parte por ser Paine um defensor da propriedade privada e do compromisso entre ricos e pobres. Para eles, Paine não seria radical o suficiente. Em contrapartida, uma grande parcela da historiografia liberal-conservadora, simpática à Burke, reproduz a visão de um Paine idealista ou demasiadamente radical. Como ocorreu em sua vida, Paine continua, pois, um autor incompreendido.

Hobsbawm (1981HOBSBAWM, Eric. Os trabalhadores: estudos sobre a história do operariado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 11) afirmou que “as verdadeiras propostas políticas deste homem profunda e instintivamente revolucionário foram ridiculamente moderadas”. Em A Era das Revoluções, acrescentou: “Tom Paine era um extremista na Grã-Bretanha e na América; mas, em Paris, ele estava entre os mais moderados dos girondinos” (Hobsbawm, 2009HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções: Europa, 1789-1848. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009., p. 72). Como foi possível que o historiador mais sensível ao caráter revolucionário da burguesia oitocentista tenha considerado como ridiculamente moderado alguém que recebeu a excomunhão política por todos os lugares por onde passou? Thompson (1987THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. São Paulo: Paz e Terra, 1987. V. 1., p. 97) - embora ressalte, com seu talento extraordinário, o papel de nosso autor na gênese do movimento operário - afirmou que Paine não foi “suficientemente sistemático para ser considerado um teórico político importante”, de modo que ele “carece de qualquer profundidade de leitura, qualquer sentido de segurança cultural, e é traído por seu caráter arrogante e impetuoso, ao escrever passagens de uma mediocridade tal que a mente acadêmica ainda hoje estremece e deixa de lado com um suspiro”. Como pôde o mais antiacadêmico dos historiadores do século XX ser, em relação a Paine, tão “acadêmico”, no pior sentido que a palavra pode carregar?

O consagrado autor de A Teoria Política do Individualismo Possessivo (1979MACPHERSON, Crawford Brough. A teoria política do individualismo possessivo: de Hobbes até Locke. São Paulo: Paz e Terra , 1979.), o filósofo Macpherson, tanto em Democratic Theory - Essays in Retrieval, de 1973MACPHERSON, Crawford Brough. Democratic Theory: Essays in Retrieval. Oxford: Clarendon Press, 1973., quanto em A Democracia Liberal - Origens e Evolução, de 1977, silencia por completo quanto ao nome de Paine. Macpherson injustamente atribui a Bentham e à família Mill originalidades que já estavam no trabalho de Paine, no caso, a crença de que a democracia é um regime político que protege os direitos naturais e não ameaça a propriedade ou os proprietários, em suma, o credo liberal-democrático.

A historiadora conservadora Himmelfarb defende que Paine, com seu radicalismo, “inaugurava uma espécie de ‘revolução permanente’ em que cada geração criaria suas próprias leis e instituições” (Himmelfarb, 1988HIMMELFARB, Gertrude. La idea de pobreza. Inglaterra a principios de la Era Industrial. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica , 1988., p. 116). Contudo, Paine não defende uma “democracia plebiscitária”, no sentido de uma consulta ao povo a respeito de todas as decisões, ou uma “revolução permanente”, no sentido de uma tábua rasa da organização política a cada geração; como ele já afirmara com clareza em Os direitos do homem, trata-se da ideia de que “uma lei não revogada continua em vigor não porque não possa ser revogada, mas porque não foi revogada. A não revogação é tomada por consentimento” (Foner, P., 1945FONER, Philip. The Complete Writings of Thomas Paine. Nova York: The Citadel Press, 1945. V. 2., p. 254). A já citada obra O Grande Debate - Edmund Burke, Thomas Paine e o Nascimento da Esquerda e da Direita (2017), do filósofo conservador Y. Levin, claramente favorável a Edmund Burke, reproduz a visão de um Paine como pai do pensamento de esquerda, o que, pelo que se viu até aqui, é bastante problemático.

O filósofo político G. Sartori, em Theorie de la democratie, de 1973SARTORI, Giovanni. Theorie de la democratie. Paris: Armand Colin, 1973., The Theory of Democracy Revisited, de 1987SARTORI, Giovanni. The Theory of Democracy Revisited. Nova Jersey: Chatham House, 1987., e Democrazia Cosa È, de 1993SARTORI, Giovanni. Democrazia COSA È. Milão: Rizzoli, 1993., apenas menciona três vezes o nome de Paine, e todas as três em notas de pé de página. Em History of Political Philosophy, Canavans, autor do verbete Paine, assim o deprecia: “sua fortaleza como propagandista e sua debilidade como pensador fizeram-no ver o homem e a sociedade totalmente em branco e preto, sem meios tons.” (Strauss; Cropsey, 1993STRAUSS, Leo; CROPSEY, Joseph. Historia de la filosofía política. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1993., p. 639).

