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O lado sombrio de Thomas Jefferson: formação jurídica, direitos naturais e jus positivismo (1760-1779)1 1 O presente artigo é resultado de pesquisas desenvolvidas durante estágio pós-doutoral na George Washington University com o apoio da Fapesp e sob supervisão do Prof. Dr. Denver Brunsman.

O lado sombrio de Thomas Jefferson: formação jurídica, direitos naturais e jus positivismo (1760-1779)

Resumo:

Thomas Jefferson é o pai fundador com maior reconhecimento fora dos EUA. Isso se deve à associação que seu nome possui com a Declaração de Independência. Tal relação faz com que todos os significados atribuídos ao documento, considerado precursor dos direitos humanos, emprestem a seu autor essas mesmas qualidades. Por conta disso, atribui-se a Jefferson uma concepção jus naturalista dos direitos. Frente a tal quadro, o presente artigo oferece uma visão alternativa do personagem, partindo da hipótese de que sua formação jurídica contribuiu para sua adesão a uma concepção pragmática sobre os seres humanos e seus direitos, vendo nas leis positivadas um peso maior do que nos direitos criados pelo Deus da natureza. Tal interpretação permite lançar novos olhares sobre alguns de seus escritos, como: Summary view of the rights of Britsh America (1774); Declaração de Independência (1776); e Bill for establishing religious freedom (1779).

Palavras-chave:
Thomas Jefferson (1743-1826); Direitos naturais; Jus positivismo

Abstract:

Thomas Jefferson is the founding father with greatest recognition outside the USA. This is because his name is directly linked to the Declaration of Independence. This correlation makes that all the meanings attributed to this document, as being one of the forerunners of Human Rights, lend to its author those same qualities. Because of this, Jefferson is credited with a jus naturalist conception of rights. Facing this scenario, this article offers an alternative view of this character, starting from the hypothesis that his legal education contributed to his adherence to a pragmatic conception about human beings and their rights, seeing in the positive laws a greater power than the rights created by the nature’s God. This interpretation allows us to get new perspectives on some of his writings as: Summary view of the rights of Britsh America (1774), Declaration of Independence (1776) and Bill for establishing religious freedom (1779).

Keywords:
Thomas Jefferson (1743-1826); Natural rights; Jus positivismo

Jefferson e o direito

Ao redigir o rascunho da Declaração de Independência do EUA, Thomas Jefferson não imaginou que também rabiscava algumas linhas de sua própria história. Enquanto contornava as letras que davam vida às reivindicações dos habitantes das treze colônias britânicas, sem saber, o jovem da Virgínia escrevia o primeiro capítulo de sua própria biografia, garantindo sua entrada definitiva no panteão norte-americano de heróis. É evidente que todos sabiam da importância daquele texto no âmbito do conflito separatista, mas ninguém ousou sonhar que ele se converteria, por mais de duzentos anos, no “documento fundador mais amado da nação” (Brunsman, Silverman, 2013BRUNSMAN, Denver; SILVERMAN, David J. (eds.) The American Revolution reader. New York: Routledge, 2013., p. 114).2 2 Sobre a tradução: todas as citações em inglês foram livremente traduzidas por nós. Os trechos retirados das fontes terão os originais integralmente apresentados nas notas de rodapé.

De maneira geral, a vida de Jefferson é contada em função desse evento, considerado ato fundador de sua gênese. Justamente por isso, é difícil não pensar em Jefferson sem atrelar a ele características atribuídas ao documento que forjou, destacando elementos simbólicos do pensamento ilustrado, como a defesa dos direitos naturais dos homens e a liberdade dos mesmos na busca pela felicidade. É também por isso que se torna tão difícil compreender como pôde manter, até os últimos dias de sua vida, sua condição de senhor de escravos.

Em outros termos, a memória pública consagrada em torno da vida e obra de Jefferson tem no ato da Declaração a medida de valor de tudo que ele faria depois disso. Portanto, seria quase “natural” compreender o desencadeamento das demais etapas de sua vida como membro da Academia de Artes e Ciências dos EUA, governador da Virgínia, embaixador, secretário de Estado, fundador da Universidade da Virgínia e, por fim, presidente da República.

A grandiosidade que essa passagem possui na vida de Jefferson ofusca uma parte fundamental de sua biografia: seu período de formação universitária e a construção de uma trajetória advocatícia que o tornou uma figura pública proeminente. Afinal, não deixa evidente que predicados possuía para que fosse escolhido como um dos representantes da Virgínia no segundo Congresso Continental e, também, incumbido de rascunhar o documento que transformaria a vida de todos ali reunidos.

Os anos em que Jefferson passou como estudante de direito no tradicional College of William and Mary, em Williamsburg, muitas vezes são tratados como uma mera formalidade a qual um homem da aristocracia virginiana deveria se submeter. No entanto, não foi bem isso o que ocorreu. Seu período de formação foi bastante profícuo, marcado por uma rotina de doze horas de estudos e noites descontraídas na Raleigh Tavern. Foi quando, também, envolveu-se com atividades editoriais, ajudando na organização da Virginia Gazzette (Meacham, 2013MEACHAM, Jon. Thomas Jefferson: the art of power. Reprinted edition. New York: Random House, 2013.).

Do ponto de vista intelectual, trata-se da época em que entrou em contato com as principais leituras da filosofia e do direito. Conforme atestam seus cadernos de anotações daquela época, foi em Williamsburg onde tomou conhecimento mais aprofundado dos escritos de Bacon, Adam Smith, Locke, Newton, Lord Kames, Sir William Blackstone, entre outros (Wilson, 1985WILSON, Douglas L. Thomas Jefferson’s early notebooks. The William and Mary Quarterly (Williamsburg). v. 42, n. 4, p. 433-452, 1985.).

Além disso, as amizades e o círculo de relacionamento que lá se forjaram o acompanharam por toda sua trajetória política. A proximidade com seu professor George Whyte, um dos mais importantes e reconhecidos advogados daquele período, assim como seu parentesco com Peyton Randolph, por exemplo, abriram-lhe as portas do gabinete de Francis Fauquier, vice-governador da Virgínia.3 3 Wythe se converteria em membro do segundo Congresso Continental da Philadelphia e signatário da Declaração de Independência. Peyton Randolph, por sua vez, participaria do primeiro Congresso, na condição de presidente, e de parte do segundo Congresso. Da mesma forma, fez com que suas visitas à House of Burguesses fossem cada vez mais constantes, acompanhando a dinâmica da câmara de leis daquela comunidade.4 4 A House of Burgesses era a assembleia legislativa da colônia da Virgínia que vigorou até o ano de 1776. Fundada em Jamestown em 1619, mudou-se para Willamsburg em 1699. Foi a primeira assembleia legislativa nas colônias americanas. Em uma dessas oportunidades, pôde assistir com especial interesse ao discurso do advogado, e brilhante orador, Patrick Henry contra o Ato do Selo, em 30 de maio de 1765.

Sua estadia em Williamsburg durou aproximadamente sete anos. Após dois anos como estudante na Faculdade de Direito, iniciou seu período de “estágio” sob a supervisão de Wythe. Ao contrário de seus demais colegas, que cumpriam um período máximo de dois anos como “estagiários”, Jefferson permaneceu por cinco anos dedicando-se ao estudo das leis. Não se sabe ao certo porque demorou tanto para finalizar seus estudos e dar início à sua trajetória como advogado - fato que se concretizaria em outubro de 1766, quando foi admitido pelo Bar of the General Court of the Virginia Colony, o equivalente à nossa Ordem dos Advogados (Shestack, 1994SHESTACK, Jerome S. The self-evident lawyer. ABA Journal (Chicago). n. 78, p. 78-80, March 1994., p. 79) -, mas a verdade é que este período lhe deu prestígio e reconhecimento entre seus pares, tendo se convertido no representante legal do próprio George Whyte e do aclamado Patrick Henry. O que chamava a atenção de seus mais proeminentes clientes não era apenas sua habilidade como advogado muito bem preparado, mas a sua condição de formidável estudioso das leis (Dewey, 1987DEWEY, Frank. L. Thomas Jefferson, lawyer. Charlottesville: University of VirginiaPress, 1987.).

Com a permissão para advogar em mãos, Jefferson retornou a Charlottesville, sua terra natal, onde abriria um escritório e defenderia seus primeiros casos. A partir de então, permaneceria advogando até 1774, quando o curso do movimento independentista ganhou toda a sua atenção.5 5 Não existe um consenso em torno dos números, mas é possível dizer que, em toda sua trajetória enquanto advogado, Jefferson defendeu algo em torno de oitocentos casos. Além disso, ao transferir sua carteira de clientes a Edmund Randolph, em agosto de 1774, Jefferson estimou que a mesma lhe renderia 519 libras (Dewey, 1977, p. 295). Sua entrada no cenário político nacional também se deu neste ano, pois foi quando ele escreveu o Summary view of the rights of British America. Retornaremos a esse documento mais adiante; por ora, vale ressaltar que, entre os vários aspectos de destaque desse escrito, o que chamou a atenção de seus leitores qualificados, entre eles os membros do primeiro Congresso Continental reunidos na Filadélfia, era o conhecimento da história do direito britânico exibido pelo virginiano e a qualidade de sua escrita. Justamente por isso, quando Jefferson se juntou ao segundo Congresso Continental, em 20 de junho de 1775, a sua fama de “advogado estudioso” já estava amplamente difundida.

Mesmo depois de sua desvinculação formal do Congresso, em agosto de 1776, Jefferson não se distanciou das atividades jurídicas, tendo rascunhado uma constituição para a Virgínia, naquele mesmo ano, e uma lei a respeito da liberdade religiosa em 1779. Durante esse tempo, foi designado a compor o Comitê Responsável por Revisar as Leis de seu estado, aproveitando para visitar diferentes arquivos históricos em busca de compêndios e livros jurídicos. Boa parte do material encontrado seria adicionado à sua coleção particular de leis impressas (Crow, 2010CROW, Matthew. Jefferson, Pocock, and the temporality of law in a Republic. Republics of Letters: A Journal for the Study of Knowledge, Politics, and the Arts (Stanford). v. 2, n. 1, p. 55-81, 2010., p. 55).6 6 Vale ainda destacar que, ao elaborar o epitáfio a ser gravado em seu túmulo, Jefferson não deixou de lembrar de seus feitos legais, como “Autor da Declaração de Independência e o Estatuto para o estabelecimento da liberdade religiosa na Virgínia”.

É inegável, portanto, que o direito teve um papel fundamental na trajetória de Jefferson, muito mais do que se costuma mencionar. A verdade é que, até 1779, ele era “apenas” um advogado estudioso das leis. Todo o seu reconhecimento e parte de seus rendimentos vinham daí. Porém, mais do que isso, defendemos que essa formação jurídica foi responsável por moldar a maneira como ele passou a enxergar o mundo e como entendeu as relações humanas. Isto fica claro em uma frase que se atribui a ele, “eu fui criado para a lei; o que me deu uma visão do lado sombrio da humanidade. Então, eu li poesia para dar a ela uma perspectiva positiva”7 7 No original: “I was bred to the law; that gave me a view of the dark side of humanity. Then I read poetry to qualify it with a gaze on the bright side.” (Jefferson apudWilson, 1985WILSON, Douglas L. Thomas Jefferson’s early notebooks. The William and Mary Quarterly (Williamsburg). v. 42, n. 4, p. 433-452, 1985., p. 442). Se levarmos tal sentença a sério, podemos dizer que as leis deram a ele uma visão pessimista, mas, também, pragmática sobre a humanidade.