Como intérprete que foi da Revolução Francesa, Paine tem sido ignorado pelos historiadores. Nos livros que tratam da historiografia revolucionária, seu nome ou é tratado de maneira incorreta, ou simplesmente não consta da lista dos contemporâneos que escreveram sobre a Revolução.

O historiador J. Godechot (1964GODECHOT, J. La Pensée révolutionnaire 1780-1799. Paris: A. Colin, 1964., p. 390), conhecido por sua enorme erudição sobre a história e a historiografia revolucionárias, em seu livro La Pensée révolutionnaire 1780-1799, afirma o seguinte sobre Paine: “Suas ideias políticas combinam curiosamente a afirmação dos direitos individuais com tendências para a democracia totalitária”. The Transformation of Political Culture 1789-1848 (Ozouf; Furet, 1989aOZOUF, M; FURET, F. (Ed.). The Transformation of Political Culture 1789-1848. Oxford: Pergamon, 1989a. V. 3.), uma realização de vários historiadores apresentada por ocasião do bicentenário, tem toda a sua primeira parte dedicada ao nome de Burke, mas não tem nenhum capítulo dedicado ao nome de Paine. O Dicionário Crítico da Revolução Francesa, embora dedique um capítulo a Burke, apenas trata de Paine quando fala dos Estados Unidos6 6 O mesmo ocorre com outro dicionário, não traduzido em português, dos historiadores conservadores J. Tulard, J. P. Fayard e A. Fierro, Histoire et dictionnaire de la Révolution Française, de 1987. . O belíssimo dicionário L’Albero della Rivoluzione: le interpretazioni della Rivoluzione Francese (Bongiovanni; Guerci, 1989BONGIOVANNI, B.; GUERCI, L. L’Albero della Rivoluzione: le interpretazioni della Rivoluzione Francese. Turim: G. Einaudi, 1989.) não tem verbete dedicado a Paine.7 7 Em contrapartida, E. Halévy, constituindo uma das raras exceções, observou: “Que outro historiador mais qualificado do que Thomas Paine para contar a Revolução dos Direitos do Homem? Ele que tinha testemunhado a queda da Bastilha, e tinha sido comissionado para conduzir para Washington as chaves da prisão demolida, que estava vivendo em Paris no tempo da fuga para Varennes, e que foi talvez o primeiro a propor que a República devia ser estabelecida” (Halevy, 1928, p. 186-187).

Tem toda razão, pois, Jean Lessay, responsável pela outra biografia francesa de Paine, publicada em 1987LESSAY, Jean. L’Américain de la Convention: Thomas Paine; professeur de révolutions. Paris: Perrin, 1987., ao se perguntar: “por que esse escritor que desempenhou um papel tão importante na França de 1792 a 1802 é tão desconhecido do público francês?” (Lessay, 1987LESSAY, Jean. L’Américain de la Convention: Thomas Paine; professeur de révolutions. Paris: Perrin, 1987., p. 7).

Legado ambíguo

Há ainda outro componente desse “problema Paine”: seu legado é, nas palavras de Robert Lamb, “esquizofrênico” (Lamb, 2010LAMB, Robert. Liberty, Equality, and the Boundaries of Ownership: Thomas Paine’s Theory of Property Rights. Review of Politics, University of Notre Dame, 2010., p. 483), tão incerto e polêmico quanto as suas origens.

Para Thompson (1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 104), “Os direitos do homem e a A riqueza das nações (de Adam Smith) poderiam se complementar e se alimentar reciprocamente”. Foot e Kramnick (1987FOOT, Michael; KRAMNICK, Issac(org.). The Thomas Paine Reader. Londres: Penguin Books , 1987., p. 24) colocam Paine na linhagem que culmina no neoliberalismo: “de Locke, passando por Paine, até chegar a Milton Friedman, o liberal vê a sociedade civil povoada de indivíduos autoconfiantes”. Bernard Vincent diz que Paine é um “socialista avant la lettre” (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 273) .