Quando tomamos essa premissa como ponto de partida para a análise dos documentos de Thomas Jefferson, pensamos ser possível lançar novas perspectivas a respeito de seus argumentos sobre os direitos dos homens como a vida, a liberdade e a busca pela felicidade. Ao invés da figura idealista, surge, então, a imagem de um pragmático e, mais do que isso, de alguém com um tipo de pragmatismo que via na criação das leis um ato de vontade dos homens que, assim sendo, sobressair-se-iam aos direitos atribuídos às pessoas pelo “Criador”.

Neste ponto, conforme pretendemos demonstrar em nosso artigo, partimos da hipótese de que Jefferson desenvolveu uma concepção do direito que o aproximaria de uma interpretação das leis que mais de um século depois seria chamado de jus positivismo. Esta é uma proposta pouco usual, pois a imagem a ele atribuída está intrinsicamente vinculada ao documento apontado como germe da Declaração dos direitos do homem e do cidadãoe, portanto, um defensor convicto dos direitos naturais.8 8 Segundo Lynn Hunt (2009, p. 13), “Jefferson transformou um típico documento do século XVIII sobre injustiças políticas numa proclamação duradoura dos direitos humanos”. Talvez esteja aí uma das armadilhas de quem se põe a estudá-lo: partir da expectativa criada pela leitura consagrada da Declaração de Independência para averiguar a sua obra. No entanto, segundo entendemos, o fato de reconhecer que os seres humanos eram dotados de direitos naturais e defender suas observâncias, não significa que ele acreditasse que os mesmos deveriam se sobrepor aos contratos forjados entre os homens.

Conforme apresentaremos adiante, defendemos que esta maneira de Jefferson entender o mundo, como o território dos contratos firmados entre pessoas, desenvolveu-se ao longo de suas experiências jurídicas, mas, também, durante o pleito dos colonos no processo de ruptura política da colônia frente à metrópole. Tais momentos lhe serviram de lição para entender que, na relação entre pessoas, o peso do direito convertido em lei sempre fala mais alto do que suas prerrogativas naturais. Também por isso daremos um peso maior à dimensão contextual em relação aos documentos escritos por ele, uma vez que acreditamos ser esta uma forma de entender como tal interpretação sobre o direito e a política foram, paulatinamente, cristalizando-se em seu pensamento.

Apenas assim compreenderemos como, em sua trajetória, seu pragmatismo político se sobrepôs ao seu idealismo ou, recorrendo à sua própria fala, o direito venceu a poesia. Por conta disso, no lugar do idealista, do pensador humanista, do político virtuoso, oferecemos um Jefferson “jus positivista”9 9 Temos consciência de que o jus positivismo ou o positivismo jurídico é uma “escola” do direito que não existia na época de Thomas Jefferson. No entanto, defendemos que parte de suas formulações seguem alguns preceitos que seriam vistos em autores como Hans Kelsen (1881-1973) mais de cem anos depois; entre eles a noção de que as leis eram o resultado da vontade dos homens e estabelecidas em forma de contrato, podendo sobrepor-se aos direitos naturais quando fruto de tal consenso entre os sujeitos. Portanto, o uso da classificação “jus positivista” para Thomas Jefferson é feito seguindo tal precaução. e, em consequência, um político pragmático. Segundo compreendemos, algumas facetas desse personagem se tornam mais nítidas quando observadas a partir dessa perspectiva. Afinal, apesar de seus escritos inspiradores, Jefferson tinha um modo prático de encarar a política, muito pouco idealista, de acordo com seus próprios biógrafos (Ellis, 1998ELLIS, Joseph J. American sphinx: the character of Thomas Jefferson. New York: Vintage Books, 1998.; Malone, 1948MALONE, Dumas. Jefferson and his time. v. 1: Jefferson, the Virginian. Boston: Little, Brown and Co., 1948.; Meacham, 2013MEACHAM, Jon. Thomas Jefferson: the art of power. Reprinted edition. New York: Random House, 2013.).

A análise de alguns de seus documentos mais famosos, como o Summary view (1774), a Declaração de Independência (1776) e o Draft for a bill for establishing religious freedom (1779), auxiliar-nos-ão nessa investigação. Algumas cartas aparecerão para nos fornecer informações adicionais sobre seus posicionamentos a respeito das leis. Porém, antes disso, precisamos apresentar alguns elementos jurídicos que compunham as discussões em torno dos direitos naturais e de suas garantias no período pré-revolucionário norte-americano.

Common Law, Equity e as leis naturais

Um dos elementos que dão suporte a nossa hipótese sobre o jus positivismo de Jefferson e que, por isso merece nossa atenção, está na própria estrutura judiciária inglesa e como ela vinha sendo posta em questão nas 13 colônias. As incertezas jurídicas provocadas pela interpretação dúbia dos direitos naturais produziam calafrios entre os colonos. Naquela época, o sistema jurídico estava dividido entre os Tribunais da Lei Comum (Common Law) e as Chancelarias de Equidade (Equity).

O estabelecimento da Common Law guarda relação com a própria organização da Grã-Bretanha e a expansão de tribunais e júris em seu território, que teve início ainda em meados do século XI (Genn, 2015GENN, Hazel. Common law reasoning and institutions. London: University of London, 2015., p. 21). A intenção era a de submeter os diversos condados a uma lei comum, substituindo antigas tradições jurídicas locais e garantindo a observância do poder Real. Uma vez que o seu intuito era o de estabelecer parâmetros justos e equivalentes a toda uma gama diversificada de gente, ela se baseava no direito consagrado, compilado e aplicado por juristas desde o século XIII. Por conta disso, uma sentença não poderia fugir dos parâmetros formalizados por tais compêndios.

Assim, com a paulatina estratificação da Common Law, os tribunais se tornaram cada vez mais caros, lentos e técnicos. Esta tecnicidade se tornou incapaz de absorver certas demandas específicas, bem como as novas realidades resultantes das mudanças provocadas pelo tempo, como a expansão do comércio e dos novos tipos de propriedades. Desse modo, como forma de buscarem algum tipo de “antídoto” para curar supostas “injustiças” causadas pela Common Law e sua rigidez, os súditos recorriam diretamente à misericórdia do rei. Vale ressaltar que, na Inglaterra daquela época, o rei era tido como a fonte primordial de onde emanava o direito.

Da mesma forma que se deu com a Common Law, o crescimento populacional e territorial impôs limites e custos cada vez mais difíceis de serem observados. Com o aumento de pedidos dessa natureza, o rei passou a delegar aos seus chanceleres (geralmente um bispo ou um conselheiro) o poder de avaliar tais reivindicações em locais especiais, chamados de chancelarias. Aos poucos, esses estabelecimentos foram sendo formalizados e passaram a ser uma alternativa aos impasses causados pela aplicação da Common Law. Então, recorria-se à chancelaria em busca de obter o “juízo do rei” sobre os assuntos pendentes. As sentenças ali proferidas eram também estabelecidas por meio de princípios legais e máximas jurídicas, porém, com uma forma mais fluida e flexível para julgar alguns desagravos. Como mantenedor da “consciência do rei”, “o Chanceler lidava com as petições baseado naquilo que era moralmente correto” (Genn, 2015GENN, Hazel. Common law reasoning and institutions. London: University of London, 2015., p. 22; grifo nosso).10 10 No século XV, as chancelarias passariam a funcionar de maneira autônoma e independente do rei, estabelecendo-se como um tribunal de Equidade (Equity), capaz de estabelecer a “justiça”, como sugere o seu nome, quando a Common Law fosse incapaz de assim fazê-la. Para tanto, dentro desta nova esfera jurídica, surgiram novas leis, mas também novos tipos de sentenças, como a “liminar”, a “retificação” e a “rescisão” (Genn, 2015, p. 22-23). Por conta de sua maior flexibilidade e de sua recorrência a aquilo que era visto como moralmente correto, o tribunal de Equidade passou a ser o local dos direitos naturais por excelência. Ao menos, o local apropriado para que eles fossem devidamente evocados.

Ao longo de sua formação em direito, quando ainda era “estagiário” de George Wythe, Jefferson estudou essas duas esferas do universo jurídico. Para cada uma delas, carregou um caderno pessoal de notas, onde recolhia frases, citações, análises de casos e outras curiosidades a respeito dos julgamentos que acompanhava naqueles tribunais, mas também de suas leituras.11 11 Jefferson possuía uma série de pequenos livros onde fazia anotações sobre agricultura, botânica, literatura, música e outros afins. Os mais conhecidos são o Legal Commonplace Book, o Literary Commonplace Book; o Case and Fee Book e o Equity Commonplace Book. No caso de seu livro com anotações sobre agricultura, sugere-se que este teria sido herdado de seu pai, uma vez que a grafia do mesmo muda radicalmente em relação às primeiras anotações (Wilson, 1985). Segundo alguns especialistas (Wilson, 1985; Dumbauld, 1991), suas anotações tiveram início entre 1764 (no caso do Equity Commonplace Book) e 1765 (para o Legal Commonplace Book).

É interessante notar que o caderno destinado ao estudo da Equidade, apesar de possuir quase o dobro de anotações do que aquele onde listava assuntos sobre a Common Law, não registrou a entrada de novas informações a partir de 1767, quando Jefferson efetivamente deu início à sua carreira de advogado. O mesmo não se pode dizer em relação ao Legal Commonplace Book. Sabe-se, por exemplo, que as citações a Montesquieu, Beccaria e Voltaire feitas nesse livreto datam dos anos entre 1774 e 1776 (Wilson, 1985WILSON, Douglas L. Thomas Jefferson’s early notebooks. The William and Mary Quarterly (Williamsburg). v. 42, n. 4, p. 433-452, 1985., p. 447), período em que esteve envolvido na elaboração do Summary view, nas discussões do segundo Congresso Continental e na confecção da Declaração de Independência.

Esse fato pode indicar sua maior predileção pelo estudo do direito consagrado. Na verdade, é possível dizer, até mesmo, que Jefferson não era um admirador da Equidade, pois, segundo escreveu a Philip Mazzei, um colega italiano, em novembro 1785, ela tornava o direito “mais incerto ‘sob pretexto de torná-lo mais razoável’”, sendo que essa característica ia contra os objetivos dos antigos juízes em seus primórdios, que era o de “tornar a lei cada vez mais precisa” (Jefferson, 1785JEFFERSON, Thomas. From Thomas Jefferson to Philip Mazzei. November 1785. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-09-02-0056 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
http://founders.archives.gov/documents/J...
).12 12 No original: “More incertain ‘under pretence of rendering it more reasonable’” e “to render the law more and more certain.” Este é um documento muito interessante para nossos estudos. Trata-se de uma carta escrita por Jefferson na época em que esteve na França. Nela, ele explica, sem o auxílio de seus livros, que tinham ficado na Virgínia, como se dava o funcionamento das Chancelarias no EUA, bem como apresenta um breve histórico sobre as mesmas. Assim, ele emite algumas críticas a autores e alterações feitas nos tribunais de Equidade que os teriam convertido em instrumentos de execução judicial imprevisíveis.

Entretanto, tal descontentamento refletia um sentimento generalizado de descrédito que as chancelarias possuíam naquele momento e que se agravaria ainda mais com o advento da Revolução Americana. A insatisfação com os tribunais de Equidade era algo amplamente verificável à época da independência dos Estados Unidos. Naquele momento, Equity era um conceito contestado, pois seu princípio teórico existia às margens da legitimidade jurídica.13 13 Segundo Matthew Crow (2015, p. 158), o conceito de equidade entrou no período que antecede a Revolução Americana caracterizado pelos medos e incertezas associados a um tripé de tendências históricas: a tirania absolutista; um ceticismo sob a forma de preconceito histórico contra narrativas legitimadoras de continuísmo e tradição; e uma linguagem multifacetada, livre, e, assim, potencialmente perigosa da lei natural.

Esses temores se concretizavam principalmente quando os julgamentos estabelecidos pelas cortes locais de cada colônia eram revertidos nas chancelarias britânicas, localizadas em territórios além-mar, trazendo maiores instabilidades jurídicas. Isso ficava ainda mais evidente nas questões que envolviam a escravidão, como foi no famoso caso Somerset v. Stewart, de 1772.14 14 Naquela ocasião, um escravo americano, fugitivo em terras britânicas, reivindicou a sua liberdade junto ao chanceler que, em sua decisão, concedeu ganho de causa a Somerset, afirmando que “a escravidão era em todos os lugares um produto do direito positivo e repugnante à natureza. Uma vez que não existia tal lei positiva na Inglaterra, não haveria proteção legal à propriedade sobre homens” (Crow, 2015, p. 163). O próprio Jefferson, em 1770, dois anos antes do caso mencionado, havia recorrido a Chancelaria da Virgínia solicitando a liberdade para um escravo, Samuel Howell. Naquela oportunidade, a linha de defesa estabelecida por Jefferson fazia um apelo aos direitos naturais dos homens, como demonstram as seguintes palavras:

Sob a lei da natureza, todos os homens nascem livres, vindo ao mundo com direito a seu próprio corpo, o que inclui a liberdade de movê-lo e usá-lo à sua própria vontade. Isto é o que se chama de liberdade pessoal, e lhe é dado pelo Autor da natureza, sendo ela necessária para seu próprio sustento (Jefferson apudSchwabach, 2010SCHWABACH, Aaron. Thomas Jefferson, slavery, and slaves. Thomas Jefferson Law Review (San Diego), v. 33, n. 1, p. 1-60, 2010., p. 40).15 15 No original: “Under the law of nature, all men are born free, everyone comes into the world with a right to his own person, which includes the liberty of moving and using it at his own will. This is what is called personal liberty, and is given him by the Author of nature, because necessary for his own sustenance.”

Além da incrível semelhança entre este excerto e aquele que seria escrito seis anos mais tarde na Declaração de Independência, vale observar que o argumento foi plenamente refutado pelo chanceler que não permitiu, sequer, que ele terminasse o discurso elaborado. Ocorre que diferentemente do que se deu em Somerset v. Stewart, as leis da Virgínia eram bastante claras e severas quanto à escravidão, bem como em relação à alforria de escravos. Portanto, a lei escrita prevaleceu sobre o direito provido pela natureza e o apelo à “justiça real”, nesse caso, pouco adiantou.

Esta não foi a única frustração experimentada por Jefferson ao recorrer à Equidade como forma de reparar equívocos produzidos pela lei e, também, a demonstrar-lhe que as normas consagradas se sobrepunham àquelas naturalmente atribuídas aos seres humanos. Na realidade, quando analisado apenas no âmbito dos Congressos Continentais da Philadelphia (1774-1776), o próprio processo de independência representou um fracasso no apelo à “consciência do rei”. Afinal, segundo compreendemos, o procedimento adotado pelos delegados é similar aos métodos aplicados pelos advogados da época quando se sentiam injustiçados pela Common Law. Porém, ao invés de recorrer aos chanceleres (os mantenedores da consciência do rei) os congressistas foram direto ao próprio George III, pois, conforme já comentamos, era ele a fonte do próprio direito.

Neste ponto, é fundamental para o desenvolvimento de nossa hipótese que destaquemos o fato de que, na história da independência do EUA, o primeiro documento a trazer o rei para o centro das discussões foi o Summary view of the rights of British America de Thomas Jefferson.16 16 No banco de dados do National Archives, Founders Online, o documento aparece com o nome de Draft of instructions to the Virginia delegates in the Continental Congress (Jefferson, 1774). Existe um motivo para isso e ele será apresentado no texto. Antes mesmo de Thomas Paine voltar toda sua artilharia contra o rei George III, em seu famoso Common sense de 1776, Jefferson já havia percebido o papel central que o soberano poderia ter naquela contenda. Como bom advogado, recorreu à justiça real, valendo-se de um argumento moralmente defensável, típico dos recursos encaminhados às chancelarias: os direitos naturais dos colonos.

Summary view: o apelo frustrado aos direitos naturais

Summary view foi escrito originalmente com o título de Instructions to the Virginia delegates in the Continental Congress. Tratava-se de um documento endereçado à House of Burguesses, em Williamsburg, quando da eleição dos delegados virginianos que representariam a colônia no primeiro Congresso Continental. Nele, Jefferson defendia o acirramento do conflito contra os britânicos, acusando o rei George III de cúmplice do Parlamento na contenda. Ao contrário do que o documento solicitava, os delegados resolveram adotar um posicionamento mais cauteloso.

Mesmo assim, o texto ganhou notoriedade quando alguns amigos de Jefferson resolveram convertê-lo em panfleto, reproduzindo-o em larga escala em uma das gráficas de Williamsburg. Quando o documento chegou às páginas dos jornais, a opção dos editores foi o de nomeá-lo Summary view of the rights of British America (Ellis, 1998ELLIS, Joseph J. American sphinx: the character of Thomas Jefferson. New York: Vintage Books, 1998., p. 34). Rapidamente o panfleto ficou famoso e chegou aos ouvidos dos membros do Congresso Continental, dando a Jefferson uma reputação nas demais colônias.

Lembrando das circunstâncias de sua elaboração, em uma carta endereçada a John Campbell, em setembro de 1809, Jefferson contou que a sua intenção não era a de que o texto fosse publicado. Segundo descreve:

O Summary view não foi escrito para ser publicado. Era o rascunho de uma petição ao Rei que eu preparei, e que pretendia propor em minha representação, como um membro da Convenção de 1774. Tendo sido impedido de seguir minha viagem por motivos de doença, eu o enviei ao Orador, que o colocou sobre a mesa para a leitura junto aos membros (Jefferson, 1809JEFFERSON, Thomas. From Thomas Jefferson to John W. Campbell. 3 September 1809. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/03-01-02-0390 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
http://founders.archives.gov/documents/J...
; grifo nosso).17 17 No original: “The Summary view was not written for publication. It was a draught I had prepared of a petition to the King, which I meant to propose in my place as a member of the Convention of 1774. Being stopped on the road by sickness, I sent it on to the Speaker, who laid it on the table for the perusal of the members.”

Por conta disso, no ano seguinte, Jefferson apareceria entre os delegados escolhidos para representar a Virginia no segundo Congresso Continental, ocupando a vaga de primeiro suplente e, em junho de 1775, foi convocado para se dirigir à Filadélfia para substituir Peyton Randolph. Assim, quando desembarcou na capital da Pensilvânia, todos queriam saber quem era o homem por trás do Summary view. Como observaria John Adams, Jefferson chegava com a “reputação de possuir uma pena magistral [...] em consequência daquele belíssimo panfleto que ele escrevera para a Câmara dos Burgueses”18 18 No original: “Reputation of a masterly pen..., in consequence of a very handsome public paper wich he had written for the House of Burgesses.” (Adams apudEllis, 1998ELLIS, Joseph J. American sphinx: the character of Thomas Jefferson. New York: Vintage Books, 1998., p. 33).

Além de toda importância desse escrito no que tange à visibilidade de seu autor, ele é fundamental para entender a visão jurídica que o mesmo possuía a respeito do litígio estabelecido entre colonos e a metrópole. Ainda que tenha entrado para a história como um panfleto político, vale ressaltar que foi idealizado para ser uma petição, portanto, um documento legal.

Neste “requerimento ao rei”, Jefferson recorreria à história do direito bretão para construir sua tese sobre a natureza dos direitos dos colonos. Essa era uma forma de dar legitimidade às reivindicações dos habitantes da América, mas, ao mesmo tempo, trazer George III para o centro da discussão. Por isso, pensando como um advogado de defesa de seus conterrâneos, enquanto todos bradavam que não poderia haver “taxação sem representação”, Jefferson apontava para outro caminho: o apelo à consciência do Rei. Sua proposta era a de que o Congresso Continental mantivesse diálogo diretamente com a autoridade real, uma vez que os colonos possuíam o direito naturalmente adquirido de elaborar suas próprias leis. Afinal, o Parlamento não teria qualquer poder sobre as colônias, independente da participação das mesmas em suas cadeiras.

Ao tirar o Parlamento da discussão, e toda a tecnicidade das leis criadas pelo mesmo, Jefferson abriu as portas para o uso dos direitos naturais como fonte de reivindicação, permitindo que a causa independentista tivesse um solo apropriado de argumentação.19 19 O próprio Jefferson reconheceria isso no futuro. Naquela mesma carta escrita a Campbell, ele lembraria que “se isso teve algum mérito, foi o de ser o primeiro [documento] a estabelecer o nosso verdadeiro fundamento, e que foi depois assumido e mantido”. No original: “If it had any merit it was that of first taking our true ground, & that which was afterwards assumed & maintained” (Jefferson, 1809). Conforme vemos no trecho de abertura do documento:

estas são as nossas queixas que colocamos diante de sua majestade, com a liberdade de linguagem e sentimento as quais tornam um povo livre a reivindicar seus direitos, como derivado das leis da natureza, e não como o presente de seu magistrado chefe: bajular quem teme; não é uma arte americana (Jefferson, 1774JEFFERSON, Thomas. Draft of instructions to the Virginia delegates in the Continental Congress (Ms. text of A summary view, &c.) [July 1774]. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0090 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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).20 20 No original: “That these are our grievances which we have thus laid before his majesty, with that freedom of language and sentiment which becomes a free people claiming their rights, as derived from the laws of nature, and not as the gift of their chief magistrate: Let those flatter who fear; it is not an American art.”