Tais avaliações oscilantes sobre Paine se explicam pela própria diversidade de suas ideias, expressas em contextos polêmicos e conturbados, fato agravado pela aludida desconsideração por uma análise séria de suas obras. Afinal, desafia quaisquer generalizações um autor que, no século XVIII, combinou defesa da democracia universal (também não há consenso sobre sua defesa do voto feminino)8 8 Elien Hunt Botting (2014), em seu artigo Thomas Paine amidst the Early Feminists defende que, no texto Justiça Agrária há, pela primeira vez, uma defesa, ainda que implícita, do voto feminino (ela chega a usar a expressão “Paine’s Feminist Turn”). O argumento da autora é que, quando Paine propõe uma renda dada pelo Estado a todos os cidadãos (homens e mulheres, ricos e pobres), indiretamente ele estaria fornecendo condições de atuações políticas às mulheres, dado que, à época, vigorava o voto censitário. No texto Justiça Agrária não há, entretanto, referência alguma a essas consequências, o que torna um tanto difícil concordar com a autora. , valorização da propriedade privada, visão positiva da justiça social estabelecida por meio do Estado, entusiasmo pelo livre comércio, e luta pela autodeterminação das colônias e pelo fim da escravidão.

É interessante observar como Paine é admirado por figuras díspares. O republicano Abraham Lincoln costumava empregar argumentos de The Age of Reason nos embates contra sectários religiosos. Quando fez seu discurso para mobilizar o povo estadunidense contra o fascismo após o ataque a Pearl Harbor, o socialdemocrata F. D. Roosevelt citou um parágrafo inteiro do panfleto A crise: “esses são os tempos em que se colocam as almas dos homens à prova” (Hitchens, 2007HITCHENS, Christopher. Os direitos do homem de Thomas Paine. Rio de Janeiro: Zahar, 2007., p. 146). Ronald Reagan, em 1984, fez suas as palavras de Paine: “está em nosso poder começar um mundo novo” (Fruchtman, 1994FRUCHTMAN, Jack. Thomas Paine: Apostle of Freedom. Nova York: Four Walls Eight Windows, 1994., p. 498). A partir dessa última declaração, aliás, Paine “foi recentemente transformado em poster boy pela direita reacionária” e pelo Tea Party (Monahan, 2015MONAHAN, Sean. Reading Paine From The Left. Jacobin, Brown University, jun. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.jacobinmag.com/2015/03/thomas-paine-american-revolution-common-sense/ . Acesso em: 16 de março de 2019.
https://www.jacobinmag.com/2015/03/thoma...
). Fidel Castro, em 1953, citou Paine em seu julgamento quando disse “é mais valoroso para uma sociedade um único homem honesto do que todos os rufiões coroados que já viveram”(Williamson, 1972WILLIAMSON, Audrey. Thomas Paine: His Life, Work, and Times. Londres: George Allen & Unwin, 1972., p. 284 ). Tony Blair se inspirou em Paine para formular o programa “Child Fund Trust”(Suplicy, 2001SUPLICY, E. M. De Thomas Paine a Tony Blair. Folha de S. Paulo, São Paulo 10 de agosto de2001. Caderno Opinião.). Os cientistas Carl Sagan e Neil de Grasse Tyson,9 9 Carl Sagan relata sua admiração pela obra de Thomas Paine: “como alertou Tom Paine [em The Age of Reason], o fato de nos acostumarmos com mentiras cria o fundamento para muitos outros males” (Sagan, 2006, p. 239). Em entrevista recente, Tyson elencou The Age of Reason como o quinto maior livro de todos os tempos, depois da Bíblia, e das obras de Isaac Newton, Darwin e Swift (C.f.http://www.sciencealert.com/8-books-neil-degrasse-tyson-thinks-everyone-should-read, Acesso em: 16 de março de 2018). conhecidos por seus trabalhos de divulgação científica, em vários livros e reportagens demonstraram sua admiração por Paine, sobretudo por seu papel como defensor aguerrido da ciência.

Aliás, se a vida de Paine fosse ela própria um tratado político, por sua oposição constante aos governos estabelecidos e por sua independência em relação a partidos, ele poderia sentar-se tranquilamente ao lado dos precursores do anarquismo - a conhecida amizade e a admiração de William Godwin em relação a Paine vem a ratificar essa posição. Não por acaso, na época da paranoia anticomunista de McCarthy, as obras de Paine eram proibidas, colocadas ao lado de outros autores “inadequados”, como Henry Thoureau, John dos Passos, Charles Beard, Leonard Bernstein, Albert Einstein, Thomas Mann, Arthur Miller, e Alberto Moravia (Judt, 2008JUDT, Tony. Reflexões sobre um século esquecido: 1901-2000. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008., p. 418.).