Neste momento, o argumento central de Jefferson é o de que a condição de “expatriados” que possuíram os “primeiros americanos” dava a eles os mesmos direitos que tiveram os saxões quando formaram a Inglaterra ainda em seus primórdios, antes da chegada de Guilherme o Conquistador, postulando-se como livres do cumprimento das leias germânicas. Por conta disso, argumentou Jefferson (1774JEFFERSON, Thomas. From Thomas Jefferson to Philip Mazzei. November 1785. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-09-02-0056 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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): “pensa-se que nenhuma circunstância ocorreu para distinguir materialmente os britânicos da emigração saxã. A América foi conquistada e seus assentamentos estabelecidos, e firmemente estabelecidos, à custa de indivíduos, e não do público britânico.”21 21 No original: “And it is thought that no circumstance has occurred to distinguish materially the British from the Saxon emigration. America was conquered, and her settlements made, and firmly established, at the expence of individuals, and not of the British public.” Tal condição histórica faria dos “americanos” herdeiros da mesma tradição saxã de liberdade individual.

Assim, sem negar a condição de súditos do rei, Jefferson entendia que os habitantes da colônia possuíam direitos naturalmente constituídos para formar suas próprias leis e exercer sua soberania em suas próprias terras, sem a anuência do Parlamento. Vejamos o que ele escreveu neste trecho:

Tendo os assentamentos sido construídos nas terras selvagens da América, os imigrantes acharam apropriado adotar o sistema de leis sob o qual tinham vivido em sua pátria mãe e manter sua união com ela, submetendo-se ao mesmo soberano comum, que se constitui no elo que liga as diversas partes do império, recentemente multiplicado (Jefferson, 1774JEFFERSON, Thomas. Draft of instructions to the Virginia delegates in the Continental Congress (Ms. text of A summary view, &c.) [July 1774]. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0090 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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).22 22 No original: “That settlements having been thus effected in the wilds of America, the emigrants thought proper to adopt that system of laws under which they had hitherto lived in the mother country, and to continue their union with her by submitting themselves to the same common sovereign, who was thereby made the central link connecting the several parts of the empire thus newly multiplied.”

Esta era uma tese bastante controversa e, naquele momento, poucos pareciam concordar com Jefferson, uma vez que ela se baseava em uma espécie de mito dos saxões e seus supostos ideais de liberdade, muito propagado por uma literatura whig do século XVII.23 23 Para Jon Meacham a influência whig de Jefferson veio de seu pai, Peter Jefferson. Após a sua morte, Jefferson, então com 14 anos, herdou sua biblioteca composta por livros com esse perfil. Entre eles, Meacham destaca a obra Germania de Tacitus que teria feito de Thomas Jefferson um “adepto da teoria de que a Inglaterra foi inicialmente povoada por saxões amantes da liberdade” (Meacham, 2013, p. 29). No entanto, conforme observa Dumas Malone (1948MALONE, Dumas. Jefferson and his time. v. 1: Jefferson, the Virginian. Boston: Little, Brown and Co., 1948., p. 184; grifo nosso), “[ainda que] seus pressupostos pudessem ser questionáveis, e existissem equívocos em sua apresentação histórica, moralmente sua hipótese era forte.” E não era exatamente baseado nesse preceito que a “consciência do rei” deveria ser evocada, para julgar se uma alegação era moralmente correta?

Por isso, segundo defendemos, Jefferson entendia que o debate não poderia ser feito dentro das discussões das leis consagradas e que o embate com o Parlamento seria infrutífero. Por outro lado, como era de praxe nos julgamentos nos quais ele estava acostumado a participar, quando as sentenças do juiz eram contrárias aos direitos naturais, dever-se-ia apelar diretamente ao rei, como forma de abrir um caminho para novas soluções jurídicas. Assim, lemos, “é agora, portanto, o grande ofício de sua majestade retomar o exercício de seu poder negativo e impedir a passagem de leis por qualquer legislatura do império que possa ser prejudicial aos direitos e interesses de outro” (Jefferson, 1774JEFFERSON, Thomas. From Thomas Jefferson to Philip Mazzei. November 1785. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-09-02-0056 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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).24 24 No original: “It is now, therefore, the great office of His Majesty, to resume the exercise of his negative power, and to prevent the passage of laws by any one legislature of the empire, which might bear injuriously on the rights and interests of another.” Desta feita, o rei era conclamado como instituição mediadora, aquele capaz de encontrar um remédio justo para o impasse gerado entre seus súditos, lançando mão de seu poder de veto sobre o Parlamento. Conforme lemos: “insistimos profundamente em Vossa Majestade, que ainda é o único poder mediador entre os vários estados do império britânico, para recomendar ao seu Parlamento da Grã-Bretanha a revogação total desses atos” (Jefferson, 1774).25 25 No original: “And we do earnestly intreat [sic] His Majesty, as yet the only mediatory power between the several states of the British Empire, to recommend to his parliament of Great Britain the total revocation of these acts.”

De tal maneira, tanto no primeiro como no segundo Congresso Continental, as petições enviadas ao rei tornaram-se um expediente constante. Entretanto, com o decorrer dos fatos, dos novos requerimentos e reivindicações, bem como com o acirramento dos combates em solo americano, o rei não apenas não aceitou as alegações peticionadas pelos colonos, como declarou guerra formal aos mesmos. Aos congressistas não restavam muitas opções e aquela escolhida foi a de se declararem independentes.

Por conta disso, no dia 2 de junho de 1776, o Congresso Continental designou cinco nomes para formarem um comitê com o objetivo de redigir o que viria a se tornar a Declaração de Independência.26 26 Os membros eram: Benjamin Franklin (Philadelphia); Thomas Jefferson (Virginia); John Adams (Massachusetts); Robert Livingston (New York); e Roger Sherman (Connecticut). Entre esses, Thomas Jefferson e John Adams ficaram responsáveis por elaborar um primeiro rascunho do documento, a ser revisado pelos demais. Contam os vários relatos que Adams abriu mão dessa tarefa, entregando toda a responsabilidade ao seu colega da Virgínia. Diante dessa atitude, Jefferson teria perguntado, “por que eu?”; e Adams o responderia dizendo: “você pode escrever dez vezes melhor do que eu”27 27 No original: “you can write ten times better than I can.” (Adams apud Maier, 1997MAIER, Pauline. American scripture: making the declaration of Independence. New York: Vintage Books, 1997., p. 100).

A resposta ao menos condiz com a visão que o próprio Adams tinha de Jefferson, a de ser o dono de uma “pena magistral”. Entretanto, para Joseph Ellis, historiador e um dos principais biógrafos dos primeiros presidentes dos EUA, Adams não tinha a dimensão do que aquele documento iria se converter. Para ele, era muito mais importante e daria maior visibilidade o trabalho de “base” na arguição da proposta junto aos congressistas. Jamais imaginou que aquele se converteria em um dos documentos “sagrados”, segundo o “credo americano” (Ellis, 1998ELLIS, Joseph J. American sphinx: the character of Thomas Jefferson. New York: Vintage Books, 1998., p. 57-58).

A Declaração de Independência: direito positivo vs. direitos naturais

O rascunho elaborado por Jefferson foi revisado pelo referido comitê, cabendo a Franklin o papel de editor chefe. No dia 2 de julho, ele foi apresentado ao Congresso, não obtendo a aprovação de todos. Até finalmente ser ratificado no dia 4 de julho, passaria ainda por um crivo severo, retirando cerca de um terço do conteúdo originalmente escrito por seu redator.

Tanto em seu formato final, quanto em seu rascunho, o texto trazia algumas curiosidades, relevantes dentro da análise proposta por nosso artigo e, por conta disso, passaremos ao seu escrutínio. A primeira peculiaridade que destacamos está na forma como a Declaração foi escrita, uma vez que, naquela época, no sentido jurídico do termo, não era comum que declarações fossem dotadas de preâmbulos. A forma corrente era a de se anunciar o emissor e, em seguida, declarar o que houvesse de ser declarado. É assim que se apresenta a English declaration of rights, por exemplo (Maier, 1997MAIER, Pauline. American scripture: making the declaration of Independence. New York: Vintage Books, 1997., p. 128).

A existência de um preâmbulo é, talvez, uma das razões pelas quais o documento tenha sido mal interpretado, sendo encarado como o “marco fundacional da filosofia política americana”, um “texto de importância transcendental” e uma “declaração de princípios imortais” (Maier, 1997MAIER, Pauline. American scripture: making the declaration of Independence. New York: Vintage Books, 1997., p. 129). Em nossa opinião, esse tipo de leitura em relação à Declaração acabou por emprestar tais “julgamentos” a Jefferson, dando a ele o mesmo caráter humanista que foi imputado ao seu escrito com o passar do tempo.

Porém, ao contrário dessas diversas leituras, como bem observa Pauline Maier, autora do contundente e já clássico livro, American scripture,

A Declaração de Independência deve ser entendida, em primeiro lugar e de maneira mais importante, não como filosófica, mas, [como escrita] na linguagem do dia, como um documento constitucional, ou seja, que diz respeito à autoridade fundamental do governo (Maier, 1997MAIER, Pauline. American scripture: making the declaration of Independence. New York: Vintage Books, 1997., p. 126).

A segunda peculiaridade a ser apontada está relacionada ao desfecho que o documento aprovado pelo Congresso possui, afinal, declarações também não eram costumeiramente firmadas por todos os proponentes. A assinatura de John Hancock, presidente da “convenção” seria mais do que suficiente. Da forma como está, a Declaração se parece mais com uma petição.

Essas duas características são importantes, uma vez que, apesar de se tratar de um documento com fins estritamente políticos, demonstram a preocupação que os congressistas possuíam em alegar que a decisão tomada por eles era um ato de justiça. Daí a necessidade de que ele se assemelhasse a um documento jurídico. De qualquer modo, tanto sua força política quanto sua forma jurídica perderam espaço ao longo do tempo, envolvendo a Declaração em um caráter quase metafísico e atemporal, como se fosse um grande manifesto ilustrado contra a tirania e em defesa da liberdade dos seres humanos.

Para entendermos a fonte desse equívoco devemos voltar à primeira das curiosidades elencadas anteriormente: ao preâmbulo, mais especificamente ao segundo parágrafo, pois é em seu conteúdo que reside toda a fonte desse desentendimento. Vejamos a versão que aparece no rascunho elaborado por Jefferson:

Consideramos essas verdades como sendo sagradas e inquestionáveis; que todos os homens são criados iguais e independentes, sendo que a partir dessa mesma criação derivam direitos intrínsecos e inalienáveis, entre os quais estão a preservação da vida, e liberdade, e a busca da felicidade; que, para assegurar tais direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; sendo que sempre que qualquer forma de governo se tornar uma ameaça para tais fins, é do direito do povo alterá-la ou aboli-la, instituindo um novo governo, estabelecendo o seu fundamento nesses princípios e organizando seus poderes da forma que lhes parece mais provável e garanta a sua segurança e felicidade (Jefferson, 1776JEFFERSON, Thomas. III. Jefferson’s “original rough draught” of the Declaration of Independence. 11 June-4 July 1776. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0176-0004 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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).28 28 No original: “We hold these truths to be sacred & undeniable; that all men are created equal & independant, that from that equal creation they derive rights inherent & inalienable, among which are the preservation of life, & liberty, & the pursuit of happiness; that to secure these ends, governments are instituted among men, deriving their just powers from the consent of the governed; that whenever any form of government shall become destructive of these ends, it is the right of the people to alter or to abolish it, & to institute new government, laying it’s foundation on such principles & organizing it’s powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their safety & happiness.”

O leitor atento e que possui conhecimento da Declaração oficial, logo perceberá algumas diferenças em relação ao rascunho. Neste não existe a tão famosa expressão self-evident (contribuição de Franklin à redação) logo em sua primeira linha. Mesmo assim, o sentido da mensagem não se altera. Mas, então, por que ele seria a fonte para tantos mal-entendidos?

Pois é justamente no preâmbulo e, mais especificamente neste parágrafo, onde aparece a evocação aos direitos naturais. Tal fato nos levaria a crer que teriam sido eles, os direitos naturais, a justificativa para a separação das 13 colônias de sua metrópole. Porém, isso não é verdade. No texto, a única função do preâmbulo é o de anunciar os motivos formais pelos quais a independência se fazia necessária. Era isso o que o documento vinha “declarar”. De fato, após os primeiros parágrafos, as reais alegações são apresentadas tanto no documento original de Jefferson, em um total de 29, quanto no documento final aprovado pelo Congresso Continental, totalizando 27. Essas causas do rompimento estão dispostas em um único conjunto, destacada no centro do texto.

Assim, ao contrário do que se vê no preâmbulo, elas não fazem qualquer menção aos direitos naturais dos homens. Além disso, são fundamentadas em conflitos historicamente estabelecidos entre os colonos e o Parlamento e que contaram com a decisão do rei contrária aos “americanos”. Isto porque, segundo a lei britânica, as declarações deveriam ser compostas por alegações “claras e certas” (Maier, 1997, p. 109). Por isso, diferente do expediente adotado em Summary view e que se demonstrou ineficiente, nesta declaração não poderia haver espaço ao apelo da natureza dos direitos.

Neste ponto, quando olhamos para o rascunho apresentado por Jefferson, podemos observar esse caráter objetivo das acusações, como nessas três que apresentaremos a seguir:

ele [o Rei] interveio na administração da Justiça para que esta cessasse totalmente em algumas dessas colônias, recusando seu consentimento às leis para estabelecer o poder judiciário; [...] ele tornou nossos juízes dependentes apenas de sua vontade, pelo tempo de seus cargos e pelo valor de seus salários; [...] ele ergueu uma multidão de novos escritórios e enviou enxames de oficiais para perseguir nosso povo e devorar sua substância (Jefferson,1776JEFFERSON, Thomas. III. Jefferson’s “original rough draught” of the Declaration of Independence. 11 June-4 July 1776. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0176-0004 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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).29 29 No original: “he has suffered the administration of justice totally to cease in some of these colonies, refusing his assent to laws for establishing judiciary power;[…] he has made our judges dependent on his will alone, for the tenure of their offices, and amount of their salaries; […] he has erected a multitude of New Offices, and sent hither swarms of Officers to harass our people, and eat out their substance.”

Tratam-se da oitava, nona e décima acusações. A oitava acusação contra o rei, por exemplo, fazia referência a uma controvérsia ocorrida na Carolina do Norte, que acarretou no fechamento dos tribunais superiores em 1773. A nona acusação, por sua vez, retomava um problema relacionado à independência do judiciário colonial em Nova Iorque e na Pensilvânia em 1750 e que se agravou quando em “dezembro de 1761, o conselho real proibiu permanentemente a emissão de comissões judiciais coloniais para qualquer termo exceto ‘o prazer da Coroa’” (Maier, 1997MAIER, Pauline. American scripture: making the declaration of Independence. New York: Vintage Books, 1997., p. 110). A décima acusação, por sua vez, diz respeito à criação de novos postos de fiscalização e cobrança de impostos em Massachusetts estabelecidos pelos Atos Towshends em 1767.

O importante a ser observado, portanto, é que todos os pontos estão vinculados a eventos ocorridos no decorrer da história do litígio desenvolvido entre colonos e a metrópole, com acusações “claras e certas” e que imputavam ao rei o descumprimento de leis positivamente estabelecidas pela English declaration of rights. Cada acusação representava uma infração cometida pelo rei em relação ao seu papel estabelecido por esse documento, segundo a alegação de Jefferson. Cada denúncia, por sua vez, está relacionada a uma das colônias e remonta a um momento específico, sendo possível desenvolver uma espécie de escalada no conflito apenas pela leitura de tais pontos. Portanto, sob esse ponto de vista, a Declaração de Independência esforçava-se para ser um documento pragmático dentro da demanda que se buscava alcançar, segundo a lei estabelecida em seu tempo, e não um apelo ao criador da natureza.

Essas características aparecem tanto no rascunho de Jefferson quanto na versão final do documento. A diferença entre eles se dá nas duas alegações a mais que a versão de Jefferson possuía, totalizando 29 reivindicações. Entre essas, apenas uma, a mais polêmica de todas, é verdade, fazia menção aos direitos naturais, conforme vemos aqui:

Ele [o rei] travou uma guerra cruel contra a natureza humana, violando os mais sagrados direitos à vida e à liberdade das pessoas de um povo distante que nunca o ofendeu, tornando-os cativos e levando-os à escravidão em outro hemisfério, ou sofrendo uma morte miserável em seu transporte para lá (Jefferson, 1776JEFFERSON, Thomas. III. Jefferson’s “original rough draught” of the Declaration of Independence. 11 June-4 July 1776. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0176-0004 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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; grifos nossos).30 30 No original: “He has waged cruel war against human nature itself, violating its most sacred rights of life & liberty in the persons of a distant people who never offended him, captivating & carrying them into slavery in another hemisphere, or to incur miserable death in their transportation thither.” Este parágrafo também abre margem para uma interpretação dúbia. Em nosso entendimento, a acusação ao rei não se dá pela violação dos “direitos sagrados à vida e à liberdade”, mas, sim, pelo aprisionamento e transporte de pessoas sem que as mesmas o houvessem ofendido. Aqui, ao contrário do que geralmente se afirma para demonstrar a hipocrisia de Jefferson em relação a esse tema, a intenção do virginiano não era a de apontar o equívoco da escravidão, mas a de desqualificar o comércio de escravos.

De qualquer maneira, justamente por ser polêmico e colocar em conflito os delegados da Virgínia e os da Carolina do Sul, este item ficou de fora da versão final da Declaração. Por conta disso, os direitos naturais tiveram espaço nulo junto às 27 razões formais pelas quais a independência foi proclamada. De outra forma, o argumento sobre a ilegalidade da cobrança das taxas sem representação, que figurava desde antes dos Congressos Continentais, continuou a aparecer em mais de um dos itens, trazendo a discussão para o campo dos direitos consagrados e tornando presumivelmente justas suas causas, conforme já expusemos.

Ademais, sobre isso, em Twenty-seven reasons for Independence, Robert G. Parkinson (2013PARKINSON, Robert. Twenty-seven reasons for Independence. In: BRUNSMAN, Denver; SILVERMAN, David J. (eds.) The American Revolution reader. New York: Routledge, 2013, p. 114-119., p. 115) explica que

os americanos, há muito interpretam, analisam e dissecam as linhas de abertura da Declaraçãode Independência. [...] Poucos, no entanto, deram atenção às vinte e sete razões pelas quais o Segundo Congresso Continental acreditou que o estabelecimento de um Estados Unidos independente era justificável - e necessário. Essa preocupação com o preâmbulo contrasta com a recepção da Declaração pela “parte imparcial do mundo” em 1776.

Para Parkinson, ao contrário do que fazemos hoje, os contemporâneos de Jefferson deram muito mais importância às acusações formais do que aos direitos naturais e, ainda segundo ele, a menção aos direitos naturais tinha uma função política não se constituindo como parte das alegações contra o rei. Conforme entendeu, diante da necessidade de se estabelecer um inimigo comum e se elaborar laços de solidariedade entre os colonos, era fundamental que o documento deixasse evidente as queixas que todos possuíam contra os britânicos. Justamente por isso, aquelas linhas escritas por Jefferson, muito longe de enaltecer a natureza humana, buscavam esclarecer

um conflito militar confuso, distinguir os amigos dos inimigos, inspirar a resistência armada e angariar simpatia (e ajuda) dos europeus. [...] Se os delegados esperavam que milhares de americanos pusessem suas vidas em risco voluntariamente, eles sabiam que tinham que elaborar um manifesto que explicasse as razões do porquê (Parkinson, 2013PARKINSON, Robert. Twenty-seven reasons for Independence. In: BRUNSMAN, Denver; SILVERMAN, David J. (eds.) The American Revolution reader. New York: Routledge, 2013, p. 114-119., p. 115).

Ainda assim, mesmo que desconsideremos as alegações formais e foquemos apenas no preâmbulo, é possível questionar o suposto ideal naturalista que este emprestaria ao documento. Afinal, se fizermos uma leitura atenta, veremos que, ao mesmo passo em que Jefferson afirma que “todos os homens são criados iguais e independentes, sendo que a partir dessa mesma criação derivam direitos inerentes e inalienáveis, entre os quais estão a preservação da vida, a liberdade, a busca da felicidade”, ele também assevera que “para assegurar estes direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados” (Jefferson, 1776JEFFERSON, Thomas. III. Jefferson’s “original rough draught” of the Declaration of Independence. 11 June-4 July 1776. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0176-0004 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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; grifo nosso). Neste ponto, estamos de acordo com o que escreveu William Richardson no artigo Thomas Jefferson & race: The Declaration & Notes on the state of Virginia quando afirma: “a própria escolha da palavra ‘assegurar’ sugere que o exercício desses direitos poderia ser problemático ou incerto” (Richardson, 1984RICHARDSON, William D. Thomas Jefferson & race: The Declaration & Notes on the State of Virginia. Polity, v. 16, n. 3, p. 447-466, 1984., p. 450). Em outras palavras: a garantia do direito, estabelecida pela soberania dos governados, era mais importante que a sua autoevidência.

Aliás, seguindo essa linha de raciocínio, podemos até mesmo interrogar se o sentido de liberdade usado no texto faz menção a um tipo de direito negativo e, portanto, naturalmente constituído. Essa afirmação é possível pois, no preâmbulo, Jefferson recorre ao uso da palavra liberty ao invés de freedom. Em nosso entendimento, não se trata de uma decisão meramente estilística. Conforme demonstramos, Jefferson era um profundo conhecedor do direito, fato que o conduziu a ocupar a posição de redator da Declaração. Por isso mesmo, temos convicção de que ele entendia o significado do termo entre seus pares e, como bem observou Michael J. Rozbicki em seu clássico The complete colonial gentleman: cultural legitimacy in Plantation America, de 1998, a liberdade (liberty) no século XVIII era uma “metáfora para um conjunto de imunidades e direitos específicos existentes ao longo de um continuum, com diferentes porções desse espectro disponíveis para diferentes níveis sociais” (Rozbicki, 1998ROZBICKI, Michael. The complete colonial gentleman: cultural legitimacy in Plantation America. Charlottesville: University of Virginia Press, 1998., p. 11). Em outros termos, longe de possuir um sentido transcendental, liberty dizia respeito a uma liberdade formulada a partir do consenso de um determinado grupo.