Como é possível que figuras tão díspares resgatem a memória de Paine? Ocorre que, hora ou outra, muitos se apropriam de algumas heranças de Paine - uma herança patriótica, socialdemocrata, (neo)liberal, anticlerical ou científica, ao sabor das demandas do momento. Em suma, muitos citam Paine de forma descontextualizada - o autor, um grande escritor, é fonte inesgotável de grandes frases. Porém, não há conhecimento de um único pensador que se assuma integralmente (e radicalmente) paineano ou neo-paineano.

Considerações finais

Paine é, portanto, um autor controverso, sobre o qual há pouquíssimos consensos. Se é possível dizer que todos os grandes escritores são controversos, cabe lembrar que há sobre eles alguns consensos importantes, por exemplo, de que Edmund Burke é o pai do conservadorismo, Karl Marx, um expoente do comunismo, e ambos os escritores importantes. Quanto a Paine, há autores que o apresentam como um liberal burguês e outros que lhe conferem o epíteto de fundador da consciência das classes trabalhadoras. Não há consenso sequer se ele é um pensador digno de um estudo sério. A memória de Paine tem vida longa; mas foi o estigma de ateu, mais do que qualquer outro, que lhe rendeu enorme rejeição - para a maioria dos estadunidenses dos dois últimos séculos, The Age of Reason eclipsou Os direitos do homem. No século XXI, o nome de Paine aparece nos noticiários de esquerda associado à busca por uma renda cidadã: um retorno a Justiça Agrária. Por tudo o que se disse até aqui, nota-se, portanto, que há um “problema Paine” e está firmada a necessidade de mais estudo, debate e atenção sobre sua vida e obra.

Cabe terminar este texto com um fato que, embora trágico e um tanto macabro, é revelador da (des)fortuna que perpassa o nome de Paine. Em 1819, o jornalista William Cobbett, admirador de Paine, decidiu repatriar os seus restos mortais. Nos Estados Unidos, desde 1817, para onde havia se refugiado para escapar de um possível confinamento na Inglaterra depois da suspensão do Habeas Corpus, Cobbett ficou impressionado ao constatar que Paine era um nome esquecido do público norte-americano. Daí seu plano de coletar e publicar os escritos completos de Paine e depositar seus ossos num mausoléu apropriado.

Apesar do interesse e da polêmica que o retorno dos restos de Paine suscitou na Inglaterra, Cobbett nunca conseguiu angariar dinheiro e apoio suficientes para realizar seu intento. Cobbet guardou os ossos para si até 1835. Depois, foram dispersos: o crânio ficou nas mãos de um pastor unitarista de nome Anslie, antes de passar para um frenologista de Brighton; o cérebro foi conservado por um agente de Cobbet chamado Tilley, depois foi propriedade de um reverendo G. Reynolds, de um livreiro londrino C. Higham e exposto na capela South Place em Londres (Vincent, 1989VINCENT, Bernard. Thomas Paine: o revolucionário da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1989., p. 303). No fim das contas, não se sabe o que foi feito dos restos mortais de Paine. Não deixa, talvez, de ser apropriado que tanto Paine quanto Burke, os principais antagonistas na batalha sobre os princípios da Revolução Francesa, tenham os lugares de seus restos mortais não identificados. Aliás, não foram poucos os que ridicularizaram a iniciativa de Cobbett, como o poeta Lord Byron, que escreveu:

In digging up your bones, Tom Paine,

Will Cobbett has done well;

You visit him on earth again,

He’ll visit you in hell.10 10 Em tradução livre: Cavando seus ossos, Tom Paine/ Will Cobbet fez muito bem/ Você o visitará na terra de novo/ E ele o visitará no inferno (Fruchtman, 1994, p. 137). Quanto aos restos mortais de Burke, pouco antes de morrer ele pediu à mulher para ser enterrado em um lugar secreto temendo a eventualidade de os jacobinos violarem seu túmulo.

Mas esse infortúnio com os ossos de Paine pode ser visto sob outra ótica. Philp, com muita sensibilidade, disse: “a ausência de um jazigo final não é inapropriada. A filosofia de Paine era universal: ele foi um melhor cidadão do mundo do que jamais poderia ter sido súdito de um Estado” (Philp, 1989PHILP, Mark. Paine. 1. ed. Oxford: Oxford University Press, 1989., p. XV). É sempre uma tarefa árdua para o historiador estudar um autor sobre o qual há visões arraigadas, difíceis de demolir ou problematizar. Paine, sobre o qual não há nenhum grande consenso, permanece um campo aberto e fértil. Eis, enfim, a fortuna de Paine.

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  • 1
    Todas as citações de Thomas Paine foram retiradas da edição de Philip Foner (1945). Como se verá, trata-se do mais bem-acabado (embora ainda incompleto) trabalho de reunião das obras completas do autor.
  • 2
    O próprio Burke chamou Paine de homem “sem nem mesmo uma moderada porção de qualquer tipo de educação” (Levin, 2017, p. 17).
  • 3
    O estilo de Senso Comum foi inspiração para o músico Bob Dylan, como ele confessa no filme No Direction Home, de M. Scorsese. Paine torna-se expoente de uma tradição norte-americana que enfatiza o pensamento individual contra a tradição (hoje culminando, por vezes, no antiintelectualismo): “Eu”, ironiza Paine, “quase nunca cito, e a razão disto é que sempre penso!” (Vincent, 1989, p. 57.)
  • 4
    Um levantamento recente, feito por Edward H. Davidson e William J. Scheick (1994DAVIDSON, Edward H.; SCHEICK, William J. The Age of Reason as Religious and Political Idea. Massachusetts: Associated University Press, 1994., p. 108-116), contabilizou 193 respostas ao texto entre 1794 e 1798. O número alto de respostas é sintomático da importância do panfleto.
  • 5
    Daí, diga-se de passagem, a originalidade também de Burke, liberal e conservador.
  • 6
    O mesmo ocorre com outro dicionário, não traduzido em português, dos historiadores conservadores J. Tulard, J. P. Fayard e A. Fierro, Histoire et dictionnaire de la Révolution Française, de 1987Tulard, J.; Fayard J. P.; Fierro, A. Histoire et dictionnaire de la Révolution Française. Paris: Robert Laffont, 1987..
  • 7
    Em contrapartida, E. Halévy, constituindo uma das raras exceções, observou: “Que outro historiador mais qualificado do que Thomas Paine para contar a Revolução dos Direitos do Homem? Ele que tinha testemunhado a queda da Bastilha, e tinha sido comissionado para conduzir para Washington as chaves da prisão demolida, que estava vivendo em Paris no tempo da fuga para Varennes, e que foi talvez o primeiro a propor que a República devia ser estabelecida” (Halevy, 1928, p. 186-187).
  • 8
    Elien Hunt Botting (2014)BOTTING, Elien Hunt. Thomas Paine amidst the Early Feminists. In: SHAPIRO, Ian; CARVALHO, Daniel Gomes de.O pensamento radical de Thomas Paine (1793-1797) : artífice e obra da Revolução Francesa. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2017. Tese de Doutoradoem História Social., em seu artigo Thomas Paine amidst the Early Feminists defende que, no texto Justiça Agrária há, pela primeira vez, uma defesa, ainda que implícita, do voto feminino (ela chega a usar a expressão “Paine’s Feminist Turn”). O argumento da autora é que, quando Paine propõe uma renda dada pelo Estado a todos os cidadãos (homens e mulheres, ricos e pobres), indiretamente ele estaria fornecendo condições de atuações políticas às mulheres, dado que, à época, vigorava o voto censitário. No texto Justiça Agrária não há, entretanto, referência alguma a essas consequências, o que torna um tanto difícil concordar com a autora.
  • 9
    Carl Sagan relata sua admiração pela obra de Thomas Paine: “como alertou Tom Paine [em The Age of Reason], o fato de nos acostumarmos com mentiras cria o fundamento para muitos outros males” (Sagan, 2006SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 239). Em entrevista recente, Tyson elencou The Age of Reason como o quinto maior livro de todos os tempos, depois da Bíblia, e das obras de Isaac Newton, Darwin e Swift (C.f.http://www.sciencealert.com/8-books-neil-degrasse-tyson-thinks-everyone-should-read, Acesso em: 16 de março de 2018).
  • 10
    Em tradução livre: Cavando seus ossos, Tom Paine/ Will Cobbet fez muito bem/ Você o visitará na terra de novo/ E ele o visitará no inferno (Fruchtman, 1994, p. 137). Quanto aos restos mortais de Burke, pouco antes de morrer ele pediu à mulher para ser enterrado em um lugar secreto temendo a eventualidade de os jacobinos violarem seu túmulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2018
  • Aceito
    18 Set 2018
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