Peter Onuf, comentando o trabalho de Rozbicki, explica que a liberdade (liberty) no início da era moderna “era uma relação social entre os desiguais [...] não uma ideia abstrata imanentemente transcendente dos direitos universais” (Onuf, 2012ONUF, Peter S. A new history of liberty. Historically Speaking (Boston). v. 13, n. 2, p. 14-15, 2012., p. 14). Nesse sentido, o autor nos explica que liberty se apresentaria como uma modalidade possível de liberdade (freedom), tendo um caráter mais positivo. Obviamente, tratou-se de um conceito em aberto, podendo ser reivindicado por novas parcelas da sociedade ao longo do tempo, uma vez que é socialmente construído, diferente da ideia de freedom, que está mais ligada ao caráter da liberdade em seu estado bruto e, por isso, mais próximo dos direitos negativos e individuais.

Ainda que a noção de liberty usada na declaração tenha criado para as gerações futuras “um espaço cultural dentro do qual seus compatriotas ambiciosos e aspirantes poderiam articular suas próprias reivindicações de liberdade” (Onuf, 2012ONUF, Peter S. A new history of liberty. Historically Speaking (Boston). v. 13, n. 2, p. 14-15, 2012., p. 14), naquele momento estava mais associada à tentativa de controle de um grupo que impunha perante à Inglaterra a sua condição de livre, mas com conotações diferentes no âmbito doméstico, assegurando a sua superioridade perante os demais.

Portanto, ao contrário do que se viu no Summary view, a Declaração de Independência abdicou por completo da reivindicação aos direitos naturais e voltou-se com mais força às alegações jurídicas, segundo as quais o Parlamento teria infringido os direitos dos colonos enquanto súditos da Coroa, conforme estabelecido pela English declaration of rights.31 31 Evidentemente não cabe a nós julgar se as alegações eram justas, apenas apontar a sua natureza jurídica. Alguns autores assinalam para a fragilidade dos argumentos elencados por Jefferson, como é o caso de Pauline Maier (1997). Aliás, desde a época em que foi escrito, o documento foi contestado em todos os seus 27 itens, conforme foi feito por Thomas Hutchinson, John Linds e um articulista da Scots Magazine, todos em 1776. A atenção dada por eles às acusações formais reforça ainda mais a leitura de que o preâmbulo não teve o mesmo peso que damos a ele nos dias de hoje. Quanto ao rei, ao não reconhecer o caráter excepcional da natureza jurídica dos americanos, permitiu que o Parlamento os subjugasse a uma lei estranha, conforme aparece na 13a acusação. Vejamos: “ele combinou com outros para nos sujeitar a uma jurisdição estranha às nossas constituições e não reconhecida por nossas leis; dando seu consentimento aos seus pretensos atos legislativos, para aquartelar grandes corpos de tropas armadas entre nós” (Jefferson, 1776JEFFERSON, Thomas. III. Jefferson’s “original rough draught” of the Declaration of Independence. 11 June-4 July 1776. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-01-02-0176-0004 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
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).32 32 No original: “he has combined with others to subject us to a jurisdiction foreign to our constitutions and unacknoleged by our laws; giving his assent to their pretended acts of legislation, for quartering large bodies of armed troops among us” (Jefferson, 1776). Neste ponto, a Declaração transfere a responsabilidade pelo desfecho daquele atrito ao rei.

Parece-nos que os dois anos de Congresso e a tentativa de se buscar a “justiça” por meio do apelo aos direitos naturais produziram ensinamentos aos sujeitos que participaram daquele processo. Esse argumento ganha ainda mais força quando analisado no conjunto de outros documentos, como a própria Constituição de 1787-1789. Pedindo licença para extrapolar momentaneamente nossos limites temporais, entendemos que a positivação de direitos naturais junto às emendas da Constituição demonstraria a superioridade que o direito consagrado possuía em relação àquele naturalmente constituído.

Além disso, entre os “pais fundadores”, existia um impasse quanto ao entendimento dos limites do contrato social de Locke. Diferente de outros federalistas, Madison acreditava que a formalização de alguns direitos naturais em um acordo jurídico demonstraria que as partes envolvidas no mesmo abriam mão dos demais direitos naturais que nele não aparecessem elencados. Seria por isso que a nona emenda do Bill of rights deixaria expresso que “a enumeração na Constituição, de certos direitos, não deve ser interpretada como negação ou depreciação de outros retidos pelo povo” (USA, 1789USA. US Congress. Bill of rights. National Archives. 1789. Disponível em: <Disponível em: https://www.archives.gov/legislative/features/bor >. Acesso em: 5 jun. 2020.
https://www.archives.gov/legislative/fea...
). Isso teria sido necessário, uma vez que, conforme bem observou Michael W. McConnell, em seu artigo Natural rights and the Ninth Amendment: how does Locke an legal theory assist in interpretation?: “as evidências históricas indicam que os direitos naturais no mundo pré-constitucional não tinham o status que agora atribuímos aos direitos constitucionais - apontando para sua supremacia sobre o direito positivo” (McConnell, 2010MCCONNELL, Michael W. Natural rights and the Ninth Amendment: how does Lockean legal theory assist in interpretation? New York University Journal of Law & Liberty (New York), v. 5, n. 1, p. 1-29, 2010., p. 21; grifos nossos).

Para McConnell, nossa atual compreensão sobre os direitos humanos confunde o correto entendimento a respeito do sentido dado aos direitos naturais pelos “pais fundadores”. Diferentemente do que concordamos hoje, os direitos naturais não se sobrepunham automaticamente às leis locais sob a prerrogativa de serem moralmente superiores. No mundo pré-constituição, por conta dessa leitura da teoria legal de Locke, havia a possibilidade de que, ao serem excluídos de um determinado contrato social, os direitos naturais fossem tidos como “menosprezados” pelas partes envolvidas em um acordo. Por outro lado, a lei natural somente poderia ser respeitada quando não existisse um impeditivo positivado contra ela. Conforme explica o autor, “certamente, os direitos naturais tinham alguma autoridade nos tribunais, muito parecida com os direitos comuns, mas eles não podiam prevalecer sobre decretos legais expressos” (McConnell, 2010MCCONNELL, Michael W. Natural rights and the Ninth Amendment: how does Lockean legal theory assist in interpretation? New York University Journal of Law & Liberty (New York), v. 5, n. 1, p. 1-29, 2010., p. 28).

Liberdade religiosa: o direito como um “ato de vontade”

No caso específico de Thomas Jefferson, tal percepção quanto à incapacidade dos direitos naturais em produzir segurança jurídica fica ainda mais evidente quando a análise se volta para outro de seus rascunhos, o Draft for a bill for establishing religious freedom,33 33 Apenas como um dado de simples observação: nesse documento, ao defender a liberdade religiosa como um direito individual e natural, Jefferson recorre ao termo freedom ao invés de liberty. de 1779. Segundo alguns autores, este documento começou a ser elaborado ainda em 1777 (Gaustad, 1998GAUSTAD, Edwin S. Thomas Jefferson, religious freedom, and the Supreme Court. Church History (Philadelphia), v. 67, n. 4, p. 682-694, 1998., p. 683), um ano após a Declaração e, finalmente, converter-se-ia em lei em 1786 pelas mãos de James Madison. A verdade é que ele foi produzido no período em que Jefferson fazia parte do comitê responsável por revisar as leis da Virgínia, entre 1776 e 1779, conforme comentamos anteriormente.

Trata-se de um pequeno projeto de lei que pode ser dividido em três seções, não ocupando o espaço maior do que o de uma única página. Seu objetivo era o de estabelecer a liberdade religiosa em seu estado natal. Conforme sabemos, Jefferson temia que, após a independência, o governo nacional fosse capturado pelas Igrejas da Nova Inglaterra, principalmente por conta da expansão de sua influência após o Primeiro Grande Despertar, o que ficou evidente durante a Revolução Americana. Depois, quando presidente, em 1802, escreveu a célebre carta à congregação batista onde afirmaria haver “um muro da separação entre Igreja e Estado” (ver Hutson, 1998HUTSON, James. ‘A wall of separation’: FBI helps restore Jefferson’s obliterated draft. Library of Congress Information Bulletin (Washington). v. 57, n. 6, 1998. Disponível em: <Disponível em: https://www.loc.gov/loc/lcib/9806/danbury.html >. Acesso em: 5 jun. 2020.
https://www.loc.gov/loc/lcib/9806/danbur...
). O documento que veremos a seguir possibilita-nos entender que tal preocupação vinha desde os primeiros instantes após a independência.

Na primeira parte do rascunho, Jefferson alega que o Deus Todo Poderoso criou a mente humana livre para exercer o pensamento, não podendo o credo ser escolhido por meio de coerção. Trata-se da passagem mais extensa do documento. Nela, Jefferson defende que a escolha de uma religião estava associada ao exercício do livre pensamento, fazendo da opção pela mesma um ato individual. Por isso mesmo, as escolhas de um indivíduo na esfera religiosa não deveriam se misturar aos direitos civis, nem a religião deveria ser usada para sustentar a elaboração de leis, e tampouco poderia ser utilizada como forma de privar um cidadão do usufruto de seus direitos. Conforme fica explícito:

nossos direitos civis não dependem de nossas opiniões religiosas, mais do que de nossas opiniões sobre física ou geometria; portanto, classificar qualquer cidadão como indigno da confiança pública, colocando-lhe uma incapacidade de ser chamado para cargos de confiança e remuneração, a menos que professe ou renuncie a essa ou aquela opinião religiosa, está privando-o injustamente daqueles privilégios e vantagens os quais possui em comum com seus concidadãos (Jefferson, 1779JEFFERSON, Thomas. A bill for establishing religious freedom. 18 June 1779. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-02-02-0132-0004-0082 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
http://founders.archives.gov/documents/J...
).34 34 No original: “Our civil rights have no dependance on our religious opinions, any more than our opinions in physics or geometry; that therefore the proscribing any citizen as unworthy the public confidence by laying upon him an incapacity of being called to offices of trust and emolument, unless he profess or renounce this or that religious opinion, is depriving him injuriously of those privileges and advantages to which, in common with his fellow citizens.”

A segunda seção é a mais breve e menciona que nenhum homem pode ser compelido a frequentar ou apoiar qualquer culto religioso, tornando ilegal qualquer tipo de iniciativa nesse sentido por parte do Estado, pois, conforme está escrito,“devem ser livres para professar, e por conseguinte, manter suas opiniões em questões de religião, e que o mesmo não deve de modo algum diminuir, aumentar ou afetar suas capacidades civis” (Jefferson, 1779JEFFERSON, Thomas. A bill for establishing religious freedom. 18 June 1779. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-02-02-0132-0004-0082 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
http://founders.archives.gov/documents/J...
).

Por fim, e ao que aquinos interessa, a terceira e última seção traz, em si, um verdadeiro resumo daquilo que tentamos demonstrar com este artigo desde o princípio e, justamente por isso,35 35 Ainda que para nós esta passagem deixe o caráter “jus positivista” de Jefferson “autoevidente”, talvez seja necessário um rápido esclarecimento quanto ao que se define por juspositivismo em contraposição ao jusnaturalismo. Enquanto o segundo grupo entende que as normas representam a consagração de direitos intrínsecos à natureza humana, o primeiro grupo compreende que uma lei se estabelece enquanto um “ato de vontade” de uma comunidade política, daquilo que julga correto segundo as demandas de seu tempo, e não a consagração de um princípio filosófico atemporal. Assim, mesmo que partindo de um pressuposto contrário ao direito natural, caso essa seja a vontade da comunidade que elabora as normas, elas podem assim ser positivadas (ver Kelsen, 1998). vamos disponibilizá-la na íntegra:

Sabemos que esta Assembleia, eleita pelo povo para o simples propósito legislativo, não tem o poder para restringir os atos de Assembleias futuras, constituídas com poderes iguais aos nossos. Portanto, declarar esta lei irrevogável não tem qualquer efeito legal; no entanto, somos livres para declarar, e declaramos, que os direitos aqui invocados pertencem aos direitos naturais da humanidade e que, se alguma lei for subsequentemente aprovada para revogar a presente ou para restringir seu funcionamento, tal lei será uma violação do direito natural (Jefferson, 1779JEFFERSON, Thomas. A bill for establishing religious freedom. 18 June 1779. National Archives. Founders Online. Disponível em: <Disponível em: http://founders.archives.gov/documents/Jefferson/01-02-02-0132-0004-0082 >. Acesso em: 8 jun. 2020.
http://founders.archives.gov/documents/J...
; grifos nossos).36 36 No original: “And though we well know that this Assembly, elected by the people for the ordinary purposes of legislation only, have no power to restrain the acts of succeeding Assemblies, constituted with powers equal to our own, and that therefore to declare this act irrevocable would be of no effect in law; yet we are free to declare, and do declare, that the rights hereby asserted are of the natural rights of mankind, and that if any act shall be hereafter passed to repeal the present or to narrow its operation, such act will be an infringement of natural right.”

No caso do trecho supracitado, configura-se como um aviso às futuras gerações a respeito do prejuízo às leis da natureza no caso da anulação do decreto, mas, reafirma a autoridade de qualquer outra assembleia legitimamente eleita em assim o fazer. Em outras palavras, ainda que sob pena de cometer um grave equívoco contra aos direitos naturalmente constituídos, qualquer assembleia poderia revogar aquela lei segundo um ato de vontade.

Ao analisar esse mesmo trecho do rascunho de Jefferson, McConnell, citado a pouco por nós, vai ao encontro de nosso argumento central ao afirmar que

isso deixa claro que a geração fundadora, apesar de sua elevada consideração pelos ‘direitos naturais da humanidade’, acreditava que, na ausência de proteções constitucionais expressas, as legislaturas tinham o poder (mesmo que não o direito) de violar esses direitos. [...] o status de Direitos ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ eram inferiores aos da legislação (McConnell, 2010MCCONNELL, Michael W. Natural rights and the Ninth Amendment: how does Lockean legal theory assist in interpretation? New York University Journal of Law & Liberty (New York), v. 5, n. 1, p. 1-29, 2010., p. 17).

Neste ponto, pensamos que é possível que se conclua que o processo de independência e as diversas derrotas acumuladas na busca pela “justiça do rei”, fazendo apelo aos direitos naturais dos colonos, serviram de lição aos fundadores, especialmente para Jefferson, quanto à ineficiência de se apelar ao caráter moral e filosófico de um direito, uma vez que os acordos estabelecidos entre os sujeitos se sobressaem aos direitos concedidos pelo Criador. Em outros termos, a lei enquanto um ato de vontade dos homens, fruto de um processo de racionalização, possui maior eficácia do que a vontade divina.

Considerações finais

Desde o princípio, nosso objetivo primordial foi o de apresentar uma visão alternativa de Thomas Jefferson. No lugar da imagem idealista geralmente atribuída a ele e em defesa dos direitos dos homens concedidos pelo Criador, oferecemos “o lado sombrio” de um personagem extremamente pragmático. Uma substituição do predomínio jus naturalista por outro mais próximo ao que viria ser chamado de jus positivista. Esta proposta defende a importância que o direito possuiu em sua formação, dando a ele o claro entendimento de que no mundo moderno, onde o contrato jurídico se estabelece como principal forma de regular a vida dos seres humanos, a força da regra se sobrepunha aos ideais que inspiravam a construção dessa mesma realidade.

Nesse momento, o homem forjado pelas leis usou de sua experiência jurídica para recorrer ao rei e à sua consciência em busca de uma solução para os conflitos com o Parlamento britânico. No entanto, assim como ele viu ocorrer nas chancelarias da Virgínia, os direitos naturais apareciam como uma ferramenta convenientemente instável e incapaz de gerar a justiça prometida. Nesse ponto, a ruptura com os ingleses produziu alguns ensinamentos que ficariam estampados já em seu documento primordial de separação: a construção de um governo deve ser feita com vistas a garantir os direitos concedidos pelo Deus da natureza.

Aliás, este é outro caráter importante que nosso artigo procurou afirmar. Não existe a negação de Jefferson quanto à existência dos direitos naturais e de sua importância. Porém, a experiência histórica, tanto em sua atuação como advogado quanto o pleito independentista, lhe deu a visão de que os direitos positivados possuem maior validade legal do que aqueles apontados como autoevidentes e concedidos por Deus.

Por isso mesmo, nosso texto tem uma forte ênfase no aspecto contextual e biográfico de Jefferson, uma vez que julgamos ser possível perceber a construção dessa visão em torno da relação entre o direito e a política. Se em Summary view ele faz um apelo à consciência do rei em prol da defesa de seus “direitos, como derivados das leis da natureza” (Jefferson, 1774), na Declaração de Independência o apelo aos direitos naturais fica em segundo plano, ocupando espaço apenas no preâmbulo do documento, cuja única função era o de anunciar os reais motivos da separação. Tais pontos não apenas foram apresentados de maneira “clara e certa”, como ele o faz tendo como parâmetro os direitos dos cidadãos consagrados na English declaration of rights, supostamente infringidos pelo rei por conta de sua omissão ou ação direta sobre as colônias.

Por fim, apontamos o Draft for a bill for establishing religious freedom como a síntese desse pensamento e peça-chave de nossa hipótese, uma vez que, mesmo que tivesse a compreensão de que a liberdade religiosa fosse um direito natural, ele se mostrou preocupado com a necessidade de convertê-la em uma lei positivada, ainda que reconhecesse que as leis são frutos dos pactos estabelecidos pelos homens, independentes do caráter natural dos direitos.

Além desses três documentos, parece-nos que, ao olhar a vida de Jefferson em sua totalidade, veremos que uma espécie de padrão se constitui em torno desses eventos desdobrados entre 1774 e 1777. Acreditamos que a discussão estabelecida com James Madison a respeito da necessidade de se anexar um Bill of rights à Constituição vai ao encontro de tudo o que apresentamos aqui. Mas, também, em outros momentos em que Jefferson recorreu ao “império da lei” como forma de justificar seus movimentos no jogoda política de seu país. Diante disso, surge a imagem do político pragmático tão destacada por seus biógrafos, sendo esta totalmente tributária de sua formação jurídica.

Como excelente advogado, soube interpretar as leis de maneira que elas justificassem suas ações. Exemplo disso foi a compra da Louisiana, em 1803, em seu primeiro mandato. Quando a Constituição não dava ao presidente o poder explícito de adquirir territórios, lançou mão do argumento de que a mesma dava a ele a prerrogativa de fazer acordos internacionais. Assim, a aquisição do território dos franceses se deu por meio de um tratado, superando qualquer alegação que viesse a colocar em xeque a sua legalidade. O tema do tráfico de escravos poderia entrar aqui, quando lemos o seu discurso anual endereçado ao Congresso, em 1806, alertando aos membros daquela casa quanto ao prazo legal instituído pela Constituição para que os mesmos colocassem fim a tal prática.

Entretanto, esses são eventos que merecem ser tratados com mais calma e rigor em oportunidades futuras. Ademais, é preciso compreender os momentos históricos dentro de seus devidos limites temporais, como forma de se evitar que novas imagens projetadas de Jefferson se sobreponham à leitura de seus textos ou, por outro lado, que sejam vítimas de sua “pena magistral”.

Referências

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  • WILSON, Douglas L. Thomas Jefferson’s early notebooks. The William and Mary Quarterly (Williamsburg). v. 42, n. 4, p. 433-452, 1985.
  • 1
    O presente artigo é resultado de pesquisas desenvolvidas durante estágio pós-doutoral na George Washington University com o apoio da Fapesp e sob supervisão do Prof. Dr. Denver Brunsman.
  • 2
    Sobre a tradução: todas as citações em inglês foram livremente traduzidas por nós. Os trechos retirados das fontes terão os originais integralmente apresentados nas notas de rodapé.
  • 3
    Wythe se converteria em membro do segundo Congresso Continental da Philadelphia e signatário da Declaração de Independência. Peyton Randolph, por sua vez, participaria do primeiro Congresso, na condição de presidente, e de parte do segundo Congresso.
  • 4
    A House of Burgesses era a assembleia legislativa da colônia da Virgínia que vigorou até o ano de 1776. Fundada em Jamestown em 1619, mudou-se para Willamsburg em 1699. Foi a primeira assembleia legislativa nas colônias americanas.
  • 5
    Não existe um consenso em torno dos números, mas é possível dizer que, em toda sua trajetória enquanto advogado, Jefferson defendeu algo em torno de oitocentos casos. Além disso, ao transferir sua carteira de clientes a Edmund Randolph, em agosto de 1774, Jefferson estimou que a mesma lhe renderia 519 libras (Dewey, 1977DEWEY, Frank. L. Thomas Jefferson’s lawyer pratice. The Virginia Magazine of History and Biography (Richmond), v. 85, n. 3, p. 289-301, 1977., p. 295).
  • 6
    Vale ainda destacar que, ao elaborar o epitáfio a ser gravado em seu túmulo, Jefferson não deixou de lembrar de seus feitos legais, como “Autor da Declaração de Independência e o Estatuto para o estabelecimento da liberdade religiosa na Virgínia”.
  • 7
    No original: “I was bred to the law; that gave me a view of the dark side of humanity. Then I read poetry to qualify it with a gaze on the bright side.”
  • 8
    Segundo Lynn Hunt (2009HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. , p. 13), “Jefferson transformou um típico documento do século XVIII sobre injustiças políticas numa proclamação duradoura dos direitos humanos”.
  • 9
    Temos consciência de que o jus positivismo ou o positivismo jurídico é uma “escola” do direito que não existia na época de Thomas Jefferson. No entanto, defendemos que parte de suas formulações seguem alguns preceitos que seriam vistos em autores como Hans Kelsen (1881-1973) mais de cem anos depois; entre eles a noção de que as leis eram o resultado da vontade dos homens e estabelecidas em forma de contrato, podendo sobrepor-se aos direitos naturais quando fruto de tal consenso entre os sujeitos. Portanto, o uso da classificação “jus positivista” para Thomas Jefferson é feito seguindo tal precaução.
  • 10
    No século XV, as chancelarias passariam a funcionar de maneira autônoma e independente do rei, estabelecendo-se como um tribunal de Equidade (Equity), capaz de estabelecer a “justiça”, como sugere o seu nome, quando a Common Law fosse incapaz de assim fazê-la. Para tanto, dentro desta nova esfera jurídica, surgiram novas leis, mas também novos tipos de sentenças, como a “liminar”, a “retificação” e a “rescisão” (Genn, 2015, p. 22-23). Por conta de sua maior flexibilidade e de sua recorrência a aquilo que era visto como moralmente correto, o tribunal de Equidade passou a ser o local dos direitos naturais por excelência. Ao menos, o local apropriado para que eles fossem devidamente evocados.
  • 11
    Jefferson possuía uma série de pequenos livros onde fazia anotações sobre agricultura, botânica, literatura, música e outros afins. Os mais conhecidos são o Legal Commonplace Book, o Literary Commonplace Book; o Case and Fee Book e o Equity Commonplace Book. No caso de seu livro com anotações sobre agricultura, sugere-se que este teria sido herdado de seu pai, uma vez que a grafia do mesmo muda radicalmente em relação às primeiras anotações (Wilson, 1985). Segundo alguns especialistas (Wilson, 1985; Dumbauld, 1991DUMBAULD, Edward. Thomas Jefferson’s Equity commonplace book. Washington and Lee Law Review (Lexington). v.48, n. 4, p. 1257-1283, 1991.), suas anotações tiveram início entre 1764 (no caso do Equity Commonplace Book) e 1765 (para o Legal Commonplace Book).
  • 12
    No original: “More incertain ‘under pretence of rendering it more reasonable’” e “to render the law more and more certain.” Este é um documento muito interessante para nossos estudos. Trata-se de uma carta escrita por Jefferson na época em que esteve na França. Nela, ele explica, sem o auxílio de seus livros, que tinham ficado na Virgínia, como se dava o funcionamento das Chancelarias no EUA, bem como apresenta um breve histórico sobre as mesmas. Assim, ele emite algumas críticas a autores e alterações feitas nos tribunais de Equidade que os teriam convertido em instrumentos de execução judicial imprevisíveis.
  • 13
    Segundo Matthew Crow (2015, p. 158), o conceito de equidade entrou no período que antecede a Revolução Americana caracterizado pelos medos e incertezas associados a um tripé de tendências históricas: a tirania absolutista; um ceticismo sob a forma de preconceito histórico contra narrativas legitimadoras de continuísmo e tradição; e uma linguagem multifacetada, livre, e, assim, potencialmente perigosa da lei natural.
  • 14
    Naquela ocasião, um escravo americano, fugitivo em terras britânicas, reivindicou a sua liberdade junto ao chanceler que, em sua decisão, concedeu ganho de causa a Somerset, afirmando que “a escravidão era em todos os lugares um produto do direito positivo e repugnante à natureza. Uma vez que não existia tal lei positiva na Inglaterra, não haveria proteção legal à propriedade sobre homens” (Crow, 2015CROW, Matthew. Thomas Jefferson and the uses of Equity. Law and History Review, v. 33, n. 1, p. 151-180, 2015., p. 163).
  • 15
    No original: “Under the law of nature, all men are born free, everyone comes into the world with a right to his own person, which includes the liberty of moving and using it at his own will. This is what is called personal liberty, and is given him by the Author of nature, because necessary for his own sustenance.”
  • 16
    No banco de dados do National Archives, Founders Online, o documento aparece com o nome de Draft of instructions to the Virginia delegates in the Continental Congress (Jefferson, 1774). Existe um motivo para isso e ele será apresentado no texto.
  • 17
    No original: “The Summary view was not written for publication. It was a draught I had prepared of a petition to the King, which I meant to propose in my place as a member of the Convention of 1774. Being stopped on the road by sickness, I sent it on to the Speaker, who laid it on the table for the perusal of the members.”
  • 18
    No original: “Reputation of a masterly pen..., in consequence of a very handsome public paper wich he had written for the House of Burgesses.”
  • 19
    O próprio Jefferson reconheceria isso no futuro. Naquela mesma carta escrita a Campbell, ele lembraria que “se isso teve algum mérito, foi o de ser o primeiro [documento] a estabelecer o nosso verdadeiro fundamento, e que foi depois assumido e mantido”. No original: “If it had any merit it was that of first taking our true ground, & that which was afterwards assumed & maintained” (Jefferson, 1809).
  • 20
    No original: “That these are our grievances which we have thus laid before his majesty, with that freedom of language and sentiment which becomes a free people claiming their rights, as derived from the laws of nature, and not as the gift of their chief magistrate: Let those flatter who fear; it is not an American art.”
  • 21
    No original: “And it is thought that no circumstance has occurred to distinguish materially the British from the Saxon emigration. America was conquered, and her settlements made, and firmly established, at the expence of individuals, and not of the British public.”
  • 22
    No original: “That settlements having been thus effected in the wilds of America, the emigrants thought proper to adopt that system of laws under which they had hitherto lived in the mother country, and to continue their union with her by submitting themselves to the same common sovereign, who was thereby made the central link connecting the several parts of the empire thus newly multiplied.”
  • 23
    Para Jon Meacham a influência whig de Jefferson veio de seu pai, Peter Jefferson. Após a sua morte, Jefferson, então com 14 anos, herdou sua biblioteca composta por livros com esse perfil. Entre eles, Meacham destaca a obra Germania de Tacitus que teria feito de Thomas Jefferson um “adepto da teoria de que a Inglaterra foi inicialmente povoada por saxões amantes da liberdade” (Meacham, 2013, p. 29).
  • 24
    No original: “It is now, therefore, the great office of His Majesty, to resume the exercise of his negative power, and to prevent the passage of laws by any one legislature of the empire, which might bear injuriously on the rights and interests of another.”
  • 25
    No original: “And we do earnestly intreat [sic] His Majesty, as yet the only mediatory power between the several states of the British Empire, to recommend to his parliament of Great Britain the total revocation of these acts.”
  • 26
    Os membros eram: Benjamin Franklin (Philadelphia); Thomas Jefferson (Virginia); John Adams (Massachusetts); Robert Livingston (New York); e Roger Sherman (Connecticut).
  • 27
    No original: “you can write ten times better than I can.”
  • 28
    No original: “We hold these truths to be sacred & undeniable; that all men are created equal & independant, that from that equal creation they derive rights inherent & inalienable, among which are the preservation of life, & liberty, & the pursuit of happiness; that to secure these ends, governments are instituted among men, deriving their just powers from the consent of the governed; that whenever any form of government shall become destructive of these ends, it is the right of the people to alter or to abolish it, & to institute new government, laying it’s foundation on such principles & organizing it’s powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their safety & happiness.”
  • 29
    No original: “he has suffered the administration of justice totally to cease in some of these colonies, refusing his assent to laws for establishing judiciary power;[…] he has made our judges dependent on his will alone, for the tenure of their offices, and amount of their salaries; […] he has erected a multitude of New Offices, and sent hither swarms of Officers to harass our people, and eat out their substance.”
  • 30
    No original: “He has waged cruel war against human nature itself, violating its most sacred rights of life & liberty in the persons of a distant people who never offended him, captivating & carrying them into slavery in another hemisphere, or to incur miserable death in their transportation thither.” Este parágrafo também abre margem para uma interpretação dúbia. Em nosso entendimento, a acusação ao rei não se dá pela violação dos “direitos sagrados à vida e à liberdade”, mas, sim, pelo aprisionamento e transporte de pessoas sem que as mesmas o houvessem ofendido. Aqui, ao contrário do que geralmente se afirma para demonstrar a hipocrisia de Jefferson em relação a esse tema, a intenção do virginiano não era a de apontar o equívoco da escravidão, mas a de desqualificar o comércio de escravos.
  • 31
    Evidentemente não cabe a nós julgar se as alegações eram justas, apenas apontar a sua natureza jurídica. Alguns autores assinalam para a fragilidade dos argumentos elencados por Jefferson, como é o caso de Pauline Maier (1997). Aliás, desde a época em que foi escrito, o documento foi contestado em todos os seus 27 itens, conforme foi feito por Thomas Hutchinson, John Linds e um articulista da Scots Magazine, todos em 1776. A atenção dada por eles às acusações formais reforça ainda mais a leitura de que o preâmbulo não teve o mesmo peso que damos a ele nos dias de hoje.
  • 32
    No original: “he has combined with others to subject us to a jurisdiction foreign to our constitutions and unacknoleged by our laws; giving his assent to their pretended acts of legislation, for quartering large bodies of armed troops among us” (Jefferson, 1776).
  • 33
    Apenas como um dado de simples observação: nesse documento, ao defender a liberdade religiosa como um direito individual e natural, Jefferson recorre ao termo freedom ao invés de liberty.
  • 34
    No original: “Our civil rights have no dependance on our religious opinions, any more than our opinions in physics or geometry; that therefore the proscribing any citizen as unworthy the public confidence by laying upon him an incapacity of being called to offices of trust and emolument, unless he profess or renounce this or that religious opinion, is depriving him injuriously of those privileges and advantages to which, in common with his fellow citizens.”
  • 35
    Ainda que para nós esta passagem deixe o caráter “jus positivista” de Jefferson “autoevidente”, talvez seja necessário um rápido esclarecimento quanto ao que se define por juspositivismo em contraposição ao jusnaturalismo. Enquanto o segundo grupo entende que as normas representam a consagração de direitos intrínsecos à natureza humana, o primeiro grupo compreende que uma lei se estabelece enquanto um “ato de vontade” de uma comunidade política, daquilo que julga correto segundo as demandas de seu tempo, e não a consagração de um princípio filosófico atemporal. Assim, mesmo que partindo de um pressuposto contrário ao direito natural, caso essa seja a vontade da comunidade que elabora as normas, elas podem assim ser positivadas (ver Kelsen, 1998KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.).
  • 36
    No original: “And though we well know that this Assembly, elected by the people for the ordinary purposes of legislation only, have no power to restrain the acts of succeeding Assemblies, constituted with powers equal to our own, and that therefore to declare this act irrevocable would be of no effect in law; yet we are free to declare, and do declare, that the rights hereby asserted are of the natural rights of mankind, and that if any act shall be hereafter passed to repeal the present or to narrow its operation, such act will be an infringement of natural right.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2018
  • Aceito
    21 Jun 2019
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